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historias de aprendizagem

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Histórias de Aprendizagem
e algumas reflexões incomuns 
sobre aprender e ensinar
Ana Lopes
2012
Capa
Jorge Luis de Sousa Azevedo 
Revisão
Rosana Rogeri
Produção
VídeoAulas ByAna
http://www.videoaulasbyana.com.br
Direitos de cópia 
O conteúdo deste livro eletrônico tem direitos autorais 
reservados para a autora. 
Isso significa que, mesmo sendo um conteúdo digital, não é de 
domínio público e não pode ser reenviado ou duplicado para 
terceiros. 
Se você quiser indicar o livro para alguém, por favor, forneça o 
endereço do site do livro para que ele possa ser adquirido 
legalmente:
http:www.videoaulasbyana.com.br/ebook-historias/
Fazendo isso, você estará contribuindo para a produção de 
conteúdo digital de qualidade.
Obrigada!
As Histórias
Apresentação......................................................................1
Eu não preciso de um professor?!?....................................5
Meus professores: os livros...............................................11
Vida na Universidade.......................................................17
Recuperando o autodidatismo perdido.............................21
Cientista da Computação em um mês...............................28
Mestrado: garimpo e foco................................................34
Professora? Não, malabarista!.........................................39
Quer continuar no emprego? ...........................................45
Para curar gastrite, concurso público!.............................50
Professora Bombril: 1001 utilidades................................57
Um público (radicalmente) diferente................................62
O currículo que foi corroído pelas traças.........................69
PaD: “Pesquisa a distância”...........................................75
Fluente em inglês, finalmente!..........................................80
Cientista da Computação ou não?....................................89
Pesquisa: praticando caça a problemas ..........................95
Muitos artigos e nenhum diploma...................................102
Um diploma e um blog....................................................105
Reflexões “finais”..........................................................109
Apresentação
Esta pequena coleção de histórias mostra vários 
episódios da minha vida que acabaram me levando a 
tornar-me uma autodidata convicta, a ponto de 
atualmente defender veementemente a ideia de que o 
mais importante que alguém pode aprender na escola 
ou fora dela é “aprender a aprender”. 
A partir daí, acredito eu, tudo se acrescenta 
naturalmente. E junto disso, nasce também uma 
saudável autoconfiança e um incrível senso de 
controle sobre o próprio destino. 
As primeiras versões dessas histórias foram escritas 
para o meu vídeo-blog 1 e depois passaram a ser 
enviadas para aqueles que se inscreviam em minha 
lista, na forma de e-mails independentes. 
Confesso que no início fiquei preocupada em 
compartilhar histórias e percepções de mundo tão 
pessoais e, às vezes, tão particulares. Mas a recepção 
foi – e continua sendo – simplesmente maravilhosa. 
O blog e a minha caixa de e-mails estão cheios de 
comentários carinhosos, entusiasmados e 
1 http://www.videoaulasbyana.com.br 
Histórias de Aprendizagem
encorajadores. 
Quando comecei a escrever as primeiras versões 
dessas histórias de aprendizagem, meu objetivo era 
estabelecer um relacionamento genuíno com as 
pessoas que estavam prestigiando o meu então 
nascente vídeo-blog. Esse relacionamento ia 
sendoconstruído na medida em que as pessoas 
ficavam conhecendo um pouco da minha história 
pessoal. Ou pelo menos, a parte da minha história 
pessoal que envolveu momentos de grande 
aprendizagem. 
Outra ideia que eu tinha em mente era explicar para o 
público de onde vinha a minha paixão por aprender, 
ou para ser mais direta “porque diabos uma Cientista 
da Computação tinha resolvido blogar sobre 
aprendizagem”.
Mas a grande surpresa ainda estava para vir: de 
repente, algumas pessoas começaram a escrever para 
me contar o quanto tinham sido inspiradas por certas 
histórias e (pasmem!), para me falar sobre decisões 
que elas tinham tomado ou estavam considerando 
tomar por causa delas. 
No início, fiquei meio assustada: “quanta 
responsabilidade, mudar assim o rumo da vida de 
outras pessoas”! Mas aos poucos me lembrei dos 
inúmeros livros que mudaram completamente o rumo 
2
Ana Lopes
da minha vida também. Até hoje, não me arrependo 
de ter lido nenhum deles. Muito menos, culpo 
nenhum autor por algo que tenha dado errado!
Então outra ideia começou a florescer: em um 
primeiro momento, as histórias foram escritas quase 
que como rascunhos, já que eu não tinha, àquela 
época, a menor pretensão de atingir tanta gente, e de 
forma tão intensa. Mas já que isso estava 
acontecendo, achei que seria uma boa ideia revisar os 
“rascunhos” e reuni-los em um pequeno livro. 
Afinal de contas, sempre guardei com o maior carinho 
os livros que me marcaram. Além disso, gosto de tê-
los sempre à mão para uma releitura à luz de novas 
situações de vida. Talvez meus leitores também 
gostassem da ideia. 
Nesse contexto, nasceu este livro, que reúne não só as 
histórias originais – a maioria reescrita – mas 
também algumas que lembrei e achei que mereciam 
ser contadas.
Tenha você tido ou não contato com as histórias 
originais no blog, poderá apreciar este livro de várias 
maneiras: seja como entretenimento, ou como ponto 
de partida para reflexões sobre o papel da 
aprendizagem na nossa vida.
Os primeiros leitores foram bastante criativos nas 
formas como receberam cada uma das histórias. Não 
3
Histórias de Aprendizagem
tenho porque acreditar que com os novos leitores será 
diferente.
Mais feliz ainda eu vou ficar se você resolver usar o 
livro como um ponto de partida para estabelecer uma 
relação comigo também. Convido você a falar comigo 
por meio do blog, na página dedicada especialmente 
ao livro:
http://www.videoaulasbyana.com.br/ebook-historias/ 
Agora, sem mais delongas, vamos às histórias!
4
Eu não preciso de um 
professor?!?
Quando eu estava terminando o Primeiro Grau – que 
para quem é jovem demais para saber, corresponde 
ao atual Ensino Fundamental 1 e 2 – achava que 
queria ser médica. Aliás, tenho a impressão, que na 
minha geração, todo mundo um dia já quis fazer 
Medicina ou Direito. Será que é isso mesmo? Bom, 
havia também os candidatos a astronautas... De toda 
forma, acho que as gerações atuais são um pouco 
mais originais nos seus sonhos infantis de profissão. 
O fato é: eu realmente achava que queria fazer 
Medicina. Muito provavelmente fui influenciada, 
nessa ideia, por um tio dentista, que eu adorava, e 
que para o meu profundo desespero e perplexidade 
diante das injustiças da vida, morreu quando eu tinha 
15 anos. Fazer medicina era uma forma meio tortuosa 
de me aproximar dele, mas também me rebelar um 
pouco, como seria salutar naquela idade. Eu iria para 
a área de saúde, mas não iria fazer Odonto, como 
tinha sido o sonho expresso daquele tio tão querido. 
Deixemos a rebeldia juvenil de lado e voltemos à 
Histórias de Aprendizagem
Medicina: para conseguir passar no vestibular, eu 
precisava fazer um bom Segundo Grau (atual Ensino 
Médio). Até então eu havia estudado em escolas 
públicas – muito a contragosto, porsinal. Eu já era 
bem “nerdezinha”, gostava (mesmo!) de estudar, e 
sonhava em frequentar alguma das escolas “de ponta” 
da minha cidade. Mas não “rolava”. Meus pais até 
incentivavam meus estudos, sempre incentivaram, 
mas não havia dinheiro para uma extravagância 
daquelas. 
Então, quando eu estava terminando o Primeiro 
Grau, eu “surtei”. Foi um daqueles típicos surtos de 
adolescente: eu “tinha” que fazer o Segundo Grau em 
uma escola particular e sentia, no fundo da alma, que 
minha vida e felicidade dependiam 
irremediavelmente disso (eu disse que era um surto 
típico de adolescente!). 
Uma saída para a minha “provação” seria conseguir 
uma bolsa de estudos em uma boa escola. Naquela 
época, quase todas as escolas particulares da cidade 
ofereciam bolsas de acordo com a nota que se tirasse 
em uma prova de seleção feita no final do ano. 
Como eu sempre tinha sido estudiosa, as minhas 
chances eram boas. Mas tinha um pequeno problema: 
matemática tinha um peso grande nessas provas e o 
programa de matemática da minha lamentável escola 
pública estava completamente atrasado: a professora 
6
Ana Lopes
não ia cumprir nem metade dele.
Eu até dava conta de matemática numa boa, mas 
como eu poderia aprender o que a professora não 
havia ensinado? 
Então, com aquele poder de persuasão que só uma 
adolescente de 14 anos consegue ter, fustiguei meus 
pais até eles concordarem em pagar por algumas 
aulas particulares. Autorizada por eles, procurei uma 
antiga professora, de quem eu gostava muito.
E lá fui eu, uma aluna que nunca tinha tirado uma 
nota vermelha na vida, fazer aulas particulares. Não 
deixava de ser um contrassenso, mas eu estava 
obcecada para ir para uma escola “decente”. 
Eis que um belo dia, no meio de uma aula, no 
momento em que eu acabei de resolver um exercício, 
a minha professora deu um suspiro e falou: “Você 
podia estudar isso sozinha, Ana! Não precisava estar 
aqui, gastando dinheiro!”
Na hora eu nem respondi. Só fiquei olhando para ela, 
provavelmente com uma interrogação perplexa 
desenhada no meu rosto. No caminho de volta para 
casa, fui elaborando a “novidade” na minha cabeça: 
“como assim, estudar sozinha? Para aprender eu não 
preciso necessariamente de um professor que me 
ensine?”. Aquela ideia era simplesmente contra tudo 
que eu sabia sobre aprendizagem. Na verdade, soava 
7
Histórias de Aprendizagem
praticamente como uma heresia. 
Hoje, depois de um bocado de experiência 
aprendendo e ensinando, eu vejo que esta ainda é, 
infelizmente, a situação da maioria dos estudantes: 
sequer passa pela cabeça deles que, no final das 
contas, toda aprendizagem é, no fundo, uma 
autoaprendizagem. 
Outra coisa que eu percebo é que quando alguém 
entende isso, e começa a perceber todas as 
consequências desta realidade, a postura desta pessoa 
diante da tarefa de aprender muda drasticamente, 
para sempre. 
Lembro-me de ter ficado com a tal frase na cabeça 
por vários dias, em alguns momentos me sentindo 
importante, até. A minha professora preferida de 
matemática, que eu tanto admirava, achava que eu 
não precisava dela para aprender! Isso era incrível! 
Infelizmente, aquele único comentário, por mais 
impactante que tenha sido naquela hora, não seria 
suficiente para apagar anos de uma escolarização 
baseada na dependência total do professor. Eu acabei 
conseguindo uma bolsa parcial em uma escola de 
renome, convenci (ou venci pelo cansaço) os meus 
pais a pagarem o que faltava e lá fui eu fazer o meu 
Segundo Grau que, na minha cabeça, seria de 
“excelência”. 
8
Ana Lopes
Era muita novidade de uma vez e aquela ideiazinha 
um tanto quanto revolucionária da minha querida 
professora foi, por um bom tempo, para o fundo do 
baú. 
Ao longo dos três anos seguintes eu iria descobrir que 
a tal “excelência” passava longe daquela que era 
considerada uma das melhores escolas da cidade. Ou 
seja, não é de hoje que a excelência é um grande mito, 
incapaz de penetrar os muros de 99% das escolas. 
Eu gostaria de finalizar esta primeira história com um 
convite à reflexão: o quanto estamos condicionados à 
ideia de que a presença física de um professor é 
condição absolutamente necessária para que sejamos 
capazes de aprender alguma coisa? 
A minha vida depois me mostrou que a realidade é 
MUITO diferente disso. Não é que os professores 
sejam “inúteis”. Existem professores maravilhosos e 
eu tive o privilégio de ter contato com vários deles. 
Mas as fontes de conhecimento não estão somente na 
sala de aula, em ambientes formais, nem em pessoas 
com um pedaço de papel bonitinho dizendo que elas 
são “donas” de um certo conjunto de conhecimentos. 
Mesmo naquela longínqua época sem computador 
pessoal e sem Internet, havia os livros. Eles custavam 
caro e davam mais trabalho, já que era preciso “lê-
los”. Não havia vídeos nem animações e raramente 
9
Histórias de Aprendizagem
um estudante típico tinha acesso a mais de um autor 
para comparar as explicações. Mas eles estavam lá, e 
por séculos, foi por meio deles que a humanidade 
evoluiu. 
Mas tudo isso eu só fui descobrindo aos poucos, 
através de várias outras histórias, que vou contar nos 
próximos capítulos. Já no seguinte, vou contar como 
aquele comentário de passagem da minha professora 
me levou, três anos mais tarde, a passar no 
vestibular, sem cursinho nem professor particular. 
Tudo o que eu tinha era uma enorme vontade de 
entrar na Universidade, meus livros e algumas táticas 
que eu mesma inventei na fina-flor dos meus 17 anos.
10
Meus professores: os livros
Na época do vestibular, eu já não pensava em fazer 
Medicina, mas ainda queria ir para a Universidade. 
Não deixava de ser um sonho muito ousado, porque 
eu seria a primeira da família – de ambos os lados – a 
realizar tal proeza. 
A primeira questão era que curso fazer. Havia várias 
carreiras que me interessavam, mas eu acabei 
optando por Física (não me pergunte o porquê, isso 
faz muitos anos e eu mal me lembro dos motivos que 
me levaram a essa decisão um tantinho radical…).
Como sempre, havia uma pedra no caminho. Eu tinha 
descoberto que a tal “escola de ponta”, pela qual eu 
tanto havia lutado, era só um pouco “menos pior” que 
a escola pública. Só que depois de quase “quebrar” os 
meus pais para pagar pelo Segundo Grau em escola 
particular, não tinha espaço muito menos moral para 
pedir que me pagassem um cursinho.
Mas eu queria passar, e precisava passar para cursar 
uma Universidade Pública. Foi aí que aquele insight 
de três anos atrás (aquele da professora que falou que 
eu podia estudar sozinha) entrou em cena. 
Histórias de Aprendizagem
O processo todo aconteceu de forma meio 
inconsciente na época. Só hoje, com a perspectiva do 
tempo, eu percebo as interconexões entre os vários 
momentos que eu fui aprendendo que era possível 
aprender sozinha. 
E na prática, o que foi que eu fiz? Na verdade, nada 
muito complicado, mas levando em conta que eu 
tinha tirado tudo da minha própria cabeça, foi uma 
revolução. 
Eu estudava pela manhã no colégio, então montei um 
horário para estudar a tarde inteira, distribuindo as 
disciplinas naqueles horários. Então, de segunda à 
sexta-feira, eu estudava de duas às seis da tarde, uma 
disciplina por hora,quatro disciplinas diferentes por 
dia. Ainda lembro que tive a preocupação de 
intercalar disciplinas mais simples de outras mais 
exigentes, para não sobrecarregar um dia ou deixar 
outro leve demais.
Aí surgiu outro problema: como eu ia saber se eu iria 
dar conta de estudar tudo que eu precisava até o final 
do ano? 
Não lembro exatamente em que momento aconteceu, 
mas um dia, ainda no início dos meus estudos, eu tive 
essa “brilhante” ideia: peguei cada livro que eu 
precisava estudar e fiz uma estimativa de quantas 
páginas eu precisava “vencer” por semana para dar 
12
Ana Lopes
conta do livro todo até o final do ano. 
Ninguém tinha me ensinado aquilo, mas me pareceu 
o óbvio a fazer. Se você tem uma quantidade de 
trabalho X e dispõe de Y dias para trabalhar, basta 
dividir X por Y para saber o quanto você precisa 
trabalhar por dia, certo? Porque não ensinam algo tão 
básico para gente na escola?
Bom, o fato é que assim eu fiz: todos os dias eu dava 
tudo de mim para cumprir os meus horários e 
também as minhas metas em termos de quantidade 
de páginas. 
E quando eu digo dava tudo de mim, quer dizer que 
eu fazia força mesmo! Eu estava obcecada com a ideia 
de ir para a Universidade. Até porque a outra opção – 
caso eu não passasse no vestibular - seria conseguir 
um emprego no comércio local ou algo parecido, e 
eventualmente fazer um cursinho à noite, para tentar 
de novo no próximo ano. E eu confesso que a ideia de 
virar balconista, mesmo que fosse temporariamente, 
não fazia os meus olhos brilharem...
Nem sempre o meu horário de estudos dava certo. Às 
vezes, tinha uma parte difícil que demorava mais para 
estudar. Ou então algum pedaço de assunto que não 
tinha sido dado pelos professores e eu tinha que 
aprender por mim mesma. Outras vezes, eu estava 
cansada e outras eu estava simplesmente com sono ou 
13
Histórias de Aprendizagem
lenta de raciocínio. 
Ou seja, longe de funcionar como um relógio suíço, eu 
enfrentei todo tipo de obstáculo nessa que era a 
minha primeira grande jornada autodidata. 
Lembro-me de um dia em que meu pai chegou em 
casa mais cedo e me encontrou cochilando com o 
rosto enfiado em cima do livro de Química. Ele fez 
uma expressão que demonstrou tanto dó, que eu 
fiquei com dó do dó dele. “Ah, minha filha, vai 
descansar um pouco, você está estudando demais”. 
Mas eu era teimosa, e não tinha mais idade para ficar 
obedecendo cegamente ao papai: levantei, lavei o 
rosto, dei uma volta e sentei de novo na frente do 
famigerado livro de Química. 
A minha determinação em passar no vestibular era 
maior que qualquer outra consideração. De qualquer 
forma eu estudava num ritmo forte, mas razoável 
(quatro horas por dia além das aulas na escola). À 
noite eu via televisão com a família, dormia cedo e 
nem me passava na cabeça estudar nos finais de 
semana. Duas vezes por semana, eu fazia natação. 
Ou seja, era uma vida de muito estudo sim, mas 
saudável. Todo esse grande esquema foi montado na 
base da intuição. Com certeza, se eu tivesse feito um 
cursinho pré-vestibular a história teria sido bem 
diferente.
14
Ana Lopes
E não apenas porque faz parte do negócio dos 
cursinhos aterrorizar ao máximo os estudantes e fazê-
los achar que é “impossível” passar sem muito 
sofrimento, e é claro, sem um curso pré-vestibular 
bem caro Mas principalmente porque, sem ter 
passado por todo aquele processo, eu não teria 
adquirido as minhas primeiras habilidades de estudo 
independente, nem a autoconfiança que aquela 
vitória me deu. 
Pois é, eu consegui: eu entrei na maior Universidade 
do Rio de Janeiro, segunda maior do Brasil, tudo isso 
pelas minhas próprias pernas! 
No primeiro vestibular. 
Sem cursinho. 
E eu era a primeira universitária da família. 
Aqui não cabe falsa modéstia: foi um feito e tanto, e 
até hoje eu me orgulho bastante dele. 
Também não cabe ingratidão: os meus pais, contra a 
opinião irada de alguns membros da família e contra 
todas as profecias catastróficas de que eu iria “me 
perder”, permitiram que eu ficasse até aquela idade 
sem trabalhar para poder me dedicar aos estudos. 
Esse privilégio, incomum entre as pessoas da minha 
convivência, foi igualmente fundamental para a 
minha conquista. 
15
Histórias de Aprendizagem
Esse foi só um novo começo. Eu me mudei para o Rio 
“de mala-e-cuia”. Feliz da vida, mas também 
morrendo de medo. Eu iria morar em uma cidade 
enorme e já na época, com fama de perigosa. Além 
disso, eu iria estudar na “todo-poderosa” UFRJ. Eu 
considerava minha educação anterior bastante 
precária e cheia de furos. Será que eu iria dar conta 
do recado?
16
Vida na Universidade
Eu tinha chegado lá... a tão desejada Universidade 
Federal do Rio de Janeiro era agora a “minha” escola! 
Eu era agora aluna do Instituto de Física (IF), do 
Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza 
(CCMN). Era a minha estreia também com os nomes 
pomposos e as sopas de letrinhas que povoam o 
vocabulário da tribo acadêmica. Somente os 
“iniciados” dominam as misteriosas siglas. Se 
comunicar por meio delas é um sinal claro de status 
acadêmico. Como bons adolescentes loucos para se 
enturmarem, em pouco tempo, a gente já estava 
falando em código uns com os outros. 
Mas será que além de me enturmar, eu ia dar conta de 
tudo aquilo? Eu não tinha feito cursinho, e aquele 
auditório em desnível, parecendo um teatro, com 
mais de 100 calouros na frente de um professor cheio 
da mais pura ginga carioca, foi uma experiência 
beeem assustadora!
Quando a gente está com medo, tende a buscar 
proteção naquilo que é mais conhecido, né? E assim, 
ao invés de usar toda a “independência cognitiva” 
recém-adquirida no meu estudo para o vestibular, eu 
Histórias de Aprendizagem
caí no “modus operandi” de estudante-padrão. Afinal, 
ele havia me servido muito bem na vida escolar 
formal até então. 
Em resumo, eu ia às aulas religiosamente, anotava 
tudo bem direitinho no caderno e fazia o máximo 
possível das famosas (e gigantes) listas de exercícios. 
Quando a coisa ficava feia, eu ia atrás dos 
professores. Aliás, o acesso direto aos professores foi 
um luxo novo que nem a escola particular me deu, e 
eu usava sempre que podia, principalmente no início 
do curso.
Como eu não tinha televisão no meu quarto (no 
alojamento estudantil da Universidade), eu estudava 
dia e noite. Lá para as 10h da noite eu entregava os 
pontos e ia dormir para recomeçar tudo de novo no 
outro dia às 8h da manhã. Eu não fazia uma atividade 
física regular, já que eu tinha mudado de cidade e às 
vezes usava uma parte do fim de semana para dar 
conta de tanta coisa.
Uma parte disso foi motivada pelo terrorismo geral 
feito pelos veteranos. As taxas de reprovação típicas 
em Física e Cálculo eram altíssimas. Para piorar, 
naquele ambiente novo, eu não sabia exatamente 
quem eu seria como aluna. Era como se eu tivesse, 
temporariamente perdido a minha identidade. Será 
que esta seria a hora em que eu cairia em um algum 
dos enormes buracos de formação que eu tinha?
18
Ana Lopes
Para meu enorme alívio, depois das primeiras provas, 
lá pelo meio do semestre, eu fui percebendo que o 
meu “método” estava dando certo. A Universidade foi 
aos poucos se revelandoum pouco mais do mesmo 
que eu já tinha enfrentado até então, só que em maior 
volume. 
Beeeemmm maior, aliás...
Até bem pouco tempo atrás eu achava que aquele 
volume excessivo de tarefas era uma coisa normal e 
até necessária da vida acadêmica. Mas hoje eu 
começo a questionar esse modelo. Até porque vira 
uma fantasia. No final das contas, a grande maioria 
dos alunos não consegue realmente completar todas 
as tarefas e ficam fazendo “escambo” com elas, para 
poder entregar. 
Só mesmo os mais nerds, (assim, tipo eu, sabe?), 
tentavam de verdade fazer tudo. Mesmo assim, 
raramente eu conseguia dar conta de uma lista 
inteira. Dá o que pensar, né? Se nem os alunos mais 
dedicados conseguem dar conta de tudo que os 
professores despejam nas suas cabeças, qual o 
objetivo daquilo?
Hoje eu começo a perceber que além de ser irreal, o 
excesso de tarefas de alto nível de dificuldade acaba 
sendo contraproducente. O aluno que não consegue 
fazer os três primeiros problemas e vê que ainda tem 
19
Histórias de Aprendizagem
47 pela frente, acaba desistindo, geralmente com a 
autoestima arrasada. 
Mesmo os bons alunos acabam altamente estressados, 
porque trabalharam no seu limite máximo e mesmo 
assim não conseguem dar conta de tudo. Parece que 
tudo é montado de forma a nos mostrar o quanto 
somos incompetentes. 
Sabendo hoje o pouquinho que eu sei de psicologia da 
aprendizagem e neurociência, eu vejo um monte de 
coisas erradas nesse modelo. Tantas que dariam outro 
livro...
Alguns professores acham que alunos que sucumbem 
diante desse paredão devem mesmo ser podados da 
vida acadêmica. Será? 
Como professora, eu já vi vários alunos antes 
considerados medianos se transformarem em 
estudantes exemplares depois de descobrirem um 
interesse específico e começarem a perseguir o tal 
interesse por motivação própria. Fico pensando se 
não seria melhor para todo mundo se a gente os 
ajudasse a encontrar essa chama dentro deles, ao 
invés de jogá-los na fogueira à força...
20
Recuperando o autodidatismo 
perdido
Aos poucos, com os primeiros resultados positivos, eu 
fui plantando os dois pés na Universidade. Na 
verdade, eu me sentia cada vez mais “em casa”. Era a 
primeira vez que eu estava entre outras pessoas da 
minha faixa etária que valorizavam o estudo. E mais 
importante (principalmente aos 18 anos!): a maioria 
dos meus colegas agora me admirava pelos meus 
resultados, ao invés de me tratar como uma leprosa, 
uma maluca ou um ser de outro planeta. 
Até hoje eu me pergunto se isso aconteceu porque o 
próprio vestibular deixava de fora aqueles que eram 
mais avessos ao estudo, ou se foi um resultado 
natural do nosso amadurecimento como um todo. 
Afinal, já tínhamos saído do colégio, estávamos 
virando “gente grande”. Provavelmente, teve um 
pouco dos dois ingredientes neste processo. 
Enfim, depois de um primeiro ano observando o 
terreno, e conseguindo não cair em nenhum buraco 
negro, eu cheguei ao segundo ano mais segura de 
mim. O efeito colateral disso foi eu me tornar 
Histórias de Aprendizagem
também mais crítica do sistema, e começar a perceber 
que ali também nem sempre a excelência vingava. 
Tinha ótimos professores, mas também tinha os 
péssimos, resguardados pela segurança de um 
emprego público.
Um dia, aconteceu uma revolução silenciosa em mim: 
eu estava em uma aula de Álgebra Linear. Para quem 
não conhece, Álgebra Linear é um assunto 
particularmente árido e abstrato da matemática (ou 
ensinado particularmente mal, talvez).
Bem, o fato é que o nosso professor de Álgebra Linear 
era claramente novato naquele negócio de ensinar e 
estava literalmente copiando o livro didático no 
quadro. Mas o pior, o pior mesmo, é que ele não 
conseguia sair do script: ele simplesmente não 
conseguia responder perguntas que não estivessem 
nas notas de aula dele. 
Hoje, tenho consciência de que este modo como os 
professores universitários iniciantes são jogados aos 
leões sem nenhum tipo de preparo prévio é 
simplesmente criminoso, tanto para os alunos, como 
também para os professores. O pobre infeliz 
provavelmente estava tentando fazer o melhor 
possível, com as poucas ferramentas que tinha. 
Mas, na época, eu estava mais preocupada com a 
enorme perda de tempo que aquela aula representava 
22
Ana Lopes
para mim. Um belo dia, profundamente entediada e 
indignada ao mesmo tempo, eu tive um estalo: 
“Espera um pouco, se o cara só copia o livro e não 
consegue responder uma única pergunta, não seria 
mais produtivo se eu fosse para a biblioteca, pegasse 
o mesmo livro e o lesse por mim mesma?” O meu 
raciocínio era que, na biblioteca, quando eu não 
entendesse, eu poderia parar e tentar tirar a dúvida 
em algum outro livro. Já, na sala de aula, quando algo 
não ficava claro, eu simplesmente passava o resto da 
aula perdida. 
Com essa ideia na cabeça e a ousadia de quem estava 
conseguindo dar conta do recado mesmo naquele 
lugar quase mitológico, tomei coragem e 
simplesmente parei de assistir às aulas daquele 
professor-calouro, de quem eu nem mesmo lembro o 
nome. 
Esta pequena aventura não foi nada fácil. O livro-
texto adotado não era nenhuma maravilha didática. 
Aliás, na época eu não encontrei nenhum que fosse. E 
ainda tinha o medo de estudar por um livro que não 
fosse o adotado pelo professor e acabar perdida na 
nomenclatura. 
Para completar o cenário, eu ainda não conhecia 
muitos métodos de estudo sistemáticos e não sabia 
muito bem o que fazer daquele assunto cabeludo: 
Álgebra Linear é beeeemm mais complicado que a 
23
Histórias de Aprendizagem
Matemática do Segundo Grau. 
Eventualmente, em momentos de dúvida (ou de 
desespero mesmo), eu ia lá assistir uma aula do moço 
para ver se as coisas tinham melhorado. 
Mas ele continuou até o fim do semestre copiando o 
livro no quadro e até o fim do semestre eu travei uma 
luta feroz com aquele livro horroroso, com a falta de 
métodos decentes de estudo e a falta de quem 
pudesse me ajudar com as minhas dúvidas (nem 
Internet tinha na época!). E para completar, um medo 
danado de tomar uma “bomba” monumental na 
disciplina, manchar o meu currículo e ainda ter de 
voltar para a sala de aula com o meu rabinho entre as 
pernas... 
Felizmente isso não aconteceu. Depois de muito 
sufoco, eu acabei passando. E, quando eu digo 
“felizmente”, é menos pelo fato de ter passado na 
disciplina e mais porque aquela experiência começou 
a me mostrar, com mais clareza, que eu não precisava 
MESMO depender de um professor para aprender, 
ainda que o assunto fosse algo tão “hard-core” como 
Álgebra Linear.
Esse episódio marcou uma virada na minha vida 
acadêmica. A partir dele, eu comecei a selecionar os 
cursos que eu iria e os que eu não iria assistir. Por 
sorte, não controlar a frequência era uma prática 
24
Ana Lopes
comum entre os nossos professores. 
Na primeira ou segunda semana de aula de cada 
semestre, eu já rastreava quais professores valiam o 
meu tempo em sala de aula e quais não valiam e 
cortava os últimos sem piedade da minha lista de 
aulas a assistir. Com isso, eu devo ter deixado de 
assistir uns dois terços das aulas do curso inteiro!Pois é... grave assim... 
Meu orientador de Iniciação Científica ficava louco 
comigo. E do ponto de vista mais tradicional, era uma 
loucura mesmo. Mas com a arrogância própria dos 20 
anos, alimentada por uma sequência de sucessos de 
“produção independente”, eu respondia: “Mas o cara 
não sabe dar aula! Porque eu vou perder o meu tempo 
lá?”. Ele bufava, suspirava, olhava feio, mas me 
deixava em paz. Como no final eu sempre acabava 
dando um jeito de passar, ele ficava meio que sem 
argumentos.
Claro que eu não contava para ele o sufoco tremendo 
que eu passava em várias dessas aventuras. Em pelo 
menos três ou quatro ocasiões eu estive à beira da 
reprovação. 
Às vezes porque o professor em questão se ressentia 
da minha ausência e corrigia as minhas provas com 
mais... “carinho”, digamos assim, às vezes, porque eu 
perdia um pouco o controle da situação mesmo. 
25
Histórias de Aprendizagem
Afinal de contas, eu tinha 20 anos, e Física não era a 
única coisa que eu estava interessada em aprender na 
vida!
O fato é que com esses altos e baixos fui aprendendo 
mais uma lição de autodidatismo: o mais difícil de 
estudar por conta própria não é aprender em si, mas 
ter a disciplina de estudar todo dia, mesmo que não 
tenha nenhuma prova cabeluda na semana que vem. 
Uma dessas disciplinas que eu quase perdi foi no 
último semestre. Eu já estava decidida a não 
continuar na Física, mas já que eu tinha chegado até 
ali, então resolvi fazer as três disciplinas que faltavam 
para me formar. Foi uma tortura, porque eu tinha 
perdido o interesse naquilo, e estava com a cabeça em 
outros planos muito diferentes. Naquelas condições, 
era dolorosamente difícil eu me motivar para estudar. 
Há essa altura, eu já tinha os meus tiques de “diva 
estudantil”: eu estudava e aprendia sozinha sim, em 
grande volume e pouco tempo se necessário, mas eu 
precisava acreditar no que eu estava fazendo. Caso 
contrário, a coisa virava um grande e dramático 
tormento. Esse, acredito eu, é um efeito colateral 
praticamente inevitável do autodidatismo. 
De um modo geral, eu acho que é bem interessante 
ter essa necessidade de saber o porquê de se fazer 
alguma coisa. Mas às vezes pode fazer a vida ficar um 
26
Ana Lopes
pouco mais difícil do que precisaria. 
Naquele momento, eu precisava fazer só três 
disciplinas, que nem eram tão difíceis assim. Mas 
foram, sem sombra de dúvida, as mais sofridas do 
curso inteiro. Tudo isso porque eu tinha me 
acostumado a estudar nos meus termos. 
Doeu, mas eu dei o meu jeito. Fui até o final me 
arrastando e bufando, mas cheguei lá, sem morrer na 
praia. De quebra, aprendi na própria carne a 
importância da motivação para a aprendizagem. 
Enfim, peguei meu “canudo” e rumei para o Mestrado 
em Informática, que era o meu mais novo interesse. 
Com o pequeno detalhe de que tudo o que eu sabia de 
Informática era programar em FORTRAN.
Obviamente, estava preparado o palco para mais uma 
sequência de desafios de aprendizagem. 
27
Cientista da Computação em 
um mês
Um dia minha amiga Marisa entrou toda animada no 
meu quarto do alojamento estudantil:
− Nossa, tem um Mestrado em Informática em 
Curitiba, deve ser muito bom!
− Curitiba?!?
Se ela tivesse falado “Marte”, eu teria tido a mesma 
reação... Mas ela continuou:
− É, meu pai diz que é uma das melhores cidades 
que ele já conheceu. Tudo organizadinho, uma 
beleza. 
E lá foi ela, me contando e falando do tal Mestrado 
numa empolgação bonita de se ver. Enquanto ela 
falava, eu comecei a pensar que talvez aquilo me 
interessasse também...
Àquela altura, eu já sabia que não iria continuar na 
Física. Eu tinha programado em FORTRAN durante 
os três anos na minha Iniciação Científica – uma 
espécie de estágio para quem quer seguir a carreira 
Ana Lopes
de pesquisa. Era mais ou menos na época em que eu 
me arrastava para fazer as três disciplinas que 
faltavam para me formar. 
Acontece que depois do terrível sofrimento inicial 
para aprender a programar sem ter muita ideia do 
que eu estava fazendo (claro, praticamente sozinha de 
novo!!), eu fui descobrindo que aquilo era MUITO 
divertido. Conseguir controlar aquela maquininha 
feia e caprichosa chamada computador e “mandá-la” 
fazer o que eu quisesse dava uma sensação muito boa! 
Não fosse a questão financeira, eu teria simplesmente 
recomeçado a faculdade, só que agora fazendo Ciência 
da Computação. Mas eu já estava meio “grandinha” 
para depender dos meus pais. Foi um período 
particularmente difícil na vida deles e sabia que 
estava ficando inviável me sustentar como “estudante 
profissional”. 
Eu já tinha bolsa de Iniciação Científica há algum 
tempo, e não dependia 100% deles, mas estava na 
hora de começar a caminhar com as minhas próprias 
pernas de verdade. Afinal, eu já tinha 21 anos!!
Então, naquele dia, com a Marisa na minha frente 
pulando de entusiasmo sobre o tal Mestrado em 
Curitiba, eu comecei a fermentar uma ideia que iria 
mudar o rumo da minha vida completamente:
− Marisa, onde está o cartaz desse Mestrado?
29
Histórias de Aprendizagem
Ela me explicou direitinho a localização, e no dia 
seguinte eu estava lá, anotando todas as informações 
necessárias para me candidatar ao Mestrado em 
Informática Industrial no CEFET do Paraná. 
A vantagem de fazer um Mestrado ao invés de 
recomeçar uma graduação era que no Mestrado, eu 
teria direito a uma bolsa bem maior, pelo menos 
grande o suficiente para me sustentar sozinha. Ou 
seja, era exatamente o que eu precisava naquele 
momento. 
Claro que tinha uma pequena pedra no caminho. 
Afinal, o que seria da vida se não fossem as danadas 
das pedras para a gente brincar de se desviar delas? 
E a pedra da vez era a seguinte: eu tinha que escrever 
um texto, de umas três a cinco páginas, sobre uma 
das áreas de pesquisa listadas no tal cartaz. 
Obviamente, nenhuma delas era sobre programação 
em FORTRAN, que era a única coisa que eu realmente 
sabia sobre Computação.
Eu não me fiz de rogada: peguei a Marisa e o 
namorado dela, que fazia Computação, também, 
mostrei a lista de temas e perguntei: 
− Qual destes assuntos vocês acham que eu 
consigo aprender o suficiente em um mês para 
escrever uma mega-redação?
30
Ana Lopes
Este era o prazo que eu tinha para me candidatar ao 
Mestrado do CEFET. Eles analisaram, conversaram 
entre si, fizeram umas caras-e-bocas e concluíram: 
Inteligência Artificial era o candidato mais adequado 
àquela minha proposta maluca de “virar Cientista da 
Computação” em um mês.
E lá fui eu, apesar das expressões de “causa perdida” 
dos meus amigos. Àquela altura, eu já confiava 
bastante no meu “taco cognitivo” para não me deixar 
desanimar pela incredulidade deles. 
Felizmente, eu achei o assunto bem interessante e 
encontrei livros muito bons sobre ele na biblioteca. 
Foram dias de muita leitura e anotações “furiosas”. 
Várias vezes eu olhava o que ainda faltava ler e 
pensava “eu não vou dar conta disso”. Mas eu queria 
ir para Curitiba, então eu continuava lendo e 
anotando, lendo e anotando. 
Eu não devo ter conseguido ler nem 30% do material 
que eu tinha me proposto a ler. Apesar de muito 
interessante, tudo era também muito novo e a leitura 
e a compreensão eram lentas. Mas quandofaltavam 
poucos dias para o encerramento das inscrições, eu 
reuni as minhas anotações e comecei a escrever o 
melhor que eu podia, com aquilo que eu tinha 
conseguido ler e entender até aquele momento. Eu ia 
mandar para o CEFET o que dava para mandar, o 
resto ficaria por conta do destino. 
31
Histórias de Aprendizagem
E o destino me alcançou em casa, já no recesso perto 
do Natal, em forma de uma carta (naquela época 
ainda se enviavam cartas de verdade!). 
A carta era assinada pelo então coordenador da Pós-
graduação do CEFET-PR, dizendo essencialmente o 
seguinte: aquela área que eu tinha “escolhido” 
(Inteligência Artificial) já tinha muitos candidatos, 
mas ele tinha um projeto sobre simulação de fibras 
ópticas e achava que o meu perfil era adequado para 
participar deste projeto. Por acaso, eu estaria 
interessada?
Eu pulava de alegria pela casa com aquela carta na 
mão: eu estava dentro!!! Eu mal acreditava que o 
próprio coordenador do curso tinha se dado ao 
trabalho de me enviar uma carta perguntando se eu 
queria trabalhar no projeto dele. 
No final ele me perguntava se eu tinha e-mail, para a 
gente se comunicar de forma mais fácil. Sim, o e-mail 
já existia, mas somente em ambiente acadêmico, e 
pouquíssimas pessoas tinham acesso. 
Como aluna de Iniciação Científica da moderníssima 
UFRJ, eu tinha o meu. Então, logo depois do Ano 
Novo, fui correndo para o Rio, acessar meu precioso 
e-mail. Dos computadores de lá, através da altamente 
exclusiva rede bitnet, toda a minha ida para Curitiba 
foi negociada com aquele que passaria a ser o meu 
32
Ana Lopes
orientador de Mestrado pelos anos seguintes. 
Em fevereiro eu estava de mochila nas costas e com o 
pé na estrada, para descobrir a cidade onde eu me 
tornaria Mestre, teria o meu primeiro emprego e 
conheceria o meu marido. Tudo isso porque o pai da 
Marisa achava que Curitiba era o próprio paraíso na 
terra...
Bom, Curitiba pode não ser exatamente o paraíso – 
afinal, não pode ser tão frio assim no paraíso!! Mas 
que os anjos cantaram algumas vezes para mim por 
lá, isso cantaram!
33
Mestrado: garimpo e foco
E eu fui mesmo lá, fazer o Mestrado em outro estado, 
numa cidade onde eu não conhecia ninguém e mal 
sabendo o básico do curso que eu tinha me proposto a 
fazer.
Mas a experiência de estudar mais da metade de um 
curso de Física praticamente sozinha se fez valer, pelo 
menos na fase das disciplinas. Eu simplesmente 
continuei fazendo mais ou menos a mesma coisa que 
eu já tinha me acostumado a fazer: assistia às aulas 
quando me convinha, e estudava sozinha quando 
achava que esse seria um uso mais inteligente do meu 
tempo. 
Claro que eu comecei um pouco cautelosa, sendo mais 
ortodoxa no início e assistindo todas as aulas para 
“sentir o terreno”. Mas minha “ortodoxia” durou bem 
menos tempo que na graduação: uns três meses, no 
máximo. E de novo, lá estava eu selecionando aulas 
que eu assistiria ou não. Neste ponto da vida, este já 
tinham se tornado os meus hábitos “normais” de 
estudo. 
O desafio realmente novo veio na fase de elaboração e 
execução do projeto. O meu orientador não era 
Ana Lopes
Cientista da Computação, mas Engenheiro. Ele então 
conseguiu um cooorientador para mim que era da 
Computação. Só que o meu querido cooorientador, 
apesar de ótima pessoa e muito inteligente, “viajava 
loucamente na maionese”. 
Ele me dava pilhas de coisas para ler, a maioria 
extremamente interessante, mas também pouco 
práticas para quem precisava desenvolver um 
software de verdade e com prazo limitado.
Um dia esse meu cooorientador foi fazer uma pós no 
Canadá, ou alguma coisa assim. E o que já não era a 
situação ideal, ficou ainda mais complicado. 
Na verdade, até hoje não tenho certeza se isso foi 
melhor ou pior para mim. Eu perdi uma fonte valiosa 
de leituras interessantíssimas, mas acabei aos poucos 
conseguindo ver no que eu realmente precisava focar 
para chegar ao final do mestrado com o meu software 
funcionando.
No final, a coisa toda se resumiu ao estudo de dois 
manuais do tamanho de uma bíblia cada um. O 
problema é que manuais de referência não costumam 
ser muito didáticos. Aqueles certamente não eram. 
Eu não fazia ideia do que eu deveria ler naqueles 
monstros. Para dizer a verdade, eu não sabia nem 
mesmo o nome das coisas que eu deveria procurar no 
índice. Ninguém por perto entendia daquilo para me 
35
Histórias de Aprendizagem
ajudar. Quer dizer, havia o pessoal de outro grupo de 
pesquisa que tinha experiência no assunto, mas não 
gostava muito de gente “de fora”. 
Acho que foi nessa época que eu comecei a entender 
mais claramente que o mundo acadêmico não era 
exatamente um paraíso “populado” por idealistas 
puros e cândidos. Como em todo grupo social, está 
também cheio de invejinhas bobas, competições 
desleais, politicagens brabas, e tudo o mais que é 
“humano, demasiadamente humano”. Tem até gente 
boa lá também. 
Mas, enfim, eu tinha que terminar o Mestrado que 
tinha começado, fui lendo meus manuais na base do 
puro faro, selecionando o que me parecia pertinente e 
eventualmente encontrando pequenos pedaços de 
código que se pareciam com pedaços das coisas que 
eu precisava ter no programa. Cada pedacinho desses 
era um começo.
Foi um longo e duro período de aprendizagem por 
tentativa e erro. E de uma grande solidão, porque 
agora eu não tinha nem o cooorientador que tinha ido 
embora, nem colegas de disciplina para trocar pelo 
menos alguns bocadinhos de informação. Era eu, o 
meu programa e uma dissertação que tinha que ser 
defendida antes que a minha bolsa acabasse.
Nos últimos três meses do Mestrado, consegui 
36
Ana Lopes
autorização para entrar nos finais de semana no 
prédio do CEFET. Eu trabalhava de domingo a 
domingo, de 10h da manhã às 10h da noite. Era início 
de ano, mas não vi o carnaval passar. Finalmente, na 
véspera da Páscoa entreguei a dissertação impressa, 
viajei para a casa dos meus pais e voltei para a defesa 
que seria dali a uma semana.
Enfim, logo depois do feriado da Páscoa, eu era 
Mestre em Informática.
A grande lição de aprendizagem do Mestrado foi 
realmente diferente das que eu tinha tido até então. 
Antes eu tinha livros didáticos, com um caminho 
claro a seguir. Era só abrir na página 1 e começar a 
ler. Tá certo, é claro que era um pouco mais que isso, 
né? Mas o fato é que havia um roteiro bem definido a 
seguir. 
Desta vez eu tive que aprender a escolher o que era 
relevante em meio a um mar de informações muitas 
vezes desencontradas. Aprendi também que 
“interessante” nem sempre é sinônimo de 
“pertinente”. 
E no final das contas, graças a tudo isso, acabei 
aprendendo o verdadeiro significado da palavra 
FOCO. Eu tinha o tempo todo que manter em mente 
os meus objetivos finais: terminar o meu programa, 
gerar resultados com ele e defender a minha 
37
Histórias de Aprendizagem
dissertação. Disso dependeria minha sobrevivência 
nos meses seguintes, pois havia uma oportunidade de 
emprego que eu só poderia aproveitar se tivesse o 
diploma.
Então esses objetivos que tinham que ser a base de 
tudo o que eu escolhia fazer, a cada instante. 
Obviamente, eu estava sempre escorregando, 
perdendo o foco, gastando tempocom alguma coisa 
que não ia me levar a nada, e depois caindo na real e 
me obrigando a voltar para os meus objetivos. Ainda 
bem que naquela época não tinha Twitter nem 
Facebook...
Para finalizar a aventura com chave de ouro, 
exatamente no mesmo dia da minha defesa, à noite, 
entrei pela primeira vez em sala de aula como 
professora de Programação em linguagem C. Era o 
meu primeiro emprego, onde eu iria aprender muitas 
coisas também.
Mas isso já faz parte de uma outra história.
38
Professora? Não, malabarista!
Dizem que os ricos trabalham para aprender. Bem, 
como eu não era rica, então eu trabalhava era para 
pagar as contas mesmo. Mas isso não impediu que o 
meu primeiro emprego fosse altamente instrutivo...
O primeiro ano como professora foi enganosamente 
fácil. Quer dizer, não é que tenha sido exatamente 
“fácil”, mas foi bem mais tranquilo do que 
normalmente seria um início de carreira no 
magistério. 
Eu tinha somente uma turma e ensinava algo com que 
tinha trabalhado durante o Mestrado inteiro: 
programação em linguagem C. 
A turma era gigante, mas foi tão marcante que eu 
ainda lembro-me de alguns rostos. Principalmente da 
expressão de pouco caso de um sujeito que sentava lá 
no fundo da sala, cruzava os braços, escorregava na 
cadeira para ficar com jeito bem folgado e parecia ter 
escrito na testa: “eu vou te desmascarar”. 
Volta e meia o rapaz levantava a mão de forma bem 
displicente, e fazia uma pergunta que eu desconfiava 
fortemente que ele já sabia a resposta. Ou seja, o 
Histórias de Aprendizagem
moço estava me testando. 
Até hoje não sei se ele se convenceu de que eu 
realmente sabia do que estava falando ou do 
contrário, mas o fato é que depois de algum tempo – 
que pareceu uma eternidade – o dito cidadão largou 
do meu pé. 
A sensação de estar sob o microscópio não era lá 
muito agradável, mas como eu só passava por aquilo 
uma vez por semana, então eu tinha tempo de me 
preparar e de me recuperar daquela tensão.
Mas o que era inicialmente uma vantagem acabou 
virando uma “pegadinha” da vida. Depois de ter 
escapado daquele primeiro ano ilesa e influenciada 
por alguns colegas, decidi que era hora de ser 
professora em tempo integral: passei de quatro horas 
de aula por semana para mais de trinta. E passei 
também de uma única disciplina para quatro ou cinco 
diferentes, algumas das quais eu estava quase que 
aprendendo junto com os alunos.
Era sem dúvida uma situação bem diferente daquela 
do ano anterior. Mas eu só fui me dar conta do 
tamanho da diferença quando já era tarde demais e 
eu já tinha me comprometido com todas aquelas 
aulas. Agora, o jeito seria me virar para lecionar 
muitas vezes no mesmo dia, disciplinas tão diferentes 
quanto Geometria Analítica e Informática Básica. 
40
Ana Lopes
Foi um passo certeiro em direção ao precipício em 
que eu quase caí dois anos mais tarde. A minha vida 
virou um continuum de preparar e dar aulas. Minha 
última aula da semana terminava no meio da tarde de 
sábado. Tinha um dia da semana em que eu dava 
aulas nos três turnos, em duas cidades diferentes. 
Saía de casa às 6h da manhã para voltar quase meia-
noite. E claro, no dia seguinte tinha aula às 7h de 
novo...
Para tornar a situação um pouco mais “divertida”, 
havia a imensa diferença de cultura entre as 
Universidades Federais, onde eu havia me formado, e 
as particulares em que trabalhava. O “modelo” que eu 
seguia era o federal clássico: muitas aulas expositivas, 
muitas exigências sobre os alunos e distribuição farta 
de notas baixas.
Não havia maldade naquele comportamento. Era 
simplesmente o modelo de “excelência” que eu tinha 
aprendido a reconhecer como o único modelo válido 
sobre a face da terra. Eu achava, do fundo do meu 
coração, que estava fazendo o melhor pelos alunos. 
Aliás, eu também achava que qualquer outra coisa 
fora daquele modelão era uma corrupção inaceitável 
do espírito acadêmico.
Claro que, com essa mentalidade, não demorou muito 
para eu concluir que todo o sistema particular de 
ensino estava corrompido, principalmente pela 
41
Histórias de Aprendizagem
relação financeira direta entre a instituição e os 
alunos.
Enfim, a “receita” que eu trouxe pronta da minha 
própria formação não demorou muito a me trazer 
problemas. No final daquele ano, um dos cursos onde 
eu tinha praticamente um terço das minhas aulas 
pediu explicitamente a minha substituição.
O problema era que eu levava Informática Básica 
muito a sério e tinha cometido a ousadia de deixar 
alguns alunos irem para a prova final naquela 
disciplina insignificante para eles. 
E agora eu estava em risco de perder uma boa parte 
do meu salário, afinal, eu era paga por hora-aula (ou, 
como dizia uma amiga, “hora-saliva”). Além disso, 
aquela quase demissão me custou um desgaste 
emocional enorme e me chamuscou bastante diante 
dos meus superiores.
Para completar, assustada com a possibilidade de 
queda repentina da minha renda, eu cometi um erro 
grave: perdi a valiosa oportunidade de aprender com 
o que estava acontecendo e botar o pé no freio.
Aqui eu definitivamente troquei os pés pelas mãos: ao 
invés de dar um tempo para repensar o que estava 
fazendo, eu fiz de tudo para substituir as aulas 
perdidas, a qualquer custo. Isso me deixou com um 
cardápio de disciplinas diferentes ainda maior e mais 
42
Ana Lopes
complicado. Era um verdadeiro malabarismo, e 
comecei o ano seguinte em um ritmo mais alucinante 
do que nunca. 
Resultado: ao final do meu terceiro ano de profissão 
eu estava deprimida a ponto de chorar antes de sair 
para dar aulas em algumas das turmas mais rebeldes.
Com tudo isso, no início do ano seguinte, estava 
decidida a sair do sistema particular, que na minha 
cabeça tinha virado o bode-expiatório para todas as 
minhas mazelas. 
Meus planos para sair daquela armadilha eram fazer 
um concurso para uma Universidade pública ou então 
começar um Doutorado e voltar a viver de bolsa. A 
única certeza naquele momento é que eu não tinha 
mais condições psicológicas de permanecer ali por 
muito tempo. E para dizer a verdade, nem sei se me 
deixariam ficar por muito tempo mais. 
Comecei aquele ano de trabalho assombrada, com a 
forte impressão de que não chegaria a completar 
quatro anos naquele emprego. Caberia a mim a 
decisão de sair pelos meus próprios pés ou esperar 
ser jogada pela janela. 
A essa altura, você já deve ter percebido que ficar 
parada esperando uma bomba estourar na minha 
cabeça não é exatamente o meu estilo de tocar a vida. 
Mas antes de abrir o meu caminho para uma nova 
43
Histórias de Aprendizagem
aventura, eu ainda teria tempo de aprender mais uma 
coisinha ou duas por ali. 
44
Quer continuar no emprego? 
Quando eu já estava pegando o jeito de ensinar 
linguagem C – o que é MUITO diferente de 
“programar” em linguagem C – o meu coordenador 
me deu, candidamente, o seguinte recado: “nós 
resolvemos mudar a linguagem de programação para 
Java em todos os cursos iniciais. Você vai querer 
continuar trabalhando conosco no ano que vem?”
Eu juro que vi alguma coisa batendo asas pela janela 
naquela hora. Eu só tinha que decidir se seriam as 
minhas férias de verão ou o meu empregoque iria 
viajar para bem longe... 
No fundo era uma decisão relativamente fácil. A 
execução é que era complicada. 
Era fácil decidir por dois motivos muito simples e 
elementares: primeiro porque eu precisava pagar o 
aluguel (e o supermercado e a gasolina). Mas também 
porque Java estava começando a emergir como uma 
linguagem forte no mercado e eu tinha bastante 
interesse em aprendê-la (eu sei, eu sou MUITO nerd, 
mas eu já admiti isso, tá?).
A complicação da história é que eu teria três meses 
Histórias de Aprendizagem
para terminar um semestre pesadíssimo, com todas 
as correções de provas e trabalhos que desesperam 
qualquer professor nessa época do ano e depois enfiar 
o nariz, a cabeça, o pescoço e tudo o mais que fosse 
possível na “missão” de aprender Java antes do início 
do próximo semestre.
E lá fui eu, novamente, aprender por meus próprios 
meios. E de novo, sem livros didáticos. Eles ainda não 
existiam para Java na época. Mais uma vez, tive que 
me virar com a secura de alguns manuais e uma 
escassez desesperadora de informações mais 
digestivas e esclarecedoras. 
Em paralelo, eu tinha também que tentar entender 
que diabos era programação orientada a objetos, a 
que até então eu não tinha tido a oportunidade de ser 
apresentada. 
Em outras palavras, eu não precisava só aprender 
uma nova linguagem de programação, eu tinha que 
aprender uma maneira completamente diferente de 
programar. Era mais ou menos como um médico que 
além de aprender a operar um bisturi mais moderno, 
tem que aprender uma técnica inteiramente nova de 
cirurgia. 
Tudo bem que a essa altura eu já tinha prática de me 
arranjar sozinha para aprender em condições 
adversas, mas o prazo era o mais curto que eu tinha 
46
Ana Lopes
enfrentado para uma tarefa daquela magnitude.
Não posso dizer que consegui ou que não consegui 
exatamente o que era esperado de mim. Mas posso 
dizer que não fui demitida. Talvez porque a minha 
situação não era muito diferente da dos outros 
professores que também ensinavam programação. 
Fomos todos pegos de calças curtas.
Cheguei ao início do semestre sabendo o suficiente 
para dar mais ou menos um mês de aulas. O resto, eu 
teria que aprender pelo caminho. 
Isso significou que eu teria que continuar estudando 
loucamente enquanto dava mais de 30 aulas por 
semana, sempre com a corda no pescoço. Qualquer 
gripe ou imprevisto me tiraria dos trilhos e me 
deixaria sem nada para levar para sala de aula. 
Qualquer aluno que resolvesse se adiantar um 
pouquinho a mim poderia me tirar o chão com uma 
pergunta para a qual eu não teria absolutamente 
nenhuma resposta. 
A palavrinha que eu aprendi dessa vez foi STRESS. Eu 
nunca tinha tido que aprender alguma coisa sob tanta 
pressão. Se por acaso em algum momento eu 
começasse a não entender um conceito qualquer, ia 
batendo um desespero, porque o tempo era curto 
demais, eu não podia me dar ao luxo de “não 
entender”. 
47
Histórias de Aprendizagem
E eu não tinha só que aprender como um estudante 
aprende. Eu era a professora! Eu tinha que entender 
o assunto sob vários ângulos, praticar, preparar 
aulas, prever dúvidas e criar exercícios. No meio 
disso tudo eu ainda precisava dar conta de todas as 
outras disciplinas que eu lecionava. 
A boa notícia é que eu consegui terminar o ano sem 
um grande desastre e sem ser demitida. Mas ganhei 
de herança dessa loucura uma bela gastrite, que só 
iria ser curada quando eu mudasse de emprego e de 
cidade, quase dois anos mais tarde.
Meu gastro era japonês e toda vez que eu ia lá, ele me 
dizia a mesma coisa, com aquela calma que só os 
orientais conseguem emanar: “você está trabalhando 
muito, minha filha, tem que trabalhar menos, se 
cuidar mais”. 
Eu olhava para ele como quem olha para um ET. 
Como assim, trabalhar menos? Ele não sabia que eu 
tinha contas para pagar? Que eu precisava comprar 
uma casa? Que eu tinha que “vencer na vida”? Eu era 
o retrato da “workahoolic” ensandecida. 
Eu saía daquele consultório com ódio mortal do 
japonês, que parecia não entender nada da vida lá 
fora daquele consultório todo bonitinho e tranquilo. 
Mas eu não trocava de médico e continuava indo lá, 
para levar sempre a mesma bronca. 
48
Ana Lopes
Provavelmente, eu fui ficando porque bem no fundo, 
eu já sabia que ele estava certo. E de alguma maneira, 
eu sabia que precisava ouvir aquilo umas 358 vezes, 
para tomar coragem e correr atrás de uma solução 
para aquele beco-sem-saída em que o meu trabalho 
tinha se transformado. 
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Para curar gastrite, concurso 
público!
No início do que seria o meu último semestre em 
Curitiba e no meu primeiro emprego, eu estava 
recém-casada, mas nem por isso o ritmo de trabalho 
era menos enlouquecido. 
Um dia, eu sentei no sofá da sala, exausta, e fiquei 
olhando para a televisão desligada por alguns 
instantes. De repente, comecei a me dar conta de que 
eu não me lembrava de quanto tempo fazia que 
aquela televisão não era usada. Eu só sabia que era 
um bocado de tempo. Aliás, o sofá também, tinha 
virado um mero enfeite naquela sala sem utilidade 
prática. Eu passava meus dias ora na universidade, 
dando aulas, ora no computador, preparando aulas, 
ora na mesa do escritório, corrigindo provas e 
trabalhos. 
Com esses pensamentos na cabeça, virei para o meu 
então “recém-marido” e soltei de supetão: “Isso não é 
vida para se levar. Eu não consigo sentar no meu 
próprio sofá. Há quanto tempo essa televisão não é 
ligada?”. 
Ana Lopes
Ele arregalou os olhos no início, provavelmente 
achando que eu tinha surtado (o que no final das 
contas, era mais ou menos verdade). Mas não 
demorou muito para começar entender o que eu 
estava falando e concordar. Ele estava mais ou menos 
na mesma situação: igualmente sobrecarregado, 
igualmente estressado e, por incrível que pareça, 
igualmente padecendo com uma gastrite. 
E eu continuei na minha epifania: “a gente precisa 
mudar isso, mudar dessa cidade, mudar de vida. A 
gente precisa fazer alguma coisa!”
Esse estouro repentino foi o pontapé inicial para a 
decisão de procurar um rumo completamente 
diferente. Depois de alguma conversa, concluímos 
que a saída seria pela via de um Doutorado ou um 
emprego público. O que não dava mais era para viver 
aquela vida de semiescravidão, correndo feito loucos 
de um lado para o outro o dia todo, todo dia.
A decisão foi tomada na hora certa. Alguns meses 
depois, apareceu um megaconcurso, em uma 
universidade relativamente nova, em plena expansão. 
Tinha vagas tanto na minha área de trabalho quanto 
na dele. Cidade pequena, litorânea e quente. Ou seja, 
o completo oposto de onde estávamos. Era tudo que a 
gente queria e precisava.
Aí, é claro, começou uma nova aventura de 
51
Histórias de Aprendizagem
aprendizagem “daquelas”. Afinal de contas, o direito 
de ir para o “paraíso” não ia sair de graça, né?
Em resumo, além de dar conta de tudo o que já estava 
quase nos matando, a gente tinha que cavar tempo 
para estudar para o tal concurso. Para completar, eu 
ia fazer o concurso para uma vaga em Ciência da 
Computação. Como não tinha feito graduação na área, 
eu sabia razoavelmente bem mais ou menos metade 
dostemas do concurso. A outra metade, eu tinha 
apenas uma vaga ideia do que se tratava. Em um ou 
dois casos, nem mesmo uma ideia superficial eu 
tinha. 
Para quem não conhece, concurso para professor 
universitário é bem diferente de um concurso público 
comum, daqueles com provas de múltipla escolha.
Funciona mais ou menos assim: são três avaliações: a 
primeira é a avaliação de títulos, baseada no currículo 
(ou seja, diplomas, publicações, experiência). 
A segunda é a avaliação escrita, na qual é sorteado 
um tema geral e os candidatos tem que escrever tudo 
o que sabem sobre ele. 
E finalmente a prova didática, em que um novo tema 
é sorteado. Desta vez cada candidato pega um tema 
diferente, tem 24h para preparar uma aula de 50 
minutos sobre ele e apresentar para a banca de 
avaliadores.
52
Ana Lopes
Em outras palavras, o tal concurso não é brincadeira 
de criança. 
Mas eu queria MUITO passar naquele concurso e me 
livrar do emprego atual. Eu queria aquilo tanto 
quanto eu tinha querido passar no vestibular alguns 
anos antes, ou talvez até mais: eu estava doente e 
odiando o emprego que tinha me deixado daquele 
jeito. Além disso, eu não era mais uma adolescente 
que podia jogar tudo para o alto e correr para debaixo 
da saia da mamãe. Eu era uma mulher casada e já 
tinha uma vida estruturada em torno do meu salário. 
Ou seja, eu tinha que sair daquele horror, mas tinha 
que manter a calma e a elegância. E lá fui eu: nas 
super-hiper-mega-escassas horas vagas fui 
pesquisando cada tema do concurso, e fazendo 
resumos deles. Eu tinha que encontrar as fontes de 
informação certas, tirar delas o que era relevante 
para cada tema, estudar o material e desenvolver um 
texto que seria a base da prova escrita, caso aquele 
tema fosse sorteado. 
Era uma montagem de quebra-cabeças, quase uma 
mini-monografia sobre cada um dos temas do 
concurso. Felizmente, nesse tempo já havia uma 
Internet razoavelmente desenvolvida e posso dizer 
que ela, literalmente, salvou a minha pele naquele 
concurso. 
53
Histórias de Aprendizagem
Havia dois temas sobre os quais eu não conseguia 
achar nada. Comecei a ficar em pânico. Eu tinha me 
matado para devorar 80% do conteúdo, mas se um 
daqueles dois malditos caísse em uma das minhas 
avaliações, eu estaria fora da disputa, sem direito a 
choro nem vela. 
Comecei a procurar feito louca na biblioteca e na 
Internet. Para um dos temas, eu finalmente tive que 
chamar um amigo mais próximo e contar que estava 
me preparando para um concurso, para poder pedir 
ajuda. 
Ele indicou alguma literatura, mas não era bem o que 
eu precisava. E para dizer a verdade, eu só entendi 
isso completamente alguns anos depois, de tão por 
fora que eu estava do assunto. 
Eu preparei o famigerado tema do jeito que deu, mas 
– só hoje eu sei – o texto estava muito ruim, além de 
ter erros conceituais sérios. Mas como Deus, além de 
brasileiro, é meu camarada, o danado do tema 
confuso não caiu em nenhuma das provas.
Sobre o segundo tema misterioso, depois de muita 
caça, eu encontrei na Internet uma apostila que, pelo 
sumário, eu vi que tinha tudo, mas tudo mesmo que 
eu precisava para aquele tema! 
A apostila estava no site de uma empresa de São 
Paulo. Era bom demais para ser verdade: uma única 
54
Ana Lopes
fonte de informação, com tudo o que eu precisava, e 
já bem organizadinho. Era só pegar e estudar. 
Só tinha um problema (é claro que tinha um 
problema!): a tal apostila estava esgotada, ou seja, 
não estava mais à venda…
Aí eu apelei. Mandei um e-mail para o contato da 
empresa, chorando todas as minhas pitangas, e 
explicando bem direitinho a situação em que eu me 
encontrava. O rapaz que me atendeu foi um anjo 
caído do céu: ele mandou, na base da mais pura 
confiança, uma cópia xerox daquela apostila enorme 
pelo correio, com um boleto dentro para pagar o 
custo da cópia e do envio. 
Eu nunca paguei um boleto com tanta satisfação.
Mas o mais inacreditável nessa situação toda – e eu 
sei que tem muita gente que vai achar que é mentira 
minha – é que foi EXATAMENTE esse o tema 
sorteado para a prova escrita do concurso. 
Eu não sabia se ria ou se chorava quando vi o 
resultado do sorteio. Quer dizer que se não fosse pelo 
desprendimento daquela boa alma, eu teria sido 
eliminada do concurso ali? É, exatamente isso. 
Mas o meu anjo não tinha me deixado na mão, e 
graças a ele, eu fiz a prova e passei no concurso. 
De volta a Curitiba (agora para fazer as malas!!), fiz 
55
Histórias de Aprendizagem
questão de mandar um email para o moço que tinha 
garantido o meu emprego novo. Contei aquela 
história inacreditável para ele e agradeci novamente 
pela enorme gentileza que ele me havia feito. Ele 
ficou feliz por mim, e deve ter dormido como o anjo 
que tinha sido para naquela noite. 
Mas a mágica não parou por alí. Para tornar a coisa 
toda ainda mais fantástica, o tema da prova didática 
foi “Introdução à programação orientada a objetos!!” 
Se você não se lembra, esse era exatamente o assunto 
que eu tinha sido obrigada a estudar para manter o 
meu emprego, um ano e meio antes. 
Depois de mais essa coincidência abençoada, eu tive 
certeza: aquela vaga já era minha, estava escrito nas 
estrelas!
Na cidade nova, eu nem cheguei a ter tempo de achar 
um novo médico para o meu estômago, mas o fato é 
que seis meses depois da mudança, mesmo sem 
tratamento, eu não tinha mais sinais de gastrite.
Ah, você deve estar pensando, então a vida ficou fácil, 
né? Aha, ledo engano. 
Até porque, vou contar um segredo. Na verdade, um 
fato básico da existência que eu ainda luto para 
aceitar plenamente: a vida da gente nunca fica fácil, 
pelo menos não por muito tempo. 
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Professora Bombril: 1001 
utilidades
Lá estava eu, feliz da vida, caída de paraquedas em 
um curso de Ciência da Computação que tinha 3 
professores ao todo – contando comigo – e 6 meses 
de vida. 
No início foi tudo bom demais para ser verdade: a 
minha carga horária em sala de aula era de um terço 
daquela que eu estava acostumada anteriormente, e 
eu fui escalada para lecionar duas disciplinas que eu 
já conhecia bem. Não foi à toa que a minha gastrite 
curou sem médico. 
Mas, “não a mal que perdure, nem bem que sempre 
dure”…
A cada semestre, a primeira turma avançava no curso. 
Isso significava que nós precisávamos oferecer mais 
disciplinas, sempre diferentes das anteriores. No 
semestre seguinte ao que eu entrei, nós nos tornamos 
quatro professores (uau!). Ainda assim, era muito 
pouco para um curso inteiro e a coisa foi ficando cada 
vez mais complicada. 
Histórias de Aprendizagem
Finalmente, depois de alguma resistência, eu fui 
obrigada a entrar em terreno novo. Só para não 
perder o costume, né? 
Fui escalada para lecionar uma disciplina que, se não 
era uma completa novidade para mim, também não 
era exatamente uma especialidade minha. 
Obviamente também, para não perder o hábito, eu 
fiquei ciente de que ia ter que lecionar a tal disciplina 
bem em cima da hora. 
Eu já sabia que o nível de stress iria aumentar. Bem, 
aquela vida “mansa” que eu estava levando nos 
primeiros meses não poderia mesmo durar para 
sempre... Ia ficar sem graça, né?
De qualquer forma, eu sabia tambémque a disciplina 
em questão é um pilar importante em Ciência da 
Computação. A oportunidade de aprendê-la mais 
profundamente, mesmo que sob pressão, me motivou 
bastante. 
O fato de que eu iria estudar novamente sozinha nem 
era mais uma questão em si. Eu já fazia isso há tantos 
anos que praticamente não imaginava mais outra 
forma de aprender. 
E hoje, na verdade, estou convencida de um fato que 
hoje me parece elementar: se a aprendizagem é uma 
coisa que acontece na cabeça de cada um, então a 
58
Ana Lopes
única forma real de aprendizagem é a 
autoaprendizagem. Professores, livros e Internet, no 
final das contas, são meras ferramentas para me 
ajudar a fazer a coisa acontecer.
Depois de pegar a tal disciplina nova, eu ainda 
consegui resistir à pressão da chefia, durante algum 
tempo, e manter duas disciplinas fixas por alguns 
semestres. 
Foi um período ótimo, já que assim eu consegui ir 
refinando meus conhecimentos e minhas aulas 
semestre a semestre. Mas uma hora a coisa começou a 
ficar insustentável. 
No início, o curso oferecia muitas disciplinas 
“genéricas”, aquelas ligadas a outras áreas de 
conhecimento. Coisas como Metodologia Científica, 
Inglês Instrumental, por exemplo, aliviavam a nossa 
necessidade por professores especialistas em 
Computação. 
O problema é que as disciplinas que deviam ser 
oferecidas para a turma que avançava eram cada vez 
mais específicas e nós precisávamos de gente com 
conhecimento e experiência específicos naquelas 
áreas. 
Só tinha um probleminha: a gente fazia concursos e 
não apareciam candidatos! A verdade é que nós 
estávamos em uma cidade pequena, distante dos 
59
Histórias de Aprendizagem
grandes centros do Sudeste e procurando gente 
qualificada em uma área que seguramente dava mais 
dinheiro que o Magistério... 
Quer dizer, se parar para pensar com calma, 
praticamente qualquer profissão de nível superior dá 
mais dinheiro que o Magistério no Brasil. Em áreas 
de tecnologia a coisa só é um pouquinho pior... 
Quem já estava por ali, ou era nativo ou era meio 
bicho-grilo, ou seja, era gente que tinha aberto mão 
dos salários e oportunidades das grandes capitais e 
estava em busca de uma vida mais tranquila, fora da 
loucura da cidade grande. Esse, aliás, era o meu caso. 
Enfim, a coisa começou a ficar feia: cada um de nós 
tinha que pegar disciplinas novas todo semestre. Para 
mim, isso quase sempre significava aprender do 
“zero” (ou no máximo do “um” ou “dois”). 
Mas não teve outro jeito: em um período de sete anos 
ensinei pelo menos sete a oito disciplinas diferentes. 
Claro que estavam longe de serem cursos perfeitos. A 
primeira rodada em cada disciplina nova era 
geralmente bastante precária e nem sempre eu tinha 
chance de passar por uma segunda rodada, porque 
aparecia outra disciplina nova que não tinha mais 
ninguém para pegar. 
O lado positivo? Bom, para variar, eu aprendi 
60
Ana Lopes
muuuuito nessa época, ampliei muito meus 
horizontes na área. A essa altura, eu já começava a 
me enfezar se alguém insinuasse que eu não era uma 
Cientista da Computação “de verdade”.
Em algum momento desse redemoinho, nós chegamos 
a achar que o curso ia acabar fechando por falta de 
professores. Felizmente, porém, aos poucos nós 
fomos conseguindo atrair mais gente para os 
concursos e a coisa foi se normalizando aos 
pouquinhos. 
Mais ou menos nessa mesma época vieram os meus 
filhos. Gêmeos! Diante de tamanho desafio, que 
talvez tenha sido maior do que todos os que eu já 
tinha enfrentado, acabei me concentrando mais na 
minha vida pessoal, enquanto que a vida profissional 
foi deixada no “piloto automático”. 
Claro que, em plena Era da Informação, esse piloto 
automático me custou beeeeeem caro. Mas isso já é 
assunto para outra história, que aconteceu alguns 
anos mais tarde. 
61
Um público (radicalmente) 
diferente
Como uma boa “cria” de Universidades Federais, e 
estando agora no ambiente mais protegido de uma 
Universidade Pública, eu rapidamente me tornei 
famosa como professora “durona”. 
Não havia uma maldade intrínseca naquilo, como 
alguns alunos muito provavelmente acreditavam. O 
fato é que eu acreditava que ser bastante severa era 
parte indispensável de fazer o meu trabalho bem-
feito. 
Nas Universidades Públicas mais tradicionais, e 
especialmente na área de Ciências Exatas, existe uma 
mitologia de que se não houver sofrimento 
considerável, a disciplina não valeu a pena. Embutida 
nesta mitologia, está também a crença de que, nesses 
casos de “sofrimento moderado”, o professor não é 
sério e “deu moleza”. 
Hoje, eu estou um pouquinho mais sabida e já sei o 
quanto o cérebro aprende menos quando está sob 
stress, apesar de muita gente acreditar no contrário. 
Ou seja, é preciso urgentemente encontrar formas 
Ana Lopes
mais criativas de motivar os estudantes a fazer o 
trabalho duro que tem que ser feito para aprender 
para valer. 
Infelizmente eu ainda não encontrei um caminho 
seguro para fazer isso, mas já tenho alguns indícios 
de que tentar ser razoável naquilo que se pede dos 
alunos ajuda bastante. 
A essa altura, os mais tradicionalistas já devem estar 
se perguntando: o que seria “razoável”? 
Sinceramente, eu pessoalmente, como professora, 
ainda não encontrei uma fórmula para definir 
“razoável” em situações de aprendizagem. Por 
enquanto, vou usando mais a observação e um pouco 
do instinto também. 
De todo modo, a neurociência, que eu tenho 
acompanhado com muito interesse nos últimos anos, 
parece estar encontrando algumas respostas bem 
interessantes, com sugestões bastante práticas. Resta 
saber quando nós – professores e aprendizes – vamos 
começar a ouvir os neurocientistas e aplicar os novos 
conhecimentos no nosso dia-a-dia, mesmo que 
algumas delas desafiem o nosso tão estimado senso-
comum (ou o nosso ego de detentores de todo o 
saber). 
Bem, eu escrevi tudo isso sobre aprendizagem para 
introduzir uma experiência muito rica e gratificante 
63
Histórias de Aprendizagem
que eu tive quase por acaso, e que abalou todas as 
premissas básicas que eu seguia sobre o que seria 
uma professora séria. 
Fui convidada para ensinar Informática Básica a um 
grupo de professores da rede pública em serviço. Eu 
tinha pouco mais que trinta anos, e eles eram um 
bando de cinquentões. Para piorar, estavam 
estressadíssimos. 
Um dos motivos para tanta irritação era o fato de eles 
estarem sendo praticamente “obrigados” a abrir mão 
das suas férias para fazer aquela graduação. 
Pairava sobre eles a ameaça de, no mínimo, começar 
a ter dificuldades em manter os seus empregos e as 
suas posições nas escolas, caso não completassem um 
curso superior até uma determinada data, 
determinada pela Lei de Diretrizes e Bases. 
O segundo motivo era que a maioria estava 
encontrando imensas dificuldades nas disciplinas. 
Muitos deles davam as mesmas aulas há anos, e 
tinham desaprendido como se estuda. 
Informática Básica tinha tudo para ser um grande 
monstro extra no pesadelo deles. Muitos deles nunca 
tinham mexido em um computador. Alguns tinham 
tentado e desistido, humilhados pela agilidade 
impaciente de filhos e alunos. Quando eu entrei na 
sala de aula

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