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Uma leitura possível de "Pai contra mãe", de Machado de Assis1 
 
 Márcio Ricardo Coelho Muniz (UEFS) 
 
 
Resumo: O ensaio propõe uma leitura do conto "Pai contra mãe", de Machado de Assis, apontando nele uma 
consciência, revelada pelo autor, dos problemas que atingiam a classe emergente de assalariados do final do 
século XIX, assim como uma preocupação com a questão da escravidão. Consciência e preocupação essas 
constantemente negadas, pela crítica especializada, a Machado de Assis. 
 
Palavras-chaves: Machado de Assis; conto; "Pai contra Mãe"; Literatura Brasileira; Literatura do Século XIX. 
 
 
"A abolição é a aurora da liberdade; 
esperemos o sol; emancipado o preto, 
resta emancipar o branco." 
(Machado de Assis. Esaú e Jacó) 
 
"a ordem social e humana nem sempre 
se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel." 
(Machado de Assis. “Pai contra mãe”) 
 
 
1. 
 "Pai contra mãe" sempre me pareceu uma espécie de companheiro temático de outro 
conto de Machado de Assis, "O caso da vara"2. Ambos têm como figuras centrais um homem 
branco livre e uma negra escrava. Os dois tratam da questão da escravidão e do jogo de poder 
que a relação acima encerra. 
 No que diz respeito a "O caso da vara" essa explicação sempre me satisfez. Neste, 
Damião, seminarista sem vocação, fugido do seminário, troca a vara com que Sinhá Rita irá 
castigar a negra Lucrécia - pelo trabalho não terminado - pelos favores que a mesma Sinhá 
Rita lhe prestará intercedendo junto ao padrinho e, por este, ao pai, no caso da fuga do 
seminário. Neste conto, que o autor situa em 1850, fica clara a relação de favor que 
 
1
 Este texto foi publicado na Revista de Estudos Acadêmicos Unibero, São Paulo, v. 4, p. 25-31, 1996, ISSN: 
14143577. 
2
 "O caso da vara" está em Páginas Recolhidas, livro de contos publicados em 1899. 
 2 
caracterizava as relações sociais no século XIX brasileiro, tão bem descrita por Roberto 
Schwartz em seu Ao vencedor as batatas3. 
 Em "Pai contra mãe"4, ao contrário, as relações homem branco livre e mulher negra 
escrava nunca me pareceram suficiente para a explicação plena do sentido do conto. Apesar de 
o título ser um forte signo indicador dessa relação e de que, ao ler o conto, confirmamos na 
figura do pai um homem branco livre e na mãe uma mulher escrava, outros dados chamaram-
me a atenção, conduzindo-me a outras conclusões. Como se sabe, a tendência da escrita 
machadiana é levar o leitor pouco atento a crer em sua primeira, e quase sempre superficial, 
leitura, quando, na realidade, o significado profundo do texto está em pormenores, em 
sutilezas e dados despretensiosos sobre os quais raros são os leitores que se detêm. Por isso, 
antes de revelar o teor das conclusões referidas acima, apresentarei quais foram os dados que 
me fizeram chegar até novas conclusões. 
 
2. 
 "Pai contra mãe" é publicado em 1906, em Relíquias de casa velha, nome sugestivo 
para um livro de contos. Na realidade, não só de contos, pois lá está, abrindo o volume, o 
famoso soneto "A Carolina". O título nos é explicado pelo próprio Machado na "Advertência" 
ao livro. Nesta, ele se compara ao dono de uma casa que resolve arejar e expor as relíquias 
que acumulou durante os anos: 
 
"Chama-lhe à minha vida uma casa, dá o nome de relíquias aos inéditos e impressos que 
aqui vão, idéias, histórias, críticas, diálogos, e verás explicados o livro e o título." 
(MACHADO DE ASSIS, 1952: 05.) 
 
 Como se vê, ao se crer no que nos indica tal "Advertência", o que vai escrito no livro 
nada pretende, não possui nenhum plano de composição e nem mesmo nada de muito grave 
será tratado, afinal, são apenas "relíquias velhas" que o autor decide arejar e expor, ficando na 
dependência do leitor aprovar as boas escolhas e absolver as más. Porém, como já nos chamou 
a atenção Alcides Villaça: 
 
 
3
 Em "As idéias fora do lugar", capítulo de Ao vencedor as batatas, Roberto Schwarz analisa as relações sociais 
do século XIX brasileiro sob o prisma do "favor". A partir da caracterização e da análise desse fenômeno social, 
Schwarz busca ver essas relações espelhadas na obra machadiana. "O caso da vara" é um texto exemplar para se 
perceber a caracterização do "favor" dentro da literatura de Machado de Assis. Cf. SCHWARZ, 1990. 
4
 A relação baseada no "favor" também pode ser observada em "Pai contra a mãe", porém acredito que o foco da 
escrita machadiana neste conto está dirigido para uma situação mais crítica do que a caracterizada pelo "favor". 
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 3 
“Nos prefácios e nos títulos de seus livros de contos, Machado de Assis processa 
um certo rebaixamento do gênero. Finge bocejar diante do tempo longo da vida 
que é preciso preencher de algum modo, e publica seus escritos com a estampa da 
vagueza e da indeterminação (...) Nada que pretenda substância." (VILLAÇA, 1984: 08) 
 
 Assim se dá com Relíquias de casa velha. O primeiro conto do livro é nada mais nada 
menos que "Pai contra mãe". Temos que concordar que classificar a história de Cândido 
Neves como "relíquias velhas" não ajudará muito o leitor a entender o conto. Ao contrário, 
qualquer leitor que leve a “Advertência” ao pé da letra tomará um belo susto ao acabar a 
leitura de "Pai contra mãe". Este nada tem da leveza pretendida ou, ao menos, anunciada por 
Machado. Longe disso, é um conto com um tom de crueldade poucas vezes visto no nosso 
autor. 
 
3. 
 O início de "Pai contra mãe" é bastante atípico na escrita machadiana: quatro grandes 
parágrafos descritivos. Todos sabemos que a descrição não aprazia a Machado. Seu interesse 
estava nos fatos, nos acontecimentos, nas ações, enfim, era agindo que o homem se revelava 
para nosso autor. Então, qual o sentido dessa considerável descrição iniciando um conto? 
Podemos somar a essa questão, ainda, a importância da introdução em qualquer texto, pelo 
seu caráter de apresentação da obra e conquista do leitor. Porém, antes de buscarmos resposta 
para essa pergunta, vejamos o que descreve o narrador. 
 O primeiro período do primeiro parágrafo é bastante revelador. Diz ele: "A escravidão 
levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais"5. Tem-se 
aqui alguns dados para os quais vale a pena chamar atenção. Primeiro, para a questão 
temporal. O tempo verbal usado na primeira oração é o pretérito perfeito - "levou". Isto indica 
que o assunto de que se tratará é passado e findo. Sabemos que Relíquias de casa velha foi 
publicado em 1906. Porém, nem todos os seus contos estão datados. Daqueles que possuem 
data, os quatros últimos do volume, dois são anteriores à Lei Áurea: "O caso de Romualdo" 
(1884) e "Pobre cardeal" (1886). Os outros dois são posteriores à libertação dos escravos: 
"Um sonho e outro sonho" (1892) e "Um quarto de século" (1893); e, é lógico, o soneto "A 
Carolina", feito após a sua morte, ocorrida em 1904. Ora, a falta de data e a publicação de 
contos com datas anteriores e posteriores à Lei Áurea poderiam trazer dúvidas quanto à data 
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de produção de "Pai contra mãe". No entanto, o narrador dirime essa possível dúvida 
colocando o tempo de narração posteriormente ao fim da escravidão no Brasil. Isso importa, 
veremos mais tarde, principalmente porque a ação da história que irá narrar decorre dentro do 
Brasil escravagista: "Há meio século, os escravos fugiam com freqüência". É de se notar, 
ainda, que esse "há meio século" remete a ação de nosso conto para um momento muito 
próximo ao tempo de "O caso da vara":"Não sei bem o ano; foi antes de 1850", diz o seu 
narrrador-personagem deste. Se datarmos "Pai contra mãe" de 1889, um ano após a Lei Áurea, 
ou de 1906, ano da publicação de Relíquias de casa velha, as datas da ação narrada nele não 
ficam, assim mesmo, distantes da história de Damião e Lucrécia: 1839 ou 1856. 
 Outro dado de interesse daquele primeiro período é o fato de vir ali expresso um 
possível assunto do conto: a escravidão, seus ofícios e os aparelhos destes. Ao menos, é a 
expectativa que se cria de imediato ao se ler o período. Como veremos, o narrador não deixará 
o leitor na expectativa. 
 Uma terceira informação que chama atenção no referido período é o reconhecimento 
da escravidão como uma instituição social. Aquela inicia o período, esta o fecha. As duas são 
complementares e definidoras uma da outra. Será justamente a escravidão como instituição 
social que dará “status” de ofício à atividade descrita no quinto parágrafo e que será também o 
ofício do personagem principal: pegar escravos fugidos. 
 A seguir àquele período, o narrador parte para a descrição dos aparelhos "por se 
ligarem àquele ofício". O "ferro ao pescoço", o "ferro ao pé" e a "máscara de folha-de-
flandres" são alguns desses aparelhos. As descrições são também bastante peculiares. O 
narrador não se limita à simples descrição do objeto: 
 
"(a máscara de folha-de-flandres) tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e 
era fechada atrás da cabeça por um cadeado"; 
 
mas também descreve sua função e utilidade social: 
 
"a máscara fazia perder o vício da embriaguez dos escravos, por lhes tapar a boca (...) 
com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do 
senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos (...) Era 
grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, 
e alguma vez o cruel". 
 
 
5
 Apesar de a edição de consulta ser a da W. M. Jackson Editora, todas as citações serão feitas pela Antologia 
presente em BOSI, 1982, por ser essa a de mais fácil acesso ao leitor contemporâneo. 
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 5 
 A esta afirmação que é dita ao leitor com a mesma "naturalidade" com que apresenta o 
assunto que encerra, como se o seu sentido fosse consensual porque natural, somam-se duas 
outras no segundo e terceiros parágrafos. Ao falar sobre o "ferro no pescoço", afirma o 
narrador: "Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal". E ao comentar acerca das 
constantes fugas que ocorriam "há meio século" e sobre as pancadas que sofriam os negros 
fujões, diz: 
 
"havia alguém em casa que servia de padrinho, e o dono não era mau; além disso, o 
sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói" (grifo meu). 
 
Ora, esses três comentários, com nítido teor irônico - porque falam de algo sério e 
grotesco num tom de fingida naturalidade - intercalados com descrição dos objetos e com a 
freqüência das fugas, são bastante significativos. Não só pelo óbvio conteúdo crítico, porque 
irônico, pois permitem ao leitor inferir uma posição do narrador em relação ao assunto 
aparente do conto; mas também porque esses comentários já adiantam explicações acerca da 
ocupação da personagem principal do conto. 
 O quinto parágrafo apresenta o ofício de pegar escravos fugidos. "Ofício do tempo" era 
também "instrumento de força com que se mantém a lei e a propriedade". Essa sucinta e clara 
descrição revela significativamente os porquês das afirmações anteriores. Trata-se aqui de 
uma instituição não só social, mas também comercial, por isso a necessidade de leis que 
assegurem a propriedade. A força, já expressa pelos aparelhos descritos atrás, faz-se então 
necessária. Daí a um ofício que a aplique é um passo. "A ordem social e humana" requeria 
esse tipo de ofício que "não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantém 
a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita nas ações reivindicadoras". Esta 
"nobreza implícita" contém a mesma carga irônica das outras afirmações e a elas se liga na 
composição do quadro escravagista brasileiro da segunda metade do século XIX. 
 Vale, neste momento, chamar atenção para o discurso irônico que tenho ressaltado. 
Esse pode muito bem ser lido como um discurso conservador que busca assegurar o direito à 
propriedade. Direito para o qual Machado sempre chamou atenção, principalmente porque via 
nele a mola propulsora e organizadora da sociedade6. Se o leio como irônico é porque outros 
textos machadianos, utilizando-se da mesma ironia, afirmam sua defesa pela liberdade 
humana e sua condenação ao processo escravagista - não é necessário lembrar que tanto a 
 
6Para análise de um possível discurso “conservador” em Machado de Assis cf. FAORO, 1976; e BOSI, 1982. 
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defesa quanto a condenação são feitas não veementemente, mas através do discurso da 
dissimulação próprio de Machado -; e, também, porque acredito que mesmo "Pai contra mãe" 
nos dá elementos para afirmar esse discurso irônico. Alguns desses elementos já foram 
apontados e outros virão no decorrer da análise. 
 Voltando ao quinto parágrafo, após explicitar a função social da atividade de pegar 
escravos e ressaltar sua implícita nobreza, o narrador passa a caracterizar o "profissional" que 
detinha esse ofício. A primeira afirmação relativa a este, se não contradiz a sua "nobreza", 
aponta para o desmonte dessa: "Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo..." 
Não é, portanto, por entretenimento nem por conhecimento acumulado que se toma tal 
atividade como profissão. Ao contrário: 
 
"a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e 
alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam impulso ao homem 
que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem". 
 
Como se vê, fica nítido o rebaixamento da "nobreza implícita" do ofício. Só se metia a 
pegar escravos fugidos o homem marginalizado pela sociedade. Claro está que o caráter de 
"nobreza" do ofício só era percebido pelos proprietários dos escravos. Numa sociedade 
escravagista, como a brasileira do século XIX, o caçador de escravos era um ser socialmente 
necessário para a manutenção da ordem - leia-se propriedade - mas, ao mesmo tempo, tal 
atividade era desempenhada por homens não "ajustados" socialmente: ou muito pobre ou 
inapto ou servil. 
 
4. 
São com essas características de homem desajustado socialmente e miserável que 
aparece na narrativa a personagem principal do conto: Cândido Neves. 
 
"Cândido Neves, - em família, Candinho -, a pessoa a quem se liga a história de uma 
fuga, cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos". 
 
 Com esse período, o narrador muda o rumo do texto. A partir daí ele irá nos contar a 
história de Candinho. Como disse atrás, o ofício de pegar escravos era praticado por homens 
que se encontravam à margem da sociedade. Nosso personagem é esse tipo de homem. Note-
se que ele não era um vadio, um vagabundo, mas sim "carecia de estabilidade". De tudo um 
pouco ele tentou fazer na vida: tipografia, caixeiro, fiel de cartório, contínuo, carteiro etc. 
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Algunsofícios, não teve paciência para aprender; outros, como o de caixeiro, não agradavam 
porque "a obrigação (...) de atender e servir a todos feri-o na corda do orgulho"; outros, ainda, 
não dariam rendimentos suficientes para sua sobrevivência, caso da tipografia. 
 Na vida de Candinho apareceu Clara, moça órfã, que morava com tia Mônica. Ambas 
cosiam para sobreviver. Clara "queria casar, naturalmente. Era, como lhe dizia a tia, um 
pescar de caniço, a ver se o peixe passava longe..." Quando se deu o encontro, Cândido só 
acumulava dívidas com um primo, entalhador de ofício. Esta situação caracteriza uma questão 
muito peculiar na obra Machadiana. Nos romances da chamada primeira fase, a união do 
homem e da mulher através do casamento resultava quase sempre na ascensão social de um 
dos dois. O matrimônio significava a união de interesses sociais e econômicos que faziam 
daquele um negócio comercial. Na relação de Cândido e Clara não há mais que a união da 
miséria. Ele, cheio de dívidas, sem emprego certo e vivendo de favor com o primo, não tinha 
o que oferecer; ela, por sua vez, órfã, pobre e dependente de uma tia que nada possuía, nada 
poderia dar. Como afirma Raymundo Faoro: 
 
"Agora, a reunião do homem e da mulher, procurada pela mulher para suavizar as 
amarguras materiais, soma misérias, transmitindo a falta de pão à prole desgraçada". 
(FAORO, 1976: 326) 
 
 Após o casamento a vida não era boa, mas era feliz. A patuscada unia os três. "Os 
mesmos nomes eram objetos de trocados, Clara, Neves, Cândido; não davam que comer, mas 
davam que rir, e o riso digeria-se sem esforço". Faltava o filho que os dois queriam, um só. E 
ele veio, "era fruto abençoado que viria trazer ao casal a suspirada ventura". Tia Mônica, no 
entanto, desespera-se. Um filho significa mais uma boca a alimentar e a vida a cada dia mais 
difícil. Cândido a esta altura já desempenhava o ofício de pegar escravos fugidos. "Tinha 
glória nisto, falava da esperança com capital (...) Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um 
encanto novo". E além do encanto a profissão "só exigia força, olho vivo, paciência, coragem 
e um pedaço de corda". Mas os ganhos eram incertos e, a partir de um momento, outros 
desempregados passaram a desempenhar o mesmo ofício. O dinheiro passou a rarear e a 
situação foi ficando cada dia mais difícil. "A natureza ia andando, o feto crescia..." Perto da 
época do beber nascer, sem dinheiro para o aluguel, os três são despejados e vão morar de 
favor em quartos que a previdente tia Mônica havia arranjado com uma senhora amiga. Como 
comenta o narrador, "a situação era aguda". É justamente numa situação aguda que o narrador 
promove nova virada na história que conta. 
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 Antes, porém, de se entrar no novo fio dessa narrativa, vale guardar algumas 
observações. Como se viu, além do gosto pelas patuscadas, é a pobreza o principal elo entre as 
personagens Cândido, Clara e tia Mônica. Pobreza que não impedia o riso, pois esse se digeria 
sem esforço, mas impedia a vinda de um filho, a suspirada ventura do casal que queria "um, 
um só, embora viesse agravar a necessidade". Ora, Machado está a apresentar para o leitor de 
suas "relíquias velhas" uma situação que está longe da leveza pretendida, expressa nos 
prefácios de seus livros. O estado de miséria do trabalhador do século XIX - não muito 
diferente do nosso, devemos reconhecer - está sendo descortinado nessas páginas 
“despretensiosas”. A necessidade material, a falta de especialização profissional e a falta de 
uma política trabalhista jogavam o trabalhador livre em um estado semelhante ao do negro 
escravo, pois embora tivesse garantida a liberdade, aquele não tinha a certeza do pão diário. 
Modernamente diríamos que a liberdade é bem supremo e assim, provavelmente, também 
pensavam os abolicionistas. Machado, contudo, enxergava um pouco mais longe. Para ele, 
segundo um crítico de sua obra: 
 
"liberdade sem pão não representa nada, se excluída a perspectiva do futuro, futuro na 
terra, com participação nos bens que ela dá (...) O problema supremo é o pão, difícil 
de conquistar com suor, as canseiras e a labuta de todos os dias". (FAORO, 1976: 326) 
 
 Retomemos a narrativa. Nascida a criança, um menino como desejava os pais, o 
conselho dado dias antes por tia Mônica de que levassem a criança à Roda dos Enjeitados – 
espaço onde se abandonavam as crianças que não se poderia criar - teve que ser aceito, pois, 
afinal, "a carne e o feijão (iam) faltando (...) como é que a família (haveria) de aumentar?” 
Porém, a Providência, que não abandona nem Candinho nem Clara, manda ajuda. 
 Cândido, ao levar o filho para a Roda dos Enjeitados, na rua da Ajuda - não nos escape 
a ironia dos nomes! -, vê um vulto de uma mulher e identifica nela sua salvação, assim como a 
de seu filho. O vulto era de Arminda, mulata que há dias Candinho buscava pelas ruas da 
cidade. Fugida, seu senhor oferecera cem mil-réis para quem a capturasse. A quantia não era 
astronômica, mas resolveria de imediato a falta de carne e de feijão na mesa. Nosso caçador 
não titubeia. Deixa a criança com um farmacêutico que, dias antes, havia lhe fornecido 
informações sobre a negra fugida e segue atrás dela. Logo depois a alcança, domina-a e a leva 
para seu senhor. 
 Chega-se aí ao ponto mais cruel e, provavelmente, o mais desvirtuador de uma leitura 
superficial do conto. Arminda estava grávida e do caminho em que foi pega até a casa de seu 
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senhor implora pelo perdão de Cândido, alegando, a seu favor, sua gravidez e a crueldade de 
seu senhor. Candinho não se sensibiliza com os rogos da escrava e continua a arrastá-la pelas 
ruas. "Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois?" - responde aos rogos da negra. Chegado à 
casa do reclamante, que logo atende ao chamado de Cândido, este entrega a escrava, recebe 
sua recompensa e parte, porém, não tão rápido que deixe de presenciar o aborto sofrido por 
Arminda, provocado pela luta com ele e pelo medo dos castigos futuros. 
 De volta a casa com a criança e os cem mil-réis, o pai feliz relata a história da caça e 
do aborto de Arminda. Tia Mônica perdoa a vinda do bebê já que com ele vinham os cem mil-
réis e, diz o narrador: 
 
“[Tia Mônica] não poupa palavras duras contra a escrava, por causa do aborto, além da 
fuga. Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas verdadeiras, abençoava a fuga e não 
se lhe dava do aborto. - Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração". 
 
 A crueldade desse final assusta o leitor que espera apenas "relíquias velhas" e também 
o leitor acostumado com o tom de "vagueza e indeterminação" da narrativa machadiana. 
Escritor acostumado a tratar de temas graves e problemáticos com a ligeireza e a leveza de 
operetas (VILLAÇA, 1984: 08.), Machado de Assis não possui muitos momentos como esse 
final - e se poderia incluir também o início - em sua obra. O embate cru de interesses e a 
narrativa realista de um aborto, provocado por violências, não são comuns na pena 
machadiana. Acredito ser esse, inclusive, um dos fatores que levam tantos leitores a ver nesse 
conto a escravidão como grande tema (BOSI, 1982: 205.). 
 Óbvio está que não discordo totalmente desta leitura. Seria prova de ingenuidade não 
crer que a escravidão é também tema desse conto. Contudo, acredito que o olhar machadiano 
está focado mais atentamente para outra questão: a emergência do trabalhador livre no Brasil 
escravagista da segunda metade do século XIX. 
 Em seu livro sobre a obra de Machado de Assis, Raymundo Faoro ajuda-nos a 
compreender melhor a visão de mundo machadiana. Diz o crítico: 
 
"O enquadramento socialdo trabalhador livre no contexto da miséria permitiu a Machado 
de Assis medir o escravo sob ângulo original. Somente ele insistiu na calamidade que a 
alforria poderia significar para o cativo. O escravo seria livre, mas ficaria sem trabalho e 
sem pão, entregue à mendicância. O senhor, só ele, lucraria com o ato de generosidade 
ao se desfazer de uma boca inútil, envelhecida ou estropiada pelo trabalho. A liberdade 
não passava, nas circunstâncias, de retórica cruel ou de mentira". (FAORO, 1976: 326.) 
 
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Machado, através de "Pai contra mãe", mostra como o negro livre e, no caso, o 
trabalhador branco pobre estão em situação muito semelhante ao negro escravo. Ganha a 
liberdade, ou mesmo já a possuindo por uma questão de origem, o trabalhador livre possuía 
pouca perspectiva num país em que a bipolaridade social e econômica era, ainda, a principal 
característica. Ou seja, de um lado o senhor branco, rico, nesse momento não mais 
escravagista, e do outro o negro livre e o branco em estado pleno de miséria, vivendo numa 
sociedade em que as possibilidades de mudança são remotas. É esta a situação que Machado 
anuncia dentro de "Pai contra mãe". A figura central do conto é, como vimos, um trabalhador 
miserável que forma uma família também miserável. Parece-me que Machado já antevia o 
que seria a realidade do Brasil durante muitos anos - e sabemos que pouco mudou até hoje. 
Obviamente, não é minha intenção ver em Machado um "sociólogo de plantão" em pleno final 
do século XIX, início do XX. Como, novamente, nos ensina Faoro: "Há menos do que uma 
doutrina na sua obra e mais do que o protesto intuitivo" (FAORO, 1976: 326.). Machado, 
como homem de seu tempo, sensível aos acontecimentos pós Lei Áurea, observador e analista 
cuidadoso dos fatos, viu pouca mudança real nas transformações ocorridas no final de século 
XIX brasileiro7. 
 
5. 
 Voltemos a "Pai contra mãe". Agora, com essa perspectiva de leitura em mente, 
podemos entender o porquê de Machado voltar a escrever sobre a escravidão após seu 
término. Não é mais ela o seu alvo, mas sim o fruto de seu fim: o trabalhador livre. Fácil 
entender o porquê do início e do fim do conto terem a escravidão e seus processos tão 
ressaltados e também o tempo escolhido para a narração da história. Não podia Machado falar 
de uma classe – se se pode denominá-la como tal - que mal começava a emergir na sociedade 
brasileira. Não se pode esquecer que não se está falando do operário, figura que só será 
realidade no Brasil a partir de nossa "revolução industrial", iniciada na década de vinte de 
século XX. Machado só poderia tratar daquela espécie de trabalhador, nunca do operário: são 
caixeiros, quitandeiros, contínuos, tipógrafos, caçador de escravos... 
 
7
 Confira o posicionamento de Machado de Assis sobre as transformações ocorridas no final do séc. XIX 
brasileiro, em particular sobre o fim da escravidão, que se pode entrever na crônica de 19 de maio de 1888, 
inserida em MACHADO DE ASSIS, J. M. Bons dias! Ed. intr. e notas de John Gledson. São Paulo/Campinas: 
Hucitec/Ed. da Unicamp, 1990. 
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 Mas, por que inserir essa história dentro do período da escravidão? Além do fato 
explicado acima, é dentro do Brasil escravagista que nosso autor poderá distinguir os dois 
trabalhadores - o livre e o escravo - e também os aproximar na condição da miséria. 
Ressaltando a liberdade de nossas personagens, inclusive pelos nomes, Neves e Clara - e 
Machado não quer que o leitor não deixe de perceber sua dica, portanto chama sua atenção 
relatando a brincadeira com os nomes -, ele demonstra como isso faz diferença pessoal, porém 
socialmente pouco significa. Cândido Neves - que de cândido revela nada ter, vide a profissão 
e as cenas finais do conto - acredita que seu estado de liberdade o faz diferente e superior ao 
negro escravo. Daí não lhe apetecer ofícios com caráter servil, mas sim aqueles em que ele 
possa, utilizando-se da força, exercer o poder de livre e branco e impor a ordem. Há diversas 
passagens em que o narrador sutilmente demonstra que Cândido gostava de ter a autoridade e 
os modos do senhor. Por exemplo, quando busca, junto ao farmacêutico, informações acerca 
da escrava fugida, comenta o narrador: "Cândido Neves parecia falar como dono da escrava..." 
No entanto, socialmente, sua situação pouco difere da dos escravos, pois apesar de ter um 
ofício - paradoxalmente de caçador de escravos fugidos -, isto nem sempre garante 
subsistência para ele e sua família. Quando a família quer crescer, ele tem de deixar o fruto 
desejado na Roda dos Enjeitados, caso contrário, morreriam de fome. Machado sabia que 
havia desaparecido o cativeiro, "mas ficaram de pé as instituições que sujeitam, prendem e 
agrilhoam o trabalhador livre" (FAORO, 1976: 333.). 
 Triste condição deste trabalhador que para salvaguardar a sua vida e a de sua família 
tem de ter uma profissão tão desumana e desqualificada socialmente. Mais triste este trágico 
final em que, para salvar seu filho, Cândido teve que colaborar com a morte do filho de 
Arminda e, mais ainda, que isso não o sensibilize. Como indica Faoro, há nesse conto quase 
que uma vingança de classe. Assim como o proprietário de sua antiga casa não cedeu frente a 
sua "inclinação de promessa e súplica", da mesma forma Cândido Neves não cede aos rogos 
de Arminda, ao contrário, ainda a repreende pela fuga e pela gravidez. 
 Ano(s) após a Lei Áurea, não havia mais sentido voltar à questão do escravo, no 
entanto já se vislumbravam para Machado os problemas e as dificuldades que iriam enfrentar 
o novo e o velho trabalhador livre. Neste caso, a cor da pele terá sua significância relativizada. 
A miséria não distancia quem dela faz parte, ao contrário, ela iguala os participantes na hora 
da partilha. 
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 Claro está que este era um problema que preocupava nosso escritor e que, 
contradizendo o que afirmaram tantos e tantos críticos, Machado não estava alheio a essa e a 
outras questões nacionais. Apenas, acredito, tinha consciência que o período da inflamação 
indignada da juventude já havia passado e que, no momento, a única arma de que dispunha, e 
a melhor, era a sua literatura. Com humor, com um pouco de perversidade para com seus, 
então, inocentes leitores, com muita lucidez e com a conseqüente ironia, o Bruxo do Cosme 
Velho apreende e revela suas opiniões e visões sobre o mundo que o cerca. Foi ele quem 
escolheu as relíquias, cabe ao leitor aprovar a boa escolha e absolver a má. 
 
 
BIBLIOGRAFIA: 
 
ARRIGUCCI JR., Davi. Enigma e Comentário. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 
BOSI, Alfredo (Org.). Machado de Assis. São Paulo, Ática, 1982. (Coleção Autores Brasileiros). 
_____."A máscara e a fenda". Em: Machado de Assis. Org. Alfredo Bosi. São Paulo: Ática, 1982. 
BROCA, Brito. Machado de Assis e a política: mais outros. São Paulo/Brasília: Polis/INL/Fundação 
Pró-Memória, 1983. 
CASTELLO, J. Aderaldo. Realidade e ilusão em Machado de Assis. São Paulo: s. Ed., 1969. 
FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. 2 ed. São Paulo: Nacional, 1976. 
GLEDSON, John. Machado de Assis: ficção e história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. 
MACHADO DE ASSIS, J. M. Bons dias! Ed. intr. e notas de John Gledson. São Paulo/Campinas: 
Hucitec/Ed. da Unicamp, 1990. 
_____. Obras completas. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1952. 
PEREIRA, Lúcia Miguel. Machado de Assis. 4. ed. São Paulo: Círculo Literário do Brasil, 1948. 
SCHWARZ, Roberto.Um mestre na periferia docapitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas 
Cidades, 1990. 
_____. Ao vencedor as batatas. 3. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1977. 
TEIXEIRA, Ivan. Apresentação de Machado de Assis. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988. 
VILLAÇA, Alcides. "Machado de Assis: planos de um contista". Em: Folhetim, 25 de novembro de 
1984. p. 8-9, Folha de São Paulo. 
_____. "Um caso de Machado de Assis: a propósito do entendimento nacional". (cópia xerografada, 
cedida pelo autor).

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