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OFICINA LITERÁRIA
AULA 1 – O QUE É LITERATURA?
Para entendermos O QUE É LITERATURA, temos que ter, como ponto de partida, a noção de CONOTAÇÃO e DENOTAÇÃO. Sendo assim, observe os textos 1 e 2:
Texto 1:
Mas não há literatura que não tenha seus campeões de mentira – real ou imaginária. O escritor francês Alphonse Daudet (1840 - 1897) celebrizou-se graças às aventuras mentirosas de seu personagem Tartarin de Tarascon, um burguês baixinho, com certa tendência à obesidade, que se imaginava um valente herói e saía contando peripécias nunca vividas. No Brasil, o mentiroso Macunaíma, de Mário de Andrade, nem fez questão de fingir ser herói: covarde como só ele e sem nenhum caráter, Macunaíma mentia o tempo inteiro para se safar de qualquer problema – dizer a verdade, aliás, lhe dava preguiça. (Superinteressante, São Paulo: Abr., ago, 1993).
Texto 2:
Isto
Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo, 
O que me falha ou finda, 
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda. 
Essa coisa que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir! Sinta quem lê!
Fernando Pessoa
Qual é o assunto dos textos?
No texto 2, o que significa o terraço?
Fica claro que os dois textos falam do mesmo assunto, ou seja, os dois veem a construção literária como algo que é fruto da imaginação, ou melhor dizendo, nasce de doses de mentiras. No entanto, isso é dito de formas diferentes.
No texto 1, a linguagem é informativa, objetiva, apresentando dados precisos como datas e nomes de escritores. Trata-se de uma linguagem direta e impessoal. Não há nenhum tipo de exploração de imagens ou figuras de linguagem.
No texto 2, a linguagem é subjetiva. Há uma multiplicidade de significações, opondo-se a linguagem informativa. Nesse texto, o que significa, por exemplo, a palavra terraço? Ora, significa a vida do eu lírico. Debaixo desse terraço, ou seja, a partir das experiências que tem ou daquilo que sonha, caminha sua imaginação, sua inspiração de poeta.
 Releia a segunda estrofe do poema ISTO:
“Tudo o que sonho ou passo, 
O que me falha ou finda, 
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda. 
Essa coisa que é linda.”
Cabe ao leitor ter a sensibilidade necessária para usufruir o resultado da criação: “Sentir? Sinta quem o lê”.
O que queremos mostrar com essa breve leitura dos dois textos?
Queremos mostrar que a linguagem do TEXTO 1 é denotativo e a linguagem do TEXTO 2 é conotativa. Mas, o que é DENOTAÇÃO? E o que é CONOTAÇÃO?
Denotação: é a linguagem informativa, comum a todos. Tem por objetivo expressar conhecimento prático, científico. Nesse tipo de linguagem, as palavras são sempre empregadas em sentido real.
Conotação: é a linguagem afetiva, individual e subjetiva. Tem por objetivo a apreciação estética. Apresenta o uso da palavra no seu sentido figurado ou poético.
Sendo assim, a partir desses dois conceitos, podemos estabelecer a diferença entre texto literário e não literário.
A palavra TEXTO deriva do latim textus, (- us) que significa laçar, entrelaçar. Portanto, o texto é um elemento do processo comunicativo que apresenta um entrelaçamento de idéias, as quais são costuradas através das palavras. 
Todo texto é portador de um sentido, de um significado próprio, singular e pode ser falado ou escrito.
O texto pode ser:
Não Literário: é informativo, objetivo e apresenta uma linguagem denotativa, direta e impessoal. Um texto NÃO LITERÁRIO está preso à realidade, a algo que pode ser comprovado como verdade. A nossa comunicação de todos os dias, ou seja, a nossa fala do cotidiano, com nossos amigos, com nossa família ou no nosso trabalho, é um exemplo de texto NÃO LITERÁRIO. São textos que visam apenas à informação e à ação.
Literário: é aquele que entrelaça suas idéias, utilizando uma linguagem conotativa, subjetiva. Por isso, o leitor é induzido a trilhar um caminho de múltiplas significações. Os sentidos nascem do texto. Os significados de determinadas palavras ou frases não têm comprovação imediata na nossa realidade. Como exemplo, veja o fragmento do poema A flor e a náusea, de Carlos Drummond de Andrade.
A flor e a náusea
“Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.”
Como você pôde ver, a FLOR do texto não é uma flor de verdade. A palavra FLOR, ganha, aqui, outras dimensões. No fluir da vida agitada que vivemos, pode nascer uma flor no meio da rua. O que isso significa? Vivemos inseridos num cenário de trânsito acelerado, de preocupação com o trabalho, de pessoas que se cruzam sem se enxergarem. Porém, no meio de tudo isso, pode nascer a esperança de transformação. Essa esperança é a FLOR que nasce no meio da rua!
Fica claro, assim, que as palavras são símbolos. Elas ganham outros significados que vão muito além daqueles que têm na realidade.
Você sabia que o texto possui os agentes do discurso?
O texto literário é um tipo de discurso que trafega entre dois polos:
Falante/ouvinte
Escritor/leitor
Eles são os agentes do discurso.
E você sabe o que é Discurso?
Discurso: é um elemento que compõe o processo comunicativo. Trata-se de uma articulação de palavras que comporta uma intenção. Quando lemos um texto e percebemos as intenções do autor, é sinal de que está se realizando. Quando o receptor decifra o que está por trás do escrito ou do dito, o texto se transforma em discurso. 
O texto não muda, mas o discurso muda. O discurso é algo dinâmico, pois um texto pode ser lido em diferentes épocas, por diferentes pessoas e estar sujeito a uma plurissignificação. O discurso que trafega entre emissor e receptor põe em jogo as vivências de cada um. No momento de leitura, entram em jogo as vivências reais ou imaginárias, isto é, experiências que podem ter sido vividas ou adquiridas através de outras leituras.
Pode-se dizer que o discurso é um fato social, pois liga dois sujeitos situados em momentos históricos precisos e refere-se às situações localizáveis e datáveis. Como assim?
Ora, se pensarmos no romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis, vamos nos deparar com a transição de um Brasil Império para um Brasil República.
Temos, portanto, uma situação histórica, perfeitamente localizável e datável. Machado de Assis, na qualidade de sujeito-autor, situado historicamente no século XIX, fala de seu tempo, interagindo com os sujeitos-leitores da atualidade.
Nos fragmentos apresentados, é visível que as palavras não têm significados fixos. Elas têm significações possíveis. A dúvida, que atormenta Custódio em relação ao nome de sua confeitaria, induz o leitor a pensar que a mudança de regime político, no Brasil, não passou de uma troca de tabuleta, ou seja, o nome mudou de Império para República, mas as práticas continuaram as mesmas. 
A palavra é a mola mestra do discurso. Ela está vinculada ao movimento social porque traduz as práticas de um determinado grupo ou classe. Trata-se de um signo neutro, mas que perde sua neutralidade quando inserido nas realidades discursivas. Ninguém fala de graça. Toda palavra está sempre direcionada ao outro, portanto podemos dizer que a palavra estabelece relações dialógicas.
Você sabe o que são RELAÇÕES DIALÓGICAS?
As RELAÇÕES DIALÓGICAS nascem do confronto estabelecido entre posições assumidas por diferentes sujeito e expressas na linguagem. A palavra é sempre dialógica, pois a vida social é uma discussão permanente. O discurso só se realiza no contexto social se estiver sempre direcionado ao outro. Em todo texto é possível ser ouvida a voz do seu autor. As relações dialógicas só existem quando se escuta a voz do outro.
Você sabiaque existem duas operações essenciais na construção do discurso?
Essas operações são a seleção e combinação. São processos de escolha, nos quais as opções assumidas delineiam os valores, a ideologia que preside a produção de discurso e por isso é fundamental o leitor perceber no texto quem fala e para quem fala. Ao produzir um texto, o autor escolhe e combina o que vai escrever. Aquilo que ele pretende dizer é o que estará inserido na voz do narrador. Dessa forma, o texto expõe as opções assumidas e encobre as rejeitadas. Logo, um texto nunca é neutro. Há sempre a representação dos valores que se quer expressar. Tais valores representam a ideologia que preside o discurso.
Dentro desse sistema, como fica a relação AUTOR – TEXTO – LEITOR?
Devemos considerar que, no ato da leitura, o texto traz as marcas de que o produziu. Tanto quem escreve quanto quem lê produz significados. No processo de produção, entram em jogo os problemas pessoais, as emoções, as limitações de quem o produziu. E a leitura?
Se o texto é uma rede de relações que transmite possíveis significações, cada leitura estabelece um novo viés de entendimento do texto.
O leitor produz os sentidos possíveis do texto a partir de suas experiências reais ou imaginárias. Sendo assim, o grau de desenvolvimento da leitura vai depender do acerbo simbólico do leitor. Quanto maior for esse acervo, maior será o envolvimento estabelecido com o texto. Assim, a segunda leitura nunca será igual a primeira, pois as experiências do leitor mudam. A vida segue e, em seu curso, promove o amadurecimento do leitor. O que se pode dizer é que a primeira leitura produz significações que funcionam como repertório para a segunda.
Não só o DISCURSO LITERÁRIO é organizado por seleção e combinação, mas também o DISCURSO DA HISTÓRIA. Você sabe o que é o Discurso da História?
O conceito de história vai muito além da história oficial que aprendemos na escola. Não são apenas grandes líderes e grandes fatos que fazem parte da história. A história é a vida de cada um de nós. Todos os dias escrevemos a história com nossos atos e valores. A literatura se apropria desses atos e valores que formam as sociedades de diferentes épocas para dar vida a personagens dentro dos mais diversos contextos. Por isso, a literatura, considerada por muitos como a arte da palavra, pode ser conceituada como um tipo de discurso que tenta dar conta da história.
AULA 2 – O ESPAÇO DAS REPRESENTAÇÕES
O que é fundamental perceber nas cenas do filme (Cartas para Julieta)? Ora, aqui, temos registrada a grande influência que a história de amor de Romeu e Julieta, contada por Wilian Shakespeare, tem na vida de uma sociedade localizada num tempo tão distante daquele representado na história literária. No filme, muitas moças, com seus problemas afetivos, se identificam com Julieta. Por isso, escrevem cartas, que são colocadas na parede da casa de Julieta, para obterem respostas favoráveis à solução de seus conflitos.
A protagonista do filme responde uma das cartas e, a partir daí, inicia-se todo um processo de reconstrução de um amor que havia se perdido no passado.
Pois bem, o que isto tem a ver com o tema da nossa aula: O ESPAÇO DAS REPRESENTAÇÕES?
É nítido, através do filme, que a literatura e vida real se interpenetram. Os conflitos, as tensões que fazem parte da nossa vida, assim como da vida das personagens do filme que se reencontram depois de muitos anos, estão presentes na literatura. Os dramas vividos pelas personagens do filme, e por muitos na vida real, são semelhantes àqueles vividos por Romeu e Julieta. 
Portanto, a literatura é um tipo de discurso que representa o real.
Em Romeu e Julieta, estão representadas as realidades semelhantes as de muitos indivíduos e as de muitas coletividades.
Para entender melhor este universo das representações, temos que conhecer conceitos básicos, como mímesis e catársis.
Mímesis: trata-se de um termo grego que significa imitação. Não é um conceito literário, mas filosófico que serve para explicar a arte. Mas, é imitação de quê?
A arte literária usa a palavra para representar o real. Claro que não é um real exato, mas segundo um determinado olhar. O discurso não dá conta, integralmente, do real. Portanto, a imitação do real é segundo os olhos de quem o vê.
A mímesis é a relação do signo com o real. Trata-se de uma imitação, mas não de uma cópia.
Para os pitagóricos, é a representação dos estados de alma.
Para Platão, é a imitação da aparência da realidade, ou seja, imagem de imagem ou simulacro da realidade.
Para Aristóteles, é a imitação das essências. É o conhecimento profundo do ser humano e do mundo. É a revelação da plenitude do real.
Para ficar mais claro, a mímesis acontece, por exemplo, quando um determinado segmento da sociedade se mostra, ou melhor, se revela. É a representatividade das ações deste segmento social.
Vamos usar, como exemplo, o romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo. O que temos ali?
Temos a representatividade das classes minoritárias e seus conflitos. As tensões, os conflitos representados, em O Cortiço são coletivos. No romance, o cortiço é o grande personagem. Ele protagoniza a história.
Vamos entender o seguinte: o homem só consegue recriar aquilo que faz parte da noção que ele tem de relações sociais ou de contexto cultural. Ele jamais se desprende de seu grau de entendimento.
Neste processo de imitação, cabe ao homem revelar o natural e transformá-lo em patrimônio cultural.
Imitar é sempre um processo revelador.
Em O Cortiço, são reveladas e recriadas as realidades de um determinado fragmento social. Estão ali representadas as realidades rotineiras de trabalhadores e lavadeiras.
Ali estão expressos os valores que compõem esse fragmento social.
A mímesis, em O Cortiço, está na apreensão do ser humano e do mundo. Isto revelado a partir das tensões coletivas.
Como exemplo, temos João Romão. Ele é a representação do homem que enriquece através da exploração do outro. Roubando Bertoleza, sua amante e semiescrava, explorando os moradores do cortiço e casando com a filha do Miranda, ele adquire ascensão social e econômica. Esta relação, que ele estabelece com os demais, traduz, ou melhor, imita a ideologia capitalista que nascia no Brasil na época. É a revelação de que os fortes anulam os fracos dentro de um sistema devorador.
Você imagina qual seja o material que o autor utiliza para exercer a mímesis?
O autor tem, no momento histórico, a fonte para sua criação. O contexto histórico, com todos os seus conflitos, as estratificações sociais e as relações de produção são os materiais que possibilitam a imitação do real.
Devemos ressaltar que a literatura, quando finge o particular, atinge a universalidade. 
A representação do cortiço, feita por Aluísio Azevedo, nos transporta para muitos outros cortiços.
Através das classes minoritárias ali representadas, visualizamos, por exemplo, as favelas cariocas ou as comunidades pobre do nordeste brasileiro.
É, portanto, possível pensar em outras realidades semelhantes. Isto traduz o poder da universalização da literatura.
Você entendeu o que é mímesis? Então, agora, o que é catársis?
Trata-se de um termo de origem grega que significa purgação. Na linguagem religiosa, era sinônimo de expiação ou purificação. Em sentido psíquico, está relacionado à purgação das paixões ou tensões da alma. Faz parte do fenômeno literário. É a libertação promovida pela criação artística. Toda arte opera a catársis, porque opera no homem uma sensação de prazer, de plenitude. De alguma forma, através da catársis, ocorre uma transformação do leitor.
Quando lemos ou assistimos a uma tragédia como, por exemplo, Édipo Rei, temos, no final, uma sensação de libertação. Há uma calma. A obra promove o escoamento das emoções.
Leia o fragmento final de O Cortiço:
A negra imóvel, cercada de escamas de peixe, com uma das mãos espalmadas no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar.Os policiais, vendo que se não despachava, desembanharam os sabres. Bertoleza, então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto, e antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado. E depois emborcou para frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue. (AZEVEDO, p. 226)
No final do romance, Bertoleza morre e o cortiço, espaço tão cheio de vida no início da narrativa, sofre, gradativamente, um apagamento. Isto gera no leitor um sentimento de vazio. Há um abrandamento das emoções. Isto é CATÁRSIS.
Você acha que a mímesis tem alguma ligação com a cartásis?
Claro que tem! Mímesis e catarses estão sempre interligadas. Pode-se dizer que a mímesis gera a catarses, pois uma boa imitação do real gera um movimento das emoções do leitor, promovendo a sua transformação.
As revelações que o processo mimético estabelece geram múltiplas interpretações do texto. Isto acontece porque a linguagem do texto literário é ambígua e vive em permanente estado de atualização. Você sabe o que é linguagem?
A linguagem é uma das formas de apreensão do real. É qualquer sistema de comunicação que utiliza signos organizados de maneira particular. Por exemplo, os gestos dos surdos-mudos são considerados linguagem, pois, através dos sinais, estabelecem uma comunicação, veiculando uma determinada mensagem. Podemos dizer, ainda, que a linguagem é a capacidade que o home tem de expressar seus estados mentais por meio da língua, representando o mundo interior e exterior.
A linguagem literária se diferencia das demais por quê?
Porque graças ao seu caráter conotativo, abre o texto para muitas possibilidades de entendimento.
E que relação existe entre a literatura e a cultura?
A matéria literária é cultural. Só há literatura onde existe o desenvolvimento de uma cultura. Se o texto literário é conotativo, ele revela, no processo de leitura, as diferenças culturais.
Mas, o que é cultura?
Trata-se de um complexo de normas, símbolos, mitos e imagens absorvidos pelo homem. Tal complexo determina os seus instintos e move as suas emoções.
Segundo a antropologia, é o conjunto e a integração dos modos de pensar, sentir e fazer de uma comunidade, na tentativa de solucionar os problemas vivenciados no seu interior.
Se temos cultura brasileira, temos, automaticamente, literatura brasileira. Os textos nascem a partir de sociedades que possuem determinada cultura. Dessa forma, cultura, língua e literatura se vale da língua para revelar elementos culturais de uma sociedade. A conotação do texto literário tem a sua pluralidade de acorde com o universo cultural de falantes e ouvintes ou escritores e leitores. Afinal de contas, eles estão presos às diferenças socioculturais.
AULA 3 – O ÉPICO E SUAS FORMAS
A imagem da luta, do povo em guerra, da coletividade e do herói à frente de um povo traduz bem o universo épico.
A grandiosidade da imagem, no filme Tróia, é a grandiosidade épica. Além disso, o filme nos mostra como os deuses fazem interferência no destino dos homens.
Todas as ações são traçadas a partir da aprovação dos deuses. Mas, para falarmos em mundo épico, temos que, primeiramente, conhecer os gêneros literários. Você sabe o que é gênero literário?
A palavra gênero deriva do latim genus, -eris. Ela significa tempo de nascimento, origem, classe, espécie, geração. Portanto, gênero literário é um agrupamento de obras literárias que pertencem a uma classe, espécie, origem ou tempo de nascimento.
É um conjunto de obras literárias, as quais têm em comum, tempo e origem de nascimento.
Os principais gêneros literários são: o épico, o dramático e o lírico.
Mas, o nosso foco, aqui, é o épico.
Você sabe o que é uma epopeia?
A epopeia é uma narrativa de caráter heróico, grandioso. Expressa sempre o interesse nacional e social. 
Neste universo narrativo, o homem não tem espaço como ser único, ou seja, como portador de uma individualidade, pois o texto épico é o espaço de representação da coletividade. Há também uma atmosfera maravilhosa. O impossível, o sobrenatural encontra aqui seu espaço de aparição.
Os acontecimentos narrados, na epopeia, são históricos e situados em um passado muito distante. 
Há, nas histórias, uma reunião de mitos, heróis e deuses. Elas abrangem uma totalidade de acontecimentos.
A epopeia é um gênero que apresenta valores de uma única classe: a aristocracia. Esta aristocracia cede os príncipes que vão comandar a guerra. Esses chefes vão desenvolver atos heróicos. Trata-se de um universo fechado. E quem são os comandados? Claro que é o povo, ou seja, a gente simples, sem nenhum título nobiliárquico.
Como São, Então, os Heróis Épicos?
Os heróis épicos são os membros da aristocracia. Possuem uma linhagem, uma tradição. Além disso, aparecem, nas histórias, como grandes e fortes. O que caracteriza a epopeia é a motivação coletiva de todos os atos heróicos e da construção da imagem desses heróis.
Uma outra questão importante é: qual é o objeto e a fonte do épico?
O objeto da epopéia é o passado heróico. Que passado é esse? Ora, trata-se do mundo das origens, dos pais, dos ancestrais, o mundo dos primeiros e dos melhores. É um passado absoluto. É a única fonte de tudo que é bom para os tempos futuros. É neste passado absoluto que está mergulhada a história nacional. Ali estão posicionados os fundadores heróicos, os deuses e os melhores. É um passador muito distante do narrador.
A fonte da epopéia é a lenda. A memória é a principal força criadora. A epopéia resgata o passado, porque é constituída de memória. Não importa a experiência pessoal. O que vale é a lenda nacional. Dessa forma, o texto épico está impregnado de mitos e lendas.
O tempo é um outro elemento que forma a estrutura da epopéia. O mundo épico é totalmente isolado da contemporaneidade. A distância épica é absoluta. Há total afastamento entre o tempo da ação e o da narração.
Os aedos narram a partir dos mitos e lendas. Eles não têm como chegar ao objeto, ou seja, não têm como chegar ao passado heróico nacional. Não estão inseridos neste passado. Por exemplo, entra a guerra de Troia e o século de Homero, existe uma “caixa preta” de séculos de mitos e lendas.
O que essa imagem representa?
Os aedos e os ouvintes situam-se na mesma época e no mesmo nível de valores, mas o mundo representado pelas personagens situa-se em um nível de valores e de tempo totalmente diferente e inacessível. Isto é o que se denomina distância épica.
O Que Devemos Dizer de Nós Enquanto Leitores de Hoje?
Ora, o nosso tempo de leitura e entendimento está ainda muito mais distante.
Se a epopeia é uma narrativa, ela possui um narrador. Que narrador é este? De onde ele narra?
Todo discurso é produzido em um determinado espaço que visa à recepção. Por isso, é fundamental percebermos de onde narra.
O Que Isto Significa?
O narrador épico não interfere no mundo narrado. Isto é impossível! Além disso, o fundamental é que ele narra de dentro do espaço da tradição. No mundo épico, o ponto de vista é único. É o ponto de vista da tradição. Os valores narrados também são únicos: são os valores da tradição. Dessa forma, a identidade entre narrador e universo narrado é absoluta. Não há questionamentos. O narrador épico é identificável com todos os valores representados. Identificável com o que narra. Ele não tem ponto de vista próprio, pois já o recebe da tradição.
Nesse processo de construção do texto, o discurso é produzido por um descendente da tradição, da aristocracia e é passado para outros descendentes também da aristocracia. Você imagina qual a finalidade disto?
Ora, o objetivo é perpetuar, na memória os valores da tradição, ou seja, aqueles valores que atravessam gerações. O passado deve ficar vivo na memória.
No épico, a objetividade exterior é absoluta. Ninguém inventou os temas das epopeias. Tudo está, ao longo de séculos, registrado no mundo dos mitos e das lendas. Há uma objetividade. Tudo existe independente de qualquer coisa.Para o épico, a verdade é indiscutível.
O passado absoluto representado é perfeito, fechado, está, integralmente, pronto e concluído. Tanto como evento real ou como um universo de valores, não pode ser modificado, reinterpretado ou reavaliado. É um mundo do qual não se pode aproximar. Ele está fora da área da atividade humana propensa às mudanças e às reavaliações. Tudo é indiscutível e imutável. Diante disto, cabe ao leitor apenas a atitude de aceitá-lo e reverenciá-lo.
Toda epopeia é dividida em cinco partes: proposição, invocação, dedicatória, narração e desfecho.
Na literatura brasileira, podemos citar, como exemplo de epopeia, O Uraguai de Basílio da Gama. Este texto é uma narrativa em versos. Por isso, foi considerado poemeto épico. Quais são as características épicas presentes nele?
Proposição: o passado histórico é resgatado. Está presente a imagem da luta e da coletividade. São espanhóis e portugueses lutando contra índios e jesuítas na região dos Sete Povos no Uruguai. Há uma motivação coletiva para a guerra. Vale ressaltar que Basílio não presenciou este acontecimento. Tudo se sabe através da história. Há distância entre tempo de ação e tempo de narração. É o que se propõe a contar. O primeiro canto define o motivo da guerra e apresenta os heróis.
Dedicatória: o poema é antecedido por um soneto. O que consta nesse soneto? É, claramente, uma dedicação ao Marquês de Pombal.
Invocação: existe a presença da invocação. O narrador pede proteção para aquilo que vai contar em versos:
“Musa/ Protegei os meus versos” ou “Ninfas do mar, que vistes, se é que vistes,/ O rosto esmorecido, e os frios braços, / Sobre os olhos soltai as verdes tranças.” O texto apresenta a grandiosidade épica. Isto é visto em expressões como: “pavilhão purpúreo”, “ rica mesa” ou “ taça de ouro”.
O sobrenatural também faz-se presente através da Tanajura. Com poderes de visão, desvenda o futuro para Lindóia. A aparição do índio morto para Cacambo é uma outra situação que marca a presença do sobrenatural.
O texto apresenta a plasticidade e claridade que são características épicas. O que é plasticidade? O que é claridade?
A linguagem épica é plástica porque não sugere, mas esclarece. Tudo é apresentado como um acontecimento vivo.
A claridade refere-se ao olhar da narrativa dirigido para o mundo exterior. É o triunfo da luz em toda a sua dimensão. Opõe-se ao escuro, à morte, à obscuridade.
Encontramos no poema passagens como: “E a perjura cidade envolta em fumo/ Encosta-se no chão, e pouco a pouco/ Desmaiar sobre as cinzas.” Ou “O incêndio furioso, e o irado vento/ Arrebata às mãos cheias vivas chamas.” 
Você percebe o apelo visual desses fragmentos? Há uma indução ao leitor para visualizar com nitidez a cena. O acontecimento aparece vivo diante do olhar atento do leitor. Isto é plasticidade.
AULA 4 – UNIVERSO ROMANESCO
O filme Náufrago nos dá a deixa para entendermos o romance.
Sabemos que o personagem principal, vivido por Tom Hanks, está sozinho e perdido numa ilha.
Mergulhado em sua solidão, ele tem a necessidade vital de falar.
Como não há ninguém, ele cria com a bola Wilson uma relação de amizade, de companheirismo.
O que significa esta bola? Que leitura podemos fazer desta situação vivida pelo personagem?
Ora, a bola é o reflexo dele mesmo. É como se ele estivesse conversando consigo mesmo. Dessa forma, vem à tona toda a sua individualidade. Num estado de solidão e conversando com o seu próprio eu, o personagem deixa aflorar todos os seus medos, todos os seus questionamentos, enfim, tudo o que o move, ali, enquanto indivíduo.
E o que isto tem a ver com o romance?
O romance é o espaço literário para expor as individualidades, as subjetividades.
É o espaço onde se entrecruzam protótipos da vida real com toda a sua subjetividade. Trata-se de um tipo de discurso que revela o indivíduo nos mais variados aspectos.
Podemos dizer que o discurso que vira o homem do avesso para revelar tudo aquilo que ele tem de mais recôndito. Neste contexto, até o silêncio fala, ou seja, até o silêncio deve ser entendido pelo leitor.
Identificamos, então, a primeira diferença entre romance e epopéia. Você lembra da última aula?
Nós vimos que a epopéia é o espaço de representação da coletividade. Portanto, completamente diferente do romance.
A panorâmica do romance é outra. 
Os valores são totalmente distintos dos valores épicos. Enquanto a epopéia apresenta uma aristocracia, o romance revela os diversos segmentos sociais.
Em O Cortiço, de Aluísio Azevedo, por exemplo, temos a representação das classes minoritárias e de alguns, como João Romão e Miranda, com maior poder econômico.
A grande diferença entre epopéia e romance é a questão do tempo. A epopéia está presa ao passado. Ela vive de memória. O seu objeto de representação é o passado e a sua fonte está nos mitos e lendas.
Pois bem, qual é o objeto e a fonte do romance?
O objeto do romance é o momento presente. A sua fonte, o dínamo propulsor da criação, são os fatos atuais. O romance não trabalha com memória, mas com registros atuais. Ele discute a contemporaneidade.
Por exemplo, Jorge Amado, em seus romances, fala daquilo que vê e que conhece no seu tempo de criação. Ele fala dos tipos que circulam pelas ruas de Salvador ou daqueles que compõem o universo do cacau.
Machado de Assis, também, é um outro exemplo claro dessa questão. As personagens de seus romances representam homens e mulheres de seu tempo. É a sociedade que ele conhece.
Todo discurso é produzido num determinado espaço com todas as suas facetas ideológicas. Portanto, é impossível ler um romance sem pensar que, nas suas entrelinhas, existe um viés ideológico.
Em Machado, por exemplo, o espaço representado é o Rio de Janeiro do século XIX. Espaço este totalmente marcado pela ideologia da corte.
Fica claro, então, que o tempo no romance é o presente. Ele fala daqueles e daquilo que está próximo. Seria impossível, no espaço romanesco, haver um deslocamento para o passado absoluto ou trazê-lo para a nossa realidade.
Nesse contexto, o narrador exerce um papel fundamental, pois ele é aquele que fala de seu momento presente, para aqueles que são seus iguais, no patamar do tempo, e de acordo com o ponto de vista de sua época. Ele é o homem de sua época, ou seja, pensa como a sua época.
Enquanto a epopéia é um universo fechado, acabado, o romance é um gênero aberto e imortal. Ele vive em constante estado de renovação.
Uma outra questão importante é que a prosa romanesca quebra o verticalismo do mundo épico. Se o artista é um homem de sua época, como foi dito, tudo é colocado na horizontalidade. Não há, por exemplo, a imagem de um herói acima do bem e do mal. Muito pelo contrário! O homem aparece com todas as suas fragilidades. Ele não é estático. Por isso, a personagem está sempre em movimento, isto é, sempre em transformação.
Por exemplo, no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, o narrador personagem Bentinho é um, quando jovem, e outro, quando velho. Além disso, os conflitos vividos pelas personagens fazem parte da existência humana.
Ressaltamos, também, que, no desenrolar dos fatos, cada personagem expõe sua visão de mundo. Quando fala e age, revela a ideologia da classe da qual faz parte.
Sendo assim, Brás Cubas, narrador personagem de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, tem sua visão de mundo, assim como João Romão, personagem de O Cortiço, também tem a sua.
O Elemento Essencial
O elemento essencial da trama romanesca é a aventura. A aventura é a busca, isto é, aquilo que move o indivíduo. É a busca por novidade.
Por fim, vamos ver quais são os elementos básicos que compõem o romance?
Toda narrativa, em sua estrutura, tem os seguintes elementos:
Enredo: É a mesma coisa que trama ou intriga. É a sequência de fatos ou a forma como os acontecimentos estão organizados;
Personagens: São os agentes da narrativa. Eles movimentam a trama, dando sentido às ações. Podem ser, quanto ao papel que desempenhamno enredo, protagonistas, antagonistas ou personagens secundários;
Tempo: Sabemos que toda narrativa apresenta fatos que acontecem dentro de um fluxo de tempo. Palavras ou frases organizam o discurso que podem apresentar tais fatos de forma cronológica ou não. Daí, termos tempo cronológico ou psicológico;
Espaço: É um conjunto de elementos que caracterizam tanto o exterior quanto interior. As ações das personagens podem acontecer tanto no espaço físico quanto no psicológico;
Ponto de vista: Também é chamado de foco narrativo. Trata-se da posição ocupada pelo narrador. Se narra em primeira pessoa, participando dos fatos narrados, é chamado de narrador-personagem. Se narra em terceira pessoa e está fora dos fatos narrados, é chamado de narrador-observador. Neste caso, ele tudo sabe, tudo vê e está em todos os lugares. Pode-se dizer que é onisciente e onipresente.
AULA 5 – OUTRAS FORMAS DE NARRAR: O CONTO
Na última aula, falamos sobre o romance. Mas existem outras formas de narrar, ou seja, de contar os fatos como, por exemplo, o conto.
O Que é o Conto?
Para conhecer mais, veja abaixo a definição de conto.
Muita gente define o conto como sendo uma narrativa pequena. Mas, a definição precisa não é esta. 
A chave para se entender o conto, enquanto gênero, está na concentração de sua trama. Não é possível falar de vários assuntos ou apresentar várias situações dentro de um conto. Ele trata, geralmente, de uma situação, a qual se desenrola sem pausas e sem recuos.
Uma questão importante é: Qual o objetivo do conto?
O seu foco é levar o leitor ao desfecho, que é, também, o clímax da história. É o momento com o máximo de tensão. Neste momento final, quase não há descrições.
No conto, deve existir um cuidado na seleção de tudo aquilo que será apresentado ao leitor. Tudo deve ser muito simples, sem grandes complicações psicológicas e sem grandes peripécias.
Você Sabe Como Surgiu o Conto?
O conto surgiu com as narrativas religiosas. Você já ouviu falar da parábola do filho pródigo, da mulher que tinha um fluxo de sangue, da ressurreição de Lázaro ou do conflito entre Caim e Abel? Todas são pequenas histórias bíblicas que fazem parte do nascimento do conto.
Depois de anos, muitas narrativas religiosas foram, aos poucos, perdendo suas características, pois o folclore inseriu, em tais narrativas, dragões, seres fantásticos, fadas. Dessa forma, os contos de fadas e as fábulas vão absorver os elementos do folclore.
A palavra conto deriva do verbo contar, que tem sua origem em computare, isto é, enumerar objetos ou enumerar acontecimentos. Na Idade Média, contar era a mesma coisa que enumerar fatos ou relatar algo, construindo, assim, narrativas. Só no século XVI, ganha, especificamente, um sentido literário, caracterizando-se como gênero.
Quem já não ouviu falar de As mil e uma noites, Aladim e a lâmpada maravilhosa, Simbad: o marujo ou Ali-Babá e os quarenta ladrões? Pois é, são exemplos típicos de contos que surgiram na Pérsia, na Arábia e povoam, até hoje, o acervo cultural do mundo todo.
O século XIX foi a época de maior esplendor do conto.
É o tempo em que ele se torna nobre e passa a dividir espaço, no universo literário, com o romance. Surge, então, autores contistas como: Balzac, Flaubert e Machado de Assis.
Qual a Unidade do Conto?
Como já dissemos, o conto não fala de várias situações. Ele gravita em volta de um só conflito. Isto lhe garante unidade de ação. E, de onde surge o conflito? Ora, surge do embate entre as personagens.  Tudo pode detonar o conflito, ou seja, pode surgir da dor, de um sofrimento qualquer, da angústia, da inquietude, da consciência da morte ou mesmo da noção da fragilidade da existência humana.
Tudo que movimenta o conto converge para um único núcleo. O drama é só um, por isso não há grandes questionamentos a respeito de nada.
Exemplo 1: Em Missa do Galo, de Machado de Assis, o conflito se estabelece pela atração entre a mulher de 30 anos e um rapaz de 17 anos. O diálogo sensual que os dois travam, antes da missa do galo, é uma situação única e importante na vida do narrador-protagonista. Tanto é assim que ele lembra de tudo que aconteceu em algumas horas daquela noite.
O passado e o futuro não interessam no conto. O que conta é o momento presente. Por isso, a personagem esgota, em apenas algumas horas, todas as suas potencialidades.
Qual é o espaço do conto? Esta é uma outra pergunta importante.
Como pode ser visto, em Missa do galo, tudo se passa na sala. Em todo conto, há, sempre, uma limitação de espaço. As personagens não têm muito por onde circular. Pode ser uma rua, uma casa, um quarto ou uma sala. Qualquer um desses lugares serve para a organização e um enredo.
À unidade de ação corresponde a unidade de espaço. O que isto significa? Ora, apenas um ambiente se configura como palco do conflito. Ali está concentrada a dramaticidade. Em Missa do galo, tudo se passa na sala da frente de uma casa mal assombrada da rua do Senado. Ali o drama começa e termina.
E, o tempo? Como funciona o tempo no conto?
Tudo, neste tipo de narrativa, se passa em um tempo curtíssimo. São, apenas, algumas horas ou dias.
Há, também, o estabelecimento de um foco: o leitor. Ele tem que ser impactado pela história que vai ler. Para ser interessante, o conto tem que ter um tom que desperte no leitor uma única impressão, a qual pode ser: pavor, piedade, ódio, simpatia, ternura ou indiferença.
O conto sempre opera com ação. Não opera com caracteres. Isto, para despertar essa impressão única no leitor.
Qual o Significado Desta Única Impressão?
Significa fazer com que os conflitos apresentados funcionem como espelho para o leitor. Cria-se um movimento de identificação. Por isso, o contista se esforça para criar um drama que desperte, de forma quase imediata, um sentimento forte no leitor. Esta unidade de tom é evidenciada pela tensão interna da trama narrativa. Sendo assim, nada pode, no texto, ser modificado, isto é, nenhuma palavra pode ser tirada ou acrescentada.
Qualquer conto é construído a partir de uma só ideia, de uma só concepção da vida.
Em Missa do galo, qual a impressão deixada no leitor? O que fica após a leitura? Fica a impressão de que qualquer pessoa pode passar, na vida, por algum tipo de situação subentendida. Tais situações podem ser de qualquer ordem e só anos depois, muitas vezes, são avaliadas como decisivas para o destino de alguém.
Como São as Personagens do Conto?
Enquanto, no romance, temos um bloco considerável de personagens, no conto são poucas. Há sempre um par dialético, isto é, há sempre um diálogo que dá a direção da história. Mesmo quando a personagem está sozinha, ela fala. O seu diálogo, neste caso, é com o seu próprio eu. Este eu é que vai ser o seu oponente dramático.
O diálogo e as ações das personagens conduzem para um epílogo enigmático. Não imaginamos, ao iniciar a leitura, como vai ser o final em contos como Missa do galo, A cartomante ou O enfermeiro.
Lembre-se!
A personagem do conto não cresce como no romance. Não passa por nenhuma transformação. 
Ela é estática, ou seja, não muda. Isto acontece porque é surpreendida num único instante de sua existência. Ela é imobilizada no tempo, no espaço e em sua personalidade. Apenas uma faceta do seu caráter aparece. Por isso, muitas vezes, nem sequer lembramos o nome de uma personagem. 
O mesmo não acontece no romance.
Como é a Linguagem do Conto?
Se a compreensão de um conto deve ser imediata, o leitor não pode se deparar com muitas metáforas. A linguagem, portanto, deve ser objetiva. Não há espaço para segundas intenções nas palavras. Não há espaço para obscuridades. As coisas são da forma como são ditas. As palavras, que movem os diálogos, constroem ou destroem alguma coisa. Os conflitos estão na fala. Estão em tudo aquilo que é dito ou pensado.
Daí, a grande importância do diálogo. A discórdia, os mal-entendidos ou os subentendidos estão no diálogo. É a base expressiva do conto.
Por fim, temos que pensar na estrutura do conto? Como se dá o desenrolarda trama?  
Ora, a trama é linear e objetiva. O tempo predominante é o cronológico. Segue a marcação regular do tempo. O leitor vê os fatos acontecerem com a mesma sequência, com a mesma continuidade da vida real.
O andamento é a ordem lógica da vida. Ele caminha sempre para frente e, a qualquer momento, pode desencadear um conflito. Além disso, o leitor só conhece os acontecimentos que antecedem ao fim, ou seja, que estão um pouco antes do clímax dramático, pois o conto, quando começa, já está perto do fim.
AULA 6 – OUTRAS FORMAS DE NARRAR: A CRÔNICA
Vamos começar hoje lendo o texto A velha contrabandista, de Stanislaw Ponte Preta.
A Velha Contrabandista
Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega - tudo malandro velho - começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:
- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:
- É areia!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
- Mas no saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:
- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?
- O senhor promete que não "espáia"? - quis saber a velhinha.
- Juro - respondeu o fiscal.
- É lambreta.
Vamos, a partir da leitura responder a algumas perguntinhas? 
Pois bem, para que servia a areia do saco? O que significou o sorriso do fiscal? A história é contada em que pessoa? Qual informação o autor do texto pretende passar?
Bom, a areia no saco servia apenas para enganar o fiscal da alfândega. O fiscal sorriu não porque estava achando tudo aquilo engraçado, mas porque tinha compreensão das intenções da velhinha. Ele sabia que tinha algo errado e, construindo esta situação, o autor mostra de uma forma engraçada a desonestidade das pessoas.
O primeiro aspecto que percebemos é o bom humor do texto. É ou não é engraçada essa velhinha?
Portanto, trata-se de uma história curta que mostra com bom humor a questão da corrupção, do contrabando no Brasil. Mas, para mostrar isto, o autor não utilizou grandes recursos de linguagem nem criou situações complexas. O texto é leve, fácil de ser compreendido pelo leitor. Fica claro que um pequeno episódio do cotidiano da alfândega dá origem a um texto. Claro que não exatamente como ele é, mas recheado de alguns detalhes que nos possibilita classificá-lo como literário. O texto é imaginado, é criado a partir de um fato que faz parte do movimento da alfândega. Isto é o que chamamos, dentro da criação literária, de crônica.
Você Sabe Qual a Origem da Crônica?
A palavra crônica deriva do grego Chrônos, que significa tempo. Sendo assim, entendemos crônica como um conjunto de acontecimentos, de fatos, que são relacionados seguindo a ordem cronológica.
Trata-se apenas de um registro de fatos sem grandes interpretações, sem grandes aprofundamentos.
A crônica, muitas vezes, utiliza o jornal como veículo de divulgação.
A crônica, muitas vezes, utiliza o jornal como veículo de divulgação. Porém, seu perfil não é exclusivamente jornalístico. O cronista capta o cotidiano, mas o reveste de fantasia, de imaginação, como acabamos de ver em A velha contrabandista.
Não estamos falando da representação do real como ele é, mas daquele real que o cronista vê através de um olhar singular. É um processo de recriação.
Claro que, em toda crônica, há um toque jornalístico. No entanto, esse toque se mistura ao literário. Sendo assim, podemos, através dessas características da ficção, considerar a crônica como texto literário.
Como vimos, ela é sempre algo leve, breve e de fácil digestão. Afinal de contas, deve ser dirigida a qualquer tipo de leitor, pois apresenta ingredientes que tornam a leitura interessante. Há elementos como novidade, surpresa e assuntos variados do dia a dia das pessoas.
Você imagina, então, quais sejam as características da crônica?
A primeira característica é a brevidade.
Por ser um tipo de texto destinado ao jornal ou à revista, deve ser curto, ocupando uma coluna de jornal ou uma página de revista.
Outra questão importante: quem fala na crônica?
Embora a crônica A velha contrabandista seja uma narrativa em terceira pessoa, muitas crônicas possuem um narrador em primeira pessoa. Quando isso acontece, temos, com maior ênfase, uma visão pessoal dos acontecimentos. Há uma forte carga de subjetividade. O que é levado em consideração é a visão que o cronista tem dos fatos, os quais ele classifica como importantes para si e para o leitor. Sendo assim, onde está a verdade dos fatos? Ora, não sabemos ao certo, pois a veracidade é emotiva.
Devido à subjetividade, há um diálogo natural com o leitor. Tudo acontece como se o cronista estivesse conversando com o leitor. No entanto, existe um detalhe: o interlocutor é mudo. O leitor não pode expor suas considerações diante daquilo que está sendo contado. Concluímos, então, que ele fala consigo, mergulhado em suas reflexões.
Vamos ler a crônica O padeiro, de Rubem Braga, para essa questão ficar mais clara?
O padeiro
Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a "greve do pão dormido". De resto não é bem uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo. 
Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. Enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:
- Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo? 
"Então você não é ninguém?" 
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não, senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém... 
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixavaa redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como o pão saído do forno.
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!" 
E assobiava pelas escadas.
Rio, maio, 1956.
O narrador do texto começa a nos contar um fato que pareceu a ele digno de reflexão, ou melhor, digno de ser contado. Devemos observar que ele se encontra em uma situação completamente trivial:
“Levanto cedo, faço minhas ablusões, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento – mas não encontro o pão costumeiro.”
Uma das características essenciais da crônica é esta: a trivialidade. Atos como acordar, fazer o café e procurar o pão ganham uma relevância a ponto de se transformarem em objetos de criação literária.
Escrito em primeira pessoa, o texto questiona, sob um determinado olhar, a importância do padeiro como ser humano. Como ele pode falar que não é ninguém? 
Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha , mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:
- Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?
“Então você não é ninguém?”
Como se vê, são reflexões do narrador. Reflexões que o levam à comparação com seu próprio trabalho: “Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno.” Como jornalista, dividia com o padeiro o mesmo horário de trabalho. Apesar de se achar importante pelo desempenho de sua função, constatou que não é superior, em nada, ao padeiro.
Em suas reflexões, o cronista expressa, também, um sentimento de saudade. Ele recorda o tempo de rapaz, imprimindo ao texto as marcas de sua subjetividade.
“Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo!”.
Através da leitura de O padeiro, você percebeu que as personagens não têm nomes? O mesmo acontece em A velha contrabandista. Sabemos que existe uma velha, um fiscal, um padeiro, mas não sabemos o nome de nenhum deles. Nem do narrador sabemos o nome. Isto também é uma característica da crônica. Ela tem por objetivo registrar os fatos de forma breve.
O seu foco está nos acontecimentos rotineiros. Por isso, os nomes das personagens não têm nenhuma importância. Além disso, elas se apresentam em número reduzido e sem qualquer carga de profundidade psicológica.
E o que podemos dizer da linguagem da crônica?
Percebemos, nas crônicas, uma linguagem direta, espontânea, jornalística e, por isto tudo, fácil de ser compreendida, mas com alguns aspectos literários.
Não há espaço para devaneios. O cronista tem que se manter preso aos fatos. Mesmo quando a subjetividade aflora, ou seja, torna-se mais perceptível pelo leitor, o cronista não pode perder de vista o fato real.
Trata-se, então de uma linguagem que flutua entre a referencialidade do jornal e a plurissignificação das palavras da literatura. Joga, portanto, com os dois lados da moeda.
O cronista capta uma situação qualquer e dá a ela, através da linguagem, uma outra dimensão. Ao dar a uma situação banal um estilo ágil e, muitas vezes poético, a crônica conquista o leitor.
Como podemos comparar a crônica a outros tipos de texto? 
A crônica se aproxima do ensaio por trabalhar com a subjetividade. Há um movimento do eu. Entretanto, são diferentes, pois o ensaio tem sempre uma intenção e a crônica repele a intencionalidade.
A crônica aproxima-se da poesia, pois ambas estão focadas no eu. Na crônica, assim como na poesia, o eu é o assunto e o narrador ao mesmo tempo.
A crônica aproxima-se do conto, porque existe nela a preocupação com os fatos narrados, a preocupação com as situações que provocaram a atenção do escritor, dando origem ao texto.
AULA 7 – O DRAMÁTICO E SUAS FORMAS
O filme Auto da Compadecida é baseado na obra teatral de mesmo nome escrita por Ariano Suassuna. É a história de um nordestino simples, João Grilo, e seu amigo, Chicó.
Através de muitas mentiras, eles causam confusão na vida dos moradores de Taperoá, ganham simpatia do leitor e geram, por suas ações, muitas cenas risíveis.
Pois bem, o que isso tem a ver com o dramático?
Ora, a obra teatral é a representação do dramático.
E o Que é o Dramático?
A palavra drama significa, etimologicamente, ação.
Por isso, em obras dramáticas, a história e as emoções não são imitadas através do discurso do narrador, mas são expressas através de personagens em ação.
A ação dramática encontra sua realização num espaço restrito e num tempo restrito.
O espaço, geralmente, é um palco.
O tempo é aquele necessário para representar uma história, estabelecendo uma comunicação entre obra e público. Trata-se de um tempo que passa num ritmo próprio, um ritmo que tem por objetivo o desfecho da história. Esse ritmo é desencadeado a partir do momento em que o espectador tem sua atenção voltada para a tensão.
E o que é tensão? A tensão é a essência do dramático. Ela é movida por duas características principais: pathos e problema.
Daí, temos mais duas perguntinhas: o que é o pathos? O que é o problema?
O pathos é o sentimento exacerbado. É a paixão. Para expressá-lo, o autor dramático cria um tipo de linguagem comovente e arrebatada. Esta linguagem traduz a resistência da personagem diante dos embates gerados pelo mundo que a cerca. A fala patética é impetuosa e pressupõe um outro que a ouça e com ela se comova. É uma comoção espontânea.
Em Édipo rei, de Sófocles, há esta impetuosidade nas falas: ”Ó meus filhos, gente nova desta velha cidade de Cadmo, por que vos prosternais assim, junto a estes altares, tendo nas mãos os ramos dos suplicantes? Sente-se, por toda a cidade, o incenso dos sacrifícios; ouvem-se gemidos e cânticos fúnebres. Não quis que outros me informassem da causa de vosso desgosto; eu próprio aqui venho, eu, o rei Édipo, a quem todos vós conheceis.” ( SÓFOCLES, p. 77. )
Existem dois tipos de pathos: o pathos da dor e o pathos do prazer. A dor é a expressão do sofrimento e o prazer é a tradução do contentamento, da alegria.
Esse sentimento grandioso, seja de dor ou de prazer, está sempre direcionado a algo em que se crê ou a algo em que se deposita esperança. É uma força que caminha, gradativamente, para um clímax, ou seja, para um ponto de maior tensão. Neste ponto, os objetivos são atingidos.
O problema é o ponto final que deve ser atingido.
É algo previamente proposto e que deve ser solucionado.
Quanto mais problemático for o desenrolar da história, maior será a ligação entre as partes, ou seja, maior será a dependência entre início, meio e fim.
Nesta sequência, o início é a proposição da história e o fim é o objetivo dramático. A ação não deve ser retardada, pois, caso contrário, seria desviada da proposição inicial.
Tanto o pathos quanto o problema movem o herói em busca de uma decisão. Há a expressão de um querer algo ou de um questionar algo. A partir daí, o público se identifica ou se simpatiza com o herói.
Dentro do dramático, nós temos: a tragédia e a comédia.
O Que é a Tragédia? Como Surgiu?
A palavra tragédia deriva do grego tragos, que significa bode, e oide, que significa canto. A partir de um entendimento mítico, acredita-se que tenha nascido de cultos religiosos praticados em honra ao deus Dionísio nos quais as pessoas apareciam travestidas com pele de bode e, usando máscaras, cantavam hinos à divindade que presidia a colheita da uva. Apresenta um choque entre o herói e seu destino.
O Que Caracteriza o Trágico?
A tragédia baseia-se nas catástrofes causadas pelo desequilíbrio humano. O mundo apresenta-se dividido ou tensionado entre duas ordens opostas e inconciliáveis. Existe a presençada mímesis1.
1 Trata-se da imitação de uma ação importante, completa, de curta extensão e exposta em estilo elevado.
Tudo isto surge diante de um espectador através de personagens em ação. Tais ações despertam piedade e terror. E qual é o efeito dessas ações? Ora, aliviar ou expurgar as tensões daqueles que as presenciam. É o efeito catártico. Isto fica claro em uma fala do coro em Édipo Rei, de Sófocles:
“Ó geração de mortais, como vossa existência nada vale a meus  olhos! Qual a criatura humana que já conheceu a felicidade que não seja a de parecer feliz e que não tenha recaído após, no infortúnio, finda aquela doce ilusão? Em face do teu destino tão cruel, ó desditoso Édipo, posso afirmar que não há felicidade para os mortais!”( SÓFOCLES, p.132 )
Outra pergunta importante é: quem é o homem trágico?
É aquele que crê em suas ideias e vive de acordo com elas, mas se vê, inesperadamente, diante do destino inevitável. Trata-se de um destino que contraria as suas verdades. De repente, tudo não é bem como ele acreditava ser.
Por exemplo, Édipo, inesperadamente, vê-se como filho de Jocasta:
“Eu não teria sido o matador de meu pai nem o esposo daquela que me deu a vida! Mas... os deuses me abandonaram: fui um filho maldito, e fecundei no seio que me concebeu! Se há um mal pior que a desgraça, coube esse mal ao infeliz Édipo!” (SOFÓCLES, p. 137)
O destino impõe ao herói trágico as suas normas, as suas vontades, as quais são compatíveis com a sua visão de mundo, com aquilo que ele idealiza. O destino mostra que é tudo ao contrário daquilo que se pensa ou espera. Há um choque entre o caráter do herói e o seu destino. Há uma oscilação entre dois polos. Há uma impossibilidade de opção.
O herói trágico não tem escolha. Ele está condenado a seguir o seu destino. A personagem está numa situação errada ou em atos errados, mas não tem consciência disto. Inconscientemente, é movida por uma força que a leva a viver no erro. De onde surge esta força? Ora, os deuses determinam. O destino já está traçado, não existe a menor possibilidade de mudá-lo.
A ação trágica segue uma sequência:
Nó: vai do início até a mudança da sorte.
Reconhecimento: é o conhecimento do erro cometido pelo herói.
Peripécia: é a mudança da ação.
Clímax: é o ponto máximo do conflito.
A partir daí, abre-se o caminho para o acontecimento catastrófico. Como se vê, há uma unidade de ação, isto é, há princípio, meio e fim.
E a Comédia? O Que É? Como Surgiu?
Para Aristóteles, é a imitação de pessoas de qualidade moral ou psíquica inferior. É a exposição de vícios que caem no domínio do risível. Submetido ao riso, o homem percebe seus limites. O ridículo dispersa a tensão dramática. Supõe-se que a comédia tenha nascido dos festejos fálicos no culto à procriação.
Qual é a Diferença Entre Tensão Trágica e Tensão Cômica?
A tensão trágica caminha para o clímax. A interdependência das partes, na tragédia, é responsável pela tensão. Já a tensão cômica é permanentemente desfeita pelo riso. Surgem várias tensões que são dispersadas ou abolidas pelo ridículo ou pelo riso.
Em o Auto da compadecida, tudo está condicionado ao riso.
Os representantes da igreja, ou seja, o padre, o bispo e o sacristão são desprovidos de seriedade. Ao cometerem atos ilícitos do ponto de vista cristão, como benzer cachorro e enterrá-lo em latim, traz a seriedade religiosa para o plano do riso.
Uma outra situação risível é a criação de um tribunal às avessas onde entre santos e pecadores existe um diálogo recheado de liberdade, de intimidade. É dessa forma que a Compadecida é invocada para ajudar aqueles que estão na condição de réus.
AULA 8 – O LÍRICO E SUAS FORMAS
A música traduzir-se fala sobre a dificuldade que o EU tem de se equilibrar entre os dois lados que o compõe, isto é, o lado racional e o passional.
Traduzir-se 
Ferreira Gullar do disco "Traduzir-se"
Uma parte de mim é todo mundo Outra parte é ninguém, fundo sem fundo
Uma parte de mim é multidão Outra parte estranheza e solidão
Uma parte de mim pesa, pondera Outra parte delira
Uma parte de mim almoça e janta Outra parte se espanta
Uma parte de mim é permanente Outra parte se sabe de repente
Uma parte de mim é só vertigem Outra parte linguagem
Traduzir uma parte na outra parte Que é uma questão de vida e morte Será arte?
Nesse processo contraditório, o EU exterioriza o seu conflito, o seu interior dividido e difícil de ser compreendido: “Uma parte de mim/ é multidão;/outra parte estranheza/ e solidão.”
É deixando vir à tona o lado racional que o EU diz: “Uma parte de mim/ pesa, pondera:”mas a racionalidade, em muitos momentos, dá espaço a emoção, a paixão dentro de cada ser humano. Por isso, o EU diz que “outra parte/delira.”
A grande dificuldade é, para o ser humano, fazer uma leitura de si mesmo. A grande dificuldade é cada um tentar se entender para harmonizar o que tem de racional e passional. É o “Traduzir-se uma parte/ na outra parte”. Trata-se de algo que vai além da questão de vida ou morte. É a arte do equilíbrio existencial: “Será arte?”
Esta música é o exemplo de que o lírico é o espaço onde o EU representa o mundo ao redor a partir de sua subjetividade.
O sujeito, na literatura, surge com o lírico. É, no lírico, que esse sujeito deixa aflorar os seus sentimentos mais recônditos.
Mas, Você Sabe o Que é o Lírico?
A palavra lírica deriva do grego lyrikós que significa algo referente à lira ou som da lira.
Este é um instrumento primitivo de quatro cordas que, por sua musicalidade, tem vínculo com o surgimento da poesia lírica, pois o texto lírico tem, na sua estrutura, musicalidade.
Ainda, quanto à origem, a poesia lírica tem seu pés fincados em hinos religiosos e na tradição popular.
Dentro desse mergulho, no túnel do tempo, encontramos, na Antiguidade, os momentos comuns da vida vinculados à poesia cantada. Assim, cantigas de ninar, lamentos de morte, cantos de pastores, hinos de vitória e adoração, cantigas de amor, manifestações coletivas ou isoladas de alegria ou tristeza tinham um viés poético.
A lírica está ligada à livre imaginação onde a emoção supera o pensamento.
Na Antiguidade, também falava-se numa lírica pessoal e outra impessoal. Você faz ideia do que isto significa?
A lírica pessoal é aquela em que o poeta fala de si, dos seus sentimentos e de suas ideias. A expressão máxima de sua subjetividade está direcionada para ele mesmo.
Na lírica impessoal, o poeta assume a voz da coletividade. O poeta expressa os sentimentos da coletividade. Ele fala em nome de todos, mas, claro, segundo o seu olhar. Os sentimentos dele estão ali irmanados. Ele jamais se isenta de alguma coisa. Tudo é visto e expresso de acordo com a sua forma de sentir.
Muitas formas líricas surgiram desde o século VII a.C. Por exemplo: a elegia, a poesia iâmbica, a ode, égloga, idílio, balada e o soneto.
O que existe de importante no lírico é a relação entre o conteúdo e a forma, ou seja, é a relação entre o que está sendo dito e como está sendo apresentado. Assim, cada palavra é insubstituível. Toda palavra aliada ao som permite o acontecimento da lírica.
Diante de um poema, nem sempre surge, no leitor, um estado de compreensão, de entendimento claro daquilo que está apresentado.
Antes de atingir o entendimento, o leitor passa pelo plano da emoção. No entanto, para o leitor se emocionar é preciso estar de coração aberto. A sua sensibilidade tem que estar desperta. Afinal de contas, antes de entender, ele tem que sentir. Portanto, a alma tem que estar desarmada e afinada com a alma do poeta. Há um estado de receptividade por parte do leitor.
Outra questão importante é que a poesia lírica trabalha com a liberdade. Ela não está presa à coerência gramatical, lógica e formal.
Você Sabe o Que é Eu Lírico e Eu Biográfico?
Eu bibliográfico: é o eu comum de todos nós. Trata-se de um eu que vive as dificuldades do cotidiano e as alegrias da vida. É aquela parte do ser humano que está comprometida com os fatos, com o mundo e com a lógica.
Eu lírico: é algo, totalmente,diferente do eu bibliográfico. É aquele que não consegue se traduzir, porque não se compreende. Ele segue o fluxo da existência, deixando-se levar por tudo que está dentro e fora dele.
Isso fica claro no poema Meus oito anos, de Casimiro de Abreu:
O eu lírico quebra as distâncias temporais e espaciais. Dessa forma, ele, através da emoção, resgata fatos que estão localizados no passado como se fossem atuais. Toda a subjetividade do eu lírico é ativada neste processo de recordar.
Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !
Como são belos os dias
Do despontar da existência !
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor !
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar !
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !
(ABREU, Casimiro de. As primaveras. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 38-39. Fragmento)
Como se vê, o texto apresenta um saudosismo da infância, a qual é traduzida como perfeito, como algo portador de todas as características positivas.
O eu lírico tem um olhar contemplativo para esse passado. A natureza é acolhedora, harmoniosa: “lago sereno” ou “céu bordado de estrelas.” Dessa forma, o poema apresenta um recordar, ainda que idealizado, de um tempo de felicidade. A inocência da criança é revivida, é novamente sentida na idade adulta. Há, então, uma quebra da barreira temporal.
Veja um fragmento deste auto de Natal pernambucano:
O meu nome é Severino
não tenho outro de pia,
(...)
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida;
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somo Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é morte que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
( de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta
a de querer arrancar
algum roçado de cinza.
Nesse texto, o nome próprio Severino foi usado como adjetivo. Você sabe por que o autor usou esse recurso?
O que significa, por exemplo, a morte severina? Ora, significa a morte típica dos lavradores nordestinos, os quais vivem mergulhados numa vida de fome, de miséria. A morte severina é para aqueles que morrem de emboscada, desnutrição ou velhice precoce.
O lírico também estabelece um vínculo com os temas sociais e populares. Em Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, há o retrato do povo nordestino que vive uma vida sofrida no sertão.
Todos são severinos porque estão unidos pela mesma vida sofrida. Severino é um nome comum no Nordeste. Sendo assim, esse substantivo próprio é, semanticamente, próximo do adjetivo.
Os muitos severinos são iguais na morte e na vida. Tal vida é ganha com o suor do trabalho de todos os dias na tentativa de fazer brotar algo daquele solo seco. É a luta diária pela sobrevivência: “suando-se muito em cima,/ a de tentar despertar/ terra sempre mais extinta,/ a de querer arrancar/ algum roçado de cinza”.
Diante desse quadro pintado pelo eu lírico, o leitor não fica passivo. Ele também sente a dor do outro e se comove com o sofrimento vivido pelos lavradores do sertão.
Por fim, o lírico está presente também no universo popular como, por exemplo, o cordel. Ali, estão presentes, através de versos, os costumes, as crendices e o estilo de vida do povo nordestino.
AULA 9 – MINHAS LEITURAS I
Como se vê, nas cenas iniciais do filme (Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis), tudo começa a ser contado a partir da morte do narrador-personagem, Brás Cubas. É do além-túmulo que ele vai contar muitos fatos de sua vida e da vida da sociedade em que viveu.
Primeiramente, trata-se de um romance que, juntamente com Dom Casmurro e Quincas Borba, forma uma trilogia quanto ao tema, isto é, todos falam sobre a questão do adultério, mas de pontos de vista diferentes.
Em todos três, há uma análise corrosiva do casamento.
Em Dom Casmurro, quem narra é o marido que se julga traído.
Em Quincas Borba, o marido induz sua esposa ao adultério.
Memórias póstumas, tudo é narrado do ponto de vista do amante.
O narrador exerce um papel fundamental nos romances de Machado. Observe: em Memórias Póstumas, de onde ele fala?
A grande novidade deste romance é que o narrador fala posicionado no mundo dos mortos. Ele não é um autor defunto, mas um defunto autor. Portanto, Brás Cubas observa o mundo dos vivos de um ponto de vista atemporal. Por não estar mais entre os vivos, ele pode dizer tudo o que quer, sem se preocupar com a opinião pública. Esse deslocamento faz com o que o discurso seja liberado, seja descompromissado com qualquer forma de respeito ou etiqueta. O mundo dos vivos, então, perde a seriedade. Não há uma preocupação com a compostura.
Sendo assim, há um discurso que gera o riso do leitor. Claro que se trata de um riso corrosivo, de um riso demolidor dos valores daquela sociedade carioca do século XIX. É um processo de demolição, principalmente, da classe aristocrática da qual Brás fazia parte. Dessa forma, Brás ri de tudo, de si mesmo e pouco se importa com o leitor: “A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-te da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote e adeus.”
Observe também que as ações estão concentradas nos anos 40 e 50, mas o narrador está em 1881. Brás Cubas só narra 12 anos após sua morte e 72 anos após seu nascimento. Você sabe o que isso significa?
Todo esse processo de construção da narração apresenta um narrador muito distanciado, na linha do tempo, daquilo que é narrado. Dessa forma, os fatos contados passam pelo desgaste do tempo, ou seja, eles, ao perder a imediaticidade, são transformados pela memória, a qual é, extremamente, seletiva. Nem sempre tudo é lembrado como, realmente, aconteceu. Muita coisa se perde com o tempo.
A memória não registra tudo. Ainda mais quando se trata de memórias póstumas.
O desgaste temporal dos fatos nos leva a pensar que não podemos acreditar em tudo que está sendo dito. A veracidade dos fatos é algo colocado sob suspeita.
Fica claro, então, que é com matéria de memória que o narrador delineia o perfil de suas personagens e a trama.
O resgate de fragmentos do passado, através da memória, permite viver de novo os fatos, mas de forma organizada. A narrativa organiza tudo aquilo que, na vida, é bagunçado. Quando o narrador tenta fazer essa arrumação dos fatos da vida, dá maior nitidez aos acontecimentos, dá sentido àquilo que, na vida real, acontece de forma tão desordenada. São fatos selecionados pela memória e organizados pelo discurso.
Brás Cubas é um narrador nada confiável. Para cada afirmação que faz, apresenta uma negação. Há, em toda a narrativa, um processo de construção e desconstrução. Isso coloca em dúvida a veracidade do que está sendo contado. É assim, nesse processo de negação e afirmação, que ele descreve o próprio pai. O pai é e não é ao mesmo tempo. O que parece ser, não é.
Era um bom caráter, meu pai, varão digno e leal como poucos. Tinha, é verdade, uns fumos de pacholice; mas quem não é um pouco pachola nesse mundo? Releva notar que ele não recorreu à inventiva senão depois de experimentar a falsificação; primeiramente, entroncou-se na família daquele meu famoso homônimo, o capitão-mor Brás Cubas que fundou a vila de São Vicente onde morreu, em 1592,e por esse motivo é que me deu o nome de Brás.
Como se vê, há um esvaziamento das significações. Quem é o pai de Brás? Um falsificador, um homem de conduta duvidosa. É falsificando que ele consegue fazer parte da genealogia de uma família aristocrática. No entanto, é alguém que o narrador define, primeiramente, como “bom caráter”. Dessa forma, o discurso do narrador relativiza conceitos e questões éticas. Vale lembrar que o narrador faz tudo isso articulado pelas mãos de Machado de Assis.
Pois bem, uma outra questão importante é: qual é a classe social representada e como se dão as relações sociais?
O romance Brás Cubas é composto por personagens representantes da aristocracia. Mas, como é esta aristocracia? Ora, Machado mostra tal classe como portadora de uma imensa vacuidade. Ela não tem projeto. Vive no vazio. Brás Cubas, enquanto representante dessa classe, não constrói nada. O seu único projeto, que foi a criação do emplasto, não dá em nada.
Conheça o Projeto de Brás Cuba
CAPÍTULO 2 - O Emplasto
Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas  cabriolas de volantim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te. Essa ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade.
Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que me influiu
principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas.
Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis; "...e eu era hábil." Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: - amor da glória.
Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína feição. Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto.
Vale observar, inclusive, que Brás Cubas não gerencia nem o próprio dinheiro. Pelo contrário! Ele gasta. É um dilapidador do capital. Além disso, as relações sociais são todas travadas por interesse. Trata-se de uma sociedade de vitrine, ou seja, seus membros vivem de aparência e constroem suas articulações em busca de dinheiro e status. Dentro desse mecanismo, são realizados os casamentos e são travadas as amizades.
(...) uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: - “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói a natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.”
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei.
Outra questão importante, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, é a construção dos perfis femininos. Quem são essas mulheres que circulam pelo romance?
Primeiramente, são mulheres comuns. Elas não têm profundidade. São vazias. Além disso, na maioria das vezes, são feias, medíocres, calculistas, astutas ou simplórias.
A primeira relação amorosa de Brás foi com Marcela. Ele, ao se declarar apaixonado por ela, contraria os códigos sociais da época, pois o rapaz bem-nascido podia usufruir da prostituta, mas jamais se apaixonar. Sendo assim, a relação não é chamada de namoro, mas de ligação ou paixão.
Pelos códigos sociais da época, era inconcebível o casamento com a prostituta, mas tê-la como passatempo era, perfeitamente, aceitável. O importante, nesse tipo de relação, era não dilapidar o capital, isto é, não gastar toda a fortuna.
Há toda uma questão de poder econômico envolvendo essa relação, pois Brás paga por Marcela. É uma relação medida pela quantidade. Está tudo condicionado a cifras:”Bons joalheiros que seria do amor se não fossem vossos dixes e fiados? Um terço ou um quinto do universal comércio dos corações.” É nesse processo de comercialização que Brás afirma: “Marcela amou-me durante 15 meses e onze contos de réis; nada menos.”
O segundo relacionamento de Brás foi com Eugênia.
Esta é uma moça pobre, filha ilegítima, nascida de um adultério. É chamada de Flor da Moita. Provavelmente, por ter sido gerada nos encontros amorosos da mãe numa moita.
Você sabia que Eugênia é coxa? Como fruto do adultério, ela traz, no corpo, o castigo pelos erros cometidos pela mãe. O defeito físico é, através do discurso do narrador, colocado como um marco da culpa alheia. Além disso, por ser pobre, não poderia casar com Brás. Não era possível um membro da aristocracia descer na escala matrimonial. Os aristocratas podiam se relacionar com mulheres de outros segmentos sociais, mas apenas por diversão. Elas eram meros passatempos. Entretanto, para as bem-nascidas, ou seja, para aquelas tidas como iguais, oferecia-se casamento.
Virgília foi o terceiro amor de Brás.
Trata-se de uma mulher dupla face. Ela sabe bem a arte da simulação. É mãe e fiel esposa, mas, ao mesmo tempo, amante de Brás.
É uma mulher rica. Economicamente, está, até mesmo, acima de Brás. Isto lhe garante não ser, totalmente, apagada no romance. Ela resiste ainda que seja como ruína: “Tinha então 54 anos, era uma ruína, uma imponente ruína. Imagine o leitor que nos amamos, ela e eu, muitos anos antes e que um dia, já enfermo, vejo assomar à porta da alcova...”
Por último, surge Nhá-loló.
É uma moça pobre e filha de um homem sem cultura. Com ela, Brás até pensa na possibilidade de união para deixar um herdeiro. No entanto, ela morre. Isso consolida o fato de que não há possibilidade de união entre classes diferentes.
“Nhá-loló estava vexadíssima. A facilidade com que o pai se metera com os apostadores, mostrava a origem da família. Mas por um filho eu estava disposto a arrancar aquela flor daquele pântano”.
Vamos lembrar que toda obra literária está inserida num processo de produção e consumo. Portanto, é importante identificar quem são os leitores, a que público está direcionada. Sendo assim, no século XIX, o público leitor era formado, basicamente, por mulheres. Portanto, todos esses perfis traçados por Machado, através do Brás Cubas, mostra o lugar de cada uma delas na sociedade de seu tempo. Se fosse diferente, causaria uma imensa subversão e, provavelmente, poucos livros seriam vendidos.
AULA 10 – MINHAS LEITURAS II
Para começarmos esta nossa última, aula vamos ler e ouvir o Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade.
Poema de Sete Faces
Carlos Drummond de Andrade
Composição: Carlos Drummond de Andrade 
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra disse: 
Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas: pernas

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