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(In)visibilidade da violência contra as mulheres na saúde mental

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1
Psicologia: Teoria e Pesquisa 
Vol. 32 n. esp., pp. 1-8 doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-3772e32ne214
e32ne214
ARTIGO ORIGINAL
(In)visibilidade da violência contra as mulheres na saúde mental1
Mariana Pedrosa2
Valeska Zanello
Universidade de Brasília
RESUMO - O objetivo deste estudo foi realizar um levantamento acerca da percepção, crenças e conhecimentos sobre violência 
contra as mulheres e políticas públicas em profissionais de saúde mental. Foram realizadas 12 entrevistas e, a partir da análise de 
seus conteúdos, foram criadas cinco categorias: “percepção das demandas apresentadas por homens e mulheres”, “experiência 
no atendimento a mulheres que sofreram violência”, “relação entre violência e saúde mental”, “conhecimento sobre a Lei 
Maria da Penha e políticas públicas para as mulheres” e “(des)conhecimento da notificação compulsória da violência contra 
as mulheres”. Os profissionais apresentaram dificuldade para lidar com o tema, principalmente relacionada à notificação da 
violência e ao encaminhamento do caso. A atuação é baseada na intuição e não em conhecimentos teórico práticos. 
Palavras-chave: violência contra mulher, saúde mental, profissionais da saúde
(In)visibility of violence against women in mental health
ABSTRACT - The aim of this study was to analyze the perception, beliefs and knowledge of mental health professionals 
about violence against women and public policies related to this issue. To accomplish this objective, 12 interviews were carried 
out. Based on data analysis, five themes were proposed: “perception of demands presented by women and men”, “experience 
in providing care to women victims of violence”, “link between violence and mental health”, “knowledge about the Maria da 
Penha Law and women-centered public policies”, “(Lack of) knowledge about the compulsory notification of violence against 
women”. Professionals had difficulties dealing with these themes, especially related to addressing and notifying violence. Their 
practices are based on their intuition rather than on theoretical and practical knowledge.
Keywords: violence against women, mental health, health professionals
1 Apoio: CNPq
2 Endereço para correspondência: mari.pmedeiros@gmail.com
A violência contra as mulheres, segundo o conceito de-
finido na Convenção de Belém do Pará (1994), é “qualquer 
ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano 
ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no 
âmbito público como privado” (artigo 1º). O tema, que possui 
dimensões assustadoras e traz impactos importantes para a 
sociedade, ganhou visibilidade a partir da década de 1990, 
sendo considerado, pela Organização Mundial da Saúde 
(OMS), como uma questão de saúde pública (OMS, 2005). 
Segundo uma revisão dos dados mundiais sobre violência 
contra as mulheres, realizada pela OMS em 2013, verificou-
-se que 35% das mulheres no mundo já foram vítimas de 
violência física e/ou sexual. Em alguns países, esse número 
pode chegar a 70%. Com base nessa estatística, concluiu-se 
que três em cada grupo de cinco mulheres foram ou serão 
vítimas de violência. Assim, é importante ter em mente que 
se trata de uma epidemia e que deve ser combatida (OMS, 
2005; OMS, 2013). Apesar dos dados alarmantes, a maioria 
dos casos ainda não é identificada. Conforme estudo realizado 
na União Europeia, apenas 14% das mulheres registraram 
na polícia o mais grave incidente de violência cometida por 
parceiro íntimo (European Union Agency for Fundamental 
Rights, 2014).
No Brasil, a realidade não é diferente. De acordo com o 
Mapa da Violência (2015), pesquisa realizada pela Flacso/
BR, o Brasil passou da 7ª colocação (2012) nas taxas de fe-
minicídio, em uma amostra de 84 países, para a 5ª colocação, 
em uma amostra de 83 países. O Mapa da Violência também 
mostrou que, dos 4.762 casos de feminicídio cometidos em 
2013, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que, 
dentro desse percentual, 33,2% foi realizada por parceiros 
ou ex-parceiros. 
A exposição a situações de risco, como a violência contra 
as mulheres, tem sido fortemente associada a diversos pro-
blemas psiquiátricos. Dillon, Hussain, Loxton & Rahman 
(2012) realizaram um levantamento de 75 artigos, que faziam 
associação entre a violência contra as mulheres e transtornos 
mentais. A pesquisa foi feita em três bases de dados online 
(SAGE Premier, ProQuest e Scopus), sendo selecionados os 
artigos publicados entre janeiro de 2006 e junho de 2012. 
Combinações entre as expressões “domestic violence” (vio-
lência doméstica) e “intimate partner violence” (violência por 
parceiro íntimo) e “physical health” (saúde física) e “mental 
health” (saúde mental) foram realizadas. Dos artigos levanta-
dos, a experiência de violência foi associada a depressão (em 
42 estudos), transtornos pós-traumáticos (em 14 estudos), 
ansiedade (em 16 estudos), suicídio e autoextermínio (em 
seis estudos) e problema psicológico (em 19 estudos). Este 
estudo demonstra a alta correlação que tem sido descrita pe-
los pesquisadores entre a violência e os transtornos mentais. 
Trevillion et al. (2014), Nyame, Howard, Feder & Trevillion 
(2013), Schraiber, D’Oliveira & Couto (2009) e Barreto, Di-
menstein & Leite (2013) demonstram que há um expressivo 
2 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 32 n. esp., pp. 1-8
M Pedrosa & V Zanello
número de vítimas de violência doméstica que utilizam os 
serviços de saúde mental, tanto no Brasil quanto em outros 
países. Esses serviços possuem, assim, um papel importante 
na identificação, prevenção e encaminhamento da violência 
doméstica para serviços especializados (OMS, 2010).
Para que o atendimento dado às mulheres seja efetivo, é 
necessário que os profissionais de saúde que trabalham na 
atenção à saúde mental tenham conhecimentos e se sintam 
capacitados para atender a essa demanda. Estudos demons-
tram, entretanto, que os profissionais de saúde não são 
devidamente preparados para lidar com a violência contra 
as mulheres (Schraiber & D’Oliveira, 1999; Nyame et al., 
2013; Rose et al., 2011).
Levando em consideração a importância do reconheci-
mento da violência contra as mulheres como epidemia e seu 
impacto sobre a saúde mental delas, bem como a insípida 
presença dessa temática nos currículos de graduação dos 
profissionais de saúde (Souza, Penna, Ferreira, Tavares & 
Santos, 2008), o presente artigo teve por objetivo fazer um 
levantamento acerca da percepção, crenças e conhecimentos 
sobre a violência contra as mulheres e políticas públicas rela-
tivas a esse tema, em profissionais de saúde de um Centro de 
Atenção Psicossocial II (CAPS II) de uma capital brasileira. 
Buscou-se averiguar a compreensão do tema por parte desses 
profissionais, bem como seus conhecimentos sobre a rede e 
os serviços disponíveis para o encaminhamento e trabalho 
conjunto com essas mulheres. 
Método
Para atingir os objetivos da pesquisa foram entrevistados 
12 profissionais de saúde de um Centro de Atenção Psicos-
social II de uma capital brasileira. Os profissionais eram de 
diversas especialidades: um psiquiatra, cinco psicólogos, 
duas enfermeiras, uma técnica em enfermagem, uma tera-
peuta ocupacional, uma assistente social e um gerente de 
saúde. Pelo fato de ser uma equipe pequena (12 profissio-
nais), para preservar o sigilo e a identidade dos profissionais 
eles foram apresentados como: “profissionais da área psi”, 
que incluiu os psicólogos e o psiquiatra, e “profissionais 
de saúde”, que incluiu os demais profissionais de saúde. 
Essa divisão foi realizada levando em consideração que os 
profissionais da área psi tiveram uma formação mais apro-
fundada em temas afins à saúde mental e ao sofrimento, ao 
passo que os profissionais de saúde em geral não o tiveram 
necessariamente. 
Dos 12 profissionais, oito trabalhavam 20 horas semanais, 
sendo que apenasquatro trabalhavam 40 horas por semana. 
Quanto à formação profissional, três possuíam apenas o nível 
superior completo, quatro tinham mestrado, um tinha douto-
rado e quatro profissionais tinham especialização. O tempo 
de trabalho no serviço variou de um a nove anos, sendo que 
a maioria estava no serviço entre quatro e seis anos.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com per-
guntas disparadoras que buscavam conhecer primeiramente 
a rotina dos profissionais de saúde e como eles lidavam com 
as demandas de homens e mulheres atendidos no CAPS. Em 
um segundo momento, foram realizadas perguntas mais espe-
cíficas para analisar o conhecimento que esses profissionais 
tinham sobre violência contra as mulheres, sua relação (ou 
não) com a saúde mental e os sistemas disponíveis na rede 
para atender essa demanda. 
As entrevistas foram realizadas, na maioria das vezes, 
no próprio local de trabalho, em uma sala separada, a fim de 
preservar o sigilo do entrevistado. Apenas duas entrevistas 
foram realizadas fora do local de trabalho, a pedido dos entre-
vistados, mas em locais fechados, nos quais o sigilo também 
foi preservado. As entrevistas duraram em média 49 minutos, 
e com a anuência dos participantes foram gravadas (ao todo, 
588 horas) e transcritas na íntegra para a análise de dados.
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pes-
quisa do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de 
Brasília (CAAE: 47775515.3.0000.5540) e no Comitê de 
Ética e Pesquisa da Faculdade de Saúde do Distrito Federal 
(CAAE: 53102116.6.3001.5553). Os participantes só foram 
entrevistados após a assinatura do Termo de Consentimento 
Livre e Esclarecido – TCLE. 
Para o tratamento dos dados, foi realizada a análise de 
conteúdo (Bardin, 1977; Minayo, 2014). Em um primeiro 
momento, foi efetuada uma leitura flutuante de todas as en-
trevistas para haver uma sensibilização de temas recorrentes. 
Depois disso, empreendeu-se uma leitura crítica que buscou 
encontrar os temas mais relevantes trazidos pelos participan-
tes. Esse processo foi executado pelas duas pesquisadoras, 
separadamente. Em seguida, foi feita a comparação entre os 
temas encontrados por ambas as pesquisadoras e elencaram-
-se as cinco categorias das entrevistas, seguindo critérios 
de homogeneidade, exaustão, exclusividade, objetividade e 
pertinência, propostos por Bardin (1977).
As cinco categorias construídas a partir da análise de 
conteúdo foram: “percepção das demandas apresentadas 
por homens e mulheres”, “experiência no atendimento a 
mulheres que sofreram violência”, “relação entre violência 
e saúde mental”, “conhecimento sobre a Lei Maria da Penha 
e políticas públicas para as mulheres” e “(des)conhecimento 
da notificação compulsória de violência contra as mulheres”. 
A apresentação das respostas dos profissionais foi dividida 
conforme as categorias.
Resultados e Discussão
Percepção das demandas apresentadas por homens e 
mulheres. Dos 12 profissionais entrevistados, sete (58,3%) 
percebem que há diferenças entre as demandas de homens e 
mulheres. Para esses profissionais, as mulheres pedem mais 
ajuda, são mais “choronas”, trazem mais conteúdos, mais 
problemas de relacionamento e relatos de violência, como 
explicitou a profissional da área psi 4: “relacionada a pro-
blemas familiares, a maioria. Problema social e problemas 
familiares, né? É separação, é dificuldades com os filhos, né? 
Também a violência, né? Com relação a ela, né? Permeia as 
famílias, essas questões são bem presentes”. 
Já os homens, na percepção dos profissionais, pedem 
menos ajuda, são mais focados e secos, e o sofrimento é, ge-
ralmente, relacionado às atividades sexual e laborativa, como 
na fala do profissional da área psi 2: “os homens geralmente 
sentem muito com o fato de parar de trabalhar, por exemplo, 
e perdem todo o lado macho da casa”.
3Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 32 n. esp., pp. 1-8
Violência e Saúde Mental
Uma diferença trazida por vários profissionais é a de que 
os homens buscam menos os serviços de saúde do que as 
mulheres. Além disso, mesmo aqueles que já são usuários 
teriam mais dificuldades de falar sobre o seu sofrimento. 
Dessa forma, os profissionais entendem que, quando eles 
trazem o seu sofrimento de forma explícita, é sinal de que a 
situação é grave e a equipe deve se preocupar mais: 
aí é aquela história: a mulher ela bota pra fora, seja chorando, 
seja dançando, seja gritando. O homem cria aquela crosta, é 
aonde tá o perigo, né? Que é por isso que ocorre mais suicídio 
com o homem do que com a mulher, né? Porque o homem, ele 
fecha e não fala nada (profissional de saúde 3). 
No caso das mulheres, por elas buscarem mais os serviços 
e falarem mais sobre si e seus problemas, os profissionais 
desqualificam ou relevam o seu sofrimento, rotulando-as 
como “reclamonas” e utilizando o diagnóstico “poliqueixo-
sas”. A fala da profissional de saúde 4 exemplifica essa des-
qualificação: “as mulheres são sempre mais poliqueixosas, 
né? Elas sempre trazem muito mais queixas nesse sentido 
amoroso, na necessidade das relações com o marido, com o 
filho, né?”. O uso desse tipo de “diagnóstico” é problemático, 
pois carrega uma ideia negativa sobre a fala das mulheres e 
desqualificadora de seus sofrimentos. O conteúdo perde sua 
importância e passa a ser visto como mais uma “reclamação”. 
Dois profissionais denegaram a existência da diferença 
entre demandas de homens e mulheres. A denegação consistiu 
em negar que existe a diferença, mas na própria fala conseguir 
apontá-la. Nesses casos, houve uma tendência a racionalizar 
as respostas. Os profissionais tiveram um discurso com ca-
ráter universal, baseado no argumento de que:
todo mundo fala de sofrimento, né? Todo mundo tá falando de 
amor, de rejeição, de, sei lá, sonhos perdidos. (...) não vejo uma 
demanda de mulheres e uma demanda de homens, mas o que 
eu vejo, porque, no final, tá todo mundo falando de desamor, 
de desamparo, de problemas sociais gravíssimos (profissional 
da área psi 3).
Por trás desse discurso universal, há a ideia de que não 
se faz diferenciação de gênero e de que todos são tratados 
da mesma maneira. Essa ideia deve ser problematizada, 
pois, ao não se pontuar e assumir as diferenças, perde-se 
a possibilidade de um tratamento com equidade entre os 
gêneros. Schraiber, d’Oliveira, Portella & Menicucci (2009) 
corroboram a discussão e afirmam que há uma necessidade 
de desconstruir a noção de igualdade posta na saúde. Esse 
olhar transforma qualquer acolhimento diverso em adoção de 
privilégios e não como realização de direitos. Assim, a ideo-
logia da igualdade é uma barreira para a busca de equidade. 
Apesar de denegarem, os profissionais trouxeram dife-
renças nas demandas de homens e mulheres. No caso dos 
homens, a demanda era, na percepção deles, ligada ao traba-
lho. Já nas mulheres, estaria relacionado ao fato de elas serem 
mais vítimas de abusos sexuais na infância e dificuldades 
relacionais com as mães e os maridos. 
Três profissionais relataram nunca ter pensado na di-
ferença das demandas entre homens e mulheres. Desses, 
dois (profissional da área psi 5 e a profissional de saúde 1) 
conseguiram, durante a entrevista, identificar diferenças entre 
as demandas. O sofrimento das mulheres foi relacionado a 
problemas relacionais e necessidades da família, e o dos 
homens, ao fato de serem provedores e terem dificuldade em 
buscar ajuda. A terceira profissional (profissional de saúde 
mental 2) de fato não conseguiu observar diferenças entre 
as demandas, relatando apenas que todos os que buscam o 
CAPS o fazem para ter acesso aos medicamentos. 
A partir das entrevistas, foi possível observar que, apesar 
de alguns afirmarem nunca terem pensado no assunto e de 
outros denegarem a diferença, onze profissionais (91,7%) 
percebiam diferenças nasdemandas de homens e mulheres. 
Além disso, há um consenso sobre quais são as maiores 
demandas conforme o gênero. 
O sofrimento dos homens, de modo geral, foi ligado à fun-
ção de provedor e à queixa das mulheres a questões de cunho 
relacional. Zanello & Bukowitz (2011), em estudo realizado 
em uma ala de internação psiquiátrica, observaram que 77% 
das queixas das mulheres eram de cunho relacional e 71% 
das queixas dos homens possuíam um discurso marcado pela 
virilidade sexual e atividade laborativa. Este estudo corrobora 
o que foi afirmado pelos profissionais de saúde e reforça a 
ideia de que não é possível separar o sofrimento mental dos 
estudos de gênero, tendo em vista que o próprio sofrimento 
psíquico é construído socialmente (Zanello & Silva, 2012). 
Experiência no atendimento a mulheres que sofreram 
violência. Todos os profissionais já haviam atendido mulhe-
res vítimas de violência no CAPS II. Durante a entrevista, 
os profissionais comentaram sobre como eles lidavam com 
essas mulheres. A partir das respostas dos profissionais, os 
comportamentos citados foram divididos em três grupos: 
atitudes passivas e acolhedoras, atitudes interventivas e 
atitudes indiferentes. 
Nas atitudes passivas e acolhedoras, foram elencados 
comportamentos como escutar, apoiar, observar carga emo-
cional e observar silêncios. Desses, o comportamento mais 
citado foi o de escuta (citado por sete profissionais). Os com-
portamentos desse grupo são importantes, pois podem servir 
de base para a realização de comportamentos mais ativos. 
Oito profissionais que apontaram ter atitudes passivas e aco-
lhedoras também realizaram intervenções com as mulheres, 
como na fala do profissional da área psi 1: “então, é aquela 
coisa, é ouvir muito, colher muito e, depois, ir pontuando 
algumas coisas”.
Nas atitudes interventivas foram agrupados compor-
tamentos como empoderar, pontuar, orientar, perguntar, 
aumentar a frequência dos atendimentos, discutir com a 
equipe, medicar, notificar, responsabilizar e realizar visitas 
domiciliares. É importante frisar que os comportamentos 
interventivos não são, necessariamente, adequados para 
atender a demanda da violência. 
Um exemplo dessa inadequação é a medicalização do sofri-
mento das mulheres. O profissional da área psi 6, por exemplo, 
afirma não levar em consideração a violência ao medicalizar 
as pacientes: “em relação à conduta médica, medicamentosa, 
havendo ou não violência, eu vou medicar para o quadro de-
pressivo. Se é motivado ou não, se o motivo é ou não a violência, 
não vai mudar minha conduta”. Ao não se levar em consideração 
o que vem por trás dos sintomas, há uma redução da história 
vivida pela mulher à sua condição psiquiátrica. 
Segundo Maluf (2010), o que ocorre é um processo de 
medicalização da vida e controle da experiência das mulhe-
res. A psiquiatria, por meio do uso massificado de psicofár-
macos, passa a atuar como um dispositivo disciplinador, de 
4 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 32 n. esp., pp. 1-8
M Pedrosa & V Zanello
controle ou de vigilância das mulheres. O que se busca é a 
supressão de sintomas e que as mulheres possam continuar 
exercendo os papéis sociais a elas atribuídos (Zanello, 2010; 
Zanello, 2014). 
Outra ação interventiva citada pelos profissionais que 
merece destaque é a responsabilização das mulheres, possível 
de ser observada no seguinte trecho:
eu acho que, de todos os modos, a violência tem alguma coisa 
de eu não sou responsável pelo que acontece. E eu acho que 
o trabalho clínico vai na contramão disso, vai dizer: “você é 
responsável por você sim”. E a gente vai ter que começar a fazer 
essa autonomia aparecer e você vai ter que se responsabilizar 
(profissional da área psi 5).
No imaginário social, em situações de violência, em 
geral, existem duas opções: responsabilizar ou vitimizar as 
mulheres. No entanto, é necessário pontuar a diferença entre 
responsabilizar a mulher e trabalhar seu protagonismo em 
sua própria vida. Quando os profissionais trazem a ideia de 
responsabilização, é possível observar um discurso psico-
lógico baseado na ideia de “o que você fez para provocar a 
violência?”. Há uma busca pela forma como o “inconsciente” 
agiu nesses casos. Já ao trabalhar o protagonismo das mu-
lheres, o profissional passa a empoderá-las para sair daquela 
situação. Assim, na fala dos profissionais, a responsabilização 
pode ser lida como uma tentativa de psicologizar (De Vos, 
2013) a violência, atuação que, por si só, pode ser violenta. 
Nas atitudes indiferentes, os comportamentos elencados 
foram: não nomear a violência e não “puxar” o tema. A falta 
de atitude e a indiferença em relação à violência podem ser 
lidas como sinais de despreparo dos profissionais para lidar 
com o tema, falta de interesse no relato da mulher, desqua-
lificação e naturalização da violência.
Em relação a “não puxar o tema”, a profissional da área de 
saúde 1 afirmou: “nem sempre eu puxo; na verdade, a gente 
vai levando assim, até porque nem é muito meu papel (...) ficar 
puxando a questão assim”. Nessa fala, fica claro que o entre-
vistado não entende que a violência é um tema que também 
concerne à saúde pública e ao quadro clínico de transtorno 
mental apresentado. Essa dificuldade também foi encontrada 
por Schraiber & D’Oliveira (1999), Rose et al. (2011), Nyame 
et al. (2013), que trabalharam com a atuação dos profissionais 
de saúde em casos de violência. Por estarem diante de uma 
ótica biomédica, muitas vezes os profissionais não sabem lidar 
com esses casos e não os entendem como uma demanda do 
serviço. Assim, a falta de atendimento ou de cuidado para lidar 
com a situação naturaliza a violência sofrida pelas mulheres. 
O comportamento que merece destaque nas atitudes 
indiferentes é o de não nomear a violência, o que, por si só, 
pode ser considerado uma violência simbólica, como fica 
claro na fala a seguir:
é... primeiro o que é violência para a pessoa né? Não sou eu 
que vou dizer que ela tá sofrendo uma violência, porque, bom, 
ela viveu isso a vida inteira, então, às vezes, ela não tá se sen-
tindo violentada, não é nada disso. Então, o momento em que 
ela sentiu que está sendo uma violência, que eu também tenho 
muita reserva para falar desse assunto. Primeiro, porque eu 
não tenho muita propriedade para falar deste conceito, porque 
eu acho que é um conceito a violência né? E também porque 
não é o foco do trabalho, né? Eu não parto daí, ela faz parte 
(profissional da área psi 5).
Nesse trecho, a profissional demonstra falta de crítica 
social e desconhecimento, tanto teórico como prático, so-
bre como lidar com uma demanda de violência no serviço. 
Um dos papéis do profissional de saúde nessas situações é 
desnaturalizar a violência sofrida. Por conta da escalada da 
violência, muitas vezes as mulheres não veem o que sofrem 
como tal e não entendem o que está por trás de seu sofrimento. 
É papel dos profissionais de saúde nomear a violência para 
as mulheres. Ao identificar que o que ela sofre é violência, 
o profissional legitima o sofrimento dela, valida sua dor e 
pode empoderá-la para sair dessa situação. 
Relação entre a violência e a saúde mental. Os profis-
sionais também falaram sobre a relação entre a violência e a 
saúde mental. As respostas dos profissionais foram divididas 
em quatro grupos: no primeiro grupo, os que afirmam que 
a violência tem um papel na configuração dos transtornos 
mentais; no segundo, que é uma relação recursiva, ou seja, 
os transtornos mentais vulnerabilizam as pessoas a viverem 
situações de violência e a violência ajuda na configuração do 
transtorno mental; no terceiro, os profissionais que disseram 
que o transtorno mental traz uma vulnerabilidade às situa-
ções de violência; e, no quarto, os profissionais que nunca 
pensaram no assunto. 
No primeiro grupo, cinco (41,6%) profissionaisafirma-
ram acreditar que a violência tem um papel importante na 
configuração dos transtornos mentais. Essa violência pode ser 
atual ou ter sido sofrida na infância, como na fala a seguir: 
nossa, uma relação... grande. No acolhimento é o que eu escuto 
mais. Porque aí, você vê muitas pessoas com histórias mesmo de 
grande sofrimento, assim, desde a infância, né? (...) E, às vezes, 
a pessoa chega, às vezes, busca o atendimento e dizem que de 
repente estão assim. E aí, a pessoa começa a trazer todas as 
histórias e você começa a perceber que, a grande maioria, tem 
situações de violência desde a infância (profissional de saúde 4).
No grupo 2, os quatro profissionais (33,3%) consideraram 
a relação entre violência e saúde mental como recursiva. A 
fala, a seguir, representa o pensamento dos profissionais 
incluídos neste grupo: 
é uma relação assim, muito forte. Que eu vejo que assim, 
muitas pessoas adoecem por terem passado por processos de 
violência, né? Isso não tem, assim, não tem a menor dúvida. 
E os sofrimentos também fazem com que as pessoas se tornem 
violentas, também (profissional da área psi 3).
A relação percebida pela maioria dos profissionais de 
saúde, que a violência acarreta prejuízo à saúde mental das 
pessoas e ajuda na configuração dos transtornos mentais, tem 
sido discutida em diversos estudos. Segundo Schraiber & 
D’Oliveira (1999), mulheres vítimas de violência têm mais 
chance de desenvolver diagnósticos de depressão, ansiedade, 
insônia e fobia social, entre outros. Esse dado se confirma 
em estudo realizado por Rose et al. (2011), que apontam que 
mulheres que sofreram violência chegam 11 vezes mais aos 
serviços de saúde mental do que mulheres que não passaram 
por essa situação.
No terceiro grupo, apenas um profissional afirmou que 
o foco era o transtorno, o qual colocava o sujeito em uma 
situação de maior vulnerabilidade a sofrer violência, como 
na fala da profissional de saúde mental 2: “tanto os pacientes 
com transtorno mental são vítimas, quanto eles... é... como 
que eu usaria isso? Eles causam vítimas”.
5Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 32 n. esp., pp. 1-8
Violência e Saúde Mental
No quarto grupo, duas profissionais não souberam respon-
der. A falta de resposta para a pergunta pode ser lida como 
uma falta de crítica sobre a própria prática. Há, portanto, 
a necessidade de se estimular a reflexão dos profissionais 
sobre as questões sociais (como violência, gênero, raça, 
classe social) que auxiliam na configuração dos sofrimentos 
psicológicos. Se a cultura tem participação importante no 
adoecimento mental e na forma pela qual os sintomas são 
manifestados (Zanello, 2014), o tratamento deve conversar 
com ela, e não ser pensado de forma independente. 
Conhecimento sobre a Lei Maria da Penha e políticas 
públicas para as mulheres. A Lei Maria de Penha (Lei 
11.340/2006) é considerada uma das três leis mais avança-
das no mundo no combate à violência contra as mulheres 
e, a partir dela, diversas políticas públicas foram propostas 
no Brasil. O que se observa, no entanto, é que há um lapso 
entre a lei e a prática nos serviços. Essa disparidade pode ser 
observada na fala dos profissionais de saúde entrevistados. 
Essa lei foi citada por 50% dos profissionais como uma 
das políticas públicas para o enfrentamento da violência 
contra as mulheres. Eles não possuíam, contudo, muito co-
nhecimento sobre a dita lei: seis profissionais afirmaram saber 
apenas o que está no senso comum; três afirmaram não saber 
nada; dois afirmaram saber em termos práticos; um sabia da 
história de sua criação. Esses dados demonstram que há uma 
evidente falta de conhecimento a respeito da Lei Maria da 
Penha por parte dos profissionais de saúde do CAPS. 
Os profissionais que afirmaram que sabiam da lei em 
termos práticos foram os psicólogos, e eles relataram que, 
durante a graduação, haviam feito estágios em órgãos da 
justiça ou com professores que trabalhavam com esse tema. 
Portanto, na graduação eles tiveram a oportunidade de lidar 
com a temática, mas não em nível teórico, e sim prático. A 
falta de abordagem do conteúdo nos cursos de graduação 
também já foi debatida em pesquisas no Brasil, como por 
Souza et al. (2008). 
Apesar de afirmarem ter pouco conhecimento sobre a lei, 
os profissionais emitiram suas opiniões em relação a ela, base-
adas, muitas vezes, no senso comum. Por exemplo, a ideia de 
que a Lei Maria da Penha não funciona e que tem sido utilizada 
de maneira equivocada pelas mulheres, como a seguir: 
conheço é... o fato de que a mulher pode denunciar um homem 
e... isso criminaliza um homem, basicamente. [Ri] (...) e eu sou 
até um pouco crítico, que eu acho que, o processo de criminali-
zação é maior que, que, que o resto, né? Que é isso, a mulher vai 
prende o homem, daqui a pouco volta com o homem e prendeu. 
O que mais se faz, né? Nesse sentido (profissional da área psi 2).
É que, às vezes, as mulheres usam a Maria da Penha, eu digo 
assim, que tinha que ter o João da Penha também, porque as 
mulheres usam isso de uma forma distorcida, para ter esse 
poder assim: ela não consegue sair do jogo da violência, mas 
vai lá e usa a Maria da Penha [risada]. É difícil, é delicado 
também. Acho que não é garantido que a mulher que tá lá na 
Maria da Penha, que ela tá realmente sofrendo violência e 
não está violentando ninguém, ou tá realmente havendo um 
trabalho para ela sair daí. Hm... é basicamente isso que eu 
conheço (profissional da área psi 5). 
Essas falas mostram que a falta de conhecimento dos pro-
fissionais a respeito da lei, bem como acerca dos dispositivos 
legais de proteção e assistência às mulheres, pode provocar 
diversos equívocos nos pensamentos e nas práticas dos 
profissionais. Há nessas falas uma ideia de que as mulheres 
seriam “vilãs” e que, com a criação de um mecanismo de 
proteção, elas passaram a se beneficiar das políticas públicas 
para “prejudicar” os homens. Essa ideia é difundida no senso 
comum e é um argumento usado por muitos para desqualificar 
a Lei Maria da Penha.
É importante nos questionarmos sobre os mitos sociais 
que os profissionais possuem e a influência que exercem em 
sua prática profissional. Pensamentos como os citados são 
uma forma grave não só de invisibilização da violência, no 
sentido de que os profissionais não buscam conhecimentos 
sobre a lei para embasar a prática, mas da violência insti-
tucional que os próprios profissionais podem cometer, ao 
atender mulheres nessa situação. Esses estereótipos devem 
ser quebrados na sociedade e, em primeiro lugar, nos pres-
tadores de serviço público na área de saúde. 
Além da Lei Maria da Penha, os profissionais apontaram 
a existência de outras políticas públicas para o enfrentamen-
to da violência contra as mulheres. Estas, de modo geral, 
foram relacionadas aos locais para os quais os profissionais 
encaminhavam suas pacientes quando identificavam situa-
ções de violência. O Programa de Assistência à Violência 
(PAV) foi citado por sete profissionais (58,3%). Esse pro-
grama tem como objetivo “o atendimento às pessoas em 
situação de violência, numa abordagem biopsicossocial e 
interdisciplinar, a articulação com a rede de atendimento, os 
encaminhamentos institucionais e intersetoriais, a promoção 
da cultura de paz e a vigilância dos casos de violência” (Por-
taria nº141/2012 - MS). O programa atende todas as pessoas 
vítimas de violência, e não há um enfoque especializado 
nas mulheres nessa condição. Cabe ressaltar que existe um 
PAV no hospital no qual o CAPS está localizado. Ficou 
clara, em muitas falas, a ideia de que os profissionais enca-
minham as pacientes para esse programa a fim de “sanar” 
uma responsabilidade e “passar o problema adiante”. Dessa 
forma, eles estariam cumprindo seu papel de encaminhar 
e resolver a situação. Quando questionados, a maioria dos 
profissionaisafirmou não acompanhar as mulheres nem seu 
atendimento nesses locais. 
Também foram citadas como políticas públicas para o 
enfrentamento da violência as delegacias especializadas de 
atendimentos às mulheres (DEAMs), as delegacias comuns, 
a defensoria pública, o Programa Pró-Vítima, a notificação 
compulsória e a assistência social do hospital. Apesar de te-
rem sido citados pelos profissionais, é possível observar que 
eles conhecem esses dispositivos mais pelo nome do que pelo 
papel e função que têm na rede de enfrentamento à violência. 
O conhecimento dos profissionais acerca da Lei Maria de 
Penha e das políticas públicas foi, de fato, baseado no senso 
comum. Apenas três profissionais afirmaram que havia uma 
necessidade de conhecer melhor a lei e o tema. Portanto, o 
que se observa é o desinteresse pelo assunto e pela busca de 
formas mais eficazes de atuação. Essa falta de conhecimento 
tem sido amplamente destacada na literatura (Trevillion et al., 
2014; Rose et al., 2011; Schraiber & D’Oliveira, 1999) como 
uma das barreiras para uma prática mais efetiva no atendi-
mento à demanda da violência contra as mulheres no Brasil 
e no mundo. Há, portanto, a necessidade de investimentos 
na área da educação para esses profissionais. 
6 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 32 n. esp., pp. 1-8
M Pedrosa & V Zanello
assim, pensar em ações e políticas voltadas à prevenção e 
assistência mais adequadas. Nenhum profissional conseguiu 
identificar a notificação como o instrumento de vigilância 
epidemiológica.
Os profissionais também demonstraram dificuldades 
em entender a diferença entre notificação e denúncia ou 
comunicação externa. A notificação é encaminhada para o 
serviço de vigilância epidemiológica e serve como fonte 
de dados para a criação de políticas. Ou seja, a partir dos 
dados obtidos na notificação, o Estado consegue mapear a 
violência e pensar em formas mais eficazes de atuação. A 
notificação não implica resultados para o caso notificado 
de modo particular - ela abrange uma dimensão maior da 
violência, que é a construção do perfil das mulheres que 
sofreram violência e que frequentam o serviço. Já a de-
núncia ou comunicação externa é realizada em delegacia, 
junto à autoridade policial, e gera boletim de ocorrência 
e inquérito policial (Lei Maria da Penha, art. 12), que 
uma vez concluído é o instrumento que dá subsídios ao 
Ministério Público para oferecer denúncia e dar início à 
ação penal (Código de Processo Penal, art. 24).
É fundamental que os profissionais saibam a diferença 
entre os dois para não criarem a expectativa de que, ao no-
tificar, o problema específico será resolvido, já que essa não 
é a função da notificação. Também é necessário que haja 
diálogo entre os gestores, e quem cria as leis e políticas, 
com os profissionais que estão no cotidiano dos serviços 
para que, assim, problemas que só são vistos na prática 
possam ser sanados, como é o caso das críticas relacionadas 
à ficha de notificação. A complexidade e o tamanho da ficha 
foram dificuldades relatadas pelos profissionais e que devem 
ser levadas em consideração, a fim de tornar mais eficaz o 
cumprimento da normativa. 
Conclusões
A violência contra as mulheres foi relatada pelos 
profissionais de saúde como sendo recorrente dentre as 
usuárias do CAPS, como podemos ver na seguinte fala: 
“o nosso grande público no CAPS é de maioria mulheres, 
né? E, basicamente, não sei, diria que 90%, assim, tem 
uma... uma situação de violência recorrente” (profissional 
da área psi 1). Ainda que haja a percepção da recorrência 
dessas situações de violência, em geral não há, no en-
tanto, notificação nem encaminhamento para os serviços 
disponíveis na rede, só em casos bem graves, ainda que 
a violência tenha sido apontada por muitos profissionais 
como sendo fator de peso para a compreensão do adoe-
cimento psíquico. 
A (in)visibilidade do tema, dentre os profissionais, é 
relacionada assim, por um lado, a sua nítida percepção e, 
por outro, a uma omissão que acaba por invisibilizar a vio-
lência sofrida pelas usuárias e a subsumi-la em diagnósticos 
psiquiátricos. Isso se deve tanto pela não qualificação dos 
profissionais nessa temática quanto pela falta de busca dos 
instrumentos legais que poderiam embasar sua prática. A 
partir das entrevistas, foi possível observar que a atuação é 
baseada na intuição e no senso comum, não em conhecimen-
tos teóricos e práticos. Dessa forma, destaca-se a importância 
(Des)conhecimento da notificação compulsória da 
violência contra as mulheres. A notificação compulsória 
foi citada pelos profissionais e merece destaque, por ser 
considerada uma importante fonte para base de dados na 
criação de políticas públicas. Apesar disso, os profissionais 
de saúde demonstraram, novamente, não conhecer a função 
desse mecanismo e não o executarem adequadamente. 
Dos profissionais entrevistados, nove relataram não 
realizar a notificação compulsória. Os que não a realizam 
alegaram os seguintes motivos para tanto: medo de perder o 
vínculo, alta demanda do serviço, ideia de que não funciona, 
tamanho e complicação da ficha de notificação, falta de co-
nhecimento sobre a diferença entre denúncia e notificação, 
questões relacionadas ao sigilo profissional e o desconhe-
cimento do mecanismo. A fala do profissional da área psi 
2, a seguir, retrata algumas dessas dificuldades encontradas 
pelos profissionais:
Olha, a gente teve, recentemente. Isso a gente sabe um pouco 
mais como fazer, mas a gente faz muito pouco. (...) Porque 
recentemente obrigaram a gente fazer não só a de gênero, só 
as questões de violência física de gênero, mas de várias formas 
de violência. A obrigação nossa era o seguinte: que é uma 
coisa meio louca na verdade. Qualquer paciente que entrar 
no consultório ou em qualquer lugar que já foi violentado no 
passado, no presente e no futuro – no futuro eu tô brincando. 
Você tem que preencher uma ficha imensa, surreal a ficha. A 
ficha de notificação é bem complicada, você tem que ter um 
monte de dado, leva assim uns vinte minutos preenchendo 
aquela ficha, que eu já preenchi uma vez. 
Além disso, também trouxe a crença de que a notificação 
não serve para proteger, mas se constitui antes uma forma de 
denúncia e criminalização:
É... é... e sinceramente as que a gente preencheu não foram 
pra lugar nenhum, porque nenhuma delas teve um processo 
resolutivo de proteger alguém, então... aí tem esses dois la-
dos que faz desistir, que dá muito trabalho, de não ter tempo 
pra isso sempre e outro que não dá em nada. (...) porque eu 
pessoalmente acho que as notificações servem pra proteger, 
mas eu acho que assim, a gente tem que... é o que eu falo: 
denuncia, criminalização é importante, mas é um papel muito 
reduzido, eu acho, do que a gente pode fazer nesse caso. (...) 
Eu denunciei. E não ajudou de nada. Foi o que eu falei no dia, 
eu tinha falado antes: “gente, é... pode adiantar pra dizer que 
eu me amparei como psicólogo, que eu fiz a notificação, que 
eu sei que é verdade, então pensando na, no meu não indo 
pra reta, é ótimo notificar, que se a mulher morre eu falo: 
notifiquei”. Então pensando em mim é ótimo, mas pensando 
em vínculo terapêutico, em negociação de tudo o que eu falei 
antes cara... cagou o caso. Acabou mesmo, lascou tudo. Mas 
a gente conhece a ficha, mas a gente quase não preenche. A 
gente tem as fichas, inclusive, no nosso armário. Eu acho elas 
supercomplicadas... elas super...
Os argumentos trazidos nessa fala podem ser lidos como 
desconhecimento do profissional sobre o que de fato é a 
notificação compulsória. Segundo a Lei 10.778/2003, todos 
os profissionais de saúde ficam obrigados a notificar os ca-
sos de violência contra mulheres atendidas em serviços de 
saúde públicos e privados. A notificação é um instrumento 
de vigilância epidemiológica que tem comoobjetivo mapear 
as formas de violência, seus agentes e proporções para, 
7Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 32 n. esp., pp. 1-8
Violência e Saúde Mental
de que os profissionais sejam treinados para trabalhar com 
esse conteúdo e que haja sua capacitação. É fundamental 
que o esforço para a aplicação das políticas públicas seja 
realizado por ambas as partes, tanto aqueles que propõem e 
fiscalizam as leis como os que estão no cotidiano do serviço 
propriamente dito.
Faz-se mister destacar que os profissionais tiveram 
respostas variadas em relação a percepção, crenças, conhe-
cimentos, práticas e modo de atuação diante da demanda 
da violência contra as mulheres, independentemente da 
área. Seria promissor que estudos futuros abarcassem 
outros CAPS, para que houvesse um quantitativo maior 
de profissionais a fim de saber se há especificidades e di-
ferenças entre as diversas categorias. Tal pesquisa poderia 
apontar caminhos para uma melhor qualificação desses 
profissionais nesse tema, permitindo que as políticas pú-
blicas saíssem do papel para os vários níveis de agentes 
públicos, inclusive os de saúde e, especificamente, os de 
saúde mental. 
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Recebido em 09.09.2016
Aceito em 13.12.2016 n

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