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Fernanda Dalberto MINHA CASA MINHA VIDA, UM ESTUDO DE CASO: O CONJUNTO RESIDENCIAL EMÍLIO BOSCO NO MUNICÍPIO DE SUMARÉ/SP CAMPINAS 2015 ii UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA Fernanda Dalberto MINHA CASA MINHA VIDA, UM ESTUDO DE CASO: O CONJUNTO RESIDENCIAL EMÍLIO BOSCO NO MUNICÍPIO DE SUMARÉ/SP Monografia apresentada à Comissão de Graduação do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas, sob orientação da Profa. Dra. Mariana Fix na área de pesquisa Desenvolvimento e Políticas Públicas. CAMPINAS 2015 iii Resumo: Na periferia do capitalismo, a urbanização é o resultado de processos em que se alimentam as contradições específicas da condição de subdesenvolvimento. As heterogeneidades estruturais, oriundas de um passado colonial, se reproduzem e tomam novas formas no decorrer da história. As cidades no Brasil refletem e reproduzem a desigualdade social formada na esfera da produção. A política habitacional, por sua vez, está condicionada às conjunturas econômicas e ao acesso aos fluxos de capitais externos. O MCMV atinge a população de baixa renda, essa historicamente não atingida pela política habitacional, porém o programa apresenta fragilidades, reproduzindo e criando novos problemas. O caso do Conjunto Emílio Bosco, localizado no município de Sumaré, e destinado à faixa de menor renda, exemplifica algumas dessas questões, principalmente relacionadas ao acesso às infraestruturas da cidade e da geração de novos gastos que pesam no orçamento familiar. Palavras chave: Política habitacional; Urbanização; Periferia; Programa Minha Casa Minha Vida; Conjunto Emílio Bosco. Abstract: On the periphery of capitalism, urbanization is the result of a process that feeds on specific contradictions from the condition of underdevelopment.. Structural heterogeneity, coming from a colonial past, have reproduced and taken new forms throughout history. Cities in Brazil reflect and reproduce the social inequality formed on the sphere of production. The housing policy, is subject to economic situations and access to external capital flows. The 'MCMV' program reaches the low-income population (0-3 minimum wages), that were historically not affected by the housing policy. But the program has it´s weaknesses, reproducing and creating new problems. The case of 'Emilio Bosco', located in Sumaré and destinates to the lower income families exemplifies these questions , mainly related to access to infrastructure of the city. Key-words: Housing Policy; Urbanization; Periphery; 'Minha Casa Minha Vida' Program; Emílio Bosco. iv Lista de Gráficos: Gráfico 1: Números do Minha Casa Minha Vida ........................................................ 27 Gráfico 2: Conjunto Emílio Bosco - Origem das Famílias .......................................... 36 Gráfico 3: Conjunto Emílio Bosco - Faixa etária dos primeiros titulares .................... 36 Gráfico 4: Conjunto Emílio Bosco - Grau de escolaridade do primeiro titular ............37 Gráfico 5: Conjunto Emílio Bosco - Grau de escolaridade do Cônjuge ...................... 37 Gráfico 6: Conjunto Emílio Bosco - Situação de emprego .......................................... 37 Gráfico 7: Conjunto Emílio Bosco - Renda Familiar ................................................... 38 Gráfico 8: Conjunto Emílio Bosco - Quantidade de pessoas por família ..................... 39 v Lista de Figuras: Figura 1: Mapa da Região Metropolitana de Campinas ............................................. 30 Figura 2: Mapa do Município Subdividido em Regiões ............................................. 30 Figuras 3: Conjunto Residencial Emílio Bosco I ........................................................ 32 Figuras 4: Conjunto Residencial Emílio Bosco II ....................................................... 33 Figuras 5: Conjunto Residencial Emílio Bosco III ...................................................... 33 Figuras 6: Conjunto Residencial Emílio Bosco IV ...................................................... 33 Figuras 7: Região do Residencial Emílio Bosco I ....................................................... 34 Figuras 8: Região do Residencial Emílio Bosco II ...................................................... 34 Figuras 9: Região do Residencial Emílio Bosco III .................................................... 34 Figura 10: Região do Residencial Emílio Bosco IV..................................................... 35 Imagens 11: Visão da chegada ao Emílio Bosco em 2011 ......................................... 38 Imagens 12: Visão da chegada ao Emílio Bosco em 2015 .......................................... 38 Imagens 13: Visão da outra perspectiva da Av. Emílio Bosco, sentido centro de Matão em 2011 ......................................................................................................................... 40 Imagens14: Visão da outra perspectiva da Av. Emílio Bosco, sentido centro de Matão em 2015.......................................................................................................................... 40 Figura 15: Distância Jardim Basilicata - Conjunto Emílio Bosco ............................... 41 Figura 16: Distância Parque Franceschini - Conjunto Emílio Bosco........................... 42 Figura 17: Distância Jardim Alvorada - Conjunto Emílio Bosco................................. 42 Figura 18: Distância e Tempo de Carro: Origens - Conjunto Emílio Bosco ............... 43 vi Lista de Quadros: Quadro 1: Déficit Habitacional por Região - Valores Absolutos, 2008 ...................... 02 Quadro 2: Porcentagem do Déficit Habitacional por renda e região, 2008.................. 02 Quadro 3: Faixas de renda do PMCMV por fases do programa................................... 23 Quadro 4: Metas quantitativas (unidades e investimento) por fases, faixa de renda e modalidade..................................................................................................................... 26 Quadro 5: Faixas de atuação do MCMV 3 e taxas de juros a serem cobrada .............. 26 Quadro 6: Resultados do questionário realizados com as 21 famílias residentes do Conjunto Residencial Emílio Bosco ............................................................................. 48 Quadro 7: Média nacional dos empreendimentos de faixa I nas Regiões Metropolitanas por Região em 04/05/2010: ........................................................................................... 55 vii Lista de Siglas: BNDES: Banco Nacional do Desenvolvimento BNH: Banco Nacional de Habitação CDHU: Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano CEF: Caixa Econômica Federal Cohab: Companhia de Habitação FAR: Fundo de Arrendamento Residencial FCP: Fundação Casa Popular FGTS: Fundo de Garantia de Tempo de Serviço FHC: Fernando Henrique Cardoso FMI: Fundo Monetário Internacional FNHIS: Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social FJP: Fundação João Pinheiro IAP: Instituto de Aposentadorias e Pensões MCMV: Minha Casa Minha Vida MCMV-E: Minha Casa Minha Vida Entidades OGU: Orçamento Geral da União OPR: Oferta Pública de Recursos PAC: Programa de Aceleração do Crescimento PAR: Programa de Arrendamento Residencial PMCMV: Programa Minha Casa Minha Vida PNHR: Programa Nacional de Habitação Rural PNHU: ProgramaNacional de Habitação Urbana RM: Região Metropolitana SBPE: Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo SFH: Sistema Financeiro de Habitação SM: Salário Mínimo SNH: Sistema Nacional de Habitação TS: Trabalho Social UH: Unidade Habitacional viii SUMÁRIO: INTRODUÇÃO: ........................................................................................................................... 1 CAPÍTULO 1: URBANIZAÇÃO E POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL ..................... 8 1.1 Processo de urbanização brasileiro ..................................................................................... 8 1.2 Política habitacional e conjuntura econômica no Brasil antes do Minha Casa Minha Vida ................................................................................................................................................. 12 1.3 Introdução ao Programa Minha Casa Minha Vida ............................................................ 22 CAPÍTULO 02: O CONJUNTO RESIDENCIAL EMÍLIO BOSCO E AS FRAGILIDADES DO MINHA CASA MINHA VIDA ........................................................................................... 28 2.1 A Região Metropolitana de Campinas e o município de Sumaré ..................................... 28 2.2 Metodologia ...................................................................................................................... 31 2.3 O Conjunto Residencial Emílio Bosco:............................................................................. 32 2.3.1 Perfil e origem das famílias: ....................................................................................... 35 2.3.2 Localização e estruturas ............................................................................................. 39 2.3.3 Gastos e organização condominial ............................................................................. 45 2.3.4 Conclusões e observações sobre o caso ..................................................................... 46 2.4. Análise nacional ............................................................................................................... 49 CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 57 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................ 61 Anexo I: ....................................................................................................................................... 64 1 INTRODUÇÃO: O Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) deu uma nova dimensão à política habitacional no Brasil. O programa foi lançado em 2009 como resposta à crise financeira de 2008 iniciada nos Estados Unidos. Os objetivos divulgados pelo Governo Federal foram de estímulo à construção civil, como parte de uma política anticíclica, ao mesmo tempo em que o programa se apresenta como solução ao problema da habitação. O MCMV não só mobiliza recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para o crédito, como direciona um volume inédito de subsídios diretos com recursos do Orçamento Geral da União (OGU) destinados à moradia de famílias de baixa renda (aproximadamente 0 a 3 salários mínimos). Defende-se neste trabalho que a política urbana e habitacional deve estar compromissada com o direito à moradia em sua concepção ampla. As necessidades de habitação não se restringem a um teto e quatro paredes, para viver e se reproduzir em meio urbano a população trabalhadora tem exigências que vão para além de seu consumo individual. São meios de consumo coletivos como transporte, educação, saneamento, mobilidade, cultura e lazer. A questão da habitação, portanto, é relacionada a questão da integração e acessibilidade aos recursos urbanos. Às vésperas do lançamento do programa, em 2008, o déficit habitacional no Brasil, calculado pela Fundação João Pinheiro (FJP) (2011) era de 5,5 milhões de famílias, envolvendo, principalmente, famílias de baixa renda. A fundação considera que o déficit habitacional do país está ligado a deficiências no estoque de moradias. O déficit abrange: moradias em condições precárias; a coabitação forçada por dificuldade de pagamento de aluguel; casas e apartamentos em que se vive em grande densidade e; moradias em locais com fins não residenciais. A FJP (2011) também destaca a inadequação de domicílios, ou seja, construções que não oferecem condições aceitáveis de habitabilidade, impactando na qualidade de vida dos moradores, dos quais se encontram: o adensamento excessivo de moradores em domicílios próprios, a carência de serviços de infraestrutura, a inadequação fundiária, a cobertura inadequada e a inexistência de unidade sanitária domiciliar exclusiva. (FJP 2011) 2 Quadro 01: Déficit Habitacional por Região - Valores Absolutos, 2008 Região Urbano Rural Total Norte 448.072 107.058 555.130 Nordeste 1.305.628 641.107 1.946.735 Sudeste 1.969.424 76.888 2.046.312 Sul 519.080 61.813 580.893 Centro- Oeste 387.628 29.612 417.240 BRASIL 4.629.832 916.478 5.546.310 Fonte: BRASIL, 2011, p. 31 (elaboração própria) Quadro 02: Porcentagem do Déficit Habitacional por renda e região, 2008 Região 0 à 3 03 à 05 05 à 10 mais de 10 Norte 88,6 7,8 3 0,6 Nordeste 95,6 2,8 1,2 0,4 Sudeste 87,5 8,7 3,2 0,6 Sul 83,4 11,4 4,5 0,7 Centro-Oeste 89,9 5,3 3,3 1,4 BRASIL 89,6 7 2,8 0,6 Fonte: BRASIL, 2011, p. 37 (elaboração própria) O déficit habitacional em 2008, calculado pela FJP (2011), se concentrava em peso na faixa entre 0 e 3 salários mínimos, essa em que o MCMV se propõe a subsidiar a moradia. A FJP (2011) aponta que a carência de infraestrutura é o critério que mais afeta os domicílios do país, seguido da inadequação fundiária, adensamento excessivo, domicílio sem banheiro e cobertura inadequada. A Fundação também destaca em seu estudo que o estoque de domicílios vagos em condições a serem ocupados ou em construção ou reforma era, em 2008, mais do que suficiente para cobrir o déficit habitacional do país (FJP, 2011, p.112). Diante dos fatos, podemos verificar que o problema da habitação está conectado não só a falta de unidades habitacionais e que, 3 assim, pode apresentar diferentes soluções, não somente ligadas à construção de novas moradias, mas também à melhoria e ocupação de outras já existentes. No MCMV a indústria da construção civil é aliada e coautora do programa, como resultado muitas pesquisas vêm apontando para a prioridade dada à lógica produtivista, por sua maior possibilidade de auferir lucros. O presente trabalho busca contribuir para a discussão que tem sido feita na literatura, na qual aponta-se que a forma como o programa MCMV é delineado tende a aprofundar a periferização, havendo a reprodução da exclusão das populações de baixa renda da fruição plena das infraestruturas e oportunidades que a cidade tem a oferecer. Com esse intuito, foi realizado um estudo de caso no Conjunto Emílio Bosco localizado na Região Metropolitana de Campinas, no município de Sumaré. O Conjunto foi escolhido devido à faixa de renda a qual se destina - 0 a 3 salários mínimos -, já que essa é a mais afetada pelo déficit habitacional no país e por suas famílias possuírem menor poder de barganha no programa, uma vez que a demanda por moradia é maior que a oferta. Outro fator que influenciou a escolha foi o fato do Conjunto ser o primeiro entregue no município de Sumaré, o que torna possível analisar um período maior de uso. E, por fim, também despertou interesse pelo caso, o Emílio Bosco estar nas imediaçõesdo maior empreendimento do programa MCMV na cidade, de forma com que na pratica sejam extrapolados os limites de UHs permitidas nas regras do programa. É importante também para o trabalho entender qual o contexto estrutural em que o programa Minha Casa Minha Vida está inserido. De um modo geral, para compreender o desenho do programa e suas consequências, temos que entender os modelos de cidade e de política habitacional que emergem na periferia do capitalismo ao longo da história. A necessidade constante de expansão no sistema capitalista tem como forma espacial correspondente a urbanização (MIOTO 2015, p.01). O mercado de terras no capitalismo é determinado pela compra e venda da terra capitalizada. O preço da terra é regulado pela taxa de juros e pelas expectativsa de rendas futuras o que, como Mioto (2015) demonstra, coloca a terra como parte integrante do mercado financeiro e, assim, como fonte de ganhos especulativos. 4 Singer (1982) aponta que o solo urbano é confundido com capital, mas este é assentado na propriedade privada dos meios de produção e não de habitação. Assim, o "capital imobiliário" constitui um falso capital. Ele se valoriza, mas a origem de sua valorização não é a atividade produtiva, e sim a monopolização do acesso a uma condição indispensável à produção, a moradia1. Como todo espaço urbano é propriedade privada, mesmo as piores localizações têm de ser compradas ou alugadas, a população sem renda o suficiente para fazer frente aos preços de mercado é, dessa forma, progressivamente excluída dos mercados formais (SINGER, 1982, p.21). Os proprietários de terra urbana dispõem de liberdade para reter terrenos na expectativa de suas futuras valorizações, deteriorando ainda mais a condição das populações de baixa renda (SINGER, 1982, p.22). Exemplo disso é a questão dos centros esvaziados. As edificações muitas vezes abandonadas pelas camadas ricas e empresas nos centros não são aproveitadas por grupos de menor renda carentes de moradia. Singer (1982) explica que o funcionamento do mercado imobiliário não facilita esse aproveitamento, já que a capacidade de pagamento dos trabalhadores é baixa. O preço reduzido dos imóveis também não é suficiente para atrair investidores, pois dificilmente as camadas ricas e médias se disporiam a morar em bairros que ganharam "má fama". O mercado imobiliário os deixa, então, em reserva, aguardando políticas do Estado que resultem em sua valorização. A disputa pelo solo para habitação é pautada por vantagens locacionais, determinadas principalmente pela acessibilidade aos serviços urbanos como: saneamento básico, transportes, escolas, comércio e lazer (VILLAÇA, 1998). Os indivíduos entram na disputa pelo espaço urbano não de forma isolada, mas enquanto classes sociais lutando pelas condições materiais da sua sobrevivência (HARVEY, 1982). Os grupos mais ricos tendem a se segregar em pontos específicos das cidades, trazendo para si os investimentos em infraestrutura do Estado. A tendência é que quanto menor a renda da população mais escassos serão os serviços oferecidos (SINGER, 1982, p.33). Quando o capital intervém sobre o meio construído em geral o faz através da intermediação do poder do Estado. Uma dessas formas de intervenção é o fornecimento 1 A habitação é um dos componentes da cesta básica de subsistência do trabalhador, ou seja, é necessária a reprodução da força de trabalho, alicerce da reprodução capitalista (SINGER, 1982). 5 de propriedade privada e da casa própria para a classe trabalhadora. "A vulgarização da casa própria, individualizada, é vista como vantajosa para a classe capitalista porque ela estimula a fidelidade de pelo menos uma parte da classe operária ao princípio da propriedade privada" (HARVEY, 1982 p.13), o que funciona como uma forte ferramenta ideológica, através de falsa elevação dessa parcela da classe trabalhadora à classe proprietária. "Os trabalhadores colocam suas economias sob a forma física de uma propriedade. Eles procurarão preservar o valor dessas economias e se possível aumentá-lo. Estimula fragmentação dentro da classe trabalhadora, a medida que parte dela ingressa na casa própria e se torna profundamente preocupada com a preservação e se possível elevação de seu valor". (HARVEY, 1982, p.14) Na América Latina a urbanização possuiu características e problemas particulares ao subdesenvolvimento, principalmente devido a persistência de heterogeneidades estruturais. A modernização econômica, traduzida na industrialização que tomou força no Brasil a partir da década de 1930, não significou a redução dos atrasos sociais do país (MIOTO, 2015). Mais do que convivência entre o atraso e moderno, a evolução dos acontecimentos no Brasil se deu com relações que resultaram, como frisa Maricato (1995), no "desenvolvimento do atraso" e "arcaização do moderno" (MARICATO 1995, p.05). O avanço da indústria não implicou nem no fim da dependência externa nem a quebra com a segregação social2. Esse foi com base na progressiva diminuição de salários reais e concentração de renda, aumentando a exploração sobre o trabalhador. (MARICATO 1995) Assim, as grandes cidades brasileiras refletem o processo industrial de intensa exploração da força de trabalho na formação e crescimento exacerbado de periferias. Mas, como ressalta Maricato (1995), o ambiente construído faz muito mais que refletir a segregação social construída na esfera da produção, ele também a agrava na medida em que a menor acessibilidade aos benefícios da cidade como escolas, transporte, hospitais, lazer, cultura e a maior exposição à violência e ambientes precários de habitação pioram a situação da classe trabalhadora. 2 A dependência externa, que persiste nas economias latino-americanas, tem seu cerne no passado agroexportador dos países, que foi montado pelo modelo de colonização de exploração. A segregação social, também marca dessas sociedades, tem sua origem inicial no campo com o latifúndio e histórica exploração do trabalhador. 6 O problema habitacional não pode ser analisado isoladamente de outros processos socio-econômicos e políticos mais amplos. Kowarick (1993) chama atenção para dois processos interligados. O primeiro refere-se as condições de exploração do trabalho, ou seja, à pauperização à qual estão sujeitos diversos segmentos da classe trabalhadora. O segundo processo decorre do anterior, é o que o autor se refere como Espoliação Urbana (KOWARICK, 1993, p.62), ou seja, o somatório de extorsões que se operam através da inexistência ou precariedade de consumos coletivos socialmente necessários à subsistência do trabalhador e que só exacerbam a exploração nas relações de trabalho. "A existência de um vasto exército de reserva, tem constituído numa das principais alavancas de acumulação dos países de capitalismo tardio, entre os quais o Brasil é um caso exemplar, pois permite dilapidar, através da superexploração do trabalho e da espoliação urbana, boa parte da mão-de- obra engajada nas engrenagens produtivas, na medida em que os segmentos desgastados podem ser substituídos pelos vastos reservatórios disponíveis". (KOWARICK 1993, p.63) Mioto (2015) defende que o padrão de política habitacional adotada dependerá do padrão econômico, ou seja, da forma de acumulação vigente. Até o final dos anos 1970, que apresentaram desenvolvimento baseado na industrialização por substituição de importações, o Estado participa como protagonista da política habitacional de diferentes formas: na criação de um sistemafinanceiro, como promotores imobiliários, como reguladores dos preços fundiários, alugueis e etc. Nos anos 1980, com a crise e consolidação do padrão neoliberal a política transforma-se, passando a responder principalmente aos interesses dos setores da construção civil, dos proprietários fundiários e do capital financeiro (MIOTO, 2015, p.13). Nos anos 2000, o Brasil passou por um ciclo expansivo de emprego e renda, estimulado principalmente pelo aumento do preço das commodities e pelo aquecimento da economia mundial. Quando a crise de 2008 se deflagra a resposta do governo foi de continuar e aumentar as medidas de estímulo ao gasto. É nesse contexto que o programa Minha Casa Minha Vida é lançado. As fragilidades do programa, abordadas na segunda parte do trabalho com o estudo de caso, estão intrinsecamente relacionadas ao contexto histórico, econômico e institucional do Brasil e à condição subdesenvolvimento do país, gerando urbanização e políticas habitacionais específicas. Com isso, para maior alcance da análise, o primeiro capítulo do trabalho examinará essas questões. No capítulo também apresentaremos 7 uma introdução ao programa MCMV e seu funcionamento, para depois, no segundo capítulo, avaliarmos com mais propriedade tanto o estudo de caso quanto algumas análises nacionais. 8 CAPÍTULO 1: URBANIZAÇÃO E POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL 1.1 Processo de urbanização brasileiro As cidades na América Latina tiveram a dominação colonial como seu fundamento. Caio Prado Jr. (2011) nos mostra que a colonização dos trópicos foi um dos episódios da expansão comercial europeia, assim, seu sentido voltou-se para a extração do máximo de proveito para a empresa mercantil das metrópoles. No Brasil a saída mais lucrativa foi a instalação de um sistema agrário baseado no latifúndio monocultor e no trabalho escravo. Dessa forma, na colônia o dinamismo econômico do país se concentrou muito mais nas áreas rurais que urbanas. As cidades eram escassas e serviam basicamente como proteção de território e entrepostos comerciais, também se concentravam no litoral para facilitar o escoamento da produção (MIOTO, 2015, p.15). Assim, a mentalidade fundadora das cidades na colônia foi a mentalidade da expansão da metrópole. Com a Independência não houve quebra estrutural com as oligarquias de poder e manteve-se o latifúndio. Maricato (1995) em Metrópole na Periferia do Capitalismo ressalta a ambiguidade como marca fundante da nossa sociedade. Após a independência, em meio a um mundo em que se afirmavam os direitos civis, contraditoriamente houve a continuidade do trabalho escravo no país (MARICATO, 1995, p.13). Mesmo após a emergência do trabalho livre, as relações sociais e econômicas continuavam a ser baseadas nas mesmas "regras" da na época colonial, ou seja, no mando, na dominação pessoal e no favor (MARICATO, 1995, p.14). A convivência de ideal liberal europeu com relações de trabalho que o contradiziam marcou profundamente a formação ideológica e moral da sociedade brasileira. Tratava-se, como aponta Maricato (1995, p.14), de um liberalismo dos possuidores. "O conteúdo do liberalismo brasileiro se definia ao nível econômico por: comercio, produção escravista, compra de terras (após 1850). E ao nível político por: eleições indiretas e censitárias. Tratava-se do liberalismo dos possuidores, ou do respeito à individualidade e autonomia do cidadão proprietário. Um liberalismo adaptado às 'circunstâncias' e às 'peculiaridades' nacionais”. (BOSI, 1992 em MARICATO, 1995, p.15) "O surgimento da burguesia brasileira não se faz em oposição aos privilégios do sistema colonial, mas sim em oposição ao jugo colonial. Com a destruição da ordenação jurídico política deste, os demais privilégios não só subsistiram, 9 mas foram até reforçados". (FERNANDES, 1977 em MARICATO, 1995, p.15) No Brasil, o processo de definição da terra como mercadoria caminhou paralelamente à emergência do trabalho assalariado e não por acaso. A promulgação da Lei de Terras em 1850 acompanhou a proibição do trafico de escravos, esta que já anunciava a abolição de 1988 (MARICATO, 1995, p.17). Até então, os senhores de escravos e demais fazendeiros obtinham a terra mediante concessões no regime de sesmarias coordenados pela metrópole. O concessionário não era exatamente um proprietário como entendemos hoje, mas sim um beneficiário da Coroa (FIX, 2011, p.57). A partir da Lei de Terras, entretanto, toda terra devoluta só poderia ser ocupada através dos processos de compra e venda a preços que dificilmente seriam acessíveis ao trabalhador livre. Dessa forma, a lei garantia a sujeição do trabalhador aos postos de trabalho antes ocupados por escravos. (FIX, 2011, p.58) "A renda, até então capitalizada no escravo, tornava-se renda territorial capitalizada. Se no regime sesmaria, o da terra livre, o trabalho tivera que ser cativo; num regime de trabalho livre a terra tem que ser cativa". (MARTINS, 2010 em FIX, 2011, p.58). Com a emergência do trabalho livre, também houve a criação de um mercado de trabalho urbano e a ampliação de atividades comerciais e financeiras nas cidades. Formavam-se, assim, demandas crescentes por habitação e serviços urbanos (FIX, 2011, p.60). No final do século XIX as principais cidades brasileiras começavam a mudar de fisionomia, as migrações e o aumento no crescimento vegetativo aceleraram a diferenciação do espaço urbano (MIOTO, 2015, p.18). Mesmo com uma economia industrial incipiente, o aumento da população urbana era significativo. A cidade foi tornando-se fronteira de investimentos e se expandiam atividades como a construção de casas de aluguel (MIOTO, 2015, p.25), que acabaram por se tornar um segmento econômico importante, inclusive para alocar os excedentes das elites rurais. "Configura-se, assim, um campo de investimentos de capitais excedentes, nacionais e internacionais. O meio ambiente construído começa a se constituir como uma fronteira de valorização dos lucros e dos excedentes obtidos em outras atividades pelo capital agrário, comercial, e, futuramente, industrial" (FIX, 2011, p.60) 10 O acesso ao mercado de terras urbanas em formação era, porém, restrito. Mariana Fix (2011) aponta que em um primeiro momento a precariedade dos transportes nas cidades associada à mercantilização da terra, que excluía grandes camadas da população do seu acesso, obrigou o trabalhador urbano a se localizar perto dos locais de emprego em péssimas condições. O cortiço foi a primeira solução encontrada pelo trabalhador para a habitação no Brasil. Esses, porém, foram um dos principais alvos das políticas higienistas do final do século XIX (MARICATO, 1995, p.18). O início da República afirmou um urbanismo segregador. Com os objetivos de erguer um cenário modernizante e consolidar o mercado imobiliário, as reformas urbanísticas promoveram a gentrificação dos centros urbanos e demais localidades valorizadas. Os pobres nesse processo foram expulsos para as periferias, morros e várzeas das cidades. (MARICATO, 1995, p.18) Depois da crise de 1929, que atingiu com força os países centrais, o Brasil inicia um novo período econômico impulsionado pela industrialização por substituição de importações. Maricato (1995, p.19) ressalta que a industrialização brasileira combinou crescimento urbano industrial com regimes arcaicos de produção agrícola. O desenvolvimento econômico do país, e a consequente acentuação da urbanização, foram processos marcados pela heterogeneidade. Houve prevalência do capital mercantil e continuidade da importância da propriedade fundiária na estrutura econômicae política do país (MIOTO, 2015, p.25). Assim, a industrialização no Brasil não foi sinônimo de superação de atrasos estruturais. Perdurou-se a dependência externa na economia e a segregação social. A urbanização oriunda desse processo não transformou nem latifúndio nem as relações de produção pautadas em altas taxas de exploração do trabalho. "Não resultou de uma transformação revolucionária da antiga estrutura de dominação, mas de uma acomodação da mesma" (MIOTO, 2015, p.28). As oligarquias, o latifúndio e a pobreza do homem no campo não foram tocadas. O desenvolvimento industrial acabou por gerar uma forte migração do campo para à cidade (MIOTO, 2015, p.29). As migrações internas garantiam exército de reserva suficiente para que a industrialização fosse feita com baixos salários (MARICATO, 1995, p.19). O 11 desenvolvimento industrial reproduziu a pobreza do trabalhador no país. O processo foi marcado por sucessivos apertos salariais e forte presença do subemprego e desemprego (MIOTO, 2015, p.31). Como resultado, grande parte da camada trabalhadora não tinha condições de acesso ao mercado formal de moradia. A saída histórica, uma vez que não constituem demanda para pagar por esses bens e serviços é a autoconstrução3 (MIOTO, 2015, p.36). Autores como Ferro (2006) e Maricato (1995), tendo em vista os apertos salariais ocorridos após a década de 1960, apontam para o fato de que o barateamento da moradia gerado pela autoconstrução não trouxe melhorias na qualidade de vida do trabalhador, no sentido de liberar seu orçamento para outros consumos, já que os salários eram sistematicamente contraídos. Os autores defendem que a autoconstrução significou, em última instância, um rebaixamento da subsistência do trabalhador e, assim, barateamento de sua reprodução. Esses processos que excluem parte significativa dos trabalhadores do mercado imobiliário formal também gera um fenômeno descrito por Maricato (1995, p.22) como o surgimento de um extenso "produtivo excluído". Parte dos trabalhadores da moderna indústria não auferiam renda o suficiente para suprir todas suas necessidades. Em 1980 57,3% dos chefes de família moradores de favela eram trabalhadores do setor secundário (MARICATO, 1995, p.22). O aumento dos assentamentos em terrenos ilegais faz com que exista uma cidade legal, que consta ao planejamento urbano, em contraste a cidade real (MARICATO, 1995, p.11). O uso do solo na periferia se dá com profundo deslocamento entre norma e fato. Enquanto os imóveis não têm valor como mercadoria, ou têm valor irrisório, a ocupação ilegal se desenvolve sem interferências do Estado. A partir do momento em que os imóveis adquirem valor de mercado as relações passam a ser regidas pela legislação e pelo direito oficial. "A lei do mercado é mais efetiva do que a norma legal" (MARICATO, 1995, p.12). 3 Na autoconstrução os trabalhadores, com ajuda de parentes e amigos, erguem suas casas em seus tempos de folga em terrenos próprios legais ou ilegais quase sempre nas franjas das cidades fortalecendo o movimento de periferização nas cidades (KOWARICK, 1993). "A casa é mínima, é um abrigo, dotado somente do indispensável" (FERRO, 2006). Há sempre um endividamento, que dado os baixos salários, é, em grande parte dos casos, coberto através do aumento da já extensa jornada de trabalho. Se a esse tempo forem adicionadas as horas gastas na locomoção diária e as referentes à confecção da casa, tem-se um quadro claro do desgaste daqueles que "ingressam na aventura de possuir uma propriedade" (KOWARICK, 1993) 12 A periferia como fórmula de reproduzir nas cidades a força de trabalho é consequência direta do tipo de desenvolvimento econômico que se processou na sociedade brasileira (KOWARICK, 1993). Possibilitando de um lado altas taxas de exploração de trabalho e de outro forjando formas espoliativas que se dão ao nível da própria condição urbana de existência a que foi submetida a classe trabalhadora (KOWARICK, 1993). As restrições orçamentárias e a entrada do país no neoliberalismo só agravaram a segregação social. A periferização foi aprofundada nas grandes metrópoles e os problemas urbanos começaram a vir à tona com muito mais força na forma de predação do meio ambiente, baixa qualidade de vida, gigantesca miséria social e aumento dos índices de violência (MARICATO, 1995, p.27). O desenvolvimento urbano desigual reproduziu e deu novas conformações à herança do atraso. (MARICATO, 1995, p.28) "O processo de industrialização e sua sucessiva urbanização sob o lema positivista da ordem e do progresso, parecia representar um caminho para a independência de séculos de dominação da produção agrária e de mando coronelista. A evolução dos acontecimentos mostrou que ao lado de intenso crescimento econômico, o processo de urbanização com crescimento da desigualdade resultou numa inédita e gigantesca concentração espacial da pobreza". (MARICATO, 1995, p.29) O problema habitacional no Brasil não pode ser analisado isoladamente de outros problemas sociais. Devido às conformações especificas do subdesenvolvimento, especialmente ligadas à pauperização dos trabalhadores, o modelo de cidade construído é, geralmente, desigual e segregador. 1.2 Política habitacional e conjuntura econômica no Brasil antes do Minha Casa Minha Vida Antes da década de 1930 as políticas urbanas praticadas no Brasil foram principalmente higienistas de embelezamento urbano. Ao longo dos anos de 1930, com o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), a presença estatal amplia-se e há a regulação das relações capital-trabalho (FIX, 2011, p.74)."Dissemina-se a visão de que a iniciativa privada era incapaz de enfrentar o problema da habitação sozinha, tornando inevitável a intervenção do Estado" (FIX, 2011, p.74). 13 A principal política habitacional do período veio da regulamentação das condições de reprodução da força de trabalho, com a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) para cada categoria profissional. Os IAPs foram as primeiras instituições públicas de importância a tratar da questão habitacional, embora essa não fosse sua função central (FIX, 2011, p.76). Os três planos adotados pelos institutos eram independentes e não tiveram um padrão uniforme de atuação. Foram: i) Locação ou venda de unidades em conjuntos residenciais adquiridos ou construídos pelos IAPs; ii) financiamento aos associados para aquisição de moradia ou construção em terreno próprio e; iii) empréstimos hipotecários feitos a qualquer pessoa física ou jurídica, assim como outras operações imobiliárias que o instituto julgasse conveniente. Os dois primeiros tinham objetivos sociais, enquanto o último financiava construções de todos os tipos, principalmente habitações de classes médias e altas (FIX, 2011, p.76). Embora importante, a experiência dos IAPs foi insuficiente, exemplo disso foi o fato de as taxas de prestações de ajuda ao inquilino não se ajustarem com a inflação. O seu impacto também foi desigual entre as regiões do país, o atendimento se concentrou sobretudo no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Essa primeira política habitacional funcionou mais como suporte ao circuito imobiliário nascente do que como resposta ao problema da falta de habitação ou dos direitos sociais das populações de baixa renda (FIX, 2011, p.78). No período também foi instaurada a Lei do Inquilinato (1942) que regulamentava as relações entre locadores e inquilinos em favor dos últimos. A inflação corrente corroia os aluguéis, a lei buscava frear os aumentos causados por suas correções.De fato, foi a Lei do Inquilinato a política habitacional do governo Vargas de maior impacto, ela conseguiu diminuir o encarecimento dos aluguéis, mas como consequência também houve a queda na oferta global de imóveis (MIOTO, 2015, p.43). A primeira tentativa de constituição de um sistema federal na área de habitação veio com a Fundação Casa Popular (FCP) criada durante o governo Dutra em 1946. A FCP tinha o intuito de centralizar os recursos destinados à habitação (FIX 2011, p.80). Contudo, o setor imobiliário passava por um boom e ofereceu resistência, já que era de seu interessante continuar no modelo descentralizado dos IAPs. A crise habitacional, porém, não era solucionada por esse aquecimento imobiliário, este na verdade gerava 14 aumento dos preços e dificultava ainda mais o acesso da casa pelo trabalhador (FIX 2011). Entre as tentativas de transformação da política habitacional se destaca a criação de um banco hipotecário em 1953. Esse não teve força para se estabelecer dada a precariedade do sistema financeiro brasileiro e por falta de viabilidade política. A produção de casas pela FCP foi irrisória, não chegaram a ser construídas mais do que 17 mil unidades em todo o país, número menor inclusive do que o produzido pelos IAPs (FIX 2011, p.80). Com a expansão da população assalariada e o surgimento de grandes metrópoles nos anos 1950 o processo de urbanização assumiu uma nova intensidade. A população paulistana, por exemplo, aumentou 74% na década de 1950 (FIX 2011, p.83). O Plano de Metas de JK (1956-1961) foi decisivo para a indústria da construção, principalmente a construção pesada. Enquanto vários ramos da industria de transformação se internacionalizaram, na atividade construtora aumentou-se a dominação do capital privado nacional, com a ampliação de grandes projetos de infraestrutura. O circuito imobiliário, por sua vez, permaneceu como órbita reservada das elites brasileiras. As desigualdades de renda se colocavam como um constrangimento ao setor de edificações, já que continuavam a impedir o acesso de grandes massas ao mercado imobiliário (FIX 2011, p.85). O período entre 1960 e 1980 foi de crescimento da economia brasileira. O PIB do país cresceu de 1960 a 1970 em uma média de 6,08% ao ano e entre 1970 e 1980 8,6% (MIOTO 2015, p.46). O crescimento, entretanto, não significou o rompimento com dependência externa do país, principalmente do ponto de vista financeiro. Esse foi, na verdade, acompanhado de grande endividamento externo. O Regime Militar (1964-1985) trouxe mudanças significativas para política urbana do país. A política econômica do "milagre" foi calcada na concentração de renda. O crescimento do período não se baseou no aumento da produtividade e generalização do consumo, mas sim na diferenciação de bens sofisticados destinados a uma minoria da população (MARICATO 1995). A estrutura de consumo interno se modernizou conforme os padrões de consumo dos países centrais. O quadro de alta concentração de renda sustentou para o estrato superior da população um estilo de vida 15 que não condiz com estrutura produtiva do país e excluí camada significativa de sua fruição (MIOTO 2015, p.09). A massa excluída desse consumo, se por um lado não servia de mercado para esses bens, por outro constituiu ampla oferta de mão de obra barata para sua produção (MARICATO, 1995, p.21). A queda do poder aquisitivo do trabalhador correspondeu, entre a década de 1960 e 1970, a uma acentuação na concentração de renda. 50% da população Brasileira que se apropriava em 1960 de 17,7% da renda total passou, em 1970, a apropriar-se de 13,1%. (MARICATO 1982) O Regime Militar (1964-1985) assumiu o compromisso de estabilizar a inflação que assolava o país sem que fossem deprimidas as taxas de crescimento econômico (BOLAFFI 1982). Para poder praticar política inflacionária regressiva o governo dependia de projetos de estimulo à demanda. Bolaffi (1982) aponta que o principal foco escolhido de política anticíclica, em um primeiro momento, foi a habitação. A habitação tem muita força ideológica. A casa própria é uma das principais aspirações do brasileiro em razão de seu peso subjetivo e objetivo (BOLAFFI 1982, p.43). Subjetivamente, a aquisição de um imóvel se constitui na principal evidência de sucesso e conquista de posição social mais elevada. Objetivamente a casa própria facilita a obtenção de crédito e libera o orçamento familiar do aluguel (BOLAFFI 1982, p.43). O Banco Nacional da Habitação (BNH) e o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) foram criados em 1964 com a retórica de "promover a construção e aquisição da casa própria especialmente para as classes de menor renda" (BOLAFFI 1982, p.44). Seus objetivos eram de coordenação da política habitacional, investimentos em infraestruturas urbanas e criação de empregos na construção civil4, além da busca de estabilidade política. O modelo teve como única opção a casa própria com a construção de novas unidades. (FIX, 2011, p.90) "Independente das motivações - que mudam inclusive ao longo do tempo - a montagem de um sistema de financiamento habitacional, e posteriormente de 4 O BNH inaugurou um novo momento para a construção civil. Porém quanto à seus efeitos multiplicadores, esses são altos para trás, ou seja, para atividades pouco qualificadas, e muito baixos no estimulo da atividade industrial como um todo. Quando em 1967 iniciou-se a recuperação o pedal do crescimento foi a indústria de bens duráveis e não a construção civil (BOLAFFI, 1982). Quanto ao estimulo ao setor também preciso pesar as suas condições para o trabalhador. Nossa construção civil, como mostra Ferro (1969), tem altas taxas de exploração do trabalho. 16 infraestrutura urbana e nacional, por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH), do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), iniciou uma nova fase na articulação entre Estado e indústria da construção, particularmente para o subsetor de edificações." (FIX, 2011, p.90) A primeira fonte de recursos do BNH veio da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) instituído em 1966 como garantia de recursos para a manutenção do trabalhador em tempos de desemprego. A segunda veio com o início do funcionamento do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE). O sistema reúne entidades públicas e privadas encarregadas de captar poupanças voluntárias do público e canalizá-las para o setor habitacional. (FIX, 2011, p.93) Desde sua constituição, a orientação que inspirou as operações do BNH foi a de transmitir todas as funções para a iniciativa privada. O banco mobilizava recursos e os transferia a uma variedade de agentes. Drenava os recursos do FGTS para o setor privado a fim de alimentar os mecanismos de acumulação (BOLAFFI, 1982, p. 49). O BNH mudou a estrutura do mercado imobiliário privado e transformou as paisagens construídas nas grandes cidades brasileiras (FIX, 2011, p.92). O atendimento era diferenciado por três faixas de renda, popular, econômica e média, cada uma delas a cargo de um agente específico. O segmento popular, atendido pelas Companhias de Habitação (Cohabs), foi constituído inicialmente para beneficiar famílias que recebiam até 3 salários mínimos, mas posteriormente foi ampliado para 5 SMs e acabou, na prática, atingindo famílias com rendimentos ainda um pouco maiores (FIX, 2011, p. 97). Progressivamente o BNH afastou-se das aplicações em habitação popular para investir em habitações de alto e médio custo e em obras de infraestrutura. O governo buscava atingirum mercado com poder aquisitivo que pudesse fazer frente aos preços dos imóveis, às taxas de juros e correções monetárias que aumentavam anualmente mais do que o aumento do salário mínimo (MARICATO, 1982, p. 80). Dessa forma, Maricato (1995, p.23) afirma que a política habitacional do Regime Militar acabou por constituir mais um fator de concentração de renda, já que privilegiou a produção de habitação subsidiada para a classe média em detrimento dos setores de mais baixa renda. 17 A política foi fundamental para a estruturação de um mercado imobiliário nos moldes capitalistas. As empresas privadas ligadas ao mercado imobiliário saíram dessa experiência fortalecidas na medida em que houve subsídios à demanda e também houve a criação de sistemas de financiamento habitacionais que ampliavam seus capitais de giro (MIOTO, 2015, p.51). O governo militar ao criar o BNH preocupava-se em formular projetos capazes de conservar o apoio das massas, apesar da política de contenção salarial e repressão dos movimentos sociais (BOLAFFI, 1982). Bolaffi (1982) defende que a política habitacional instaurada não passou de um artifício político formulado para enfrentar um problema econômico conjuntural, a inflação, e para buscar apoio popular. A moradia em si não era a prioridade. A ampliação da política habitacional teve no período "forte conteúdo econômico e um pano de fundo social ideológico" (MIOTO, 2015, p.51). Os anos 1980 encerram o ciclo desenvolvimentista no Brasil iniciado na década de 1950 com o governo JK. As políticas de investimento público e as altas taxas de crescimento econômico foram substituídas por políticas recessivas de estabilização. Os 1980 a metade dos anos 1990 foram marcados pela crise da dívida externa, por baixas taxas de crescimento do PIB, por restrições de financiamento, restrições cambiais, crise monetária e inflação galopante. Instaurou-se no período grave crise no setor público. (CARNEIRO, 2002) Na década de 1980 também se consolidou a hegemonia do capital financeiro no sistema capitalista mundial (CARNEIRO, 2002). O movimento de globalização foi acelerado. Progressivamente foram eliminadas as restrições à mobilidade de capitais. Marcou-se o fim da ordem reguladora comandada por Bretton Woods e deu-se início à era da desregulamentação. Enquanto o processo de globalização crescia, cada vez mais a América Latina mantinha-se excluída desse novo ciclo. Vivia a dura crise da dívida externa (CARNEIRO, 2002). A absorção de recursos financeiros que o Brasil presenciara até a década de 1970, se viu revertida, transformando-se em transferência de recursos para o exterior pelo pagamento dos serviços da dívida (CARNEIRO, 2002). Essa situação só se agravou com o tempo. As economias periféricas, em face da ruptura do financiamento externo, foram obrigadas a realizar crescentes transferências de recursos reais para o exterior. Tal fato afetou profundamente a capacidade de crescimento econômico do 18 Brasil, ainda mais pela necessidade de moldar sua política macro de acordo com a cartilha recessiva do Fundo Monetário Internacional (FMI) (CARNEIRO, 2002). A recuperação começou a ocorrer na década de 1990, essa, no entanto, não significou a retomada do dinamismo do período desenvolvimentista (CARNEIRO, 2002). Durante a industrialização por substituição de importações, o crescimento foi baseado na diversificação produtiva num movimento de catching up, que procurava aproximar a indústria periférica à indústria dos desenvolvidos (CARNEIRO, 2002). Após década de 1990, Brasil abria seus capitais e entrava participativamente da globalização. Os segmentos mais dinâmicos da economia nacional, porém, passaram a não coincidir com os mais dinâmicos dos desenvolvidos. O Brasil não conseguiu incorporar a onda tecnologia em sua matriz industrial. (CARNEIRO, 2002) Na passagem para a era financeira, o neoliberalismo firmou-se ideologicamente como receita de política econômica. Houve transformação do paradigma da rigidez, calcado nas políticas keynesianas e acumulação fordista, em flexibilidade, tanto no âmbito da produção quanto do mercado (HARVEY, 1999). A equidade foi trocada pela eficiência. O padrão de reprodução do capital e as atribuições do Estado foram fortemente afetadas. A primeira preocupação nacional passou, então, a ser a atratividade financeira5. Tavares (2002) aponta que o potencial de crescimento endógeno das economias foi esterilizado e os interesses do capital financeiro internacional consolidados. Nos anos 1980 o projeto desenvolvimentista baseado na industrialização, integração e diversificação da economia se dissolveu. O novo projeto neoliberal esvaziou mecanismos de planejamento e intervenção estatal (MIOTO, 2015, p.66). Com a mudança de padrão mundial de acumulação e, mais objetivamente, com a crise da dívida, o BNH foi extinto em 1986 (CARDOSO, 2013, p.17). A formulação da política habitacional e de desenvolvimento urbano ficou a cargo do Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (FIX, 2011, p.111). O crédito imobiliário passou por período de grande escassez. No período que vai do fim do BNH até o 5 As medidas restritivas estão endossadas pelo tripé macroeconômico que vem sendo a regra da política econômica no Brasil desde o Plano Real (1994): regime de metas de inflação, fiscais (regime de restrições aos gastos de governo) e pelo câmbio flutuante. 19 lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida em 2009 as políticas habitacionais implementadas foram escassas e pontuais. A crise do financiamento habitacional pode ser identificada através das variações do indicador que mede a relação entre o crédito habitacional e o PIB, que caiu progressivamente de 10%, em 1998, para 4% no final dos anos 90, passando abruptamente para 2% em 2001. (CARDOSO, 2013, p.20) A redução da participação do Estado no financiamento habitacional fez com que os capitais que permaneceram no setor da habitação procurassem desenvolver novas formas de atuar. Essa redução tornou a produção mais dependente do capital financeiro privado. As empresas do imobiliário passaram a lançar "planos de autofinanciamento por meio dos quais o promotor centralizava e integrava os recursos financeiros dos usuários antecipados à produção, independentes do SFH". (FIX, 2011, p.119) Embora este período seja marcado por uma expressiva redução na capacidade de financiamento, ocorreram também algumas inovações institucionais importantes (FIX, 2011). Uma delas foi a criação da Carta de Crédito, tanto para o FGTS quanto para o SBPE, o que ampliou o poder de barganha dos tomadores de empréstimos frente às empresas construtoras e aos vendedores de imóveis em geral (CARDOSO, 2013, p.22). Esse movimento de ampliação do crédito, porém, foi limitado pelas altas taxas de juros que prevaleceram no período. Com isso, praticamente se inviabilizou o financiamento de longo prazo para as camadas de baixa renda e mesmo para parcela dos setores médios (CARDOSO, 2013, p.23). Após extinção do BNH, os programas federais que sobraram passaram a privilegiar os municípios (CARDOSO, 2013, p.23). Essa tendência foi reforçada pela centralidade dos municípios na reforma institucional e política promovida pela Constituição de 1988 e também pelo fato de que a crise do sistema de financiamento e a instabilidade institucional das políticas federais pós-BNH levaram vários municípios e alguns estados a assumirem por conta própria iniciativas no campo da habitação social (CARDOSO, 2013, p.24). Entre 1994 e 2002 as crises financeiras internacionais que atingiram a economiabrasileira levaram o governo federal à adoção de maiores medidas de austeridade fiscal, incluindo-se a limitação ao endividamento do setor público (CARDOSO, 2013, p.23). O 20 que teve como consequência forte restrição dos empréstimos do FGTS para a produção de moradias por Estados e Municípios, o que levou à redução quase absoluta dos financiamentos previstos pelo Programa Pró-Moradia, que se delineava até 1997 como o principal programa para apoio à atuação dos governos locais no setor habitacional (CARDOSO, 2013, p.24). Para substituir o Pró-Moradia como alternativa para o financiamento da produção de novas unidades habitacionais, o governo FHC criou o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) (CARDOSO, 2013, p.25). Com recursos do FGTS e do OGU o programa permitiu certo grau de subsídios, reduzindo o valor das prestações dos financiamentos sem prejudicar a saúde financeira do FGTS. Do ponto de vista institucional o programa era operado pela Caixa Econômica Federal e o crédito era repassado para companhias construtoras que, após a produção, entregavam os empreendimentos para a Caixa, responsável pela alocação da população a ser beneficiada. Nesse modelo cabia aos municípios o cadastramento da demanda, que depois seria "filtrada" pela Caixa a partir dos seus critérios de risco (CARDOSO, 2013, p.25). A criação de incentivos para novos empreendimentos era realizada basicamente através da redução das exigências urbanísticas e, eventualmente, através da cessão de terrenos (CARDOSO, 2013, p.25). Outra inovação do programa foi a cessão dos imóveis através do sistema de arrendamento, o que reduzia o risco, permitindo acelerar as retomadas em casos de inadimplência. O PAR se destinava à faixa de renda de 3 a 6 salários mínimos, mas, segundo CARDOSO (2013, p.25), os primeiros estudos avaliativos mostram que as populações atendidas se concentravam em limites superiores. Seja através dos mecanismos de autofinanciamento, seja através do PAR, Cardoso (2013, p.26) aponta que uma consequência importante desse processo foi a progressiva consolidação de um conjunto de empresas que passaram a se especializar em produtos direcionados aos os setores de renda média baixa, desenvolvendo técnicas específicas de barateamento dos custos de construção. Outra inovação do governo FHC foi a criação do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), cujo objetivo era criar no Brasil um sistema de securitização de hipotecas semelhante ao existente nos Estados Unidos. No Brasil, uma lei promulgada 21 em 1997 instituiu a possibilidade de criação de companhias securitizadoras. Mas a tentativa de reproduzir o modelo americano não prosperou (CARDOSO, 2013, p.26). Com eleição de Lula 2002, surgem novas expectativas para a institucionalização da política habitacional (CARDOSO, 2013, p.28). A proposta de Lula em sua campanha para o Projeto Moradia propunha sobretudo: "i. Criação do Sistema Nacional de Habitação, formado pelos três entes da Federação (União, Estados e Municípios), que atuariam de forma estruturada sob a coordenação de um novo ministério. ii. Gestão Democrática da Política Habitacional e Urbana, a partir da criação dos conselhos nacional, estaduais e municipais de habitação que deveriam definir as diretrizes e realizar a alocação de recursos da política habitacional nos 3 níveis de governo. iii. Aprovação do projeto de lei de iniciativa popular de instituição do Fundo Nacional de Habitação, bandeira do movimento de moradia que tramitava desde 1991 no Congresso Nacional. iv. Retomada do financiamento habitacional para as camadas médias (SBPE), visando concentrar ao máximo os recursos do FGTS no financiamento para a baixa renda. v. Articulação da política habitacional com a política de controle e recuperação da valorização fundiária e imobiliária". (CARDOSO, 2013, p.28) A criação do Ministério das Cidades em 2002 veio a dar continuidade a essas propostas. A Secretaria Nacional de Habitação, ao longo do ano de 2003, desenvolveu as bases normativas e institucionais da política de habitação, propondo a estruturação do Sistema Nacional de Habitação. No entanto, a capacidade de atuação do Ministério era limitada, principalmente pela falta de recursos para investimento (CARDOSO, 2013, p. 29) Em 2005 foi aprovado o projeto de lei de criação do fundo de moradia denominado de Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) (CARDOSO, 2013, p.30). A lei que instituiu o FNHIS também estabeleceu os elementos institucionais básicos para a criação do Sistema Nacional de Habitação baseado em uma distribuição das atribuições entre os 3 níveis de governo, estabelecendo um papel fundamental para os municípios na implementação da política de habitação. Para aderir ao sistema os estados e municípios deveriam se comprometer com a criação de um fundo de habitação a ser gerido por um conselho com participação popular, além da elaboração de um Plano Local de Habitação de Interesse Social 22 (PLHIS) que deveria estabelecer as diretrizes e prioridades da política em nível local. (CARDOSO, 2013 p.31) É importante ressaltar a mudança que se opera na política econômica do governo a partir de 2006, com uma progressiva liberalização dos gastos públicos viabilizada pela ampliação internacional das reservas que, por sua vez, foram possibilitadas pela ampliação da exportação de commodities e pelo aumento expressivo de seu preço internacional. (CARDOSO, 2013, p.33) 1.3 Introdução ao Programa Minha Casa Minha Vida A reação do governo à crise internacional em 2008 foi rápida. Foram adotadas medidas de expansão de créditos pelos bancos públicos (Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica), de forma a compensar a retração do setor privado. Medidas anticíclicas foram aprovadas, como a continuidade dos investimentos em infraestrutura previstos do PAC e Petrobrás (CARDOSO, 2013, p.20). Como parte das tentativas do combate à crise o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) foi lançado em março de 2009. O pacote habitacional foi divulgado como uma das principais políticas anticíclicas do governo Lula. Tinha o intuito de fomentar a indústria da construção civil e manter o desenvolvimento do setor imobiliário. Trata-se de um programa de financiamento e subsídios que aposta na iniciativa privada como agente motora do processo (ARANTES e FIX, 2009, p.01). "O programa foi aprovado pela Medida Provisória nº 459, publicada em 25 de março de 2009, posteriormente convertida na Lei no 11.977, de 7 de julho 2009, e pelo Decreto no 6962, de 17 de setembro de 2009. Tinha como meta a construção de um milhão de moradias, em curto prazo, tendo para isso alocado R$ 34 bilhões. Desse total, R$ 25,5 bilhões originavam-se do Orçamento Geral da União e R$ 7,5 bilhões do FGTS. Foi ainda previsto um investimento de R$ 1 bilhão para complementação de infraestrutura urbana, a ser distribuído através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social". (CARDOSO, 2013, p.36) O programa foi criado para atender a população de rendimento familiar entre 0 e 10 salários mínimos. "O objetivo declarado do governo federal é dirigir o setor imobiliário para atender à demanda habitacional de baixa renda, que o mercado por si só não alcança" (ARANTES e FIX, 2009, p.02). As “classes C e D", que no governo Lula 23 foram descobertas como "mercado", ainda possuíam grandes dificuldade no acesso à moradia (ARANTES e FIX, 2009, p.02). O MCMV tem atuação diferente conforme três faixas. A faixa 1 refere-se às famílias com renda mensal bruta entre 0 e 3 salários mínimos; a faixa 2: 3 e 6 SMs; e a faixa 3: 6 e 10 SMs. O programa,entretanto, não é "indexado" ao salário mínimo, o que poderia ter provocado distorções e a exclusão dos mais pobres diante da política de seu aumento sistemático que vem sido praticada desde o governo Lula. Por isso, as faixas de renda foram definidas em reais, sem correção, cada qual associada a diferentes fundos, níveis de subsídio, tetos de financiamento e custos de produção (AMORE, 2009, p.19). Quadro 03: Faixas de renda do PMCMV por fases do programa Fase Faixa Renda Familiar Fase 1 Faixa 1 Até 1.395,00 reais Faixa 2 De 1.395,01 a 2.790,00 reais Faixa 3 De 2.790,01 a 4.650,00 reais Fase 2 Faixa 1 Até 1.600,00 reais Faixa 2 De 1.600,01 a 3.100,00 reais Faixa 3 De 3.100,01 a 5.000,00 reais Fonte: AMORE, 2015, p.22 (elaboração própria) A meta da primeira fase do programa foi de contratação de um milhão de unidades habitacionais divididas entre as 3 faixas, sendo 40% delas destinadas à faixa 1; 40% destinadas à faixa 2 e; 20% à faixa 3 (CARDOSO, 2013, p.42). Operacionalmente o MCMV se estruturou, além de pelas faixas de renda, por modalidades de subprogramas (PNHU, PNHR, MCMV Entidades, MCMV abaixo de 50.000) seguindo o seguinte modelo apresentado por Cardoso (2013): 1) Faixa 1 - execução via FAR: a produção é "por oferta", ou seja, a construtora define o terreno e o projeto, que são aprovados junto aos órgãos competentes e depois vendidos integralmente para a CAIXA, sem gastos de incorporação imobiliária e comercialização, e sem risco de inadimplência dos compradores ou de que as unidades não sejam ocupadas. A CAIXA define o acesso às unidades a partir de listas de demanda, elaboradas por cadastro efetuado pelas prefeituras. Os municípios também participam a partir de doação de terrenos, isenção tributária e desburocratização nos processos de aprovação e licenciamento e na flexibilização das normas urbanísticas para 24 permitir aumentar os índices de utilização do solo nos empreendimentos. (CARDOSO, 2013, p.37) 2) Faixa 1 - execução via MCMV Entidades: Financiamento ocorre pelo Fundo de Desenvolvimento Social (FDS). Entidades sem fins lucrativos, como cooperativas e associações de moradia, apresentam projetos à CAIXA, que podem ser em parceria com estado e município. A CAIXA analisa, e após conclusão, envia ao Ministério das Cidades a relação de projetos para a seleção. O Ministério das Cidades faz a seleção e reencaminha à CAIXA que aguarda o envio, pela entidade selecionada, da lista de beneficiários a serem atendidos. A CAIXA efetua a análise de enquadramento dos beneficiários indicados, contrata a operação e acompanha a execução da obra. (CARDOSO, 2013, p.38) 3) Faixas 2 e 3 - financiamento via FGTS: As construtoras e incorporadoras apresentam projetos de empreendimento à CAIXA, que realiza pré-avaliação e autoriza o lançamento e comercialização. Após a conclusão da análise e comprovação da comercialização mínima exigida, é assinado o Contrato de Financiamento à Produção. A comercialização é feita pelas construtoras ou através dos "feirões" da Caixa, havendo a possibilidade de que os pretendentes à aquisição consigam uma carta de crédito na Caixa para ir ao mercado buscar uma moradia. (CARODOSO, 2013, p.39) 4) Municípios com menos de 50 mil habitantes/ sub 50: o financiamento é operado através de Agentes Financeiros Privados (e não pela Caixa Econômica). A operacionalização dessa modalidade é feita via oferta pública de recursos. As instituições financeiras se inscrevem e são selecionadas pela CAIXA, que em conjunto com o Ministério das Cidades, define e publica o volume de recursos destinado a cada Agente Financeiro, ficando cada um responsável por uma determinada região. O Ministério das Cidades também recebe, via site, o cadastro de propostas dos entes federados, que são então selecionadas tendo como referência o déficit habitacional municipal. Os agentes financeiros são os responsáveis pela análise de risco e contratação das propostas selecionadas, e por manter o Ministério das Cidades informado sobre as contratações. (CARDOSO, 2013, p.40) Podemos entender o MCMV como um programa de crédito tanto ao consumidor quanto ao produtor. No caso da produção o construtor solicita crédito à CAIXA para construção de empreendimentos direcionados ao público, divididos nas três faixas de 25 renda (CARDOSO, 2013, p.40). Para cada tipo de empreendimento construído, as unidades devem ser comercializadas no valor definido dentro de limites estabelecidos conforme características especificas de cada cidade e região, envolvendo níveis diferentes de subsídio de acordo com a faixa de renda. (CARDOSO, 2013, p.41) Quanto ao seu financiamento, Mariana Fix (2011) aponta que o MCMV não trouxe grandes inovações. Foram do BNH as mudanças mais significativas no financiamento imobiliário, com a criação do FGTS e do SBPE, que continuam a ser as principais fontes de recurso. A grande novidade do programa são os subsídios diretos com recursos do Orçamento da União destinados à faixa de menor renda. (FIX, 2011, p.144) Contratada a meta de um milhão de unidades habitacionais (UHs) estabelecida em seu lançamento, em maio de 2011 dá-se início o Programa Minha Casa Minha Vida 2, alocando novos recursos e ajustando seu funcionamento a partir das críticas realizadas por pesquisadores da área e movimentos sociais em sua primeira etapa (AMORE, 2015, p.19), essas principalmente referentes à falta de exigências às construtoras e a desproporcionalidade da divisão dos recursos, tendo em vista o que cada faixa abrange do déficit. Em sua segunda fase, o MCMV passa a integrar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em sua vertente de investimentos em infraestrutura social e urbana (BALBIM e KRAUSE 2015, p.09). Aumentou-se o custo máximo permitido por unidade e incorporou-se especificações mínimas que incluíram a exigência de acessibilidade universal, especificações sobre as dimensões dos cômodos e sobre padrões mínimos de acabamento. A meta para a faixa 1 passou de 40% para 60% das contratações, número mais condizente com a proporção do déficit habitacional. O programa ainda incluiu a habitação rural pelo Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR)6. (AMORE, 2015, p.21) 6 Os investimentos no PNHR são a partir de recursos orçamentários e do FGTS, contratados com entidades governamentais e sociais – sindicatos, associações, cooperativas. Nesse caso, não valem os critérios de por renda familiar mensal, mas pela renda anual, dado a sazonalidade das safras ou produção agropecuária. (AMORE 2015, p.19) 26 Quadro 04: Metas quantitativas (unidades e investimento) por fases, faixa de renda e modalidade: Fase Faixa Modalidade Uhs % Investimento Fase 1 Faixa 1 FAR s/ esp. FDS (Entidades) 30.000 3% Rural (PNHR) s/ esp. Faixa 1- total 400.000 40% Faixa 2 FGTS 400.000 40% Faixa 3 FGTS 200.000 20% Fase 1 - Totais 1.000.000 100% R$ 28 bi Fase 2 Faixa 1 FAR 860.000 43% FDS (Entidades) 60.000 3% Rural (PNHR) 60.000 3% Oferta pública 220.000 11% Faixa 1 - total 1.200.000 60% Faixa 2 FGTS 600.000 30% Faixa 3 FGTS 200.000 10% Fase 2 - totais 2.000.000 100% R$ 125 bi Fonte: AMORE, 2015, p.22 A segunda fase do programa também se completou e atingiu sua meta. O MCMV3, acaba de ser lançado e traz mudanças para as próximas contratações. As principais são a introdução de uma faixa intermediária, a faixa 1,5 de renda entre R$1.800 e R$2.350 e o aumento dos juros cobrados para as famílias que recebem a partir de R$2.350 por mês (LAPORTA, 2015). As parcelas pagas pelasfamílias que tem a casa subsidiada também aumentaram, e esse aumento foi setorizado. Para as famílias que recebem até R$800, a parcela será fixa de R$80. As que recebem entre R$800 e 1.200 pagarão 10% da renda. Famílias com renda entre R$ 1.200 e 1.600 terão percentual de 15%. E para as de renda entre R$1.600 e 1.800 será de 20%. (LAPORTA, 2015). A nova meta é de 3 milhões de contratações (BALBIM, 2015). Quadro 05: Faixas de atuação do MCMV 3 e taxas de juros a serem cobradas: Faixa Renda Juros Faixa 1 Até R$ 1.800 0 Faixa 1,5 Entre R$ 1.800 e R$ 2.350 5% Faixa 2 Entre 2.350 e R$ 3.600 6% a 7% Faixa 3 Entre R$ 3.600 e R$ 6.500 8% Fonte: LAPORTA, 2015 (elaboração própria) 27 No segundo semestre de 2015, a crise internacional chega ao Brasil com mais força, e a reação do governo tem sido contrária à anticíclica de 2008. A resposta dada, até o momento, foi por meio de medidas de austeridade traduzidas pelo ajuste fiscal. O Ministro do Planejamento Joaquim Levy anunciou corte no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de R$ 7 bilhões. Em seu trecho que trata do Minha Casa, Minha Vida, esse será R$ 4,8 bilhões (FOLHA, 2015). Foi decidido que o FGTS passará a direcionar recursos para o pagamento das despesas da faixa 1, para desonerar o orçamento da União (FOLHA, 2015). Mesmo com os cortes, o governo mantém sua meta estabelecida de 3 milhões de contratações. A reação dos movimentos sociais tem sido de protesto aos cortes e retrocessos que a política recessiva trará. Gráfico 01: Números MCMV em UHs (faixa 1) Fonte: CAIXA, 2015 (elaboração própria) É inegável a grande proporção de famílias atingidas pelo programa. O Gráfico 1 descreve os números alcançados pelo programa até agosto de 2015. Já foram contratadas mais de 4 milhões de unidades e mais de 2 milhões de moradias já foram entregues. Esses números são inéditos na história da habitação do país, ainda mais por se referirem às unidades destinadas às famílias de baixa renda. No entanto, não se pode analisar os dados somente quantitativamente, o MCMV possuí também fragilidades, que este trabalho busca abordar com o estudo de caso. 4,022,695 391,464 855,971 2,775,260 2,364,112 Contratado Preparação Obra Concluídas Entregues 28 CAPÍTULO 02: O CONJUNTO RESIDENCIAL EMÍLIO BOSCO E AS FRAGILIDADES DO MINHA CASA MINHA VIDA 2.1 A Região Metropolitana de Campinas e o município de Sumaré A Região Metropolitana de Campinas (RMC) foi institucionalizada no ano 2000 e, conforme estimativa populacional do IBGE, chega em 2015 à marca de 3,09 milhões de habitantes7, distribuídos em 3.791 km². Esta unidade regional do Estado de São Paulo é constituída pelo agrupamento de 19 municípios: Americana, Artur Nogueira, Campinas, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Nova Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa Barbara d'Oeste, Santo Antônio de Posse, Vinhedo, Valinhos e Sumaré. (BRANDÃO, 2002, p.400) A herança de antigo e precoce entreposto mercantil e, posteriormente, do mais importante núcleo do complexo cafeeiro paulista, criou as bases para o futuro dinamismo da agricultura, para a eficiente infraestrutura de transporte e para a qualidade da rede urbana do que viria a ser a atual RMC. Esse processo, desde início, fortaleceu a centralidade de Campinas consolidando-a como capital regional (BRANDÃO, 2002, p.401). A diversificada agricultura regional implementou alta complementaridade articulada das atividades agropecuárias com as industrias terciarias de serviços. A RMC é marcada pela densidade de conexões e interdependências desses serviços (BRANDÃO, 2002, p.401) A partir dos anos 1960 e principalmente depois década de 1970, a RMC recebeu grandes investimentos governamentais, tornando-se um dos maiores eixos de expansão industrial no interior do Estado (CUNHA, 2009, p.339). A região atraiu modernas plantas de grandes empresas e as relações intersetoriais com agropecuária e o setor terciário se intensificaram (BRANDÃO, 2002 p.402). Tal fato levou a um crescimento desordenado da mancha urbana, criando para Campinas problemas típicos de grandes metrópoles, como falta de moradia e o consequente processo de favelização, especulação imobiliária desenfreada e baixos salários. Este processo gerou um padrão de crescimento físico em áreas intermediárias vazias e horizontalização com grande ação especulativa mercantil (CUNHA, 2009, p.441). Durante a década de 1980, a 7 Fonte: IBGE - disponível em: http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca= 1&idnoticia=2972 29 população desconcentrou-se da cidade de Campinas, dirigindo-se aos municípios vizinhos, o que acabou por transformar alguns deles em cidades-dormitórios. A dinâmica de expansão horizontal na RMC produziu espaços descontínuos com ocupação rarefeita, principalmente na direção sul e sudoeste. Os principais eixos de expansão foram seguindo a direção das principais vias de acesso regional. As áreas em que a população tem crescido de forma muito mais intensa são: a oeste (especialmente Hortolândia), norte (direção de Paulínia) e sudoeste (direção de Indaiatuba) seguindo a Rodovia Dom Pedro I. Existe na região marcante heterogeneidade estrutural. A situação desfavorável dos eixos Oeste e Sudoeste da região, em termos da infraestrutura domiciliar, se contrapõe com a formação de uma “cordilheira da riqueza” (CUNHA, 2009, p.345) nos demais eixos. Segundo Cunha (2009) a Via Anhanguera se estabelece como um verdadeiro divisor de águas concentrando espacialmente a riqueza e a pobreza na RMC. O município de Sumaré foi instituído em 1954 por desmembramento do município de Campinas. Localizado a oeste da RMC, abrange área de 153 km² e limita- se com Hortolândia, Campinas, Santa Bárbara, Nova Odessa, Monte-Mor e Paulínia. O município é dividido em 6 distritos: distrito-sede, Jardim Dall’Orto, Picerno, Maria Antonia, Área Cura e Matão8. A população do município, estimada em 2015 pelo IBGE, é de 265.955 habitantes9. Sumaré insere-se no grupo de municípios da RMC que apresenta maior dinamismo econômico, ditado por sua diversificada indústria10, mas também se caracteriza por abrigar uma expressiva massa de população de média e baixa renda, que se valeu de preços mais baixos de terras urbanas. Com a intensificação da industrialização na década de 1970, novos contingentes imigraram e se fixaram no município (BRANDÃO, 2002, p.188). 8 Fonte: Prefeitura de Sumaré - disponível em: <www.sumare.sp.gov.br/mapas.htm> 9 Fonte: IBGE - disponível em <www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=355240> 10 Com a expansão industrial na Via Anhanguera muitas empresas de grande porte instalaram plantas no município de Sumaré. Os ramos com maior expressão são metalúrgico, químico, elétrico e têxtil e dentre as principais empresas podemos destacar: Honda, 3M do Brasil, Villares, Adere, Amanco, Buckman, Wabco, Pastifício Selmi, Pirelli, Sata Brasil, Quinta Roda, Desleeclama, Syngenta, Sherwin Williams, Schneider, Transitions Opticals, Sotreq, PPG. (PREFEITURA DE SUMARÉ, 2015) 30 Figura 1: Mapa da Região Metropolitana de Campinas Fonte: www.sumare.sp.gov.br/mapas.htm Figura 2: Mapa do Município de Sumaré Subdividido em Regiões Fonte: www.sumare.sp.gov.br/mapas.htm Segundo Brandão (2002, p.188), embora a estrutura industrial de Sumaré conte com grandes empresas de ramos mais dinâmicos, seus efeitos positivos e reflexos urbanos tendem a ser drenados para
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