Buscar

Livro Deficiência e Sociedade Contemporânea

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 74 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATHALIA CAVALIERE DO AMARANTE 
 
 
 
 
 
 
RIO DE JANEIRO 
 
2014 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A QUESTÃO DA DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: 
POSSIBILIDADES E LIMITES DA INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
 
 
 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
Ao meu tio Pedro Gustavo (in memorian) que durante a sua longa jornada nessa 
vida implantou em mim o desejo pelo meu objeto de pesquisa e aflorou todas as 
reflexões sobre ser deficiente na sociedade brasileira. Você será eterno no meu coração! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
AGRADECIMENTOS 
Agradeço ao meu pai José Eduardo por não medir esforços em me acompanhar na 
árdua tarefa da vida pessoal e profissional e me apoiar em todos os momentos de 
decisões. Obrigada por todo o esforço, carinho e amor. Você é meu orgulho, meu herói 
e minha inspiração! 
À minha avó e amiga Victoria Amarante por caminhar comigo ao longo da vida, 
lado a lado, sem pensar duas vezes em como somos iguais e complementares nessa 
jornada. 
Aos meus irmãos João Pedro e Guilherme por todas as alegrias que uma casa com 
crianças pode ter. Por todos os momentos de reflexão e aprendizados que me 
proporcionaram. Por todo o carinho que nunca hesitaram em me ceder. Amo vocês com 
todo o coração de irmã que posso ter! 
À minha mais que madrasta Claudia Magalhães, por toda a compreensão e paciência 
em todos os dias em que tudo caía sobre a cabeça e os hormônios não me permitiam ser 
mais atenciosa e menos espontânea do que fui. 
Ao meu padrinho Evandro Abreu que me proporcionou momentos inigualáveis de 
crescimento profissional e pessoal. 
À minha mais que amiga, irmã, Ana Luiza Favilla que com todo o seu amor, carinho 
e companheirismo acompanhou-me durante quase toda a jornada da minha conturbada 
vida sem nunca questionar nada que não fosse pertinente, mas sempre me fazendo 
pensar sobre o que estamos fazendo nessa vida. Amo você e toda a sua/minha família! 
Aos meus amigos que dividiram momentos mágicos da dança, da vida, do amor, do 
trabalho, da faculdade e da amizade. Vocês são eternos no meu coração! 
À minha sempre orientadora e professora, Miriam Guindani, que me proporcionou o 
reencontro ao meu objeto, fazendo nascer em mim o desejo e o interesse pela pesquisa e 
renascer o amor pela minha profissão. Que para além de profissional exemplar, será 
guardada eternamente na memória por ser a pessoa que me fez caminhar com as 
próprias pernas para onde eu desejei, me orientando e apoiando sempre que necessário. 
Obrigada por tudo que me fez crescer profissionalmente e pessoalmente. Meu carinho, 
respeito e admiração por você são imensuráveis! 
Ao CIEE Rio, que confiou no meu trabalho e me proporcionou realizar um sonho 
antigo. O meu muito obrigada! 
Ao meu amor, Leandro Pacheco, que me esperou tempo suficiente para construirmos 
uma história inesquecível, que nunca hesitou em me apoiar em todas as minhas decisões 
e que me incentiva sempre a alcançar todos os meus objetivos. Te amo muito, obrigada 
por tudo! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
"Os nossos limites estão na dificuldade que encontramos nas relações que travamos 
com o mundo. Por isso, os nossos limites reais estão na nossa alma. Não existe nada 
mais deficiente do que um espírito amputado. E para esse espírito não há prótese." 
João Ribas 
 
5 
RESUMO 
 
AMARANTE, N. C. 
 
A questão da deficiência na sociedade contemporânea: possibilidades e limites 
da intervenção do Serviço Social. Rio de Janeiro, 2014. 
 
O livro apresenta um estudo documental, bibliográfico e empírico a partir de 
reflexões a respeito das relações sociais travadas pelas pessoas com deficiência ao longo 
da sua trajetória histórico-conceitual. Além da análise sobre a exclusão e o estigma 
enquanto construções sociais presentes nas diferentes sociedades, o livro utiliza-se da 
Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência da ONU e dos dados 
brasileiros a respeito da percepção das pessoas com deficiência na sociedade 
contemporânea, para apresentar a trajetória histórica e social da educação inclusiva. 
Através de dados da realidade, a pesquisa analisa os limites e as possibilidades de 
atuação e propõe maneiras do Serviço Social intervir no campo da pessoa com 
deficiência e da educação inclusiva. 
 
Palavras-chave: Educação Inclusiva; Educação em Direitos Humanos, Direitos 
Humanos, Pessoa com Deficiência; Serviço Social. 
 
6 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
AIPD Ano Internacional das Pessoas Deficientes 
APAE Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais 
BPC-LOAS Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social 
CBAS Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais 
CDPD Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 
CENESP Centro Nacional de Educação Especial 
CFESS Conselho Federal de Serviço Social 
CGPD Comitê Gestor de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência 
CID Classificação Internacional de Doenças 
CIEE Centro de Integração Empresa-Escola 
CIEP Centro Integrado de Educação Pública 
CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde 
CORDE Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de 
Deficiência 
CPE Coordenação de Programas Especiais 
dB Decibéis 
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente 
ESS Escola de Serviço Social 
IBDD Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência 
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
IBC Instituto Benjamin Constant 
INES Instituto Nacional de Educação de Surdos 
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 
Libras Língua Brasileira de Sinais 
NEDH Núcleo Interdisciplinar de Estudo, Pesquisa e Extensão de Educação em 
Direitos Humanos 
NIAC Núcleo Interdisciplinar de Ações para a Cidadania 
OMS Organização Mundial da Saúde 
ONU Organização das Nações Unidas 
SESP Secretaria de Educação Especial 
SEDH Secretaria de Direitos Humanos 
UFF Universidade Federal Fluminense 
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro 
UPIAS Union of the Physically Impaired Against Segregation 
USP Universidade de São Paulo 
 
7 
SUMÁRIO 
 
PREFÁCIO 
 
APRESENTAÇÃO 
 
INTRODUÇÃO 
 
1 AS RELAÇÕES SOCIAIS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 
DA TRAJETÓRIA HISTÓRICO-CONCEITUAL DA DEFICIÊNCIA 
AO PROCESSO DE EXCLUSÃO 
1.1 A TRAJETÓRIA HISTÓRICO-CONCEITUAL DA DEFICIÊNCIA 
 
1.2 A EXCLUSÃO E O ESTIGMA ENQUANTO CONSTRUÇÕES SOCIAIS 
 
2 A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS 
COM DEFICIÊNCIA DA ONU E OS DADOS BRASILEIROS 
 
2.1 CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 
DA ONU 
2.2 DADOS BRASILEIROS SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA 
3 SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA 
3.1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA: A TRAJETÓRIA HISTÓRICA E SOCIAL 
3.2 SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UMA UNIÃO POSSÍVEL 
3.3 O SERVIÇO SOCIAL NO CAMPO - PESQUISA EMPÍRICA 
3.3.1 O SERVIÇO SOCIAL NA MARÉ 
3.3.2 O SERVIÇO SOCIAL NAS INSTITUIÇÕES ESPECIALIZADAS 
 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
REFERÊNCIAS 
 
ANEXOS 
 
 
 
 
 
 
8 
PREFÁCIO 
 
 
O país vive um tempo de mudança que não se pode mais desconhecer. Se na prática 
ainda falta muita coisa, pelo menos teoricamente estamos devidamente apetrechados – e 
isso representa um avanço indiscutível. 
Veja-se a questão da assistência social, hoje alvo de inequívocas demonstrações de 
interesse por parte do Governo. Há um Ministério criado somente para cuidar do 
assunto, a que sabiamente se vinculou o combate à fome. 
No caso, emerge como preocupação igualmente relevante o trato da deficiênciana 
sociedade contemporânea, objeto do bem elaborado trabalho da especialista Nathalia 
Cavaliere do Amarante. Nesta obra, densa e oportuna, são levantadas as possibilidades 
da intervenção do Serviço Social, ao lado dos seus naturais limites. 
Hoje, o trabalho do Centro de Integração Empresa-Escola, reconhecido oficialmente, 
presta serviços de convivência e fortalecimento de vínculos dentro da Política de 
Assistência Social, buscando superar vulnerabilidades e promovendo a necessária 
vigilância socioassistencial. Não basta capacitar os jovens para o mundo do trabalho, 
como fazemos para mais de 7 mil deles, na categoria de aprendizes, mas é um esforço 
muito mais amplo em que estamos todos empenhados. A aprendizagem passou a ter um 
significado bem mais abrangente. 
Nesta obra, de evidente valorização da educação inclusiva, busca-se a inserção da 
pessoa com deficiência na tarefa educacional, como foi visto em experiências vividas na 
Favela da Maré, no Rio de Janeiro. Desejos e insatisfações são aqui levantados, 
abrangendo não apenas os que se encontram nas escolas, especialmente públicas, mas 
também os que se encontram confinados em seus lares, sem quaisquer perspectivas de 
melhorias das suas condições de vida. 
Vê-se pela pesquisa que o que mais prejudica os alunos com deficiência é a 
existência de um grande número de professores sem capacitação, onde temos muito o 
que conquistar, ao lado de instalações físicas não devidamente adaptadas. É um campo 
propício ainda a grandes realizações, o que tem inspirado o CIEE a realizar trabalhos 
que estão na pauta dos seus dirigentes. 
Aqui são analisados dados da realidade brasileira e o que se tem feito pelas pessoas 
com deficiência, abrindo-se um campo verdadeiramente fascinante de perspectivas de 
operação inclusiva. Sem dúvida, um belo trabalho, que o CIEE/RJ se orgulha de editar, 
a propósito do 50º aniversário. 
 
Rio de Janeiro, 4 de setembro de 2014. 
 
 
 
 
ARNALDO NISKIER 
da Academia Brasileira de Letras e presidente do CIEE/RJ 
 
 
 
 
 
 
9 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
APRESENTAÇÃO 
 
O Caderno CIEE 11 é resultado de uma história que durou 5 anos. 
Primeiramente, ele foi fruto de um estudo aprofundado na época da graduação (de 
janeiro de 2010 a janeiro de 2012) com orientação da Profa Dra Miriam Guindani, que 
gerou o meu trabalho de conclusão de curso da graduação em Serviço Social na 
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e me rendeu a nota máxima na 
avaliação da banca avaliadora e uma indicação para publicação. Devido a todas as 
dificuldades que publicar um livro implica, somado a outras demandas da vida, esse 
sonho ficou guardado para um dia ser colocado em prática. 
No final de 2013, tomei conhecimento de um site que simula a publicação de livros 
e faz a venda online de acordo com a demanda. Assim iniciou a realização de um sonho. 
Simulei como ficaria meu livro e comprei algumas poucas cópias. 
Em janeiro de 2014, fui selecionada para a vaga de analista de desenvolvimento 
profissional do CIEE Rio1, onde me encontro atualmente trabalhando diretamente com o 
Programa Pessoa com Deficiência. Doei uma cópia do meu livro para a biblioteca da 
Coordenação de Programas Especiais (CPE) do CIEE Rio, área em que me encontro, e 
minha coordenadora Valéria Moreno pediu para ler e conhecer um pouco mais a minha 
trajetória da pesquisa e minhas reflexões sobre o assunto da demanda que eu atuo 
diretamente. Após ter se identificado teoricamente com o livro, Valéria foi uma fada 
madrinha e articulou a publicação trabalho que você tem em mãos. 
Estão sendo apresentados aqui o resultado da pesquisa teórica e empírica realizada 
para o trabalho de conclusão da graduação em Serviço Social em janeiro de 2012, 
acrescido de contribuições e atualizações mais recentes a respeito da temática que está 
em constante transformação e merece inúmeras reflexões teóricas e práticas para ser fiel 
(ou, pelo menos, próximo disso) à sua complexidade e ao que o grupo de pessoas com 
deficiência representa e demanda da sociedade em termos de reconhecimento social e de 
políticas públicas. 
Atualmente, sou mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRJ, na 
linha Sociedade, Direitos Humanos e Arte. Minha pesquisa encontra-se em fase de 
desenvolvimento onde me proponho a realizar uma análise comparativa entre as 
possibilidades de inserção da pessoa com deficiência nos espaços universitários, 
contrastando a realidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ e da 
Universidade Federal Fluminense (UFF), sob orientação da Profa Dra Sayonara Grillo e 
co-orientação da Profa Dra Miriam Guindani. 
Espero que você aproveite essa viagem na história de um grupo socialmente 
desvalorizado e que merece todo respeito pelas suas capacidades e não pelas suas 
diferenças, e que você se apaixone, assim como eu me apaixonei desde a primeira vez 
que tive contato com esse público. Quem me conhece sabe: meus olhos brilham 
diariamente quando o assunto é pessoa com deficiência. Seja bem-vindo ao mundo que 
me fascina! 
 
 
 
 
 
 
1
 Para maiores informações sobre a instituição, acessar <http://www.ciee.org.br>. 
 
11 
 
INTRODUÇÃO 
 
"Olhar para as pessoas com deficiência e enxergar apenas a deficiência é ter a 
deficiência de não conseguir enxergar a pessoa com todos os elementos que compõem a 
sua identidade." 
João Ribas 
 
O presente texto discorre sobre as possibilidades e os limites da intervenção do 
Serviço Social na área da pessoa com deficiência e no campo da educação inclusiva na 
sociedade contemporânea, a partir de uma reflexão a respeito das significações do "ser" 
pessoa com deficiência na sociedade ao longo da história - no mundo e no Brasil - e da 
trajetória histórica da educação inclusiva que conhecemos atualmente. 
O meu interesse na temática é anterior ao ingresso na Universidade. Primeiro, por ter 
uma pessoa com deficiência na família e precisar aprender a lidar cotidianamente com 
esse sujeito amado e com necessidades específicas. Segundo, alguns anos antes da 
entrada na vida acadêmica, porque tive a oportunidade de me aproximar do tema em um 
trabalho que participei e desde então a curiosidade e o interesse em conhecer esse 
mundo - muitas vezes paralelo, no entanto, sempre presente em minha vida – se aguçou. 
Durante os dois últimos anos (2010 a 2012) da graduação em Serviço Social da 
UFRJ tive uma experiência de estágio e extensão no Núcleo Interdisciplinar de Ações 
para a Cidadania (NIAC) onde pude desenvolver habilidades específicas do Serviço 
Social, especialmente na área do acesso a direitos e à justiça, e aprimorar minha 
formação. 
Já no último ano da graduação (2011) participei da implantação do Núcleo 
Interdisciplinar de Estudo, Pesquisa e Extensão de Educação em Direitos Humanos 
(NEDH), fruto de um convênio com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da 
República (SEDH). Estive no Núcleo na condição de pesquisadora e assim pude estudar 
a área da pessoa com deficiência e as relações com o Serviço Social - desejo que 
perpassou todo o período da universidade, mas que nunca havia tido espaço para se 
desenvolver, refletindo a realidade do Serviço Social quando se refere a essa temática, 
com escassas produções teóricas e discussões nas entidades representativas da categoria. 
Sendo assim, a presente pesquisa é fruto de um interesse pessoal que foi concretizado, 
academicamente, em janeiro de 2011, com financiamento da SEDH. 
A pesquisa inicia-se a partir de um questionamento sobre as possibilidades que o 
Serviço Social tem para trabalhar com as pessoas com deficiência, especialmente na 
área educacional. Nesse sentido, apresenta o objetivoprincipal de verificar as 
possibilidades e os limites da atuação do Serviço Social na temática, e dois objetivos 
específicos que conduzem a pesquisa ao objetivo geral, que é o mapeamento das 
experiências sobre pessoa com deficiência no âmbito das escolas da Maré e o 
mapeamento das experiências do Serviço Social nas instituições especializadas e 
instituições de ensino especializadas para as pessoas com deficiência. Para tal, foram 
analisadas cinco entrevistas com assistentes sociais da ONG Redes de Desenvolvimento 
da Maré2 que trabalham em escolas municipais e em alguns CIEPs localizados no 
Bairro da Maré mesmo local, e três entrevistas realizadas com duas instituições de 
 
2
 Para maiores informações, acessar: <http://www.redesdamare.org.br/>. 
 
12 
ensino especializadas e uma instituição especializada no atendimento de pessoas com 
deficiência. 
Quanto aos aspectos metodológicos, a pesquisa configura-se enquanto 
bibliográfica/documental e empírica, sendo quantitativa e qualitativa, com fontes 
escritas e orais. Sobre suas etapas que aconteceram concomitantemente, foi realizado o 
levantamento e a análise bibliográfica/documental sobre a pessoa com deficiência e a 
pessoa com deficiência na educação; um estudo das experiências de assistentes sociais 
que trabalham com pessoas com deficiência em instituições de ensino especializadas, 
em instituições especializadas e nas escolas da Maré; e uma análise sobre a relação do 
Serviço Social e a educação inclusiva, a educação em direitos humanos e a pessoa com 
deficiência. 
Diante do trabalho que se segue, vale Torna-se necessário esclarecer algumas 
escolhas. Quando me refiro às "pessoas com deficiência" devo lembrar que não se trata 
de uma generalização inconsequente ou sem fundamento. É compreensível que as 
pessoas que apresentam deficiência se atraiam entre si, formando grupos 
representativos, por exemplo, o que provoca uma determinada regularidade nas formas 
de pensar as questões afetam o grupo e culmine em similares modos de lutar por direitos 
concernentes a esse. Entretanto, é preciso alertar para o fato de não haver uma categoria 
única e homogênea de pessoas com deficiência. Então quando me refiro ao longo de 
todo o texto, à(s) pessoa(s) com deficiência(s) faço uma referência a determinado grupo 
que lutou ou, pelo menos divulgou de diferentes formas a sua luta, em distintos 
momentos históricos, o que tornou possível toda a pesquisa, análise e reflexão 
compiladas nesse trabalho. 
Vale pontuar também que a pesquisa realizada sobre o grupo das pessoas com 
deficiência supõe uma margem de pessoas com deficiência não contempladas nessa 
análise, entendendo que existe uma parcela desse segmento que por vezes encontra-se 
confinada em suas casas, superprotegida ou renegada por suas famílias e amigos, o que 
torna (praticamente) impossível mensurar seus desejos e insatisfações sobre a sociedade 
que não a recebe. Portanto, esse grupo não faz parte das "pessoas com deficiência" que 
me refiro ao longo do trabalho, mas não por uma exclusão minha e sim por um processo 
de "escolha" deles próprios, de não se fazerem representados nos movimentos sociais da 
categoria3. Ou seja, é uma cota não representada socialmente. 
Cabe ressaltar que todo cuidado é pouco quando me refiro ao processo de escolha 
realizado pelas pessoas com deficiência em manterem-se confinadas em suas casas, 
porque não se trata de uma escolha inerente a qualquer influência externa. Mas, muito 
pelo contrário, na maioria dos casos, a opção pela não "inserção" na sociedade deve-se 
às dificuldades de toda ordem que as pessoas com deficiência se deparam na sociedade. 
Entretanto, é preciso enfrentar essa problemática entendendo que as pessoas sem 
deficiência, muitas vezes, não sabem como lidar com as pessoas com deficiência, em 
grande medida, porque não têm essa demanda; em contrapartida, as pessoas com 
deficiência não conseguem se inserir socialmente porque encontram diversas 
 
3
 Categoria é um conceito que deve ser tratado com cuidado e restrições. Segundo a definição do 
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, entende-se por categoria uma classe, uma espécie, uma 
natureza, um grupo ou uma posição social. Quando me refiro a ela, quero indicar um determinado grupo, 
um segmento que busco representar ou pelo menos entender seus anseios e as restrições que lhes são 
impostas. 
 
 
13 
dificuldades arquitetônicas e de recursos humanos nessa interação. Ou seja, não se pode 
definir precisamente qual dificuldade vem primeiro: a das pessoas com deficiência de se 
inserirem ou a das pessoas sem deficiência de lidarem com a questão. 
Ao longo de todo o texto utilizarei o termo pessoa com deficiência para indicar 
aquelas que apresentam alguma "limitação" física, intelectual, sensorial ou múltipla. O 
uso do termo indica a coerência com o desejo da categoria3 de autodenominação e um 
posicionamento teórico-político de recusa ao uso de termos como: portadores de 
deficiência, pessoas portadoras de necessidades especiais, pessoas portadoras de 
deficiência, dentre outros. 
Romeu Sassaki (2003), sobre o uso dos diferentes termos explica que “A razão disto 
reside no fato de que a cada época são utilizados termos cujo significado seja 
compatível com os valores vigentes em cada sociedade enquanto esta evoluiu em seu 
relacionamento com as pessoas que possuem este ou aquele tipo de deficiência”. 
Sendo assim, esclareço a recorrente escrita de outros termos neste trabalho quando 
me refiro a leis, decretos e citações textuais ao longo dos anos, pois fez parte de uma 
trajetória histórica o uso de distintas nomenclaturas para denominar a pessoa com 
deficiência e não cabe modificar o termo na transcrição dos materiais. 
Ademais, o cerne da questão não está no uso correto ou incorreto dos termos, pois 
esses se alteram ao longo do tempo, dos espaços e contextos em que se inserem, não 
havendo um termo válido definitivamente para hoje e toda a história. Mas há um 
posicionamento fundamentado em uma escolha teórico, política e ideológica daqueles 
mais interessados no assunto: as próprias pessoas com deficiência. 
Na Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das 
Pessoas com Deficiência, os movimentos sociais que representam a categoria no Brasil 
e em outros países optaram pelo uso do termo “pessoas com deficiência” para 
denominar as pessoas que apresentam qualquer deficiência que seja. A opção foi 
aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 2006 e recebeu valor constitucional no 
Brasil em 2008. 
Alguns dos principios básicos para os movimentos representativos da categoria 
optarem pelo uso do nome "pessoas com deficiência" foram: não esconder ou camuflar 
a deficiência; não aceitar o consolo da falsa ideia de que todo mundo tem deficiências; 
mostrar com dignidade a realidade da deficiência; valorizar as diferenças e necessidades 
decorrentes da deficiência; combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais 
como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”, 
“pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas especiais”; defender a igualdade 
entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, 
o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às 
diferenças individuais e necessidades especiais; identificar nas diferenças todos os 
direitos que lhes são pertinentes e a partir de então encontrar medidas específicas para o 
Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as restrições de participação social, ou 
seja, as dificuldades ou incapacidades causadas pelos recursos humanos, ambientais e 
físicos contra as pessoas com deficiência. 
Uma das últimas mudanças de terminologiaaconteceu em 2006/2007, quando a 
tendência foi de eliminar o uso da palavra “portadora” das pautas sobre pessoas com 
deficiência. “A condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa e esta pessoa não 
porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo 'portar' como o 
substantivo ou o adjetivo 'portadora' não se aplicam a uma condição inata ou adquirida 
que faz parte da pessoa”, esclarece Sassaki (2003). Você não diz que uma pessoa porta 
 
14 
olhos verdes, cabelos castanhos ou pele morena e sim que ela tem olhos verdes, cabelos 
castanhos e pele morena. Do mesmo modo que a pessoa possui uma deficiência e não 
porta a mesma. Ou seja, uma pessoa só porta algo que ela possa, em dado momento, não 
estar portando, deliberada ou casualmente. Não se pode fazer isto com uma deficiência. 
Também não é pertinente o uso do termo "pessoa deficiente" porque a pessoa possui 
uma deficiência e não é a própria deficiência, como o termo sugere, reduzindo a pessoa 
à deficiência que ela apresenta e também remetendo ao entendimento de que essa 
pessoa é ineficiente em algum aspecto da vida. 
Feitas as devidas considerações, pontuo que o trabalho que se segue não pretende 
oferecer respostas prontas às perguntas que o impulsiona, mas sim refletir sobre uma 
temática pouco debatida nos espaços acadêmicos e profissionais, além de oferecer um 
pouco mais da história e do universo da pessoa com deficiência, ainda conhecido por 
poucos. Sendo assim, mais do que certezas, proponho meios de conduzir pensamentos e 
problematizações a respeito da temática. 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
1 AS RELAÇÕES SOCIAIS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 
DA TRAJETÓRIA HISTÓRICO-CONCEITUAL DA DEFICIÊNCIA AO 
PROCESSO DE EXCLUSÃO 
 
"Eu tenho um grande medo desse negócio de ser normal." 
John Lennon 
1.1 A trajetória histórico-conceitual da deficiência 
 
A deficiência pode ser compreendida de duas maneiras4. Uma maneira de entender a 
deficiência diz respeito à manifestação da diversidade humana, onde um corpo com 
impedimentos é o de alguém que vivencia limitações de ordem física, intelectual ou 
sensorial. Entretanto, são as barreiras sociais, ou seja, os efeitos e as reações que essas 
limitações provocam na sociedade, que, ao ignorar os corpos com impedimentos, ou 
ainda, ignorar os sujeitos como indivíduos complexos e não apenas reduzidos à sua 
deficiência, provocam a experiência da desigualdade, e não o próprio impedimento, 
como se pensa na ordem lógica e direta, que provoca a desigualdade social e suas 
decorrências. Então, a opressão não é um atributo dos impedimentos corporais, mas 
resultado de sociedades tidas como não inclusivas. 
A outra forma de entender a deficiência, a compreende como uma desvantagem 
natural, e nesse caso, os esforços se deslocam para o reparo dos impedimentos 
corporais, visando garantir a todas as pessoas um padrão de funcionamento típico à sua 
espécie, tendo em vista que em nossa sociedade, os impedimentos corporais são 
classificados como indesejáveis e não simplesmente como uma expressão "neutra" ou 
natural da diversidade humana - assim como a diversidade étnico-racial, geracional ou 
de gênero o são. Nesse sentido, o corpo que apresenta impedimentos deve se submeter a 
alguma transformação (podendo ser reabilitação, genética ou através de práticas 
educacionais) para enquadrar-se no que é imposto socialmente: o padrão de 
normalidade. 
Cabe aqui uma breve observação sobre os conceitos "pessoa com deficiência" e 
"impedimentos corporais" presentes na Convenção sobre os direitos das pessoas com 
deficiência que anunciam, respectivamente, o caráter político de como os impedimentos 
corporais são objeto de discriminação e opressão em sociedades pouco inclusivas e 
descreve as pessoas que habitam corpos ditos com impedimentos; e "impedimentos 
corporais" referem-se às variações corporais catalogadas pela ótica biomédica como 
desvantagens naturais. Nesse sentido, a deficiência pode ser entendida como um 
conceito "guarda-chuva", em dado momento visto como resultado da negociação de 
significados sobre os corpos com impedimentos, outrora, em outro extremo, como um 
dos efeitos da cultura do padrão de normalidade que ignora os impedimentos corporais, 
negligenciando-os. (DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009). 
Voltemos às duas formas de compreender a pessoa com deficiência. Ainda que as 
duas análises apresentadas não sejam excludentes entre si, apontam para sentidos 
distintos no desafio imposto pela deficiência, principalmente no campo dos direitos 
humanos. Já que a primeira concepção imprime à sociedade a responsabilidade pela 
reação ao que a deficiência representa para o coletivo e para o indivíduo. Ao passo que 
a segunda análise insiste no padrão histórico de uma normalidade à qual todos os 
 
4
 Baseado no artigo "Deficiência, Direitos Humanos e Justiça", publicado pela Revista Internacional de 
Direitos Humanos – SUR, nº 11, 2009. 
 
16 
sujeitos devem se enquadrar, ou seja, é responsabilidade do indivíduo reparar a sua 
essência para tornar-se parte do todo, da sociedade. 
Nesse sentido, o entendimento do que é considerado deficiência, não pode se 
resumir à catalogação de doenças e lesões a partir de uma perícia biomédica do corpo 
(DINIZ et al 2009, p. 21 apud DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009, p. 21). 
Deficiência é "um conceito que denuncia a relação de desigualdade imposta por 
ambientes com barreiras a um corpo com impedimentos." (DINIZ, BARBOSA e 
SANTOS, 2009, p.65). Atualmente, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com 
Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU) define as pessoas com 
deficiência como “aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou 
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua 
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas” (ONU, 2006a, artigo 
1º apud DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009, p.66). Portanto, a deficiência não pode 
ser entendida apenas a partir do que o olhar médico descreve, pois é principalmente a 
restrição à participação e interação plena provocada pelas barreiras sociais que 
condicionam as possibilidades de relacionamentos das pessoas com deficiência na 
sociedade. 
No decorrer da história, as pessoas com deficiência já tiveram diversas 
denominações. No início século XX, o termo usado era “inválidos”, que significava 
indivíduos sem valor. Até 1960, eram chamados de “indivíduos com capacidade 
residual”, o que segundo Sassaki (2003), foi um avanço da sociedade, reconhecendo que 
a pessoa tinha capacidade mesmo que ainda considerada reduzida. Entre 1960 e 1980, 
outra variação foi o uso dos termos “incapazes” e "excepcionais", que focavam as 
deficiências e reforçavam o que as pessoas não conseguiam fazer como a maioria. Nos 
anos 80, por pressão da sociedade civil, a Organização Mundial da Saúde (OMS) 5, 
lançou a terminologia “pessoas deficientes”. Iniciou-se então uma conscientização já 
que foi atribuído o valor “pessoas” àqueles que tinham deficiências, igualando-os em 
direitos a qualquer membro da sociedade. 
Até os dias atuais, muitos nomes já foram utilizados para denominar as pessoas com 
deficiência, como "pessoas portadoras de deficiência", "pessoas com necessidades 
especiais", "pessoas especiais" ou "portadores de direitos especiais" e segundo Sassaki 
(2003), atualmente todos esses termos são considerados inadequados por representarem 
valores agregados à pessoa. Mas vale (re)lembrar que o uso dessas expressões estava 
inserido em contextos sociais pertinentes à época e por isso devem ser valorizados 
enquanto partícipes de um processo histórico em desenvolvimento. 
Vale ressaltar que as análises teóricas realizadas sob teorias em torno de polos, 
apresentadas em oposições binárias, pressupondo haver um vazio entre esses,giram em 
torno de discussões que deveriam ser ultrapassadas como "ser ou não ser" deficiente, da 
"adequação ou não" de inseri-los na categoria de necessidades especiais (que pode 
referir-se a todos aqueles que precisam de um apoio e/ou atendimento diferenciados, 
como os idosos e as grávidas), da "importância ou não" de diferenciar as necessidades 
especiais das necessidades educacionais especiais e da diferença entre integração e 
inclusão. Todas essas análises teórico-metodológicas poderiam deixar de existir se a 
sociedade reconhecesse a diferença das pessoas com deficiência. Ou seja, se a 
 
5
 "A Organização Mundial da Saúde é uma agência especializada da ONU destinada a tratar das questões 
relativas à saúde, e tem como objetivo garantir o mais alto grau de saúde para todos os seres humanos, 
entendendo a saúde como um estado completo de bem-estar psicológico, físico, mental e social." 
(SOUZA, 2008, p. 103). 
 
17 
sociedade entender e aceitar a deficiência como um fator natural/comum, que deve ser 
respeitado, e que nas relações interpessoais deve-se respeitar o "outro" como ele é, livre 
de comparações classificatórias ou categorizadoras. 
Em termos legais, o entendimento do conceito "pessoas deficientes" encontra sua 
origem na Declaração dos Direitos dos Deficientes, aprovada pela Assembleia Geral da 
ONU, em 9 de dezembro de 1975. Segundo o artigo 1º da Resolução 3447, "o termo 
'pessoas deficientes' refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, 
total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em 
decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou 
mentais." (1975, p. 2). 
Posteriormente, em 1980, a OMS definiu "deficiência" como sendo qualquer perda 
ou anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica. 
No Brasil, até 2004, o artigo 3º do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, 
editado pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, regulamentava 
a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, e fazia a distinção entre deficiência, 
deficiência permanente e incapacidade. Sendo deficiência toda perda ou anormalidade 
de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade 
para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser 
humano; deficiência permanente aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um 
período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que 
se altere, apesar de novos tratamentos; e incapacidade uma redução efetiva e acentuada 
da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, 
meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou 
transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função 
ou atividade a ser exercida. 
Pode-se observar, a partir da análise das concepções acima citadas, que a ótica de 
leitura da pessoa com deficiência no mundo foi historicamente marcada pela concepção 
da perda, do não ser normal, do não pertencimento em comparação com o estrutural, o 
padrão. 
Em 2004, o então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva editou o 
Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que regulamenta as Leis nº 10.048, de 8 
de novembro de 2000 e nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, revogando o Decreto nº 
3.298/98, a fim de redefinir o conceito de deficiência e estabelecer os conceitos de 
deficiência física, deficiência intelectual, deficiência visual, deficiência auditiva, 
deficiência múltipla e de pessoa com mobilidade reduzida. Já a Lei nº 13.465, de 12 de 
janeiro de 2000, estabelece o conceito de pessoa portadora de deficiência para fins de 
concessão de benefícios pelo Estado. 
A necessidade de compreender as diferentes formas de manifestação das 
deficiências existentes na sociedade e as suas intensidades, pensando o que cada 
deficiência impõe enquanto limitação para o sujeito – o que demanda, muitas vezes, 
uma avaliação individual – é latente, pois reflete diretamente na proposição e na 
formulação de políticas públicas e legislações diferenciadas para todas as esferas da 
vida social de cada indivíduo, o que permite mensurar a dificuldade de dar conta de 
todos os imponderáveis de cada sujeito, fazendo-se necessárias legislações menos 
rígidas, com possibilidades de avaliações individuais, mas com o cuidado de não criar 
mecanismos de (possíveis) privilégios entre as pessoas com deficiência e entre essas e 
as pessoas sem deficiência. 
 
18 
Segue uma breve definição conceitual do que o Decreto nº 5.296/04 indica em cada 
deficiência, de forma geral. Deficiência física é a alteração completa ou parcial de um 
ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, 
não abrangendo as deformidades estéticas e as manifestações que não produzam 
dificuldades para o desempenho de funções. 
A pessoa com deficiência intelectual tem seu funcionamento intelectual, 
significativamente, inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e 
limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: 
comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos recursos da 
comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho. 
O deficiente visual – o cego – são todos os indivíduos com acuidade visual6 igual ou 
menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; pessoas com baixa 
visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor 
correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual, em ambos 
os olhos, for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das 
condições anteriores. 
Entende-se por deficiência auditiva – surdez7 – a perda bilateral (portanto, nos dois 
ouvidos), parcial ou total de quarenta e um decibéis8 (dB) ou mais, aferida por 
audiograma9 nas frequências10 de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. 
A deficiência múltipla é a associação de duas ou mais deficiências. E a pessoa com 
mobilidade reduzida é aquela que tem, por qualquer motivo, dificuldade de 
movimentar-se, permanente ou temporariamente, gerando redução efetiva da 
mobilidade, flexibilidade, coordenação motora e percepção. 
A partir da análise das (escassas) produções a respeito das pessoas com deficiências 
ao longo da história da humanidade, é possível perceber que ser uma pessoa com 
deficiência hoje é, praticamente, o oposto ao que foi na Idade Média. 
Atualmente, o sentido excludente, negativo e frequentemente pejorativo que a 
palavra "deficiente" remete, tem relação direta com uma sociedade regida pela eficácia: 
a sociedade capitalista, portanto existe há não mais de trezentos anos. Nessa sociedade, 
aquele que não vende sua força de trabalho, mesmo que seja porque o próprio mercado 
não absorve entendendo que a dificuldade ou deficiência apresentada pode comprometer 
o produto final do seu trabalho, é excluído da sociedade de produção, da sociedade de 
consumo, enfim, da sociedade em geral. Ou seja, constitui um grupo à margem, ainda 
 
6
 A acuidade visual é a nitidez da visão, a qual varia da visão completa à ausência de visão. Normalmente, 
a acuidade visual é medida em uma escala que compara a visão da pessoa a 6 metros com a de alguém 
que possui uma acuidade visual máxima, segundo a Tabela optométrica de Snellen. 
7
 Se pensarmos a questão da surdez por um viés sócio-antropológico - e não pela ótica clínica/biomédica - 
é possível entender o discurso da comunidade surda quando configura o sujeito surdo enquanto surdo e 
não uma pessoa com deficiência como as outras pessoas desse segmento, compreendendo que ser surdo é 
para além de sernão-ouvinte, pois compreende um mundo com cultura e língua próprias. Por outro lado, 
essa configuração peculiar e específica implica em um processo recorrente de dupla estigmatização: por 
apresentar uma deficiência auditiva e por utilizar uma língua própria para se comunicar. 
8
 Decibéis é a unidade que mede a intensidade de um som. 
9
 Audiograma é a representação gráfica que mostra as frequências específicas e os níveis de intensidade 
que a pessoa escuta em cada ouvido. 
10
 Frequência é uma grandeza física associada a movimentos de ondas. 
 
19 
que não externo11, à sociedade, pois não se enquadra nos padrões do sujeito de uma 
sociedade produtiva. 
Nesse sentido, o valor da natureza humana e da singularidade individual, é 
relativizado onde o que vale é uma medida externa, da sociedade, que valora a 
quantidade de "efeitos" que uma pessoa é capaz de produzir e caso não se produza os 
"efeitos" esperados pela média social, esse sujeito é chamado de "deficiente", estando 
externo à civilização da eficiência: a sociedade industrial. 
Sob uma análise etimológica, o prefixo "de" representa usualmente um sentido 
negativo. O "deportado", originalmente, era aquele mandado embora do porto. O 
"desestruturado" é alguém ou algo sem estrutura. Nessa lógica, o "deficiente" seria 
aquele sujeito não eficiente. O prefixo no último caso tem o sentido de "não", portanto 
uma negação da própria essência da pessoa humana enquanto pessoa na sociedade, já 
que essa está sendo avaliada por algo que não é pessoal e sim que se baseia em uma 
comparação média da sociedade tendo relação com a produção de "efeitos" provocados 
pelos indivíduos na sociedade. 
Contudo, nem sempre foi assim. Na Idade Média, uma época marcada pela 
valorização e dominação das explicações existenciais pela religião na sociedade, a 
pessoa com deficiência era uma pessoa sagrada. A marca que ela portava era sinal de 
diferença e nesse sentido, o diferente era assinalado por Deus. Havia algo de sagrado em 
torno da pessoa com deficiência. O cego era o "adivinho"12, pois não podia ver os 
episódios presentes mas era sensível aos futuros. Aqueles com deficiência intelectual 
eram chamados de "simples", eram as pessoas simples da aldeia e sendo assim eram os 
mais próximos de Deus e das crianças. Anos depois, as pessoas que apresentavam 
deficiência intelectual passaram a ser chamadas de "excepcionais" e/ou "retardados", 
comparando-se à figura do bobo da corte, originário no Império Bizantino, que era o 
responsável por entreter o rei e a rainha, fazendo-os rir. (d´Amaral, 2008). 
Com esses dois exemplos de deficiência, visual e intelectual, podemos identificar 
como a pessoa com deficiência era reconhecida no passado de forma positiva. A 
deficiência era um sinal ou uma marca, era entendida como uma predestinação, e ao 
invés das pessoas com deficiência serem excluídas da sociedade em que viviam, elas 
eram protegidas pelas suas comunidades, que as percebiam como "assinaladas" por 
Deus. Além disso, as pessoas com deficiência ocupavam um papel de representantes das 
comunidades. 
Nos últimos anos, a sociedade ocidental vem se relacionando com a pessoa com 
deficiência de forma a considerá-la alguém "menos humano", mas nem por isso mais 
divino, como se negasse a primeira parte do termo "pessoa com deficiência", reforçando 
o entendimento de que a "pessoa" deve ser excluída e mantida à margem da sociedade, 
não a reconhecendo como sujeito de direitos e deveres e sem proporcionar condições 
reais de usufruir a sua cidadania. Assim, a diferença é vista como um sinal negativo e 
não afirmativo, nem tampouco uma determinação natural que deve ser aceita e 
absorvida pela sociedade como alguém que faz parte integrante dessa. 
 
11
 Para uma sociedade ser inclusiva, em alguma medida, ela precisa ser excludente. Entretanto, não há 
possibilidade de uma "não inserção" do indivíduo na sociedade em que vive, pois, de alguma forma, esse 
faz parte da manutenção da lógica de reprodução do sistema. 
12
 Adivinhar vem do latim divinare. O adivinho é àquele que tem o dom divino, o dom da divinação, é 
próximo do divino e, portanto, de saber o que os humanos comuns não sabem. (Conceito baseado no livro 
institucional do IBDD, 2008) 
 
20 
Nesse sentido, a ideia de deficiência contida no imaginário do senso comum remete 
a um significado de insuficiência orgânica ou intelectual, um "defeito" que interfere na 
sua qualidade, reduzindo o valor da pessoa à deficiência. Desta forma, a sociedade 
ocidental encara a pessoa com deficiência enquanto um sujeito imperfeito, com faltas e 
lacunas, ou ainda, insuficiente, insatisfatório e medíocre, segundo os significados 
apresentados pelos dicionários Priberam da Língua Portuguesa13 e Dicionário Online de 
Português14, respectivamente, para a palavra "deficiente". 
Entretanto, como a sociedade não é estática nem tampouco homogênea, ao passo 
que exclui as pessoas com deficiência também se movimenta no sentido de avançar com 
os instrumentos legais e formais de luta pelos direitos desse segmento – esse panorama 
será ilustrado adiante. 
O afastamento da sociedade em relação às pessoas com deficiência, com a ideia do 
"não-pertencimento", principalmente no decorrer do sistema capitalista, promoveu um 
sentimento de diferença sobre este grupo, caracterizando o que é chamado de estigma, 
especialmente colocado por Erving Goffman, no seu texto "Estigma. Notas sobre a 
manipulação da identidade deteriorada" (1963). 
O estigma é uma marca atribuída a um sujeito ou grupo, decorrente de uma 
construção social, determinando e influenciando a visão e relação que a sociedade 
constrói e reproduz, por exemplo, com o segmento das pessoas com deficiência. O 
estigma é justificado através de processos históricos, não estando, portanto, condenado à 
estabilidade conceitual. 
A construção do imaginário15 social a respeito da deficiência é geralmente calcada 
sobre a concepção de normalidade – mesmo que erroneamente, por nem sabermos 
exatamente definir o que é ser normal – ou então sobre a oposição binária entre 
normalidade e deficiência, tal como afirma Skliar (2000) "a deficiência está relacionada 
com a própria ideia de normalidade e com sua historicidade" (apud CARVALHO, 2004, 
p.5). Saviani (1998, p. 128 apud CARVALHO, 2004, p. 53) propõe duas formas de 
pensar essa oposição: pensar a contradição e pensar por contradição. 
Se pensarmos a contradição entre as pessoas ditas normais e as pessoas com 
deficiência, estamos baseando-nos no que falta para a pessoa com deficiência, o que o 
torna diferente e, portanto, incompleto, em comparação aos ditos normais. Sendo assim, 
o sujeito que não se encaixa na hegemonia da normalidade tem um déficit. Ou, para 
aqueles superdotados, um superávit, já que a hegemonia não correspondida, provoca 
indagações a respeito da sua superioridade. 
No entanto, se a análise for feita pensando por contradição, percebe-se que as 
pessoas não podem ser enquadradas na condição de serem "isso ou aquilo", pois variam 
em torno das formas de manifestação e as expectativas dos grupos sociais em torno dos 
comportamentos humanos. E mais, a importância atribuída às causas da deficiência, 
principalmente os aspectos orgânicos, gerou uma correlação entre deficiência e doença, 
obedecendo estereótipos sociais que relacionam normalidade com saúde e deficiência 
com patologia. E aos superdotados são adotados fatores genéticos ou místicos. 
A deficiência não deve ser entendida apenas como um conceito biomédico nem 
tampouco como o resultado de catalogação de doenças e lesões de uma perícia 
 
13
 < http://www.priberam.pt/dlpo/>. 
14
 <http://www.dicio.com.br>. 
15
 Cabe ressaltar aqui a diferença entre imaginação e percepção.A imaginação é a simbolização 
involuntária, como em um sonho ou organizada e integrada em um sistema de crenças coletivas. E a 
percepção é o reconhecimento e a identificação de conteúdos sensíveis. (CARVALHO, 2004, p. 52) 
 
21 
biomédica, mas é um conceito que denuncia a relação de desigualdade imposta por 
ambientes com barreiras a um corpo com impedimentos e está relacionado com a 
opressão ao corpo que apresenta variações de funcionamento (DINIZ, BARBOSA e 
SANTOS, 2009). Essa redefinição da concepção de deficiência colocou a chamada 
"normalidade" em cheque, já que ela poderia ser entendida como uma expectativa 
biomédica de padrão de funcionamento da espécie ou como um preceito moral de 
produtividade e adequação às normas sociais. Todavia, com a mudança de 
compreensão, a deficiência passa a traduzir a opressão ao corpo que apresenta 
impedimentos, ou seja, o conceito de corpo deficiente ou pessoa com deficiência devem 
ser entendidos em termos político-sociais e não mais estritamente biomédicos. 
"Essa passagem do corpo com impedimentos como um problema médico para a 
deficiência como o resultado da opressão é ainda inquietante para a formulação de 
políticas públicas e sociais" (DINIZ, 2007, p. 11 apud DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 
2009, p. 65)16. Nesse sentido, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com 
Deficiência da ONU, que o Brasil ratificou em 2008, indica a necessidade da 
participação das pessoas com deficiência como parâmetro para formulação de políticas 
e ações direcionadas a esse público, buscando garantir assim uma legitimidade dos 
interesses da própria categoria, indicando o tom das políticas e ações sociais. Além 
disso, a Convenção aponta que um novo conceito de deficiência deve nortear as ações 
do Estado no dever de garantir os direitos a esse segmento populacional, corroborando 
para as críticas ao modelo biomédico da deficiência. 
Segundo dados do Censo 200017, 14,5% dos brasileiros apresentam impedimentos 
corporais, ou seja, são pessoas com deficiência física, intelectual ou sensorial. Os 
critérios utilizados pelo Censo 2000 para mapear as pessoas com deficiência na 
sociedade reproduzem a ótica biomédica e as dificuldades de mensuração do que se 
entende por "restrição de participação" (indicada nas perguntas do Censo 2000) pela 
interação do corpo com o ambiente, presentes na elaboração e gestão das políticas 
públicas direcionadas para esse segmento no Brasil. A Convenção não ignora as 
especificidades corporais, até por isso menciona "impedimentos de natureza física, 
intelectual ou sensorial" (ONU, 2006ª, artigo 1º), mas considera que é da interação entre 
o corpo com impedimentos e as barreiras sociais que se restringe a participação plena e 
efetiva das pessoas com deficiência na sociedade. 
 
16
 Atualmente, no Brasil, ainda é o modelo biomédico que fundamenta as pesquisas populacionais, as 
ações de assistência e, em grande parte, as políticas de educação e saúde para as pessoas com deficiência 
(FARIAS; BUCHALLA, 2005, p. 192 apud DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009, p.71), principalmente 
devido a ligação do Brasil com a OMS. 
17
 Esses dados são baseados no Censo 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
(IBGE). Os resultados do Censo 2010 foram divulgados no momento final da presente pesquisa, por esse 
motivo, não foi possível analisá-los. Entretanto, é sabido que os movimentos representantes das pessoas 
com deficiência fazem uma severa crítica ao método utilizado no Censo 2000 - e que se repetiu no Censo 
2010 - onde as perguntas relacionadas às pessoas com deficiência aparecem em apenas um de cada dez 
questionários aplicados, ou seja, são perguntas realizadas pelo método de amostragem, que não permite 
captar dados confiáveis e satisfatórios para subsidiar a criação de políticas públicas nem tampouco 
mapear um perfil fiel à realidade da população com deficiência. Além disso, as críticas também se voltam 
para as perguntas realizadas pelos Censos – e também por outras pesquisas sobre as pessoas com 
deficiência – por apresentarem uma margem de erro, já que não são precisas quanto à informação que 
desejam averiguar. Por exemplo, quando perguntam se o respondente tem alguma dificuldade de visão ou 
deficiência visual, e contabilizam as respostas como se fossem da mesma categoria, unem os usuários de 
óculos e pessoas cegas na mesma contagem, o que não confere com a realidade, já que dificuldade e 
deficiência não tem o mesmo significado. 
 
22 
O conceito de deficiência, segundo a Convenção, não deve ignorar os impedimentos 
e suas expressões, mas não se resume a catalogações. Ou seja, essa redefinição do 
conceito aponta para uma combinação entre a matriz biomédica, que cataloga os 
impedimentos corporais, e a matriz dos direitos humanos, que denuncia a opressão. Essa 
criação da ONU revela o debate político e acadêmico internacional (em pauta durante 
mais de quatro décadas) sobre o modelo social da deficiência e a insuficiência do 
conceito biomédico para analisar as relações travadas pelas pessoas com deficiência e 
garantir os direitos dessas, bem como promover a igualdade entre pessoas com e sem 
deficiências. 
O modelo biomédico da deficiência sustenta que há uma relação de causalidade e 
dependência entre os impedimentos corporais e as desvantagens sociais vivenciadas 
pelas pessoas com deficiência. Em contrapartida, o modelo social da deficiência 
contesta essa tese, desafiando o poder médico sobre os impedimentos corporais e, 
principalmente, demonstrando o quanto o corpo não é um destino de exclusão para as 
pessoas com deficiência (BARNES et al, 2002, p. 9; TREMAIN, 2002, p. 34 apud 
DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009). Segundo Barnes (2002), os impedimentos são 
significados como desvantagens naturais por ambientes sociais restritivos à participação 
plena, o que historicamente traduziu os impedimentos corporais como azar ou tragédia 
pessoal. 
Portanto, a teoria do modelo social da deficiência provocou uma redefinição do 
significado de "habitar um corpo que havia sido considerado, por muito tempo, 
anormal" (DINIZ, 2007, p. 9 apud DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009, p. 65). A 
nova expressão da opressão ao corpo levou à criação de um neologismo – ainda sem 
tradução para a língua portuguesa – o disablism (DINIZ, 2007, p. 9 apud DINIZ, 
BARBOSA e SANTOS, 2009, p. 65), que é resultado da cultura da normalidade, onde 
qualquer dificuldade corporal apresentada torna o indivíduo alvo de opressão e 
discriminação. 
"Se, no século 19, o discurso biomédico representou uma redenção ao corpo com 
impedimentos diante da narrativa religiosa do pecado ou da ira divina, hoje, é a 
autoridade biomédica que se vê contestada pelo modelo social da deficiência." 
(FOUCALT, 2004, p. 18 apud DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009, p. 66). A crítica à 
medicalização do corpo deficiente sugere a insuficiência do discurso biomédico para a 
avaliação das restrições de participação impostas por ambientes sociais com barreiras. 
Por isso, para a Convenção, a desvantagem não é inerente aos contornos do corpo, mas 
resultado de valores, atitudes e práticas que discriminam o corpo com impedimentos 
(DINIZ et al, 2009, p. 21 apud DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009). 
Historicamente, "uma das tentativas iniciais de aproximar a deficiência da cultura 
dos direitos humanos foi feita na Inglaterra nos anos 1970 (Union of the Physically 
Impaired Against Segregation [UPIAS], 1976)" (DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009, 
p. 68). A primeira geração de teóricos do modelo social da deficiência tinha forte 
inspiração no materialismo histórico e buscava explicar a opressão por meio dos valores 
centrais do capitalismo, tais como as ideias de corpos produtivos e funcionais (DINIZ, 
2007, p. 23 apud DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009). Os corpos com impedimentos 
seriam inúteis à lógicaprodutiva em uma estrutura econômica pouco sensível à 
diversidade. Já o modelo biomédico afirmava que a experiência de segregação, 
desemprego, baixa escolaridade, entre tantas outras variações da desigualdade, era 
causada pela inabilidade do corpo com impedimentos para o trabalho produtivo. 
 
23 
Hoje, a centralidade no materialismo histórico e na crítica ao capitalismo é 
considerada insuficiente para explicar os desafios impostos pela deficiência em 
ambientes com barreiras, mas se reconhece a originalidade desse primeiro movimento 
de distanciamento dos corpos com impedimentos dos saberes biomédicos (CORKER; 
SHAKESPEARE, 2002, p. 3 apud DINIZ, BARBOSA e SANTOS, 2009, p. 68 e 69). 
Cabe ressaltar que entendendo os direitos humanos enquanto históricos, fruto de 
processos históricos e, portanto, receptor de influências de diferentes momentos 
histórico-temporais, é possível pensarmos que novos direitos ainda podem ser 
identificados e consolidados na sociedade (BENEVIDES, 2001). Nesse sentido, 
segundo Benevides (2001), os direitos humanos são aqueles direitos considerados 
fundamentais a todos os seres humanos, sem quaisquer distinções de sexo, condição de 
saúde física e/ou intelectual, nacionalidade ou etnia, são direitos naturais e universais 
por estarem firmemente relacionados à essência do ser humano, independente de atos 
normativos, valendo para todos os sujeitos. E são interdependentes e indivisíveis por 
não ser possível separá-los, aceitando apenas os direitos individuais ou os sociais, como 
aconteceu, por exemplo, no regime soviético que valorizava exclusivamente os direitos 
sociais em detrimento da liberdade individual. 
Em contrapartida, para a autora Lynn Hunt (2007), a noção de universalidade dos 
Direitos Humanos deve ser questionada já que a sociedade é permeada e marcada por 
um número imensurável de diferenças, sendo quase impossível pensar em um núcleo 
fixo de direitos humanos efetivamente adequados para a compreensão das diversas 
realidades culturais e sociais (RESENDE, 2011). 
A Revolução Francesa, mais do que qualquer outro acontecimento, revelou que os 
direitos humanos têm uma lógica interna. Quando enfrentaram a necessidade de 
transformar seus nobres ideais em leis específicas, os deputados desenvolveram uma 
espécie de escala de conceptibilidade ou discutibilidade. Ninguém sabia de antemão que 
grupos iam aparecer na discussão, quando surgiriam e qual seria a decisão sobre o seu 
status. Porém, mais cedo ou mais tarde, tornou-se claro que conceder direitos a alguns 
grupos (aos protestantes, por exemplo) era mais facilmente imaginável do que concedê-
los a outros (as mulheres). (HUNT, 2007, p. 150). 
Sendo assim, os direitos humanos, com suas pretensões universalistas, não 
conseguem oferecer respostas para todas as diferentes questões postas na sociedade 
atual e, provavelmente, "não poderão fornecer respostas caso seja mantida a atual forma 
majoritária e simplista de se pensar e refletir os direitos humanos" (RESENDE, 2011, p. 
22). 
Uma análise da perspectiva histórica dos Direitos Humanos revela que tanto o 
conceito de ‘direito’ quanto de ‘humano’ são conceitos construídos em sociedade e que 
determinam quem é “digno” de possuir quais direitos (COIMBRA et al, 2008). 
Portanto, essa reflexão pode levar à percepção de que o que consideramos como 
direitos universais e indivisíveis são muitas vezes afirmações de direitos para uns – os 
considerados em determinado momento como dignos de serem portadores de direito, ou 
seja, “humanos” – e a negação reiterada para outros. A possibilidade de se refletir sobre 
o processo histórico que determina, com base em práticas sociais, as dinâmicas de 
afirmação dos Direitos Humanos e dos sujeitos desses direitos abre caminho para o 
trabalho a partir dos paradoxos constitutivos dos Direitos Humanos. (RESENDE, 2011, 
p. 22 e 23). 
 
 
24 
1.2 A exclusão e o estigma enquanto construções sociais 
 
A diversidade social e o seu reconhecimento estão presentes em toda a longa história 
da humanidade, através de diversas manifestações em diferentes culturas. Para citar 
apenas um exemplo, toma-se a cultura grega antiga (mais ou menos 1110 anos a.C.) 
onde, no diálogo mais conhecido de Platão "A República", o filósofo considerou a 
desigualdade humana natural, passível de contribuir na promoção da harmonia social e 
do bem comum, atribuindo valor à diferença entre classes sociais e entre homens, como 
ilustrou no Livro V da obra, na passagem (Platão apud Curso de Especialização para 
Professores do Ensino Médio do GDF). 
(...) Pegarão, então, os filhos dos homens superiores e levá-los-ão para o aprisco, 
para junto de amas que moram à parte, num bairro da cidade. Os de homens inferiores e 
quaisquer dos outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto, 
como convém. (p. 10). 
A partir da leitura da passagem acima é possível perceber que a exclusão e a 
segregação social são marcas na história da humanidade e, seu outro extremo, a 
inclusão, é um resultado do esforço da sociedade na conquista da igualdade de direito e 
dignidade a todos. Como exemplo desse esforço tem-se a Declaração Universal dos 
Direitos Humanos, de 1948, que estabelece o ideal de um direito pluralista e universal, 
"ordenado precisamente ao redor dos direitos fundamentais de toda pessoa humana" 
(DELMAS-MARTY, 1999, p. 106 apud Curso de Especialização para Professores do 
Ensino Médio do GDF). 
Voltando a "A República", os disformes a que se refere Platão, na passagem do 
Livro V, são os sujeitos ou grupos marcados por algum sinal físico, intelectual ou 
comportamental, fator que os colocava na posição de excluídos sociais. O objeto de 
análise nesse caso é a diferença humana, categorizada segundo a percepção, os valores e 
os juízos sociais, que tornam marginalizada uma parcela tida como indesejável e 
improdutiva da sociedade. Nesse sentido, remete-se ao modelo ideal de "perfeição", 
presente na Antiguidade e o ideal de "normalidade", que prevalece no Mundo 
Contemporâneo. Em ambos os casos, a diferença significativa18 é assumida e a 
desigualdade, a exclusão e a marginalidade são legitimadas. 
Na Antiguidade, o termo "estigma" designava os sinais corporais que davam 
destaque a algum atributo extraordinário ou negativo à moral de seus portadores. Por 
esse motivo, sinais marcados no corpo com fogo ou corte, identificam escravos, 
criminosos ou traidores, podendo esses ser facilmente identificados, remetendo à 
exclusão social e reduzindo-os às suas marcas, sendo tratados como sujeitos "menores", 
de menor importância, o que de fato representavam e como eram vistos naquela 
sociedade. A evolução histórica agregou valores sociais à concepção do estigma, a partir 
da ressignificação das marcas e do estabelecimento de identidade social, assim novos 
estigmas foram criados, dentre eles, a categoria "deficiente". 
O estigma circunscreve o que se pode considerar como identidade reduzida, onde o 
sujeito ou grupo identitário são percebidos, mas não só, são resumidos e reduzidos à 
 
18
 "Diferença significativa" é um termo utilizado por Amaral (1998), que designado aos sujeitos ou a um 
grupo, relaciona-se com suas características físicas, mentais, sensoriais ou psíquicas que não 
correspondem a um tipo "ideal" de sujeito. A diferença significativa desdobra-se em três subconceitos: 
deficiência, incapacidade e desvantagem. (CARVALHO, 2004). 
 
25 
"marca" que os caracteriza, como se caracterizar o indivíduo paraplégico19 enquanto 
pessoa com deficiência fosse suficiente para contemplar a sua inserção na sociedade. 
Nesse sentido, são construídos os estereótipos sociais, carregados de generalizações, 
como se todas as pessoas com deficiência fossem iguais e pudessem ser tratadas da 
mesma forma e como se essas fossemapenas sujeitos com certas implicações (e nada 
mais) para a sociedade. 
Entretanto, vale ressaltar, que esse argumento não desconsidera a importante luta 
pela real efetivação do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que dita que "Todos 
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos 
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à 
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", mas a reforça, indicando que são 
todos iguais perante a lei ainda que necessitem de certos olhares diferenciados, também 
diante dela, para determinadas esferas da vida, devido às diferentes possibilidades de 
inserção e interação social, como acontece com a Lei nº 8.213/91 que determina que as 
empresas cumpram uma cota de contratação destinada a pessoas com deficiência e com 
a Lei nº 8.112/90, que também indica uma cota para a pessoa com deficiência em 
concursos públicos. 
No entanto, é importante pontuar que a identidade estigmatizada não é um 
movimento de mão única, apenas atribuída pelo "outro", como se a pessoa com 
deficiência fosse mero receptor nesse processo. A "etiqueta" deve ser assumida de 
alguma forma pelo sujeito estigmatizado, como um sujeito ativo na relação interpessoal 
dos sujeitos sociais. Essa dinâmica social é demonstrada pela Teoria do Etiquetamento 
Social, como é denominada a Teoria do Labeling Approach nos estudos criminológicos, 
que considera que o sujeito estigmatizado, em dado momento da sua vida, corresponde 
ao estigma projetado sobre ele, o que provoca a reafirmação do "esperado" 
(BARATTA, 2002). 
Se transportada ao espectro da vida e da história da pessoa com deficiência, a Teoria 
do Etiquetamento Social encontra ressonância na prática onde a pessoa com deficiência 
inicia sua trajetória de excluído, ocupando o lugar social e/ou físico que lhe é destinado, 
construindo assim a teia da segregação e da exclusão com dificuldades de se opor a 
imposição externa. Por outro lado, e mais recentemente, pode-se observar um 
movimento de luta e conscientização sobre a condição de excluído da pessoa com 
deficiência e todas as implicações e conotações sociais que esse processo produz para os 
sujeitos em questão e para toda a sociedade. 
Recentemente, corroborado por uma campanha que, dentre outros locais, foi 
veiculada na televisão em 2004, chamada "Ser diferente é normal"20, houve a retomada 
de uma discussão sobre a normalidade e a diferença na sociedade. A campanha incitava, 
principalmente através de uma propaganda veiculada na televisão, a possibilidade de 
uma criança com Síndrome de Down viver uma vida feliz e ativa, como a de crianças 
sem deficiência. A afirmação indicava que a diferença deveria ser aceita socialmente 
 
19
 A paraplegia é resultante de uma lesão medular, traduzindo-se na perda de controle e sensibilidade dos 
membros inferiores. A intensidade e o comprometimento motor do indivíduo paraplégico dependem da 
altura da sua lesão: quanto mais alta for a lesão medular, maior será a área de impacto e menor as 
possibilidades de controle e de sensibilidade. 
20
 A campanha "Ser diferente é normal" foi criada no período de 2003 e 2004, pela agência Giovanni FCB 
através do Adilson Xavier e da Cristina Amorim, para o Instituto MetaSocial, que atende pessoas com 
Síndrome de Down. 
 
26 
como integrante de uma diversidade natural da existência humana. Retomando assim, o 
entendimento explícito no início desse capítulo, sobre os limites impostos pelas 
barreiras sociais às pessoas com deficiência e não propriamente pelas limitações da 
própria deficiência. Essas são limitações reais, mas se agravam quando a sociedade não 
permite – em plenitude – a relação interpessoal entre pessoas com e sem deficiência e 
não aceita as diferenças impostas pela natureza humana – ou, dependendo do caso, por 
uma deficiência adquirida –, exigindo uma adaptação do indivíduo à sociedade e não o 
oposto. 
Em contrapartida, não há nada de tão inusitado nas pessoas com deficiência que 
mereça ser enaltecido, por isso deve-se tomar cuidado com a exacerbação do 
melodrama, geralmente visto em reportagens no rádio, na imprensa escrita ou na 
televisão, quando pessoas com deficiência são apresentadas como heróis e aplaudidas 
por terem feito algo como as pessoas sem deficiência fazem, mesmo que com 
adaptações que atendam a determinadas necessidades. Entende-se a dificuldade das 
pessoas com deficiência se integrarem na sociedade de forma a realizar atividades 
diversas, ainda mais quando a sociedade não está preparada para receber pessoas com 
limitações reais, entretanto, o alerta está justamente para o cuidado com o outro extremo 
do "ser" deficiente, o de se tornar exemplos de vida, mesmo sem desejar. 
A fim de ilustrar esse extremo, João Ribas (2011) cita um episódio em seu livro 
"Preconceito contra as pessoas com deficiência: as relações que travamos com o 
mundo", em que dois jovens estudantes cegos tornam-se notícia na internet por 
superarem algumas dificuldades na escola. A matéria dizia assim "Cada vez mais gente 
querendo ajudar foi aparecendo e os exemplos de vida dos jovens não contagiavam mais 
apenas a comunidade escolar, mas a vizinhança, a cidade". Entende-se a intenção do 
jornalista em demonstrar que jovens cegos podem superar obstáculos, mas a forma de 
divulgar a notícia é que pode fazer a população achar que são cegos capazes de suportar 
exemplarmente uma sorte incomum – a deficiência – e os infortúnios e sofrimentos que 
dela decorrem. 
Ou seja, porque as pessoas são paraplégicas, cegas, surdas ou têm uma deficiência 
intelectual, são ovacionadas pela mídia quando praticam esportes, estudam, namoram, 
trabalham ou dirigem automóveis, atividades que toda a sociedade realiza, tornando-se 
pretensos exemplos de vida, sem que elas mesmas queiram. 
Ainda assim, é preciso reconhecer que inúmeros profissionais da mídia estão atentos 
para o papel que lhes é devido de construtores do imaginário social. Inclusive com 
publicações como as edições do Manual da Mídia Legal e o Manual sobre Desarrollo 
Inclusivo Para los Medios y Profissionales de la Comunicación, editadas pela Escola de 
Gente Comunicação em Inclusão21, que geraram o texto "Ética da diversidade na 
abordagem da deficiência" (Revista Radis Comunicação e Saúde, nº 92), que orienta a 
forma com a qual os profissionais da mídia devem abordar temáticas referentes às 
pessoas com deficiência. 
Para finalizar essa discussão, João Ribas (2011) afirma "E, como já dizíamos no 
início dos anos 80, a forma mais objetiva de mostrar as pessoas com deficiência é não 
apresentá-las como coitadinhas nem como super-heróis." (2001, p. 87). E mais, "as 
pessoas com deficiência podem fazer tudo, ou quase tudo, que as outras pessoas fazem, 
ainda que de forma um pouco diferente." (2001, p. 83). 
 
21
 Para maiores informações, acessar o site <www.escoladegente.org.br>. 
 
27 
Segundo Goffman (1963), a sociedade utiliza-se de um mecanismo de 
estabelecimento e imposição de categorias para as pessoas, onde essas últimas 
apresentam atributos considerados comuns e naturais para cada categoria. Como as 
relações sociais possibilitam o relacionamento com diferentes pessoas e sem nenhuma 
atenção ou reflexão especial, quando somos apresentados a alguém, os primeiros 
aspectos permitem-nos construir a sua "identidade social" ou o seu "status social", com 
atributos estruturais e valorativos. "Baseando-se nessas preconcepções, nós as 
transformamos em expectativas normativas, em exigências apresentadas de modo 
rigoroso" (1963, p. 12), nas quais toda a sociedade deve se enquadrar de alguma forma, 
ou seja, são os nossos valores impostos a todas as outras pessoas como única 
possibilidade deestar e colocar-se no mundo e nas relações. 
As exigências nem sempre são preenchidas, pois são demandas feitas "efetivamente" 
e imputadas ao outro, ou seja, de fora para dentro, caracterizando-se como a "identidade 
social virtual" (Goffman, 1963) e, portanto, imposta aos indivíduos em um retrospecto 
em potencial, através de afirmativas do que o outro sujeito deveria ser. Já a categoria e 
os atributos que o indivíduo realmente possui constituem o que é chamado de 
"identidade social real" (Goffman, 1963). Quando a pessoa não corresponde à 
"identidade social virtual", aquela esperada e imposta pelo outro, é considerada alguém 
menor, reduzida, menos desejável e pouco importante socialmente e que provoca 
descrédito alheio, essa caracterização é denominada de "estigma" (Goffman, 1963). O 
estigma também acontece quando a ideia de defeito, fraqueza e desvantagem são 
presentes na análise do indivíduo, constituindo uma discrepância entre a identidade 
social virtual e a identidade social real. Vale observar que não são todos os atributos 
indesejáveis que estão em questão, apenas aqueles incongruentes com o estereótipo 
criado para um determinado indivíduo. 
O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente 
depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de 
atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, 
portanto ele não é, em si mesmo, nem honroso nem desonroso. (p. 13, 1963). 
Se para Goffman (1963) o estigma é um tipo especial entre atributo e estereótipo (p. 
13), as relações de discriminação das quais os sujeitos com deficiência são submetidos, 
sempre tem como base as comparações realizadas entre um determinado grupo de 
atributos, considerados completos e garantidos nas pessoas sem deficiência e ausentes 
ou defeituosos nas pessoas com deficiência. 
Sendo assim, se as pessoas se constituem, prioritariamente, no social e as práticas 
sociais e o pensamento coletivo moldam as oportunidades múltiplas de formas de existir 
e conviver, então é possível concluir que, se por um lado há um movimento de exclusão 
e marginalização acompanhando a história e ditando o lugar da pessoa com deficiência 
na sociedade, existem, em contrapartida e em resposta a esse marco histórico, lutas 
atuais pela inclusão social da pessoa com deficiência, revelando a inquietação e a tensão 
que abalam o status quo, promovendo o que se pode chamar de processo de 
"desautorização do instituído". Tomando como instituído o existente, o dado e posto e, 
portanto, desautorizá-lo, seria criticar a lógica excludente e marginalizante presente na 
sociedade e, muitas vezes, reforçada pelas próprias pessoas com deficiência. 
A fim de ilustrar os argumentos acima expostos, no capítulo 15 do livro de João 
Ribas (2011), "Preconceito contra as pessoas com deficiência: as relações que travamos 
com o mundo", o autor relata um episódio ocorrido no inicio dos anos 80 no Brasil que 
 
28 
provoca uma reflexão acerca dos extremos que comumente nos atrai quando tentamos 
escapar do preconceito ou da naturalização no trato com a pessoa com deficiência. 
Certa vez, Paulo Francis escreveu um artigo que teve vontade de chutar uma pessoa 
com deficiência que andava por uma rua em Nova York na sua cadeira de rodas e que 
quase o atropelou. Se bem me lembro, ele batera no seu calcanhar com uma das hastes 
de ferro que ficam na parte dianteira da cadeira. O dia já não tinha sido muito bom e, 
ainda por cima, aquele cadeirante22 quase quebra o seu pé!. (RIBAS, 2011, p. 77). 
O artigo foi publicado na Folha de São Paulo, junto com uma pequena charge em 
preto e branco, que ilustrava uma cadeira de rodas com um sujeito um tanto 
desorientado sentado nela, e após levar um chute por um pé calçado com um sapato 
demasiadamente sinistro, voa pelo ar. 
À época, no Brasil, as pessoas com deficiência estavam lutando veemente contra o 
que entendiam ser fruto de discriminação e de preconceito: a ausência de políticas 
públicas, de transporte adaptado, escolas que negavam matrículas para crianças com 
deficiência, empresas que não contratavam pessoas com deficiência para o seu quadro, 
dentre outras conhecidas formas de exclusão social. As pessoas iam às ruas em 
passeatas, procuravam governantes e parlamentares para reivindicar melhorias no 
atendimento público e apareciam na mídia exigindo o respeito aos seus direitos 
inalienáveis. E no meio disso tudo, estava Francis provocando em todos os brasileiros 
com deficiência, o sentimento de terem sido chutados. 
Diante do ocorrido, foram todos os brasileiros cadeirantes para a praça pública 
proclamar aos brados que Francis havia cometido um impropério contra todas as 
pessoas com deficiência do mundo. Como se já não bastasse o incomensurável grau de 
opressão social que esse segmento sofria. 
Entretanto, a crítica à revolta coletiva deve ser feita. Certamente as pessoas com 
deficiência daquela época (e, permito-me a ousadia de dizer que, de hoje em dia 
também) se sentiam pessoas suficientemente machucadas pela vida a ponto de, mesmo 
inadvertidamente, poderem chutar alguém sem que esse possa sequer reclamar. O 
pensamento pode ser "Ele quase quebrou o meu pé com o ferro da cadeira, mas – 
coitado! – eu não vou reclamar. Deixa pra lá. Se eu reclamar, vou constrangê-lo porque 
ele está na cadeira de rodas, é um sofredor, certamente não fez por querer, não vou 
aborrecê-lo." (RIBAS, 2011, p. 79). 
Acontece que pensamentos dessa natureza "autorizam" algumas pessoas com 
deficiência a pensarem a cadeira de rodas como um álibi e uma imunidade para cometer 
deslizes sem possibilidade de repreensão. Já que se consideram tão drasticamente 
feridas pela vida, que devem pensar primeiro em si, sem preocupar-se com excessos ou 
limites do bom senso. Podendo, então, ter privilégios frente às pessoas sem deficiência. 
Enquanto minoria social, se consideram especiais, por serem vítimas de malformação 
congênita, do acidente impensável, do acontecimento do destino ou da falha divina. Por 
isso, poderiam conquistar mais direitos que os outros, mesmo que esses "outros" 
tivessem igualmente seus direitos feridos. 
Ribas também relata no seu livro (2011, p. 79) um episódio que ocorreu com ele 
próprio na época da publicação do artigo de Paulo Francis, que foi revelador de como há 
uma dificuldade das pessoas sem deficiência lidarem com as pessoas com deficiência e 
dessas últimas receberem a relação sem pré-conceitos ou concepções pré-definidas 
como preconceituosas ou discriminadoras. 
 
22
 Pessoa que utiliza a cadeira de rodas para se locomover. 
 
29 
Uma moça paraplégica ligou para Ribas solicitando uma ajuda para mover uma ação 
na Justiça contra a empresa que trabalhava, porque essa não permitia que a mulher 
estacionasse o seu carro no exato local onde ela achava que deveria estacioná-lo. Como 
o edifício em que ficava a empresa tinha poucas vagas na garagem, parte dos 
funcionários não podia estacionar seu carro perto do seu trabalho. A empresa, buscando 
solucionar a questão da moça paraplégica, que por direito, inscrito no artigo 7º da Lei nº 
10.098/00, deve estacionar seu carro em uma vaga próxima ao seu local de acesso e 
circulação, colocou um funcionário à sua disposição. Sendo assim, quando a empregada 
chegasse ao seu local de trabalho, pararia o carro na porta de entrada no edifício e um 
funcionário o levaria até o estacionamento mais próximo, fazendo o inverso na hora de 
sua saída. 
Essa dinâmica facilitaria a locomoção da empregada, ainda que não garantisse 
inteiramente seu direito. Nesse sentido, a mulher exigiu um local privilegiado no 
estacionamento, de modo que ela mesma pudesse estacionar seu veículo sem que o 
funcionário tivesse que dirigi-lo. Como a empresa não conseguiu oferecer

Outros materiais

Materiais relacionados

Perguntas relacionadas

Materiais recentes

Perguntas Recentes