Buscar

Teologia sistemática parte 1 e 2 Robert L. Reymond

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 513 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 513 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 513 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Teologia sistemática
Robert L. Reymond
 
PARTE UM
Uma Palavra de Um Outro Mundo
 
PARTE DOIS
Deus e o Homem
 
 
 
 
 
SUMÁRIO
Prefácio
Prefácio à Segunda Edição
Introdução
CAPÍTULO UM: O Fato da Divina Revelação
CAPÍTULO DOIS: A Natureza Inspirada das Sagradas Escrituras
CAPÍTULO TRÊS: Os Atributos das Sagradas Escrituras
CAPÍTULO QUATRO: A Natureza da Verdade Bíblica
CAPÍTULO CINCO: A Bíblia como o Ποῦ Στῶ para o Conhecimento e a
Significância Pessoal
CAPÍTULO SEIS: Introdução à Doutrina de Deus
CAPÍTULO SETE: Os Nomes e a Natureza de Deus
CAPÍTULO OITO: Deus como Trindade
CAPÍTULO NOVE: A Trindade nos Credos
CAPÍTULO DEZ: O Decreto Eterno de Deus
CAPÍTULO ONZE: As Obras Divinas da Criação e da Providência
CAPÍTULO DOZE: A Visão Bíblica do Homem
PREFÁCIO
 
A publicação de uma teologia sistemática da religião cristã é sempre
um momentoso evento, particularmente para o autor, visto que um semelhante
trabalho pretende revelar uma vida profissional inteira de reflexão sobre todos
os temas capitais (loci communes ou “locais padrões”) das Sagradas
Escrituras e suas implicações para os pontos de vista histórico e
contemporâneo. Isso é verdade, ainda que, só no mundo de língua inglesa, 
mais de sessenta teologias sistemáticas (Gabriel Fackre as denomina
“teologias-em-alto-relevo”) — algumas evangélicas, algumas ecumênicas,
algumas experienciais — têm sido publicadas desde o final dos anos 1970. [1]​
Este presente volume tenta expor uma teologia sistemática da fé cristã
que ultrapasse a resenha bíblica. Meus anos de estudo e ensino persuadiram-
me de que uma tal interpretação deve assumir os contornos do que o mundo
teológico caracteriza como uma teologia reformada. Em última análise, tem
que estar centrada em Deus em todos os seus pronunciamentos e resistir a todo
esforço humano de introduzir uma antibíblica “analogia do ser” (analogia
entis) nas mentalizações (thought-forms) bíblicas, quer dizer, por um “e” e um
“mais” onde a Bíblica coloca “somente” ou “só”. Por exemplo, na
metodologia teológica não se deve dizer, “eu entendo e creio”, mas, “eu creio
a fim de entender”; na soteriologia não se deve argumentar “Deus e o homem”,
antes, “apenas Deus” como Salvador; não se deve ensinar “fé e boas obras”
como os instrumentos para a justificação, porém, “fé sozinha”.
O conteúdo dessa obra é essencialmente as aulas que dei em sala ao
ensinar teologia sistemática durante um período de dois anos no Covenant
Theological Seminary em St. Louis, Missouri, e sete anos no Knox
Theological Seminary em Fort Lauderdale, Flórida. Tais aulas foram escritas
para os cursos requeridos nos programas de Mestre em Teologia nesses dois
seminários. Durante os últimos quinze anos, aproximadamente, eu forneço
minhas palestras aos meus estudantes em forma de programa de estudos
escrito, e ao adotar essa abordagem descobri que podia cobrir muito mais
material em classe, com os estudantes possuindo minhas aulas básicas em sua
inteireza sem ter que se concentrar em tomar notas abundantes. Meu primeiro
motivo para oferecê-las agora a um público leitor maior é que meus estudantes
me encorajaram centenas de vezes ao longo dos anos para assim fazer. Deste
modo, em um sentido muito real você, meu presente leitor, conforme se move
ao longo desses capítulos está sentado em minha sala de aula no seminário e
testemunhando minha tentativa de desvelar o Quadro Global dentro da Mente
divina a qual, estou convencido, o único Deus vivo e verdadeiro revelou-se
aos homens nas Sagradas Escrituras para a salvação eterna e benefício
espiritual deles. [2]​
Um segundo motivo por que ofereço este volume a uma audiência mais
ampla é que aqueles dentre nós que ensinam na tradição reformada no nível de
seminário tinham que mirar a venerada (e fidedigna) mas algo datada Teologia
Sistemática de Berkhof como nosso livro texto básico em volume único no
campo da dogmática, e então tínhamos de suplementar Berkhof com gigantes
teológicos tais como Charles e A. A. Hodge, Benjamin B. Warfield, John
Murray, e G. C. Berkouwer. Embora eu esteja plenamente ciente de que jamais
será escrita uma teologia sistemática que torne qualquer suplementação
desnecessária, tenho tentado me inspirar nos melhores insights tanto dos
teólogos bíblicos quanto dos históricos e empregar suas disciplinas à medida
que começo a me ocupar de cumprir minha responsabilidade fundamental de
apresentar uma teologia sistemática que vá além de uma lista bíblica. Espero,
certamente, que a minha “sistemática” recomende a si própria, em sua tentativa
de ser tanto bíblica quanto interessante, para outros mestres da fé reformada.
Serei bastante premiado pelos meus labores caso alguém a ache ser “o que
está procurando” para seus próprios estudantes.
Minha terceira e primeira razão para desejar ver tais preleções em
forma publicada é porque eu amo o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo e
amo a igreja pela qual ele morreu. Porém, a igreja — a igreja dele — por
muitos anos tem sido recreada, tanto nas classes de seminário quanto nas
multidões de seus púlpitos, com descrições sub-bíblicas do que é o
verdadeiro evangelho de Deus. Refiro-me aos evangelhos pelagiano, semi-
pelagiano, semi-semi-pelagiano, arminiano, apóstata e seja lá que nome ou
reivindicação façam, os quais abundam de todos os lados. A todos esses falsos
“evangelhos” a fé reformada é o único antídoto. Para mim a fé reformada não
é simplesmente um credo que a igreja agora ou em algum tempo vindouro
possa relegá-lo à lixeira da história; para mim, sua propagação é tanto uma
paixão quanto uma missão. Por crer que a expressão reformada do evangelho
é a verdade eterna do único Deus vivo e verdadeiro, creio que a minha
exposição dos fatos do evangelho de Cristo pode servir como um corretivo a
esses outros “evangelhos”, os quais em realidade não são o evangelho eterno,
em hipótese nenhuma. Naturalmente, espero que meu esforço aqui contribua
para a educação da igreja em uma época em que em todo nosso redor existe a
evidência de que a igreja literalmente “perdeu seu espírito evangélico” e está
chafurdando no anti-intelectualismo e no pensamento antibíblico. Se em algum
grau eu puder prover um corretivo a essa presente situação, serei amplamente
premiado por todos os meus esforços.
Embora eu haja escrito a partir de uma perspectiva reformada, não
segui servilmente o padrão estabelecido de pensamento “ortodoxo” ou
“reformado” quando ele não recomenda a si próprio para mim devido à sua
falha em de alguma forma se conformar ao que percebo ser o ensinamento das
Sagradas Escrituras. Por exemplo, em meu tratamento da doutrina das
Escrituras na parte um, apresento-a partindo do que é conhecido nos círculos
apologéticos como a perspectiva pressuposicional, a qual julgo eu honra mais
a Deus do que as alternativas. No capítulo seis eu defendo que os cristãos
reformados não deviam empregar, como muitos deles o fazem, os argumentos
tradicionais para a existência de Deus. No capítulo sete eu declinei de
classificar os atributos divinos, e continuo não convencido por exegese alguma
(ou por argumento filosófico algum) que tenho visto para datar que a
eternidade de Deus forçosamente acarrete a qualidade de supratemporalidade
ou atemporalidade. Ao longo desse capítulo minha principal preocupação é a
de que meu leitor seja confrontado pelo Deus da Bíblia em vez de pelo Deus
dos escolásticos, o qual com freqüência dá a impressão de ser mais “grego”
do que bíblico. No capítulo nove eu tento convencer meu leitor ao ponto de
vista reformado sobre a Trindade, o qual, em alguns aspectos, é distintamente
diverso da descrição “niceno-constantinopolitana” daquela doutrina, o qual
exerceu influência dominante dentro da Cristandade por mais de treze séculos
antes de ser desafiada por João Calvino e que, lamentavelmente, ainda é
inconscientemente esposada por um número demasiadamente grande de seus
seguidores.No capítulo dez, embora demonstrando a inerente fraqueza e
caráter antibíblico do arminianismo, afirmo — em oposição a alguns
pensadores reformados que preferem representar tais coisas simplesmente
como mistérios pelos quais a Bíblica não fornece resposta alguma — que
Deus é a Causa decretatória do mal no sentido de que é a única Causa
decretatória definitiva de todas as coisas. Também arrazoo ali em prol do
igual caráter definitivo da eleição e reprovação no decreto divino, mesmo que
não tenha uma exata identidade de causalidade divina por trás. No capítulo
onze eu sustento, em oposição a um bom número de pensadores reformados,
que a criação em si, em última análise, outra coisa não teve que não uma
raison d’être redentora, e que insistir em outra coisa fornece uma fundação
que “dá auxílio e conforto” a uma teologia natural metodológica anti-
reformada. No capítulo doze eu advirto contra o que considero uma tendência
entre alguns pensadores reformados de diminuir a importância do fato de que a
teologia reformada deve conservar sua insistência clássica em um pacto de
obras original entre Deus e Adão. E no capítulo treze eu adoto e sigo uma
ordem supralapsariana dos decretos divinos, porém, ofereço minha própria
ordem ali visto que a ordem costumeiramente oferecida pelos
supralapsarianos é incongruente com os próprios melhores insights deles.
Confio que as idéias apresentadas ao longo do livro favorecerão as discussões
contínuas em suas respectivas áreas entre teólogos e leigos de maneira
semelhante.
Certas pessoas foram de grande ajuda para mim em meu
desenvolvimento profissional; sem elas este livro nunca teria sido escrito.
Primeiramente, quero expressar meu eterno apreço por Robert G. Rayburn, o
primeiro presidente do Covenant Theological Seminary, em St. Louis,
recentemente falecido, o qual me recomendou, quando eu era apenas um
teólogo principiante no conselho do seminário, para uma posto de lecionação
no departamento de teologia sistemática. Tenho um grande débito de gratidão
ao próprio Conselho do Covenant, o qual me contratou e sempre encorajou a
todos nós na faculdade para escrever, dando-nos licenças de um ano para tal.
Quero igualmente reconhecer minha dívida com R. Laird Harris, o primeiro
deão da faculdade sob o qual servi no Covenant Seminary, e com o finado J.
Oliver Buswell Jr., docente de teologia sistemática no departamento de
sistemática de lá, ambos os quais incumbiram-se do papel de “quartanista”
para mim durante meus anos iniciais de trabalho sob a direção e tutela deles.
Uma mui especial palavra de apreço tem que ir a meu caro amigo, David C.
Jones, o qual foi meu colega no departamento de teologia sistemática no
Covenant Seminary por mais tempo que qualquer outra pessoa e que, por seu
exemplo acadêmico, ensinou-me sobre o método teológico próprio e o
significado eterno do ofício teológico mais do que ele algum dia o saberá.
Ao conselho do Knox Theological Seminary permaneço devedor por
me outorgar um ano sabático para que eu desse os toques finais nesta obra.
Sou deveras grato por essa atenciosa provisão.
A Roger R. Nicole, professor visitante de teologia no Reformed
Theological Seminary, em Orlando, cuja amizade tem agraciado minha vida já
há vários anos e cujo conhecimento enciclopédico de teologia só posso sonhar
em adquirir, devo expressar profunda gratidão por ler minha teologia
sistemática em sua inteireza na forma manuscrita e dando muitas sugestões
valiosas (a maioria das quais adotei). A John M. Frame, professor de
apologética e teologia sistemática no Westminster Theological Seminary
Califórnia, e a William Edgar, professor de apologética no Westminster
Theological Seminary em Filadélfia, ambos os quais aguçaram meu raciocínio
no capítulo seis, fico muito grato. Por derradeiro, quero agradecer a todos os
meus numerosos estudantes, os quais através dos anos ofereceram vintenas de
sugestões que grandemente melhoraram a exatidão e a apresentação do
material.
A toda essa gente — servos de Cristo humildes e gentis, os quais, de
mais maneiras do que posso exprimir, ensinaram-me tanto por palavras quanto
por exemplo o que é o serviço cristão — eu, com grande deleite e profundo
apreço, humildemente dedico este livro. Qualquer encômio conferido pelos
leitores de discernimento é igualmente deles; todo e qualquer erro e
deficiência que sobrar têm que ser localizados só em mim.
Fort Lauderdale, Flórida
Março de 1997
 
 
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
Quatro anos se passaram desde que A New Systematic Theology of the
Christian Faith foi primeiramente publicado. Aquela primeira edição passou
por várias impressões e fico embaraçado e grato pela recepção com que o
público leitor cristão o premiou. Quero expressar meu apreço à 
Evangelical Christian Publishers Association por selecioná-lo em 1999
como um “Candidato Final” para o Gold Medallion Award. Também estou
profundamente embaraçado pelo fato de vários seminários mais importantes o
haverem adotado e escolhido como o texto para seus cursos de teologia
sistemática.
À medida que sai esta Segunda Edição quero agradecer tanto aos que
me elogiaram quanto aos que me criticaram pelo tempo e esforço que
despenderam para rever a obra. Todos os seus comentários críticos foram
levados a sério, e freqüentemente tais comentários levaram a uma modificação
da expressão ou do conceito. Esta edição, embora preservando a paginação da
antiga, inclui tais modificações. Se elas melhoraram o trabalho em alguma
medida eu tenho que agradecer a esses fiéis servos de Cristo.
Minha sincera esperança é que esta Segunda Edição prove ser ainda
mais benéfica à igreja do que o foi a primeira.
Fort Lauderdale, Flórida
Dezembro de 2001
 
INTRODUÇÃO
 
Como a própria palavra sugere, “teologia”​[3] (do latim theologia,por
sua vez, do grego θεολογία , theologia) em seu sentido amplo fala do
discurso intelectual ou racional (“raciocinado”) acerca de Deus ou das coisas
divinas.​ [4]​ Enquanto o esforço inteligente para entender e deslindar a Bíblia
toda vista como verdade revelada, “teologia”, no sentido enciclopédico
amplo, abarca as disciplinas do currículo de teologia clássico, com seus
quatro departamentos de teologia exegética (ou bíblica), histórica, sistemática
e prática. [5]​
Por “teologia sistemática” — o departamento da teologia com o qual
este livro está primeiramente interessado — refiro-me à disciplina que
responde à questão, “o que a Bíblia toda nos ensina sobre um dado tópico?”
Declarado mais tecnicamente, teologia sistemática é aquele estudo
metodológico da Bíblia que contempla as Escrituras Sagradas como uma
revelação completada, distinguindo-se das disciplinas de teologia do Antigo e
do Novo Testamentos, bem como da teologia bíblica, as quais abordam as
Escrituras como uma revelação que se desdobra. Consentaneamente, o teólogo
sistemático, considerando as Escrituras como uma revelação completada,
busca compreender holisticamente o plano, o propósito e a intenção didática
da mente divina revelada nas Sagradas Escrituras, bem como dispor tais
plano, propósito e intenção didática de um modo ordeiro e coerente como
artigos da fé cristã. [6]​
A teologia sistemática cobre, em relação a porções integrais do corpo
total da verdade sacra das Escrituras Sagradas, Deus, o homem, Cristo, a
salvação, a igreja, e as últimas coisas. Também cabendo dentro da
competência da disciplina existem a articulação de um padrão de vida do
crente (ética pessoal e social) e a apresentação cristã da verdade àqueles de
fora da igreja (apologética). [7]​
 
A VINDICAÇÃO DA TEOLOGIA COMO UMA DISCIPLINA
INTELECTUAL
Contudo, a teologia, como acima definida, tem se deparado com
tempos difíceis. Pode-se recordar aqui das definições pasquinescas de Søren
Kierkegaard, de que teólogo é “um mestre do fato de que Um Outro sofreu”,
[8] enquanto a lembrança de Jaroslav J. Pelikan de que os mais próximos
equivalentesdo termo “teólogo” no Novo Testamento são “escribas e fariseus”
[9] não ajuda em nada a tornar o mundo do teólogo mais atraente, seja à igreja,
seja ao mundo em geral. De fato, à medida que o mundo ocidental se torna
cada vez mais uma “cidade secular”, mais e mais homens e mulheres tanto
dentro quanto fora da igreja advogam que é impossível até dizer algo
significante a respeito de Deus. Conseqüentemente, Gordon H. Clark começa
seu livro Em Defesa da Teologia com a seguinte avaliação: “A teologia,
aclamada no passado como ‘a rainha das ciências’, hoje mal chega à posição
de lavadora de pratos. É sempre desprezada, considerada suspeita ou
simplesmente ignorada”.[10] Se a opinião de Clark estiver correta, o cristão
bem pode concluir que deve servir-se da teologia como uma disciplina de
todo intelectual e devotar seu tempo a alguma ocupação mental que ofereça
promessa de honra mais elevada. Pode-se formular explicitamente a questão:
Como deve a teologia – analisada como uma disciplina intelectual que merece
o mais alto interesse da igreja e a ocupação da vida toda das mentes humanas
– ser justificada hoje? Mais claramente ainda: Por que devo eu, como cristão,
ocupar-me a vida inteira em reflexão acadêmica sobre a mensagem e o
conteúdo das Sagradas Escrituras? E por que devo eu continuar a fazê-lo da
maneira específica que a igreja (em seus melhores momentos) o fazia no
passado? Quero oferecer as seguintes cinco razões por que devemos nos
ocupar com a empreitada teológica:
1. o próprio método teológico de Cristo;
2. o mandado de Cristo a sua igreja para discipular e ensinar;
3. o modelo apostólico;
4. o exemplo e atividade apostolicamente aprovados da igreja neo-
testamentária;
5. a própria natureza das Sagradas Escrituras.
 
O Método Teológico Próprio de Cristo
Todos os quatro evangelistas descrevem Jesus de Nazaré como
entrando fundo no envolvimento da mente com as Escrituras e delas extraindo
fascinantes deduções sobre si mesmo. Por exemplo, em numerosas ocasiões,
ilustradas pelas seguintes passagens do Novo Testamento, ele aplicou a si
próprio o Antigo Testamento:
Lucas 4.16-21: “E, chegando a Nazaré, onde fora criado, entrou num
dia de sábado, segundo o seu costume, na sinagoga, e levantou-se para ler. E
foi-lhe dado o livro do profeta Isaías; e, quando abriu o livro, achou o lugar
em que estava escrito: O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu
para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados do coração, a
pregar liberdade aos cativos, e restauração da vista aos cegos, a pôr em
liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor. E, cerrando o
livro, e tornando-o a dar ao ministro, assentou-se; e os olhos de todos na
sinagoga estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta
Escritura em vossos ouvidos”.
João 5.46: “Se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de
mim escreveu ele”.
Lucas informa-nos de forma clara que posteriormente, “começando por
Moisés, e por todos os profetas, [o Cristo glorificado] explicava-lhes
[ διερμήνευσεν , diermēneusen] o que dele se achava em todas as Escrituras”
(Lc 24.27; vide ainda 24.44-47). Uma tão extensa ocupação da mente na
exposição das Escrituras envolvia nosso Senhor na atividade teológica na
mais elevada acepção. É Cristo mesmo, então, quem estabeleceu para sua
igreja o padrão e o fito de todo teologizar – o padrão: devemos fazer da
exposição das Escrituras a base de nossa teologia; o fito: devemos finalmente
chegar a Cristo em todos os nossos labores teológicos.
 
O Mandado da Igreja para Discipular as Nações
Depois de determinar à sua igreja o padrão e o fim de toda teologia, o
Cristo glorificado comissionou sua igreja para discipular as nações, batizando
e ensinando seus seguidores a obedecer a tudo o que lhes ordenara (Mt 28.18-
20). A Grande Comissão, pois, coloca sobre a igreja demandas intelectuais
específicas. Há a demanda evangelística para contextualizar a proclamação
do evangelho, sem transigir para satisfazer as necessidades de cada geração e
cultura. Há a demanda didática de correlacionar os múltiplos dados das
Escrituras em nossas mentes e aplicar tal conhecimento a todas as fases de
nosso pensamento e conduta. [11] E há a demanda apologética para justificar
a existência do cristianismo como a religião revelada de Deus e proteger sua
mensagem da adulteração e da distorção (vide Tt 1.9). A teologia surgiu na
vida da igreja em resposta a essas demandas concretas da Grande Comissão.
A iniciativa teológica serve então à Grande Comissão, visto como busca
explanar de modo lógico e coerente, para homens de todas as partes, a
verdade que Deus revelou nas Sagradas Escrituras acerca de si mesmo e do
mundo que ele criou.
 
O Modelo Apostólico
Tal atividade, a qual finalmente levou ao envolvimento da igreja com a
teologia, é achada não apenas no exemplo e ensino de Jesus Cristo, mas
também no restante do Novo Testamento. Paulo não perdeu tempo depois de
seu batismo no esforço de “provar” ( συμβιβάζων , symbibazōn) a seus
compatriotas judeus que Jesus é o Filho de Deus e o Cristo (Atos 9.20-22).
Mais tarde, como missionário capacitado entrou na sinagoga em Tessalônica
“e por três sábados disputou[ διελέξατο , dielexato] com eles sobre as
Escrituras, expondo[ διανοίγων , dianoigōn] e
demonstrando[ παρατιθέμενος , paratithemenos] que convinha que o Cristo
padecesse e ressuscitasse dentre os mortos” (Atos 17.2,3). O erudito Apolo
“com grande veemência, convencia publicamente os judeus,
mostrando[ ἐπιδεικνὺς , epideiknys] pelas Escrituras que Jesus era o Cristo.”
(Atos 18.28).
Tampouco a “teologização” evangelística de Paulo se limita à
sinagoga. Enquanto esperava Silas e Timóteo em Atenas, Paulo “disputava”
( διελέγετο , dielegeto) não somente com os judeus e os gregos tementes a
Deus na sinagoga, mas também todos os dias na praça com aqueles que
calhavam de estar ali (Atos 17.17). Isso lhe granjeou um convite para
discursar no Areópago, discurso que deu em termos que pudessem ser
compreendidos pelos filósofos epicureus e estóicos lá congregados, só que
sem acomodar sua mensagem ao que eles estavam dispostos a crer. Então,
além desse período de três meses em Éfeso, durante o qual falou ousadamente
na sinagoga “disputando e persuadindo-os” a respeito do reino de Deus (Atos
19.8), Paulo “discorria” [ARA] diariamente no auditório de Tirano (nome que
dificilmente os pais lhe deram; mais provavelmente, o nome foi dado a ele por
seus estudantes), não hesitando, como depois dirá aos presbíteros efésios, em
pregar algo que lhes fosse útil e os ensinar em público e pelas casas,
declarando tanto aos judeus quanto aos gregos que deviam se converter a Deus
em arrependimento, bem como ter fé em Jesus Cristo (Atos 20.20,21).
Também vemos na carta de Paulo aos Romanos sua exposição
teológica da mensagem a ele confiada – tanto no arcabouço amplo quanto no
conteúdo essencial do evangélico que pregava e no método de teologizar que
empregava. Deve-se tomar nota do brilhante “fluxo teológico” da carta: como
ele se move lógica e sistematicamente do problema da condição humana para
a provisão de salvação divina em Cristo, depois, sucessivamente, para os
resultados da justificação, as duas grandes objeções à doutrina (a justificação
somente pela fé outorga licença para pecar e anula as promessas que Deus fez
a Israel como nação), e afinal para a ética cristã que as compaixões de Deus
exigem de nós.
De forma alguma desacredita a “inspiradade” (vide 1 Ts 2.13; 2 Pd
3.15,16; 2 Tm 3.16) admitir que ele refletia sobre e reforçava suas conclusões
lógicas apelando a conclusões precedentes, a história bíblica e até mesmo a
seu relacionamento com Jesus Cristo, posto que desenvolveu sua percepção
doutrinal do evangelho de Deus sob a superintendência do Espírito. Descobre-
se essas reflexões e deduções teológicas embutidas em Romanos no próprio
âmagode algumas das mais radicais asserções do apóstolo. Por exemplo, pelo
menos dez vezes, depois de afirmar uma proposição específica, Paulo
pergunta: “Que diremos pois?” e, “deduzindo por boa e necessária
conseqüência”, prossegue para a conclusão à qual desejava que seus leitores
chegassem (Rm 3.5, 9; 4.1; 6.1, 15; 7.7; 8.31; 9.14, 30; 11.7). No capítulo
quatro o apóstolo tira as conclusões teológicas de que a circuncisão é
desnecessária para a bênção da justificação e que Abraão é o pai espiritual do
gentio incircunciso crente, partindo de simples observação baseada no Antigo
Testamento que “Abrão creu no SENHOR, e isso lhe foi creditado como
justiça” (Gn 15.6, NVI) uns catorze anos antes de ser circuncidado (Gn 17.24)
— deduções teológicas sensacionais para se tirar em seu ambiente religioso e
cultural particular simplesmente a partir da relação “antes e depois” entre dois
eventos históricos! Nessa altura, para provar que “agora neste tempo ficou um
remanescente, segundo a eleição da graça” (Rm 11.5), Paulo simplesmente
apela a seu próprio status de judeu cristão (Rm 11.1), outra vez uma asserção
teológica notável derivando-se do simples fato de sua própria fé em Jesus.
O modelo apostólico de exposição, reflexão e dedução a partir das
Escrituras apóia nosso envolvimento na empreitada teológica. Se temos de
ajudar a nossa geração a compreender as Escrituras, devemos também deduzir
e entabular conclusões do que obtemos de nossos labores exegéticos nas
Escrituras e estar prontos a “discorrer” com os homens. O ocupar-se com isso,
bem como o resultado de tal tarefa, é teologia.
 
A Atividade da Igreja Neo-testamentária
O envolvimento de nossas mentes com a teologia como uma disciplina
intelectual baseada nas Sagradas Escrituras adquire apoio adicional pela
atividade da igreja neo-testamentária. O Novo Testamento chama a nossa
atenção repetidas vezes para um corpo de fé salvífica, como em 2.ª
Tessalonicenses 2.15 – “as tradições”, Romanos 6.17 – a “forma de doutrina”,
Judas 3 – “fé que uma vez foi dada aos santos”, 1.ª Timóteo 6.20 – “o
depósito”, e as “palavras fiéis” das cartas pastorais de Paulo (1 Tm 1.15; 3.1;
4.7-9; 2 Tm 2.11-13; Tt 3.4-8). Esses termos e locuções descritivos indicam
que já nos dias dos apóstolos o processo teologizante de refletir em e
comparar Escritura com Escritura, confrontando, deduzindo e formulando
declarações doutrinárias em fórmulas credais que se aproximavam do caráter
das confissões eclesiásticas se iniciara (exemplos dessas fórmulas credais
podem ser vistos em Rm 1.3,4; 10.9; 1 Co 12.3; 15.3,4; 1 Tm 3.16 tanto quanto
nas “palavras fiéis” das Pastorais). [12] De mais a mais, tudo isso foi feito
com o pleno conhecimento e aprovação dos próprios apóstolos. De fato, os
apóstolos mesmos estiveram pessoalmente envolvidos nesse processo
teologizante. Em Atos 15.1 – 16.5, por exemplo, os apóstolos trabalharam
como presbíteros na atividade deliberativa de preparar, para orientação da
igreja, uma resposta teológica conciliar à controvérsia ora em consideração.
Por esse motivo, quando hoje nós, sob a direção do Espírito de Deus e
em fé, vamos às Sagradas Escrituras e com nossas melhores instrumentos
intelectuais fazemos um esforço para deslindar suas proposições e preceitos,
investigar as operações dele no mundo, sistematizar seus ensinos e os formular
em credos, bem como propagar ao mundo sua mensagem, estamos nos
mantendo em linha com o processo teologizante já presente na igreja do
período apostólico e por essa conduzido.
 
A Inspiração e a Autoridade Divinas das Sagradas Escrituras
Como discutiremos a fundo na parte um, a Bíblia é a Palavra de Deus
revelada. Cristo, o Senhor da igreja, reputava o Antigo Testamento como tal, e
deu à igreja ampla razão para estimar o Novo Testamento da mesma maneira.
Isso quer dizer que o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo — na realidade,
o Deus Triúno — “está realmente ali e ele fala”. Se está ali, então ele deve ser
alguém que as pessoas devem conhecer. E se nos fala em e por meio das
Escrituras do Antigo e Novo Testamentos, então só esse fato é sanção
suficiente para se estudar as Escrituras. Declarado de outro modo, se Deus
revelou a verdade sobre si mesmo, sobre nós e sobre o relacionamento entre
nós e ele nas Sagradas Escrituras, então devemos estudá-las. Simplesmente
assim. Sem dúvida, se levarmos a sério a verdade bíblica de que apenas à luz
da Palavra de Deus entenderemos devidamente alguma coisa (Sl 36.9), nós
temos que estudar as Escrituras Sagradas, ou, o que significa a mesma coisa,
temos que ocupar nossas mentes com a busca da verdade teológica. Não ter
interesse pelo estudo delas, se nelas um Deus vivo e verdadeiro se revelou, é
o cúmulo da estupidez espiritual.
Por essas cinco razões a igreja deve permanecer comprometida com a
tarefa teológica. E pode agir assim com a plena certeza de que seus labores
não serão uma perda de tempo e energia. Pois que nenhuma atividade
intelectual por fim se provará mais recompensadora do que a aquisição de um
conhecimento de Deus e de seus caminhos e obras. Sem dúvida, tão claro é o
mandado escriturístico para tal tarefa que a questão primária da igreja não
deve ser se ela deve ou não se envolver na teologia — o Senhor da igreja e
seus apóstolos não deixam opção nenhuma aqui. A igreja tem que se ocupar
com aquela se tiver de ser fiel a ele. Mais precisamente, o que deve ser de
maior preocupação para a igreja é se, em seu envolvimento com teologia, está
ela ouvindo tão solícita e submissamente como deveria a voz do Senhor
falando à sua igreja nas Sagradas Escrituras. Em suma, a principal
preocupação da igreja deve ser, não o ocupar-se com teologia, mas se a
teologia dela está correta. É ela ortodoxa? Ou talvez melhor: Ela é bíblica?
 
A TAREFA TEOLÓGICA
Quão precisamente a tarefa teológica é descrita será determinada pelo
Sitz im Leben do teólogo individual, governado que é por suas próprias
qualificações teológicas, situação sócio-histórica, erudição e posição
teológica.
 
Aspectos Gerais da Tarefa Teológica
Junto com Louis Berkhof, creio que a tarefa teológica em geral é tanto
uma tarefa construtiva quanto demonstrativa, tanto crítica quanto defensiva:
1. Construtiva no fato de o teólogo, lidando primariamente com os
dogmas incorporados na confissão de sua igreja, procurar combiná-los
em um todo sistemático – nem sempre uma tarefa fácil, uma vez que os
conectivos entre muitas verdades que são meramente afirmadas de uma
maneira geral devem ser descobertos, fornecidos e formulados de tal
forma que a conexão orgânica dos vários dogmas se torne clara, com
novas linhas de desenvolvimento sendo sugeridas, as quais estejam em
harmonia com a estrutura teológica do passado;
2. Demonstrativa no fato de que o teólogo não deve, mediante sua
sistematização de dogmas, meramente descrever o que sua igreja insta os
outros a crer, mas também deve demonstrar a verdade dessa
demonstrando exegeticamente que cada parte dela está profundamente
arraigada no subsolo das Escrituras, oferecendo prova bíblica para
cada dogma separadamente, para cada um de seus conectivos e para
cada um de qualquer elemento novo que ele teólogo sugira;
3. Crítica no fato de que o teólogo deve levar em conta a
possibilidade de um desvio da verdade em algum ponto ou outro nos
dogmas de sua igreja e no sistema sistemático que ele mesmo propõe,
significando, primeiro, que, se detectar erros em algum ponto, ele deve
procurar solucioná-los do modo apropriado, e segundo, se ele descobre
lacunas, deve se empenhar em suprir o que está faltando (para os
teólogos reformados tal aspecto da tarefa teológica é captado no lema
ecclesia reformata semper reformanda – “uma igreja reformada está
sempre se reformando”); e
4. Defensiva no fato de que o teólogo, preocupado que está com a
busca pela verdade absoluta, deve não somente estar plenamente ciente
dos desvios históricos anterioresda verdade de sorte a ele mesmo evitá-
los, mas deve igualmente repelir todos os ataques heréticos correntes
contra os dogmas verdadeiros incorporados no sistema de sua igreja.
[13]​
No tocante à tarefa da teologia sistemática em particular, estou de
acordo com Gabriel Fackre que ela deve ser (1) abrangente, ou seja, cobrir
todos os ensinos padrões das Escrituras, (2) coerente, ou seja, demonstrar os
inter-relacionamentos dos vários tópicos, (3) contextual, ou seja, interpretar,
quando e onde possível, o alcance da doutrina em termos de assuntos e jargões
de momento, e (4) interativa, ou seja, ocupar-se dos pontos de vista histórico
e contemporâneo. [14]​
E, junto com Klaus Bockmuehl, eu acredito que o próprio teólogo
sistemático (1) “deve encorajar ... e exercer o ministério de ensino na igreja”
e “reativar [a] função catequética a fim de confirmar tanto igrejas quanto
crentes individuais para que não sejam levados por doutrinas forâneas e
finalmente destruídos”; (2) deve alterar sua forma de expressão, quando e
onde possível, longe daquela dos conceitos de pensamento e linguagem
metafísicos gregos para aquela do dinamismo bíblico que esteja interessado na
história dos feitos de misericórdia de Deus; e (3) contra a filosofia do
senhorio do homem, “deve exigir a reversão da decisão [da sociedade
moderna] pelo secularismo [i.e., ateísmo]” e novamente “insistir publicamente
e encorajar a insistência no senhorio de Deus … [e] anunciar a Deus
verdadeiramente como Deus para uma geração esquecida desse fato
fundamental”. [15]​
 
Aspectos Específicos da Tarefa Teológica Reformada
Com esses aspectos gerais da tarefa teológica guiando-o, o teólogo
sistemático reformado é responsável sobretudo por prover seus leitores com
(1) informação cognitiva organizada que seja radicalmente bíblica (isso é
simplesmente o que significa ser “reformado”) e (2) agindo assim de um tal
jeito que aquela informação incentive o crescimento tanto nas habilidades
ministeriais quanto nas atitudes de coração específicas para com as coisas do
Espírito.
O sistematizador reformado deve prover seus leitores com informação
cognitiva a respeito
1. dos loci principais e das doutrinas cardeais da teologia cristã tal
como apresentadas nas Sagradas Escrituras (o que ele dá a seus leitores
deve ser, sem nenhuma alteração em seu conteúdo básico, material
passível de pregação e ensino);
2. da fé histórica da igreja primitiva e da maneira com que essa
expressava sua fé em credos e símbolos tais como o Credo dos
Apóstolos, o Credo Niceno, o Credo Niceno-Constantinopolitano, a
Definição de Calcedônia e o assim chamado Credo Atanasiano;
3. da natureza, riqueza e beleza da fé reformada como o ensinamento
das Sagradas Escrituras, e tal como interpretada, exposta e exibida nas
Institutas da Religião Cristã, de João Calvino, bem como nas grandes
confissões reformadas nacionais, particularmente a Confissão de Fé de
Westminster e os Catecismos Maior e Menor da Assembléia de
Westminster;
4. da ortodoxia reformada e sua validade como a mais viável
expressão contemporânea da ortodoxia escriturística;
5. dos temas dominantes da teologia contemporânea a partir da
postura do biblicismo e do confessionalismo reformado;
6. dos temos temas filosóficos, ideológicos e religiosos do
pensamento contemporâneo onde afetem o conteúdo do evangelho cristão
analisado como incluindo tanto a proclamação quanto o ensinamento
cristãos.
O sistematizador reformado é igualmente responsável por transmitir tal
informação cognitiva de um jeito que estimule seus leitores a crescerem em
certos afetos religiosos específicos, sobretudo em
1. sua reverência pelas Sagradas Escrituras como Palavra de Deus
para nós e como a fonte e norma de instrução final para a fé e a vida;
2. sua constante presteza para ver o reino de Deus e a unidade dos
concertos bíblicos como a chave hermenêutica para a compreensão das
Sagradas Escrituras;
3. seu apreço pela herança teológica reformada;
4. sua perseverança no esforço para crescer como teólogos
sistemáticos;
5. seu respeito pela obra de outros que se aplicaram na tarefa
sistemática, e.g., Orígenes, Agostinho, Tomás de Aquino, João Calvino,
William Ames, Francis Turretin, Jonathan Edwards, Heinrich Heppe,
Charles e A. A. Hodge, William G. T. Shedd, James Henley Thornwell,
Robert Lewis Dabney, Abraham Kuyper, Herman Bavinck, Augustus
Hopkins Strong, Benjamin B. Warfield, Francis Pieper, Louis Berkhof, J.
Oliver Buswell Jr., Gerrit C. Berkouwer, John Murray, John H. Gerstner,
e Wayne Grudem; [16]​
6. seu temor respeitoso como aqueles aos quais foi outorgado o
grande privilégio de estudar a “mente de Cristo” como revelada nas
Sagradas Escrituras;
7. sua sobriedade como aqueles que foram chamados para difundir a
palavra do juízo de Deus aos povos do mundo;
8. seu gozo como aqueles que foram chamados para proclamar a
palavra da graça de Deus para os mesmos povos;
9. sua brandura como aqueles que reconhecem que também devem
viver pela e debaixo da mesma Palavra que estudam e aplicam às vidas
dos outros;
10. sua ousadia para aplicar os insights doutrinários que adquirem de
maneira cativante e prática à vida cristã e a um mundo em grande
necessidade;
11. sua sincera preocupação por uma evangelização biblicamente fiel
de um mundo perdido e pela sujeição das nações sob a “eqüidade geral”
da regra messiânica corrente de Cristo (Confissão de Fé de Westminster,
XIX/iv); e
12. sua humilde e devota confiança em Deus por todas essas coisas,
com a oração perpétua de que “seja sobre nós a graça do Senhor, nosso
Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos” (Sl 90.17, ARA).
Com essa percepção da tarefa da teologia — e da teologia sistemática
reformada em particular — governando nosso pensamento, começaremos
agora a nossa jornada para o fascinante e deslumbrantemente rico mundo da
teologia como disciplina intelectual. Dado que toda verdadeira teologia deve
ter um fundamento apropriado, principiaremos com um tratamento
propedêutico das Sagradas Escrituras como a única base legítima para
asserções teológicas peremptórias. Em seguida, na ordem de sucessão,
dirigiremos nossos esforços para os loci teológicos clássicos, a saber, as
doutrinas de Deus (ou teologia própria), do homem como criatura pactual e
violador do concerto, da natureza da encarnação de Cristo, de sua salvação
tanto em seu aspecto acabado quanto aplicado, da igreja e de seus atributos e
marcas, de sua autoridade e deveres, de seu governo e de seus sacramentos, e
por fim, das complexidades maravilhosas mas intrincadas das “últimas
coisas”.
 
PARTE UM
Uma Palavra de Um Outro Mundo
 
CAPÍTULO UM: O FATO DA DIVINA
REVELAÇÃO
 
Centenas de cientistas do mundo estão despendendo várias somas dos
tesouros de suas nações tentando estabelecer contato significante com seres
racionais que se imagina viverem no espaço sideral. É um empreendimento
sobremodo questionável por muitas razões, mas a sede insaciável por uma
palavra para nós que venha de um outro mundo os impele adiante em uma
busca que até o presente nada rendeu.
A igreja cristã crê que já possui uma palavra do “espaço cósmico”, ou,
mais exatamente, uma palavra de além do espaço, precisamente do próprio
Deus Triúno do céu. Minha meta na parte um desta obra é expor uma porção
importante da evidência em favor do ensino de que a Bíblia é efetivamente a
Palavra de Deus revelada e inspirada de um outro mundo para os habitantes
deste mundo. Demonstraremos que, malgrado inteiramente escrita por homens,
é igualmente a Palavra do Deus vivo, pois que o Espírito de Deus inspirou
homens a escreverem-na no todo e em parte. A relação entre os autores
humanos e o Espírito de Deus, não obstante, não foi uma relação de simples
cooperação ou co-autoria. Os homens não poderiam (e não quereriam) ter
escrito a Bíblia sema atividade superintendente do Espírito. O Espírito Santo,
então, é o autor das Escrituras em um sentido mais profundo e original do que
jamais os escritores humanos poderiam (ou quereriam) ter sido. Deus é o autor
primeiro das Sagradas Escrituras, com os escritores humanos sendo os autores
das Escrituras só até o ponto em que o Espírito deu o mandado, iniciou e
forneceu o impulso para que eles escrevessem. Nunca a Bíblia, seja no todo,
seja em parte, existiu por algum momento à parte de seu caráter mandado e
inspirado pelo Espírito. Em conseqüência, reputar a Bíblia apenas como uma
biblioteca genericamente confiável de documentos antigos compostos por
autores humanos, como até alguns evangélicos estão querendo que o incrédulo
façam (pelo menos inicialmente) como parte de sua estratégia apologética,
[17] é fazer vista grossa ao fato mais fundamental sobre a Bíblia e a principal
reivindicação dela acerca de si mesma.
Tal convicção de que o Espírito Santo é o autor primeiro das
Escrituras acarreta uma outra convicção, a saber, que a influência
superintendente do Espírito sobre as mentes dos escritores bíblicos garantiu
que escrevessem com precisão o que Deus queria. Assim, porquanto o Deus
da verdade pelo Espírito da verdade inspirou os escritores da Bíblia a
escrever o que ele queria que escrevessem, o efeito final foi um autógrafo ou
original inerrante. E se não conseguirmos reconhecer nas Escrituras a voz de
nosso Mestre falando sua infalível verdade a nós do mundo dele para o nosso,
destruir-nos-emos não somente epistemicamente, mas também pessoalmente,
posto que abandonaremos o único fundamento para a certeza de conhecimento
e a única “base significante” pela qual podemos verdadeiramente conhecer o
Único Deus infinito e pessoal e por esse meio conhecer a nós mesmos como
pessoas de dignidade e valor.​ [18]​
 
O PROCESSO REVELACIONAL
A Bíblia ensina que Deus se revelou ao povo “muitas vezes, e de
muitas maneiras ” (Hb 1.1,2).​ [19] As expressões nominais mais comuns no
Antigo Testamento para essa idéia revelatória são “a palavra de Iahveh [ou
Deus]” ([ ם ֱא˄ִהי ] ה יהו ְדַּבר , debar yhwh [ ’elōhîm ]), a qual ocorre vintenas de
vezes, e “a lei [de Iahveh]” ([ ה והי] ת תּוַֹר , tōraṯ [ yhwh ]), cujo significado
próprio é “instrução”, a qual, por seu turno, fortemente sugere “comunicação
divina oficial”. [20]​ O verbo vetotestamentário capital que expressa a idéia
revelatória é ה ָגָּל , gālâh, ocorrendo umas vinte e duas vezes, cujo significado
da raiz parece ser “nudez”, e que, quando aplicado à revelação, parece sugerir
a remoção de obstáculos à “percepção”, uma vez que freqüentemente se fala
do profeta como um “vidente” ( ה רֶֹא , rō’eh , ou ה חֹזֶ , ḥōzeh ) o qual “vê”
visões ( ה ַמְרֶא , marʼeh, ן ֲחזוֹ , ḥazôn , ת ָחזוּ , ḥāzûṯ, ן ִהזָּיוֹ , ḥizzayôn ) (ver Is 1.1;
2.1; 13.1; 29.10,11; Jr 38.21; Lm 2.14; Ez 1.3, 4; 13.3; Am 1.1; Mq 1.1; Hc
1.1; 2.1). [21]Ocasionalmente, o verbo ע יַָד , yāḏaʻ , em sua forma causativa
(“fazer conhecido”) é também empregado no sentido de “revelar” (Sl 25.4;
98.2). No Novo Testamento os grupos de palavras elementares para a idéia
revelatória são formados a partir dos
verbos ἀποκαλύπτω ( apokalyptō, “revelar”;
ver ἀποκάλυψις , apokalypsis, “revelação”)
e φανερόω ( phaneroō, “manifestar”; ver ἐπιφάνεια , epiphaneia,
“manifestação”). [22]​
O que foi isso que Deus revelou? Ele revelou (1) tanto sua existência e
algo de sua natureza quanto seus preceitos morais, através da natureza do
homem como imago Dei (Pv 20.27; Rm 2.15), (2) sua glória, na criação e na
natureza, de uma maneira não-proposicional (Sl 19.1, 3, NVI; Rm 1.20), e (3)
sua sabedoria e poder, tanto por meio de seus atos de providência ordinários
[23] quanto de seus poderosos atos na “história da salvação” ou
Heilsgeschichte (e.g., ver o tratamento indulgente para com a família de Noé
no dilúvio, o êxodo, a Encarnação, a cruz de Cristo e a ressurreição). Esses
“atos poderosos de Deus na história”, certamente, requeriam as explanações
proposicionais que sempre os acompanhavam (Amós 3.7) e sem os quais os
atos teriam sido deixados aos observadores desses interpretar da melhor
forma que pudessem. Realmente, mais de trinta e oito centenas de vezes os
escritores do Antigo Testamento introduzem suas mensagens com asserções
como “a boca do Senhor fala”, “o Senhor diz”, “o Senhor falou”, “ouça a
palavra do Senhor”, “assim me mostrou o Senhor”, “ou “a palavra do Senhor
veio a mim, dizendo” [24]​ Considere os seguintes dados. [25]​
 
Evidência do Antigo Testamento
Na Era Pré-patriarcal (Gn 1–11) Deus falou direta e
proposicionalmente a Adão, havendo aparentemente assumido uma forma
semelhante à humana para tal (Gn 2.16,17; 3.8), e entrou em pacto com ele,
prometendo a Adão grande bem-aventurança e impondo a sanção de morte em
caso de desobediência. Ele também falou a Caim (4.6–12), a Noé (6.13–21) e
a Noé e seus filhos (9.1, 8).
Nos Tempos Patriarcais (Gn 12–50) Deus novamente revelou suas
promessas pactuais e vontade preceptiva mediante teofanias (“o anjo do
Senhor,” [26] Gn 16.7–13; 28.13 [ver 31.11–13]; 32.22–32 [ver 48.15,16; Os
12.3,4]), e igualmente falou por intermédio de visões (Gn 12.7; 15.1, 12;
26.24; Jó 4.13; 20.8; 33.15) e de dois tipos de sonhos — sonhos em que
revelações diretas eram comunicadas (Gn 15.12; 20.3, 6; 28.12; 31.10, 11;
46.2), e sonhos simbólicos que exigiam interpretações divinas (Gn 37.5, 6, 10;
40.5–16; 41.1, 5). [27]​
No Período Mosaico (de Êxodo a Deuteronômio) Deus continuou a se
revelar por meio teofânicos (seu “anjo”, a sarça ardente, a coluna de nuvem e
fogo) e através de visões (Nm 22.20). Porém, o principal órgão da revelação
era o próprio Moisés, a quem Deus comissionou na sarça ardente para ser seu
porta-voz acreditado e, assim, um profeta singularíssimo na história de Israel
(Nm 12.6–8; Dt 18.18, Os 12.13). No mar Deus se revelou como o Deus do
concerto, salvando seu povo e julgando os inimigos desse. Várias vezes lemos
sobre Moisés registrando coisas que Deuslhe relatou (Ex 17.14; 24.4, 7;
34.27; Nm 33.2; Dt 31.9, 24; ver João 5.46,47). No monte, Moisés recebeu “o
livro da aliança” (Ex 24.7 — ת ַהְבִּרי ֵסֶפר , sēp̱er habberîth; ver também “o
livro da lei,” Dt 31.26), o qual era tido como de autoridade igual à do próprio
Moisés. Os Urim e Tumim do sumo sacerdote também se tornaram um meio
para discernir a vontade de Deus (Ex 28.30; Nm 27.21; 1 Sm 14.41, BJ; 28.6;
Ed 2.63; Ne 7.65), enquanto os levitas estavam comissionados para preservar
a Lei e ensiná-la (Dt 17.18; 31.9–13; ver Ml 2.5–7). Nesse período Moisés
escreveu o Salmo 90. Também nessa época vemos o espiritismo e a feitiçaria
expressamente proibidos como meios para se descobrir a vontade divina (Lv
19.26; 20.27; Dt 18.14).
Na Era da Conquista (de Josué a Rute) a Lei de Moisés permaneceu
sendo a autoridade de Israel (Js 1.7,8; 8.30–35; também chamado de “o livro
da lei de Deus,” Js 24.26), com Deus continuando a falar a Josué (Js 1.1, 5,
passim) e, por seu anjo, a juízes tais como Gideão (Jz 6.12). Ele também falou
por meio de um sonho a um soldado midianita (Jz 7.13–15).
Na grande Era dos Profetas (de Samuel a Malaquias; ver Atos 3.24)
Deus falou audivelmente a Samuel (1 Sm 3; ver ainda 1 Sm 10.25, ARC: “E
declarou Samuel ao povo o direito do reino, e escreveu-o num livro
[ ר ֵסֶפ , sēp̱er ], e pô-lo perante o Senhor”, o que sublinha o papel de Samuel
na inscrituração da revelação). Por seu turno, Samuel organizou escolas ou
guildas de profetas (1 Sm 10.5–11) que deviam suplementar a Palavra de Deus
dada por Moisés, instruir Israel nos caminhos de Deus, e agir como guardiães
da teocracia. Também nesses “estabelecimentos similares a claustros,
dedicados à religião e ao aprendizado”, [28] os profetas estudavam a lei
revelada de Deus, conservavam um registro da história de Israel, [29] e
dispunham da preservação de seus próprios escritos proféticos.
Durante o tempodo reino unido Deus falou a Davi (1 Sm 23.2–4) e a
Salomão (1 Reis 3.5; 9.2; 2 Cr 7.12) através de Profetas tais como Natã (2 Sm
7.4–17; 12.1–14; 1 Cr 17.3), através dos (no mínimo) setenta e três salmos de
Davi [30] e os dois salmos de Salomão, e finalmente através da literatura
sapiencial de homens piedosos e sábios. [31] Foi também nesse período que
foi estabelecida uma distinção clara entre revelação especial e revelação
geral (ver Sl 19).
Durante o período do reino dividido, antes da época dos grandes
profetas escritores, Deus falou por intermédio de profetas tais como Aías (1
Reis 11.29–39; 14.6–16), Semaías (1 Reis 12.22–24), Elias (mas veja 2 Cr
21.12–19 para obter uma profecia escrita por Elias), Micaías (1 Reis 22.17–
28), e Eliseu (2 Reis 2–13), os quais fizeram tanto vaticínios de curto (e.g., 1
Reis 17.1, esses para autenticar rapidamente a instituição profética em Israel
como genuinamente proveniente de Deus) quanto de longo prazo (e.g., 1 Reis
13.2).
Então, desde o século nono até o século quinto Deus falou em visões
aos assim chamados profetas escritores — Obadias e Joel (profetas do século
nono), Jonas, Amós, Oséias, Miquéias e Isaías (profetas do século oitavo),
Naum, Sofonias, Habacuque e Jeremias (profetas do século sétimo), Daniel,
Ezequiel, Ageu e Zacarias (profetas do século sexto), e a Malaquias (um
profeta do século quinto). Ele também falou por sonhos a Nabucodonosor e
Daniel (Dn 2.1, 3, 19, 26; 4.5; 7.1; ver ainda Jr 23.25, 28, 32; 27.9; 29.8; Zc
10.2).
Visto como esses profetas transmitiam a mensagem de Deus para o
povo, embora tudo o que dissessem era em última análise de Deus (ver 2 Tm
3.16; 2 Pe 1.20,21), muitas vezes o fator divino sobrepujava tanto o fator
humano que o segundo praticamente saía de vista. Segundo observa Louis
Berkhof:
A palavra profética [amiúde] começa falando de Deus na terceira pessoa, e em seguida, sem
indicação alguma de transição, continua na primeira pessoa. As palavras de abertura são palavras
do profeta, e então, súbita e inesperadamente, sem qualquer preparação do leitor para uma
mudança, o autor humano simplesmente desaparece de vista, e o autor divino aparentemente fala
sem intermediário algum, Is 19.1, 2; Os 4.1–6; 6.1–4; Mq 1.3–6; Zc 9.4–6; 12.8, 9. Deste modo, a
palavra do profeta passa direto para aquela do Senhor sem qualquer transição formal. As duas são
simplesmente amalgamadas, provando assim serem uma só. [32]​
O Antigo Testamento também fornece evidência de que Deus instruiu
claramente vários profetas para preservar em forma escrita as revelações que
lhes estava dando (ver 1 Cr 29.12, 19; Is 8.1; 30.8; Jr 25.13; 30.1,2; 36.2,
27,28; Ez 24.1, 2; 43.11; Dn 9.2; 12.4; Hc 2.2; ver também aqui 2 Tm 3.16; 2
Pe 1.20,21), justificando a inferência de que agiu dessa maneira com todos os
seus profetas escritores.
Os profetas igualmente falam da mão do Senhor estando sobre eles de
um tal jeito que eram constrangidos — algumas vezes contrariamente ao
desejo natural deles (Ex 3.11; 4.10, 13; Jr 1.6) — a proclamar a mensagem
divina (Is 8.11; Ez 1.3; 3.22; 37.1). Jeremias exprimiu a santa compulsão que
sentia para falar a mensagem de Deus nestas palavras: “Isso [a palavra divina]
foi no meu coração como fogo ardente, encerrado nos meus ossos; e estou
fatigado de sofrer e não posso. ל אוָּכ ְו˄א , welōʼ ʼûc̱āl ]” (Jr 20.9, ARC).
Em todo esse período de esfacelamento do reino um mui patente
processo de inscrituração da Palavra divina estava também acontecendo, com
cada livro bíblico desse período, assim inscriturado, tornando-se um
documento pactual ou do reino dado ao povo de Deus na história da redenção,
com os profetas posteriores freqüentemente reconhecendo os escritos
proféticos como falando com autoridade absoluta e citando-os como a palavra
de Deus (ver Jl 2.32 e Ob 17; Am 1.2 e Jl 3.16; Jr 26.18 e Mq 3.12; Jr 49.14–
22 e Ob, passim; Ez 14.14, 20; Dn 9.2 e Jr 29.10; Zc 7.12; Ml 4.4).
Sem dúvida, foi também nesse período dos grandes profetas que os
doze salmos de Asafe, os dez salmos dos filhos de Coré, o salmo de Etã, o
ezraíta, foram compostos e adicionados ao Saltério de Israel.
Podemos agora sumarizar o conceito de revelação na época do Antigo
Testamento:
1. Deus se revelou no contexto da “história da redenção” (história em
que agiu em misericórdia e julgamento para redimir seu povo).
2. Tal “história da redenção” foi estruturada por vários concertos que
Deus celebrou com Adão, Noé, Abraão, Israel (tanto no Sinai quanto nas
Planícies de Moabe) e Davi, e pelo prometido novo concerto de
Jeremias 31, cada pacto erigindo-se sobre os que o precederam à
medida que Deus levava a cabo seu propósito salvífico.
3. Essa história pactualmente estruturada, por sua vez, forçosamente
acarretou e foi servida pela comunicação verbal da verdade
proposicional, asserções às vezes, de modo imediato, por meio de e
proveniente de Deus mesmo, às vezes de modo imediato por pessoas
autorizadas, autenticadas e inspiradas por ele. [33]
4. Essa atividade revelatória que acompanhava e servia à atividade
redentora de Deus era necessariamente progressiva, possuindo sua
progressividade um caráter orgânico, ou seja, uma perfeição em todo
estágio (reside aí uma razão pela qual os profetas posteriores não
hesitavam em citar os profetas anteriores). [34]​
5. Tais revelações vieram por meio de teofanias, sonhos e visões que
acompanhavam e explicavam a atividade redentora de Deus, mas
culminaram na Era Mosaica e cada era seguinte na progressiva
“inscrituração” da Palavra de Deus. Certas descrições neo-
testamentárias do Antigo Testamento são notáveis no sentido de
sugerirem que os escritores do Novo Testamento viam o Antigo como um
corpo literário fixado e acreditado: “a lei e os profetas” ( ὁ νόμος καὶ οἱ
προφῆται , ho nomos kai hoi prophētai )Lc 16.16; “Moisés e os
profetas” ( Μωϋσέα καὶ τοὺς προφῆτας , Mōusea kai tous prophētas )Lc
16.29; “a Lei de Moisés, os Profetas, e os Salmos” ( τῷ νόμῳ Μωϋσέως
καὶ τοῖς προφῆταις καὶ ψαλμοῖς , tō nomō Mōuseōs kai tois prophētais
kai psalmois ) Lc 24.44; a “Lei” ( τῷ νόμῳ , tō nomō [uma citação dos
Salmos]) Jo 10.34; “a Escritura” ou “as Escrituras” ( ἡ γραφή , hē
graphē, αἱ γραφαί , hai graphai ) Jo 10.35; Rm 9.17; Lc 24.27; “santas
escrituras” ( γραφαῖς ἁγίαις , graphais hagiais ) Rm 1.2; os “oráculos
de Deus” ( τὰ λόγια τοῦ θεοῦ , ta logia tou theou ) Rm 3.2, ARC;
“oráculos de vida” ( λόγια ζῶντα , logia zōnta ) At 7.38, Almeida;
“Escrituras proféticas” ( γραφῶν προφητικῶν , graphōn prophētikōn )
Rm 16.26, Almeida; [35] e “as sagradas Escrituras” [ τὰ ] ἱερὰ
γράμματα , ( [ta] hiera grammata ) 2 Tm 3.15.
6. A leitura e o ensinamento público da Palavra de Deus acompanhou
a sua inscrituração, de sorte que a Palavra de Deus pudesse ser
conservada diante do povo como sua revelação perpétua a esse (Js
8.30–35; Ne 8.1–18; Ml 4.4–6).
 
Evidência do Novo Testamento
1. Na era neo-testamentária (um período de tempo muito mais curto do
que aquele do Antigo Testamento, cobrindo apenas cem anos,
aproximadamente), Deus reinaugurou o processo revelatório que havia
cessado com Malaquias. As primeiras mensagens foram as palavras de
Gabriel a Zacarias e Maria (Lc 1.13–20, 28–37) e cinco sonhos sobrenaturais 
a José e aos magos (Mt 1.20; 2.12, 13, 19, 22).
2. Posteriormente Deus falou através de João Batista, com Lucas 3.2
relatando a emergência da revelação com João em palavras que faziam
paralelo à fórmula vetotestamentária: “veio ... a palavra de Deus a João”
( ἐγένετο ῥῆμα θεοῦ ἐπὶῙωάννην , egeneto rhēma theou epi Iōannēn ).
3. Em seguida ele revelou sua glória, graça e verdade de modo mais
pessoal e direto em seu Filho encarnado que é a Palavra [o Verbo] [36] de
Deus (Jo 1.1, 14, 17; 17.3–8; Hb 1.1,2) — cuja pessoa manifestava o nome e a
natureza de Deus (Jo 17.6), cuja obra revelava a obra de Deus (Jo 17.4), e
cujas palavras revelavam as palavras deDeus (Jo 12.44–50; 17.8).
4. Finalmente, na era apostólica Deus proveu a explicação dessa
“revelação do Filho” por sua “revelação da Palavra [Verbo]” através dos
apóstolos e profetas de Cristo (Jo 16.12–15; 1 Ts 2.13; 1 Co 2.13; 12–14; Ef
3.5; 2 Pe 3.15,16). [37]​
Podemos sumarizar o conceito de revelação na era do Novo
Testamento com mais seis pontos:
1. Nos Evangelhos, Cristo, a Palavra [Verbo] encarnada, a quem João
anunciava como o Messias do Antigo Testamento, alega ter autoridade
suprema, definitiva e absoluta, a autoridade do próprio Senhor Deus (ver
Mt 9.2; 11.27; 28.18; Lc 21.33).
2. Nos Evangelhos, Cristo chama, equipa e envia para vários lugares
apóstolos para falarem e agirem com a autoridade dele, e provê para o
seu contínuo testemunho acreditado (Lc 6.13; 9.1–6 [aqui eles são
designados para um “estágio” no exercício dessa autoridade], Jo
14.25,26; 16.12–15; 17.20 [aqui eles são assegurados de que não
precisam confiar nas próprias memórias para o conhecimento e a
exatidão; o Espírito Santo auxilia-los-á; aqui também, como
missionários da igreja, devem ir adiante como “plenipotenciários”,
tendo a autoridade dele]).​ [38]​
3. No período do Novo Testamento, acompanhando a ressurreição e
ascensão de Cristo, os apóstolos são autenticados como representantes
autorizados pelas “marcas do apóstolo” (At 5.12; 2 Co 12.12; Hb 2.4).
4. O testemunho apostólico, o qual era, em primeiro lugar e na maior
parte oral, culminou progressivamente na tradição apostólica escrita, a
qual, por sua vez, tornou-se peremptória e normativa na igreja para a fé
e a prática (1 Ts 2.13; 5.27; 2 Ts 2.15; 3.6, 14; 2 Co 10.8; 13.10; Ef 3.1–
4; Cl 4.16; 1 Jo 1.1–4; 4.6; Jo 20.30,31).
5. A igreja recebeu esses escritos apostólicos como estando em pé de
igualdade com as Escrituras do Antigo Testamento (explicitamente
afirmado em 1 Tm 5.18 [ver Lc 10.7]; 2 Pe 3.16; implicitamente
declarado em 1 Ts 5.27; Cl 4.16; 1 Tm 4.13; Ap 1.3). [39]​
6. A igreja pós-apostólica não “canonizou” as Escrituras do Novo
Testamento mas somente declarou que ela os tinha recebido como
dogmáticas e, assim, normativas desde o início como um corpo de
literatura inspirado. A mais primitiva lista contendo apenas os vinte e
sete livros do Novo Testamento ocorre em uma carta de Atanásio em 367
d. C.; o primeiro concílio para confirmar os vinte e sete livros do Novo
Testamento foi o Terceiro Concílio de Cartago, em 397 d.C.
Antecipando-se a uma questão que será tratada mais completamente no
capítulo três, a saber, a cessação da revelação especial, é importante notar
aqui que o processo revelatório, que produziu nossos Antigo e Novo
Testamento não fluiu ininterruptamente. Entre Gênesis 49.27 e Êxodo 2.1
pouco mais de quatrocentos anos correram quando houve um “blecaute” da
comunicação divina à família de Jacó no Egito. Então, com o falecimento de
Malaquias, o último dos profetas do Antigo Testamento, um outro “blecaute”
de quatrocentos anos sobreveio antes de o anjo Gabriel aparecer a Zacarias, o
sacerdote, começando assim o período de revelação do Novo Testamento.
Semelhantes “blecautes” revelacionais anteriores devem nos preparar para a
naturalidade do “blecaute” revelacional que tomou lugar desde o fechamento
do cânon do Novo Testamento.
 
A OBJEÇÃO NEO-ORTODOXA
Em nosso século registrou-se uma certa objeção sofisticada contra a
idéia toda de uma revelação verbal. Tal objeção afirma que a verdade
religiosa por sua própria natureza sempre será verdade existencial – isto é, a
“verdade para mim” subjetiva, o existente humano. É dito que, porque a
linguagem escrita ou falada é sempre apanhada na teia da relatividade
histórica, ela é inadequada como condutora de verdade religiosa para
satisfazer a demanda subjetiva da alma por certeza religiosa; serve, na melhor
das hipóteses, como um Hinweis — um indicador — para “o encontro da
verdade existencial” que jaz por trás e é denotado pelas reais palavras das
Escrituras e experimentado não-verbalmente pelo existente humano. Em
outras palavras, nunca a revelação é proposicional mas apenas pessoal,
sempre, nos termos do “evento Cristo”, pois só Cristo é a Palavra [Verbo] de
Deus. A Bíblia vira, pois, a testemunha humana falível do Verbo de Deus, e o
Espírito Santo inspira, não a Bíblia, mas a “fé”, recriando o “evento Cristo”
em nós existencialmente. É o crente que é em realidade “inspirado”. [40]​​
Tal é o pronunciamento dogmático da neo-ortodoxia clássica. Como
uma faceta daquela impressionante empresa dos anos 1920, 1930 e 1940, ele
toma seu lugar na visão mais ampla daquela novidade teológica que, sob a
influência da distinção kantiana entre as esferas “fenomenal” e “noumenal”,
[41] defendia a “distinção qualitativa entre Deus e o homem, entre a
eternidade e o tempo”. Immanuel Kant (1724–1804) argumentara que a esfera
fenomenal, o mundo das aparências, era controlado pela razão pura, enquanto
a esfera noumenal era a esfera de Deus, da liberdade e da fé, sendo governada
pela razão “prática”. Conseqüentemente, os teólogos neo-ortodoxos
afirmavam que, embora a eternidade pudesse “tocar” o tempo qual uma
tangente toca um círculo, jamais poderia adentrar o tempo. Embora seja bem
verdade que Deus “fale” existencialmente aos homens, essa “revelação”
sempre se oculta fora e atrás da história no que os proponentes de tal tese
referiam-se como história “primal” (Urgeschichte), e ela nunca deve ser
identificada com as palavras da Bíblia ou qualquer outro livro no sentido A =
A da palavra. Em uma palavra, tal objeção considera a Bíblia como um
(imperfeito) registro da revelação de Deus aos seres humanos, mas não a
revelação em si mesma. A revelação é sempre uma teofania direta não-verbal
fora da história ordinária, e a verdade religiosa é sempre verdade pessoal ou
existencial – o efeito de um encontro crise existencial (o “evento Cristo”)
entre Deus e o existente humano individual.
Eu diria pelo menos três coisas em resposta a essa objeção à doutrina
protestante histórica das Escrituras como a própria Palavra de Deus. [42]
Primeiro, seja o que for que alguém pessoalmente ache sobre o caráter verbal
ou proposicional da revelação especial, deve ao menos aceitar que a própria
Escritura afirma que uma forma – uma forma deveras significante – da
revelação divina assumiu precisamente esse caráter. James Barr, ele mesmo,
certamente, não amigo da doutrina evangélica da Escritura, bem o admite em
seu livro Old and New in Interpretation. Em um apêndice a esse livro
intitulado “A Note on Fundamentalism,” Barr observa: “Nas teologias
revelacionais modernas [por esse termo ele alude às teologias neo-ortodoxas],
é um argumento demasiadamente usado contra o fundamentalismo [por esse
termo ele alude à teologia evangélica] dizer que ele depende de um ponto de
vista proposicional da revelação, embora a visão correta da revelação seja de
encontro, eventos, histórias ou assemelhados”. [43] Contudo, Barr acredita
que a posição de alguém deve estar baseada em “uma exegese dos textos como
eles são” [44] e desse modo é compelido a reconhecer que os evangélicos
lêem sua Bíblia da forma correta:
Até o ponto em que é de todo bom usar o termo “revelação”, é inteiramente verdadeiro, tanto
dizer que no Antigo Testamento a revelação se dá pela comunicação verbal quanto que ela é por
atos na história. Temos a comunicação verbal no fato de Deus falar diretamente com os homens e
de que os homens aprendem dos outros e dos homens mais velhos através da forma verbal da
tradição. Quando falamos da natureza altamente “pessoal” do Deus do Antigo Testamento, é mui
grandemente sobre esse caráter verbal de sua comunicação com o homem de que somos
dependentes. Os atos de Deus são significantes porque são postos dentro dessa estrutura de
comunicação verbal. Deus conta o que está fazendo, ou conta o que vai fazer. Ele nada faz sem
contar a seus servos, os profetas (Amós 3.7). Um Deus que agiu nahistória seria um fado
misterioso e supra-pessoal se a ação não estivesse ligada à essa conversação verbal.… [45]​
Há alguma relutância em encarar o fato dessa comunicação verbal porque supõe-se que um
problema apologético seja acarretado. Julgamos que não podemos imaginar comunicação verbal
entre Deus e o homem, e preocupamo-nos com as terríveis conseqüências que se seguiriam na
Igreja, e do sério estrago à racionalidade de nossa apresentação do cristianismo, caso fosse
admitido que tal comunicação verbal é importante.
Mas, em primeiro lugar, essas considerações apologéticas não nos devem impedir de falar
historicamente acerca do caráter da literatura antiga. Quando falamos da importância da
comunicação verbal, estamos falando como eruditos histórico-literários sobre o caráter da
literatura e as formas de expressão que ela revela. Pode bem ser que os eruditos históricos não
consigam dar um relato adequado de tais fenômenos; porém, podemos procurar dar dar um relato
adequado de como eles deveriam ser compreendidos, e da maneira em que eles dominam as
formas-padrões da literatura.[46] ​
… Podemos expressar a matéria deste modo: que, sejam quais forem os atos e encontros que
formavam a experiência do homem com Deus no Antigo Testamento, a forma tangível que elas
tomam é a enunciação verbal, lingüística e literária. É isso que provê o conteúdo de todos os atos
e encontros, e provê a distinção entre um e outro e os elementos do propósito e da vontade
pessoal. Destarte, a experiência de Israel e seus profetas e outros cristaliza-se na forma de frases
e complexos literários que são a forma articulada (e assim a forma cognoscível) da maneira em
que Deus se relaciona com eles. [47] ​
Em seu artigo “Revelation Through History in the Old Testament and in
Modern Theology,”​ [48]​ Barr declara tal convicção com força até maior:
Chegamos àqueles textos que suprem os exemplos básicos para a idéia de revelação através da
história, tal como a narrativa de Êxodo. Se você trata esse registro como revelação através da
história, você normalmente fala como se a base fosse a realização de certos atos divinos (o que,
exatamente, eles eram é muitas vezes difícil de se determinar), enquanto a forma presente da
tradição em seu detalhe e circunstancialidade é “interpretação” desses atos, ou “meditação” sobre
eles, ou reflexão teológica induzida por eles. Desse modo pode-se ouvir a grande passagem
revelatória de Êxodo 3 descrita como “interpretação” desse ato de salvação divino, ou como uma
inferência do fato de que Deus tinha levado Israel para fora do Egito.
Mas não posso fazer esse esquema ajustar-se aos textos, pois esse não é o modo com que os
textos descrevem os eventos do Êxodo. Longe de representar os atos divinos como a base de todo
conhecimento de Deus e toda comunicação com ele, eles representam Deus como livremente
comunicando-se com homens, e particularmente com Moisés, antes, durante e depois de tais
eventos. Longe de o incidente na sarça ardente ser uma “interpretação” dos atos divinos, é uma
comunicação direta de Deus a Moisés de seus propósitos e intenções. Essa conversação, em vez
de ser representada como uma interpretação do ato divino, é uma pré-condição dela. Se Deus não
tivesse contado a Moisés o que ele fez, os israelitas não teriam querido escapar do Egito, e o
livramento no Mar dos Juncos não teria acontecido.
Podemos arrazoar, certamente, de um ponto de vista crítico, que os relatos de tais diálogos
surgiram na verdade como inferência de um ato divino já conhecido e crido, e para isso pode haver
boas razões. Tudo o que quero dizer é que, se nós fazemos isso, fazemo-lo sobre bases críticas e
não bíblicas, pois não é dessa maneira que a narrativa bíblica descreve os eventos.… [49] ​
Comunicação direta [entre Deus e os homens] é, creio eu, um fato inescapável da Bíblia e do
Antigo Testamento em particular. Deus pode falar mensagens verbais específicas quando quer,
para os homens de sua escolha. Mas para isso, se seguirmos a forma com que o Antigo
Testamento explica os incidentes, não teria havido nenhuma vocação de Abraão, nenhum Êxodo,
nenhuma profecia. Comunicação direta de Deus ao homem tem todo o direito a ser denominada o
cerne da tradição quanto o tem a revelação mediante eventos na história. Se persistirmos em dizer
que essa comunicação específica direta deve estar subsumida debaixo da revelação através de
eventos na história e tomada como interpretação subsidiária da segunda, eu direi que estamos
abandonando a própria apresentação bíblica da matéria por uma outra que seja apologeticamente
mais confortável.
E quero aqui, se posso utilizar uma locução deselegante, citar um blefe particular. É
freqüentemente exposto a nós nos tempos modernos que há um “escândalo” na idéia de revelação
através da história [o leitor deve perceber que, da perspectiva neo-ortodoxa, é esse “escândalo”
que é o “escândalo” do evangelho que desafia a mente moderna e assim é uma coisa-autor
desejável], e que a aceitação dela é algo seriamente difícil para a mente moderna, incluindo até a
dos teólogos. O contrário me parece ser obviamente o caso. … A razão por que utilizamo-lo tanto
é o próprio inverso: longe de ser uma pedra de tropeço central a nossas mentes, é algo que usamos
porque é uma idéia prontamente aceitável dentro de nossa situação teológica; assim, trata-se de
uma coisa que, em nosso emprego da Bíblia, capacita-nos a mitigar a dificuldade dos elementos
que são na verdade infinitamente mais escandalosos, elementos tais como a comunicação verbal
direta da qual estou falando, ou predição profética, ou milagres. [50]​
O que Barr está basicamente dizendo é que o acadêmico neo-ortodoxo
deve admitir que a concepção de revelação esposada pelo evangélico é a
concepção da própria Bíblia e que sua rejeição do “ponto de vista
evangélico” está baseada em fundamentos filosófico-críticos extrabíblicos
com os quais ele está confortável, em vez de fundada sobre fundamentos
bíblicos.
Segundo, a base epistemológica que a neo-ortodoxia oferece para
justificar sua reivindicação de conhecimento religioso possui tudo da fraqueza
de toda teologia “salto de fé”, especificamente, o radical subjetivismo e
irracionalidade inerentes a toda experiência religiosa não-verbal. O existente
religioso humano que queira esposar as teses epistemológicas da neo-
ortodoxia nunca pode estar certo de que o encontro religioso subjetivo não-
verbal a respeito do qual se ufana foi com Deus e não com sua própria
consciência subjetiva, quando não com o próprio Satanás. Como ele sabe se é
uma experiência religiosa verdadeira e não falsa? Que motivo pode ele
oferecer para justificar sua explanação verbal de sua experiência religiosa
não-verbal? E por que alguém deve acreditar nele?
Finalmente, note o julgamento que a história mais recente da teologia
tem dado a respeito dessas conclusões. O que aconteceu com a neo-ortodoxia
clássica? Depois do radical bultmannismo dos anos 1940 e 1950 terem levado
as implicações epistemológicas neo-ortodoxas a suas conclusões lógicas
negando, por meio de seu programa de “desmitologização” do Jesus do Novo
Testamento, a própria possibilidade de descobrir quaisquer fatos históricos
significantes sobre ele, e por praticamente transformar a teologia em uma
antropologia existencial heideggeriana, ela mesma foi deslocada pela “nova
investigação” dos anos 1960, 1970 e 1980 pelo Jesus histórico. [51] Uma
visão teológica que dizia muito acerca dos poderosos atos de Deus na história
mas rejeitava identificar qualquer evento histórico como um ato de Deus, que
falava muito acerca do Cristo da fé mas rejeitava identificar Jesus de Nazaré
diretamente com esse Cristo em um ponto sequer, e que falava muito a respeito
da Palavra de Deus ao homem mas se recusava a identificar a Bíblia ou
qualquer outro livro diretamente com essa Palavra de Deus não podia inflamar
a imaginação por muito tempo nem responder às duras perguntasdas pessoas
pensantes. E um evangelho cujo Cristo é um “fantasma”, cuja cruz é meramente
um símbolo, e cuja ressurreição ocorre apenas na “história primal” e não na
história real onde as pessoas experimentam dor e morte e anelam por
libertação simplesmente não tem capacidade de resistência alguma. Crescente
intranqüilidade precisamente com tal ausência de elemento histórico na neo-
ortodoxia provocou o ímpeto por trás da “nova investigação pelo Jesus
histórico” sendo presentemente conduzida por muito da cultura crítica do
Novo Testamento pós-bultmanniana. E é uma crítica berrante sobre quão mal a
neo-ortodoxia, com seu conceito de revelação como não-histórica e
existencial, tem se dado para notar que, ao passo que Bultmann intitulou sua
existencial “vida de Jesus” em 1926 simplesmente de Jesus, Günther
Bornkamm, um de seus estudantes, intitulou a sua “vida de Jesus” de 1956,
Jesus of Nazareth, a qual, malgrado seu conteúdo nada mais ser que não um
retorno à ortodoxia, reflete a extraordinária mudança para longe das teologias
existenciais que dominaram a cena acadêmica algumas décadas atrás.
É ainda bíblico insistir que Jesus Cristo é a Palavra [Verbo] encarnada
de Deus, a suprema revelação de Deus, e não um vago “evento” que ocorre em
um encontro pessoal não-verbal. [52] E é apropriado ainda ensinar que a
Bíblia é a (proposicional) Palavra de Deus escrita, divinamente inspirada e,
por conseguinte, infalível. E o Espírito Santo tanto inspirou a Bíblia quanto
cria fé salvífica nos redimidos, iluminando-os no tocante, tanto à natureza da
própria Escritura quanto da mensagem dessa para eles.
OBJEÇÃO DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM
Uma segunda objeção moderna à idéia de uma revelação verbal ou
proposicional de Deus aos seres humanos argumenta que a linguagem é
simplesmente inadequada como veículo de comunicação pessoal e certamente
incapaz de expressar verdade literal acerca de realidades transcendentes. Esta
objeção – arraigada no ceticismo positivista do presente – encontra expressão
em poetas como Gertrude Stein, romancistas como Franz Kafka, dramaturgos
como Samuel Beckett e filósofos tais como Ludwig Wittgenstein e A. J. Ayers.
Também encontra expressão nas mui difundidas idéias religiosas orientais
(tais como o taoísmo) que sublinham a inexpressibilidade de Deus.
Tal objeção, naturalmente, tem seus problemas, sendo o primeiro deles
o que Vern S. Poythress denomina o problema do valor. Ele pergunta:
Sobre que base devemos fazer julgamentos sobre adequação e inadequação … ? O que podemos
querer ao dizer que a linguagem humana é inadequada para falar a respeito de Deus … ? De que
maneira é ela “inadequada”? E esperamos que falar sobre Deus … seja semelhante a quê?
Nossas próprias expectativas e definições de “adequação” saem de cara com preferências,
desejos, padrões e quiçá decepções com metas que estabelecemos mas não são alcançadas. De
onde esperamos que esses valores provenham? Se Deus é Senhor, devemos conformar nossos
valores aos padrões dele. Sendo assim, há algo intrinsecamente revoltoso em avaliar
negativamente a linguagem bíblica [por sua inadequação como “fala de Deus”]. [53]​
Poythress destaca um segundo problema epistemológico:
Como o discordante obtém o necessário conhecimento acerca de Deus, da verdade e das culturas
a fim de fazer um juízo acerca da adequação da linguagem para expressar teologia e verdade, bem
como para efetuar comunicações entre culturas diversas? Como ele faz isso quando ele mesmo
está grandemente limitado pelas capacidades de sua própria língua e cultura? [54]​
Uma radical variante dessa objeção afirma que a linguagem humana é
incapaz de expressar a verdade literal sobre qualquer coisa. [55] Um
partidário dessa teoria, Wilbur Marshall Urban, escreve que “falando
estritamente, não há coisa tal como verdade literal em nenhum sentido
absoluto. … Não há frases estritamente literais … não há coisa tal como
verdade literal … e qualquer expressão na linguagem contém algum elemento
simbólico.” [56] Urban insiste em que ter verdade totalmente simbólica “é
realmente impossível dada a própria natureza da linguagem e da expressão. Se
houvesse coisa tal como uma verdade totalmente não-simbólica, ela não
poderia ser expressada”. [57]​​
Essa teoria da linguagem está baseada na premissa de que a linguagem
humana originou-se dos guinchos e grunhidos dos animais. As primeiras
palavras então faladas eram supostamente substantivos ou nomes produzidos
pela imitação do som que um animal ou uma queda d'água produziam; ou, se o
objeto não fazia barulho algum, algum método mais arbitrário era usado para
apor a ele um substantivo. Porém, em todos os eventos, a linguagem tinha uma
origem totalmente sensorial; todos os termos, possuindo sua origem imediata
em impressões sensoriais, extraem seu sentido do mundo sensorial.
Conseqüentemente, toda linguagem é simbólica. Os sentidos literais,
particularmente para a metafísica, são impossíveis porque as palavras jamais
podem ser completamente destacadas da origem sensorial deles.
O que se deve dizer no tocante a uma tal teoria radical? Primeiramente,
uma semelhante teoria da linguagem é autodestrutiva. Para demonstrar isso,
deve-se somente perguntar ao proponente da teoria, que teoria ele expressou
na linguagem, “A tua teoria da linguagem, como tu a declaras, é literalmente
verdadeira?” Se ele afirmar que ela é, precisa-se apenas perceber que, se a
declaração dele da teoria é literalmente verdadeira, a teoria é falsa em si
mesma, pois enquanto proposição exposta em linguagem ela contradiz e assim
falsifica a própria asserção que faz – a saber, que a linguagem não pode
exprimir a verdade literal. Se ele retorquir que sua enunciação da teoria é a
única exceção à tese que propõe, pode-se novamente insistir que tal asserção
em causa própria ainda anula a teoria. Contudo, se ele afirma que sua
declarada teoria não é literalmente verdadeira, pode-se simplesmente rejeitá-
la, e esse é o fim do negócio. Se ele replicar que, embora a afirmação da
teoria dele não seja literalmente verdadeira, ela é (de acordo com a própria
teoria) simbolicamente verdadeira, pode-se apenas perguntar,
“Simbolicamente verdadeira do quê?” Visto que qualquer coisa que ele disser
em resposta, segundo o próprio ponto de vista dele, só pode ser
simbolicamente verdadeiro de algo mais, e assim por diante, ad infinitum, seu
regresso explanatório simbólico infinito torna impossível o esforço do teórico
para justificar sua primeira asseveração (“A teoria é simbolicamente
verdadeira”).
Segundo, em um nível prático, ninguém pode realmente viver
confortavelmente com o conceito de que a linguagem não pode comunicar
verdade literal. Homens e mulheres discursam todo dia ao redor do mundo em
situações políticas, econômicas e sociais. Eles tencionam, exceto pelo uso de
óbvias figuras de linguagem tais como metáforas (as quais quando
interpretadas têm em mente a verdade literal), que a linguagem deles seja
entendida e recebida como literalmente verdadeiras por seus ouvintes. Por sua
vez, presumem que as palavras faladas a eles serão normalmente verdadeiras
de modo literal. Se as pessoas não compreendem o que uma outra quer dizer,
pedem esclarecimento, e se têm razão para suspeitar da autenticidade das
palavras a elas faladas, há meios a disposição delas (interrogatório da parte
pelo lado oponente) para provar a veracidade ou falsidade delas. Em outras
palavras, a maioria das pessoas simplesmente não supõe que a linguagem
esteja sobrecarregada com tantas dificuldades teóricas a respeito “do que é
para ser expressado” que seu valor como veículo para a verdade literal é
reduzida a zero, isto é, que seus esforços verbalizadores estejam tão
carregados de símbolos ambíguos que suas palavras não possam expor o que
eles querem literalmente dizer. John M. Frame entra em detalhes sobre tal
consideração e aplica as conclusões dele à questão da autoridade
escriturísticas:

Outros materiais