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HISTÓRIA DO CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL: 1939-2005 FURLAN, Cacilda Mendes Andrade – UEL cmafurlan@sercomtel.com.br Área Temática: Profissionais da Educação: formação, concepções e perspectivas Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo Este texto tem por intuito buscar entender a história do curso de Pedagogia no Brasil, como ponto de partida para, em um segundo momento, buscar a caracterização da atuação destes profissionais, na rede estadual de educação/Núcleo Regional de Educação de Londrina. Tentaremos traçar a trajetória do curso de Pedagogia, paralelamente ao processo de construção da identidade do pedagogo, de 1939, quando começou o curso no Brasil, até momento atual. Com o recurso da recuperação da sua história tentaremos ampliar a compreensão a respeito das indefinições, dúvidas e ameaças de ser extinção pelos quais passou desde a sua criação. O ponto de partida é a data de implantação do primeiro curso de Pedagogia no Brasil em 1939 e as referências que usaremos para fundamentar este trabalho são Iria Brzezinski e Carmem Silvia B. Silva que, em seus livros, refazem a trajetória do curso analisando as mudanças legais, os decretos e pareceres que foram configurando seu perfil assim como a contribuição do movimento de alunos e professores nestas discussões. Temas como formação de professores e constituição da escola pública, palco em que se insere a história do curso de Pedagogia no Brasil foi construído a partir de trabalhos de Antonio Nóvoa e Dermeval Saviani. A partir destes quatro autores foi feita uma revisão da construção da história do curso de pedagogia no Brasil, enfocando a formação de professores, e sua trajetória desde quando começou, contemplando algumas leis e decretos e também os movimentos que surgiram em torno da formação do pedagogo, e sua relevância. Palavras-chave: Curso de pedagogia; Educação; Identidade; Movimentos sociais; Pedagogo. Introdução A história do curso de Pedagogia no Brasil, tema deste texto, faz parte da pesquisa para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia, que tem por objetivo buscar a caracterização da atuação destes profissionais, na rede estadual de educação/Núcleo Regional de Educação de Londrina. A partir das considerações de Nóvoa (1995), podemos afirmar que a identidade do pedagogo está atrelada a do processo de constituição da profissão docente e assim como ao processo de instalação da escola pública no Brasil, e ao processo de produção de uma profissão, a docência, entendida atualmente como a base da formação profissional do pedagogo: esta idéia, que deveria estar no começo, explica a relação entre a discussão da 3863 formação de professores e, portanto, do curso de Pedagogia. A profissão docente exerce-se a partir da adesão coletiva (implícita ou explícita) a um conjunto de normas e de valores. No princípio do século XX, este “fundo comum” é alimentado pela crença generalizada nas potencialidades da escola e na sua expansão ao conjunto da sociedade. Os protagonistas deste desígnio são os professores, que vão ser investidos de um importante poder simbólico. A escola e a instrução encarnam o progresso: os professores são os seus agentes. A época de glória do modelo escolar também é o período de ouro da profissão docente (NÓVOA, 1995, p. 19). No início do século XX alguns movimentos, provocavam mudanças na educação, especialmente o “entusiasmo pela educação” e o movimento dos Pioneiros da Escola Nova, que lutavam pela educação e pela implantação de universidades no Brasil. O movimento escolanovista rompeu com o período anterior, impulsionando assim a profissionalização dos professores. Neste contexto com a criação da Faculdade de Filosofia e Letras, que vai ser um dos pilares da Universidade brasileira, é criado o curso de Pedagogia. Como todos os cursos das Faculdades de Filosofia Ciências e Letras, seu primeiro objetivo era formar professores para o ensino secundário, como bem esclarece Brzezinski (1996). A partir dessa proposição inicial, no caso da Pedagogia, muitas perguntas foram sendo colocadas nestes quase 70 anos de sua existência. Desenvolvimento Recorrentemente tem-se perguntado para que formar o pedagogo, para qual função ele é preparado? Qual sua função e sua identidade? Longe da pretensão de responder a tais questões, o que se pretende é ampliar a compreensão da história do curso permeada de conflitos e de lutas e recheada de decretos e leis, mudanças, avanços e retrocessos, e principalmente de crises, e levando-nos em alguns momentos, a duvidar de sua necessidade. Em decorrência, o curso vem sofrendo alterações em sua grade curricular, ora se adaptando às necessidades do mercado de trabalho, ora das políticas internas e internas do país, ora como resultado de proposições da própria área de conhecimento. Hoje o trabalho dos pedagogos nas escolas se explicita em duas vertentes: trabalho docente e trabalho não docente, que são, respectivamente, trabalham em sala de aula e fora da sala de aula. Tal explicitação não altera substantivamente o trabalho realizado há muito tempo, representa um avanço no sentido da sua normatização. Um dos indicadores do processo de constituição de uma profissão é a elaboração da sua formação e conseqüente certificação, podendo, dessa forma, considerar o processo de 3864 discussão a respeito do curso de Pedagogia que permeia sua história, como um indicador do processo de construção da sua profissional idade: “A formação de professores é, provavelmente, a área mais sensível das mudanças em curso no setor educativo: aqui não se formam apenas profissionais; aqui se produz uma profissão” (NÓVOA, 1995, p. 26). Do final do século XIX até 1930, no Brasil, os professores eram formados pela Escola Normal, (BRZEZINSKI, 1996). Na década de 1930 a figura Escola Normal vai sendo substituída pelos Institutos de Educação nos quais, segundo Tanuri (2000), a formação do professor primário se dava em dois anos contendo tanto as disciplinas tradicionalmente conhecidas como Fundamentos quanto as Metodologias de Ensino. O Instituto de Educação oferecia também cursos de especialização, aperfeiçoamento, extensão e extraordinários. Este é o modelo inspirador para a criação do curso de Pedagogia no conjunto da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, cuja proposta de criação, como já foi afirmado, teve por objetivo a formação de professores para do ensino secundário. Assim, o curso de Pedagogia tem entre seus objetivos iniciais a formação de professores para a Escola Normal e os Institutos de Educação. O primeiro curso superior de formação de professores é criado em 1935, quando a Escola de Professores (como era chamada), foi incorporada à Universidade do Distrito Federal. Esta recém criada Faculdade de Educação passou a conceder “licença magistral” para àqueles que obtivessem na universidade “licença cultural”. Com a extinção da UDF, em 1939, e a anexação de seus cursos à Universidade do Brasil, a Escola voltava a ser integrada ao Instituto de Educação. Através do decreto lei n. 1.190 de 04 de abril de 1.939, a partir da organização da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, e conforme Silva (2006), visava à formação de bacharéis e licenciados para várias áreas, inclusive o setor pedagógico. Com duração de 3 anos era formado o bacharel, para a formação do licenciado era acrescentado mais um ano de didática, passando a ser conhecido como o esquema 3+1. O curso desde seu início formava bacharéis e licenciados em Pedagogia, sendo os 3 anos dedicados às disciplinas de conteúdo, ou seja, para os próprios fundamentos da educação. O curso de Didática, no 4o ano, destinado a todos os cursos de licenciatura, contava com as seguintesdisciplinas: Didática Geral, Didática Especial, Psicologia Educacional, Administração Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação, Fundamentos Sociológicos da Educação. Ao bacharel em Pedagogia bastava cursar as duas primeiras, pois o restante já 3865 estava contemplado no curso. O bacharel em Pedagogia era preparado para ocupar cargos técnicos da educação, enquanto o licenciado era destinado à docência. Aparentemente havia uma separação entre as disciplinas do bacharelado e as da licenciatura, provocando assim uma separação, como se os dois não fossem dependentes um do outro, sendo que o curso de Didática foi reduzido à forma de ensinar a se dar aulas. Possivelmente daí vem a origem da “famosa” dicotomia teoria x prática. Para tratar melhor a questão da identidade do pedagogo, que o acompanha desde o surgimento do curso, enfocaremos os quatro períodos cronologicamente ordenados que Silva (1999) apresenta em seu livro, a partir da definição para cada período de uma característica na tentativa de definição da identidade do pedagogo, na qual vamos nos aprofundar mais um pouco. O primeiro período vai de 1939 a 1972 e foi considerado o período das regulamentações, pois nele o Conselheiro Valnir Chagas, no intuito de ajudar (ou não),a encontrar a identidade do curso, lança mão de decretos na tentativa de dar uma definição para o curso e para a destinação profissional de seus egressos. O curso desde seu nascimento enfrentava segundo Silva (1999), a suspeita, ora da dúvida, ora da discussão, se realmente o curso de Pedagogia tinha ou viria a ter um conteúdo próprio que justificasse a sua criação e permanência. Desde á época de sua criação o curso de Pedagogia apresentava deficiências quanto a sua identidade, Não conseguia se perceber a expansão do campo de atuação deste profissional. Ficando claro apenas que o licenciado era para atuar em sala de aula e ao bacharel cabiam as funções técnicas, no Ministério da Educação, provavelmente funções como inspeção (existente desde o século XIX), coordenação pedagógica, organização burocrática do sistema de ensino, entre outras funções. Para Brzezinski (1996), o curso de Pedagogia “navegava” em águas calmas até pelo menos até 1945, quando começou a fase de redemocratização do país. E até 1961, o curso de Pedagogia permaneceu com o esquema 3+1. O parecer 251/62, de autoria do conselheiro Valnir Chagas, tentou entender a controvérsia existente, se a formação do professor primário deveria acontecer em nível superior, e a dos técnicos da educação (bacharel) em nível de pós- graduação, considerando essas questões viáveis para o futuro. Quanto ao curso de Pedagogia sua intenção não era que fosse extinto, mas que fosse remodelado para que sua definição 3866 pudesse ser clara. O parecer dá andamento às intenções do conselheiro, descarta-se a hipótese de extinção do curso e parte-se para uma redefinição, principalmente no que se referia ao cargo de técnico em educação, ou o bacharel, já que este profissional era ajustável a todas as tarefas não-docentes dentro do campo educacional. Em vista disso começa a se delinear uma nova função ou um novo campo de trabalho que começa a surgir na década de 50. Isso sem dúvida abriu novos horizontes ao bacharel em Pedagogia, na tentativa de clarear sua identidade. A questão do currículo era outra questão que gerava insatisfação dos alunos do curso. O curso oferecia poucas possibilidades de instrumentalização para a prática de suas funções no mercado de trabalho, principalmente a de técnico em educação, não se conseguia definir se a técnica era falha e dificultava o acesso do técnico no mercado de trabalho, ou era o mercado de trabalho que era indefinido pela imprecisão do curso, e não conseguia absorver os egressos do curso. Vale à pena citar que o período de 1960-1964, foi marcado pelo tecnicismo e a necessidade de se formar trabalhadores para o mercado capitalista, entre eles os profissionais da educação, atendendo ao apelo desenvolvimentista da época, visando dinamizar a economia do país, sendo essa etapa caracterizada como “[...] a etapa do capitalismo brasileiro dedicada aos investimentos em educação alicerçados no ideário tecnicista” (BRZEZINSKI, 1996, p. 58). Então a “ideologia tecnocrata” passou a orientar a política educacional, a educação passou a ser instrumento de aceleração do desenvolvimento econômico do país e também de progresso social. Diante das necessidades do mercado de trabalho, em 1969 o parecer CFE n. 252, do mesmo Conselheiro Valnir Chagas, vem ao encontro de expectativas da época, pois parecia ter a resposta para as controvérsias e impasses do curso. O parecer visava a formação do professor para o ensino normal (licenciado), e de especialistas para as atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção dentro das escolas e do sistema escolar. Mexeu-se também no currículo, este agora estava estruturado para uma base comum de estudos, e ao especialista oferecia a habilitação específica para os conjuntos de tarefas. Outro impacto que o parecer provocou, foi o “inchaço” do curso, por conta da diversidade de especialidades ofertada. Segundo Silva (1999) o parecer n. 252/69, contribuiu para a deterioração do curso, preço, segundo a autora, que se pagou por uma definição no campo de 3867 trabalho do pedagogo. Infelizmente o pedagogo continuou a ter problemas no mercado de trabalho (escolas), pois esse agora não dava conta de absorver tantos profissionais especialistas formados pelo curso de Pedagogia. Interessante observar que a palavra “habilitação”, segundo Brzezinski (1996), ainda não existia no dicionário pedagógico, mas sim nas escolas, como, por exemplo, coordenação pedagógica, inspeção escolar e a realização de trabalhos burocráticos. Isso pode demonstrar que o trabalho pedagógico não docente se fez presente muito tempo antes do surgimento da certificação da função pelas agencias formadoras, processo semelhante ao citado por Nóvoa (1995) no que diz respeito à formação de professores. O segundo período é denominado período das indicações: identidade projetada, que vai de 1.973 até 1978, quando vemos quase concretizadas, as previsões do Conselheiro Valnir Chagas. O que na verdade ele fez foi desdobrar o curso, ou seja, as antigas tarefas anteriormente concentradas no curso, em variadas alternativas de habilitações que fariam parte do que passou a chamar de licenciatura das áreas pedagógicas. Movimentos Sociais: em Defesa da Formação do Pedagogo O terceiro período 1979-1998 é denominado por Silva (1999) período das propostas: identidade em discussão; tal qual diz a denominação pode ser considerado um dos mais importantes e ricos, uma vez que as discussões se acirram com a participação de professores e estudantes universitários em defesa do curso de Pedagogia. Na trajetória do curso de Pedagogia este período merece destaque, justificando a concessão de um subtítulo, uma vez que professores e estudantes se organizam e passam a constituir um movimento para resistir às reformas em um contexto de luta contra a ditadura imposta pelo regime militar, em um primeiro momento e de elaboração de propostas no anúncio de redemocratização instalado, em um segundo momento, pelo fim daquele regime. Assim, movimento se inicia em 1980, mantendo-se ativo até hoje, tendo realizados encontros nacionais bianuais e seminários regulares cujos documentos resultantes são considerados uma grande referência para a construção da identidade do pedagogo e do próprio curso de Pedagogia (SILVA, 1999). A história do movimento, relatada em muitos de seus Documentos indica que os primeiros grupos a se mobilizarem foram grupos independentes, em torno dos cursos de3868 licenciatura, incluindo a Pedagogia. Em 1978 realizam o I Seminário de Educação Brasileira na Universidade de Campinas, que resultou na constatação da necessidade de debates em âmbito nacional, não apenas em grupos. Em 1980, é realizada a I Conferência Brasileira de Educação, na PUC de São Paulo e quando o MEC retoma as discussões acerca das indicações CFE 67/75 e 70/76, seus participantes se organizaram para começar uma mobilização a nível nacional, cujo resultado interferiu nos rumos que as discussões do MEC tomariam. Assim, a origem do movimento é marcada pela união de integrantes da conferência, oriundos de vários pontos do país que formaram o Comitê Nacional Pró-Reformulação do Curso de Formação de Educadores, a partir da articulação de comitês regionais. No começo tímido e fraco, formado por alguns professores e estudantes, foi alcançando forças com a adesão de muitos, e se articulando cada vez mais, inclusive com a participação de representantes de outras licenciaturas alem da Pedagogia. O movimento vai se consolidando e passa a ter papel importante na definição das normas para formação dos profissionais da educação, pois suas ações passaram a ser reconhecidas pelo MEC e pelo CFE, graças ao seu posicionamento em meio a estes órgãos. As discussões realizadas, em âmbito regional e nacional, resultaram em documentos que apontavam a complexidade do assunto, conforme Silva (1999). Para a autora, a questão da identidade do pedagogo e do curso de Pedagogia se constitui ponto “nevrálgico” das discussões, fato comprovado pelos documentos. Em 1981 foi produzido um documento pelo Comitê Pró-participação na Reformulação dos Cursos de Pedagogia e Licenciatura – Regional de São Paulo, que se tornou um marco, tendo o intuito de nortear os rumos dos trabalhos desenvolvidos dali para frente, tendo como referência inicial o material produzido em 1975. Tendo por título “Proposta alternativa para a reformulação dos cursos de Pedagogia e licenciaturas (Anteprojeto)”, o documento conferiu visibilidade ao movimento. Sua proposta indicava uma profunda redefinição não apenas nos cursos de Pedagogia, mas também na relação estabelecida entre o destino do bacharelado e licenciatura, já que considera que todo professor deveria ser também um educador, e sua base (na formação) segundo Silva (1999, p. 66) “deveria supor sempre uma base de estudos que conduzisse à compreensão da problemática educacional brasileira”. A idéia central, que permanece em pauta até hoje, defende que os diversos cursos de 3869 formação dos profissionais da educação sejam organizados a partir de um núcleo comum para os diferentes níveis e modalidades de ensino. Na especialização seriam preparados os profissionais para o campo não docente, tanto para os espaços escolares quanto para os não escolares. Assim, a formação do especialista se daria na pós-graduação strictu sensu, na qual seriam formados os pesquisadores e/ou os educadores do ensino do 3o grau. Toda a proposta é pautada no sentido de superação da concepção tecnicista. Segundo Brzezinski (1996) os educadores passaram a partir da década de 80 a escrever sua própria história, não só pelo diálogo, mas também pelos conflitos, constituindo não apenas movimentos ou organizações, mas movimentos sociais que caminhavam rumo a “redemocratização”, de resistência ao autoritarismo imposto pela ditadura militar. Apesar dos conflitos que surgiram entre lideranças dos professores, dos estudantes com as lideranças do governo, e também as tensões existentes no interior dos movimentos, em novembro de 1983, em Belo Horizonte, conseguiu-se enfim uma proposta de reformulação dos cursos de Pedagogia e licenciatura, proposta que ficou conhecida como “Documento Final de 1983” que passa a constituir a referência básica para I Conferência Brasileira de Educação, realizada na PUC de São Paulo, encaminhamento das reflexões sobre a “Formação do Educador”. A idéia de formar o professor, enquanto educador, tendo a docência como base da identidade do pedagogo a partir de um núcleo comum é mantida, apenas muda-se o nome para “base comum nacional” que passa a constituir-se no cerne da proposta para os cursos de formação de educadores. A relação entre licenciatura e bacharelado neste momento, é percebida como um debate que estava apenas começando. As questões básicas foram discutidas e desenvolvidas nos encontros nacionais, sob a coordenação da Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador (CONARCFE) até 1990, quando a Comissão se transformou em Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE). O que se vê é que a partir do “Documento Final” (de 1983) é que não se mais questionou a Pedagogia enquanto curso, ou a sua existência, mas outras questões permaneceram como a do profissional a ser formado neste curso e sua estruturação. A questão da identidade do pedagogo volta às discussões, aflorando impasses que não caminharam para uma redefinição da legislação sobre o assunto, mas sim tentaram conciliar a aplicação dos princípios firmados ao longo do processo. Em vista disto várias instituições passaram a iniciar processos de reformulação dos cursos, tentando 3870 amenizar os efeitos do tecnicismo sobre a educação, e principalmente, sobre a formação dos professores. Os conflitos gerados, na tentativa tanto de delinear o profissional a ser formado, quanto da estruturação do curso, levaram a um “esgotamento”, segundo Silva (1999) das possibilidades de tentar encontrar ou definir a identidade do pedagogo, levando em conta a formação de mão de obra para o mercado de trabalho. Chegou-se a conclusão que algo faltava, e que isto era um elemento fundamental para a solução do problema. E a questão da identidade do pedagogo não estava esclarecida, tanto que com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996, esta questão voltou a aflorar, quando a LDB 9394/96 introduziu novos indicadores, visando a formação de profissionais para educação básica, especialmente no artigo 62, que introduz os Institutos Superiores de Educação, ISEs, como um dos locais possíveis, além das universidades, de formação para professores para autuar na educação básica. No artigo 63 inciso I, inclui dentre as atribuições destes institutos a manutenção do curso normal superior para formação de docentes para educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, abrindo também a possibilidade de formação pedagógica aos portadores de diplomas de qualquer nível superior que quisessem se dedicar ao magistério na educação básica (art. 63, Inciso II). Essa lei contraria tudo o que estava sendo feito até o momento, e todas as discussões com os movimentos não foram levadas em consideração (BRASIL, 1996). Com essa nova possibilidade de formação de professores, a discussão sobre a necessidade ou não do curso de Pedagogia volta à tona, dando margem, inclusive, a especulações sobre a extinção do curso, uma vez que neste contexto a pergunta que se colocava era “qual será, então, a função do curso de Pedagogia?”, uma vez que a nova LDB, parecia indicar uma tentativa de extinção, ainda que gradativa, do curso de Pedagogia no Brasil. Com todo este embaraço estabelecido, cria-se uma grande expectativa a respeito do futuro do curso de Pedagogia. Ao que parece o MEC deu um parecer positivo a continuidade do curso, pois solicitou, por meio de edital n. 4/97 a SESu que fossem encaminhadas propostas para as novas Diretrizes Curriculares dos cursos superiores, entre eles o de Pedagogia. Coube às universidades encaminhar propostas a partir de suas próprias interpretações e experiências, apesar da ausência de regulamentação a respeito para os institutos superiores.Apenas em 1998, depois de muita a pressão, é nomeada a Comissão de Especialistas 3871 do curso de Pedagogia a quem coube a difícil tarefa de intermediar os conflitos surgidos em decorrência da LDB/96. Enquanto isso crescia as manifestações contrárias aos ISEs por parte de associações, sindicatos e demais entidades envolvidas com a questão da formação de professores. A ANFOPE , em seu IX Encontro Nacional, realizado em Campinas em 1998, redigiu um documento intitulado “Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Formação dos Profissionais da Educação”, em que insiste que o lócus privilegiado de formação de professores para atuação na educação básica e superior deveria ser a universidade, com a indicação para que fosse superada a fragmentação existente entre as habilitações, assim como a dicotomia existente entre pedagogos e os demais licenciados. Estes são os dois únicos limites fixados no documento, que defende como principio o respeito às iniciativas das instituições para organizar suas propostas curriculares, levando em conta a base comum nacional e considerando a “docência como base da identidade profissional de todos os profissionais da educação” (SILVA, 1999, p. 79). A proposta elaborada pela Comissão de Especialistas do curso de Pedagogia baseada neste documento da ANFOPE, tendo sido divulgado em 6 de maio de 1999, ficou retido no MEC/SESu por muito tempo antes de ser encaminhado ao CNE. Foi bem acolhido pela comunidade acadêmica, uma vez que a proposta era abrangente, a comissão conseguiu contemplar tanto as funções do curso (da época), e também a possibilidade de atuação do pedagogo em áreas emergentes do campo educacional. Segundo o documento citado por Silva (1999), ficou assim definido o perfil comum do pedagogo da época ou sua identidade: Profissional habilitado a atuar no ensino, na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do conhecimento, em diversas áreas da educação, tendo a docência como base obrigatória de sua formação e identidade profissional (BRASIL, 1999a). A proposta, conforme Silva (1999), se caracterizou por flexibilidade e diversidade de formas didáticas para organização de conteúdos, que se constituíram em princípios para estruturação dos cursos, tendo é claro a docência como base comum. Já no que diz respeito aos Institutos Superiores, as discussões geraram a resolução CP/CNE n. 1, de 30/09/99, expressando o entendimento de parte da Câmara de Educação Superior (CES), que tenderia 3872 pela retirada a formação de professores do curso de Pedagogia. A situação, que foi criada pelo parecer CES 970, aprovado em 09/11/99, retira do curso de Pedagogia a possibilidade formar docentes para séries iniciais do ensino fundamental e para educação infantil em função do entendimento equivocado dos dispositivos da legislação e de um erro na interpretação da lei nos artigos 62, 63 e 64. As manifestações contrárias foram intensas, pois o Governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo como base a LDB no artigo 62, através do decreto 3276/99, para socorrer a CES/CNE, acaba com a formação de professores para educação infantil e para séries iniciais no curso de Pedagogia. O argumento para a substituição do curso de Pedagogia pelos ISEs, é, segundo Bolmann (apud Silva, 2006) “uma exigência da modernidade, ou seja, profissionais preparados com maior rapidez e agilidade, atendendo ao princípio da flexibilidade e equidade”. Tal argumento se identifica com o discurso do Banco Mundial em relação a educação para países subdesenvolvidos como o Brasil, em que as condições de desenvolvimento exigem que o básico seja suficiente implicando aligeiramento e pouco custo para formação de professores. E isso também atenderia a meta colocada pela própria LDB (em consonância com as orientações do Banco Mundial), de formar todos os docentes para atuar na educação básica em cursos superiores até 2007. O que vemos com isso é o “alijamento” da formação dos profissionais da educação da Universidade através do Decreto 3276/99. (posteriormente modificado) (BRASIL, 1999b). Encerramos aqui o terceiro e longo período não no sentido do tempo, mas porque este representou o período em que os professores de um modo geral se organizaram em defesa do curso de Pedagogia, envolvendo os estudantes universitários em prol de mudanças. O quarto período é denominado período dos decretos: identidade outorgada (1999- .....), neste período as discussões se acirram em torno do decreto presidencial 3.276, de 6 de dezembro de 1999 que define que a formação de professores para Séries Iniciais deve ser realizada exclusivamente nos cursos normais superiores. Novamente a comunidade acadêmica se organiza para resistir a tal decreto, e o governo não vê outra saída se não colocar outro decreto para “consertar” o anterior, em agosto de 2000, vem, então, o decreto lei n. 3.554 que substitui o “exclusivamente” por “preferencialmente”. O curso de Pedagogia recuperou assim a sua função como licenciatura, mas de forma 3873 secundarizada, o estrago, no entanto já estava feito. As entidades já estavam se mobilizando para revogar as duas leis. Em fevereiro de 2001, é elaborado outro documento por uma nova Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia, em que a formação do pedagogo desdobrava-se em duas alternativas, com projetos acadêmicos distintos, sendo que em qualquer um deles a docência é indicada como base da organização curricular e, consequentemente, de sua identidade. Silva, em 1999, quando realiza a pesquisa citada, aponta a lentidão da tramitação das diretrizes no CNE como um entrave para a reorganização dos cursos de Pedagogia. Em momento posterior à publicação do trabalho de Silva (1999) a proposta da ANFOPE de 1999, com algumas alterações, foi aprovada em 2006 e com ela podemos vislumbrar mudanças. Mais de 6 anos se passaram desde a proposta inicial elaborada pela primeira Comissão de Especialistas do curso (1999), amplamente discutida. Mesmo com muitas alterações, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Nacionais para o curso de Pedagogia em que fica definido que a formação oferecida deverá abranger, integralmente, a docência e também a participação na gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino em geral e a elaboração e execução de atividades educativas. As Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio de modalidade Normal e com cursos de Educação Profissional , na área de serviços de apoio escolar, bem como outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. A formação oferecida abrangerá, integralmente a docência, a participação da gestão e avaliação de sistemas de instituições de ensino geral, e a elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e as atividades educativas (DCN, 2006, p.6) As diretrizes curriculares de 2006 deixam claro que a identidade do curso de Pedagogia deve ser pautada pela na docência, implicando a licenciatura como identidade conseqüente do pedagogo. As habilitações foram extintas, o curso de Pedagogia - licenciatura - deverá agora formar integralmente para o conjunto das funções a ele atribuídas. O pedagogo agora deverá ter uma formação teórica, diversidade de conhecimentos e de práticas, que se articulam ao longo do curso. Por ter uma formação mais abrangente, o pedagogo ainda continua sendo formado para atuar em espaços escolares, dentro e fora da sala de aula, e também em outros espaços onde se fizer necessária a sua presença. Sua importância se faz notória graças a uma formaçãointegral, onde campos de conhecimento como História, Psicologia, Sociologia, Filosofia e 3874 Política tornam este profissional preparado para enfrentar a escola tal qual está posta hoje: diversificada. Outra questão ressaltada nas diretrizes é a reafirmação das universidades como lócus privilegiado de formação de professores. O curso passa de 2.800 horas para 3.200 horas. As diretrizes conseguiram ampliar o conceito de docência. Considerações Finais Nestes quase 70 anos do curso de Pedagogia no Brasil pudemos perceber que o curso desde o começo enfrenta problemas e dificuldades e estes o acompanham ao longo de sua trajetória. Sua regulamentação permanece sem alterações da criação a 1972, quando foi reformulado em função do novo projeto educacional e a conseqüente legislação educacional do governo militar. Neste momento, buscava-se tanto atender às novas exigências legais quanto equacionar os questionamentos acerca das funções do curso e da sua estruturação curricular. Durante o período 1972 a 1978 o curso sofre algumas alterações de cima para baixo, ou seja, suas alterações são, na quase totalidade, emanadas do Conselho Federal de Educação; esta condição se mantém até a década de 1980 quando segmentos da sociedade civil se organizam em movimentos que buscavam mudanças a partir da análise das condições concretas da formação e atuação docente. Sua influência nas decisões governamentais se faz sentir a partir de Congresso e Fóruns de discussão que resultaram na elaboração de documentos que contribuíssem para a reformulação do curso. Tal processo sofre rupturas quando, a partir de 1999 as atenções e preocupações se voltam para os decretos presidenciais, que atingem diretamente o curso de Pedagogia, em um movimento de limitação das suas funções. Durante todo este tempo a busca pelo esclarecimento da identidade do pedagogo e a definição mais precisa da função do curso de Pedagogia se mesclaram. Para concluir voltamos à questão da identidade do pedagogo e sua ressignificação, mais que afirmar que sua identidade esteja definida ou indefinida, podemos sim continuar a buscar respostas, lembrando que a identidade profissional está ligada tanto ao próprio curso como à área de atuação do pedagogo, em processo de construção contínua. 3875 REFERÊNCIAS BRASIL. MEC/CNE. Resolução CNE/CP 1/2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. _______. Decreto n. 3.254, de 7 de agosto de 2000. Dá nova redação ao § 2º do artigo 3º do decreto n. 3.276, de 6 de dezembro de 1999, e dá outras providências. Brasília, 2000. Mimeografado. ______. Decreto n. 3.276, de 6 de dezembro de 1999. Dispõe sobre a formação em nível superior de professores para atuar na educação básica, e dá outras providências. Brasília, 1999b. Mimeografado. _____. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 20 dez. 1996. ______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Superior. Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia. Proposta de Diretrizes Curriculares. Brasília, 1999a. Mimeografado. ______. Parecer n. 251/62. Currículo mínimo e duração do curso de pedagogia. Relator: Valnir Chagas. Documenta, n. 11, pp. 59-65, 1963. ______. Parecer n. 252, de 11 de abril de 1969. Estudos pedagógicos superiores. Mínimos de conteúdo e duração para o curso de graduação em Pedagogia. Relator: Valnir Chagas. Documenta, n. 100, pp. 101-17, 1969. BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formação de professores. Campinas: Papirus, 1996. NÓVOA, Antonio. O passado e o presente dos professores. In: NÓVOA, A. (Coord.). Profissão professor. Porto: Editora Porto, 1995. SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004. (Coleção Educação Contemporânea). SILVA, Carmem Silvia Bissoli da. Curso de Pedagogia no Brasil: história e identidade. São Paulo: Autores Associados, 1999. TANURI, Leonor. História da formação de professores. In: SAVIANI, Dermeval; CUNHA, Luiz Antonio; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. 500 anos de educação escolar. São Paulo: ANPED/Autores Associados, 2000.
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