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Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 53-62, jun. 2006 53 444 MOTRICIDADE E MÚSICA: ASPECTOS RELEVANTES DAS ATIVIDADES RÍTMICAS COMO CONTEÚDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA MOTOR SKILLS AND MUSIC: RELEVANT ASPECTS OF RHYTHMICAL ACTIVITIES AS CONTENT OF PHYSICAL EDUCATION Cynthia C. Pasqua M. Tibeau Universidade Bandeirante de São Paulo cynthiatibeau@terra.com.br (Brasil) Resumo A literatura especializada e os PCNs consideram as atividades rítmicas como manifestações da cultura corporal e conteúdos da Educação Física Escolar (EFE), que possuem grande valor educativo e essenciais para o desenvolvimento motor, cognitivo e sócio-afetivo. Todavia, parece existir um preconceito em relação a essas atividades que utilizam música, expressão de sentimentos e emoções, criatividade de movimentos por parte dos profissionais da EFE, que acabam por privilegiar os esportes como meio para alcance de objetivos educacionais. O presente estudo tem como objetivo oferecer aos profissionais da área um aprofundamento teórico para que possam analisar melhor as vantagens educacionais da utilização das atividades que envolvem música e motricidade. Além disso, pode auxiliar os profissionais a criarem estratégias que atenuem os preconceitos existentes para a real implantação das atividades rítmicas como conteúdos das aulas de Educação Física. Vivências práticas que evidenciam atividades rítmico motrícias prazerosas, com sentido e significado são necessárias para o desenvolvimento da capacidade de expressão e abrem caminho para a expansão das conexões nervosas entre o cérebro e o corpo. Abstract Specialized literature and PCNs consider that rhythmical activities are expressions of the body and content of scholarly physical education (SPE), and that they have great educational value and are essential to the motor, cognitive and social- emotive development. However, there seems to be a prejudice concerning activities which use music, expressions of feelings and emotions, and creativity by professionals of SPE, who tend to privilege sports as means of achieving educational objectives. The present study aims to offer to the professionals in this area to go deeper in theory, so they can analyze better the educational advantages by using activities that involve music and motor skills. Furthermore, it can help professionals create strategies which lessen the existing prejudice and implement rhythmical activities as contents of physical education classes. It’s necessary to live rhythmical and motor activities with sense and meaning that bring pleasure, in order to develop the expression capability and to open the nervous connections between brain and body. Palavras Chaves: Motricidade; Atividades Rítmicas; Música. Keywords: Motor Skills; Rhythmical Activities; Music. Recebido em: 06/06/2005 Aceito em: 19/06/2006 Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 53-62, jun. 2006 54 Introdução Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) consideram as atividades rítmicas como manifestações da cultura corporal que têm como característica a expressão e comunicação de gestos e a presença de música. São conteúdos apropriados para a aquisição de capacidades motoras, cognitivas e sócio-afetivas. A literatura também aponta essas atividades - que utilizam música e movimento – como motivantes, prazerosas e de grande importância para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Tradicionalmente os professores de Educação Física sempre privilegiaram os esportes como conteúdos de suas aulas, acreditando (ou não) que eles seriam os melhores (ou únicos) instrumentos para o alcance de objetivos educacionais. Em aulas de Didática nos cursos de formação de profissionais em Educação Física, tenho constatado que os alunos, apesar de valorizarem esse tipo de conteúdo na teoria, não costumam utilizá-los na prática. Ou seja, quando elaboram planos de curso ou de aula consideram as atividades rítmicas, mas quando devem apresentar trabalhos práticos nas disciplinas de Metodologia de Ensino ou Prática de Ensino, preferem utilizar os esportes ou atividades, conceituadas por eles, de recreativas. Parece existir um preconceito em relação às atividades que utilizam música, expressão de sentimentos e emoções, criatividade de movimentos. As metodologias utilizadas para trabalhar com os conteúdos de atividades rítmicas requerem uma participação ativa do aluno e, portanto, não podem ser totalmente diretivas. Como já comentado em outros trabalhos (TIBEAU, 2001), as aulas de Educação Física são “transparentes”, no sentido de que acontecem, na maioria das vezes, em locais de acesso a todos (na quadra, no pátio, no ginásio). As portas estão sempre “abertas”, o que poderia ser uma das causas de certa insegurança por parte do professor para trabalhar com atividades das quais, muitas vezes, ele desconhece parcialmente o processo e o resultado. Um tipo de aula dirigida, na qual o professor organiza e comanda as atividades, poderia ser utilizada na aprendizagem e valorização de coreografias já consagradas como parte da cultura corporal. Essa possível insegurança, gerada por aulas que envolvem o comportamento criativo do aluno, e a falsa idéia de produção gerada por aulas que mostram uma ordem e uma disciplina por parte dos alunos talvez, seja um dos obstáculos para uma mudança nos rumos da Educação Física, que se vê apenas “física” e não como educação. O presente estudo tem como objetivo oferecer aos profissionais da área um aprofundamento teórico para que possam analisar melhor as vantagens educacionais da utilização das atividades que envolvem música e motricidade. Além disso, pode auxiliar os profissionais a criarem estratégias que atenuem os preconceitos existentes para a real implantação das atividades rítmicas como conteúdos das aulas de Educação Física. A dimensão conceitual, procedimental e atitudinal de advém dos conteúdos da ginástica, da dança e das atividades que utilizam música ou percussão são indispensáveis para a formação de crianças e adolescentes, além de serem atividades Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 53-62, jun. 2006 55 prazerosas, que estimulam a criatividade e as relações sócio-afetivas em qualquer idade e contexto. Motricidade e Música O ritmo está presente em todas as manifestações da motricidade humana, é universal e o percebemos em todos os movimentos da vida. O ritmo e o movimento humano se desenvolvem simultaneamente no tempo e no espaço. Desta forma, confirmamos nossa consideração de que o RITMO é MOVIMENTO, que o MOVIMENTO é RITMO e que ambos estão ligados à percepção temporal, espacial e proprioceptiva. Movimento aqui entendido como a capacidade do Homem de agir com intenção, sentido e significado. Nesse sentido os termos movimento e ação motrícia se justapõem. No entender de Fonseca (1996) o ritmo e a música, assim como o movimento, devem ser vistos de dentro para fora, na medida em que não há movimento, música e ritmo para as pessoas, mas sim pessoas que se movem, que vivem e sentem a música e o movimento. Considerado como capacidade físico-perceptiva fundamental para o desenvolvimento humano, o ritmo é pouco trabalhado de forma intencional em atividades motrícias. Talvez por seu caráter subjetivo, pela idéia de que ritmo e movimento devem ser vistos como manifestação “de dentro para fora”, pela inibição que essa forma de expressão possa trazer, muitos profissionais acabam por não privilegiar as atividades rítmicas como estratégia para alcance de objetivos educacionais e também de reeducação psicomotora e de reabilitação neuro-motora. Música e movimento são considerados não como um processo de combinação, masuma unicidade, uma integração, uma vez que ambos provêm da mesma origem - o ritmo - separados pela forma de manifestação exterior. Para Camargo (1999) a interação música-movimento deve tornar “visível” a música e “audível” o movimento. Acreditamos que para a compreensão dos vínculos existentes entre música e motricidade é imprescindível fazer algumas considerações a respeito da percepção espacial, temporal e proprioceptiva no desenvolvimento humano. Buscamos referências em áreas de conhecimento que pudessem dar apoio às nossas convicções. Por esse motivo, os termos movimento, motricidade, motor, motora, motriz e motrício aparecerão a seguir da forma como foram escritos nos textos consultados. A música é mais do que uma sonoridade específica; ela é aquilo que simboliza, representa ou evoca. Como afirmam vários autores, os quatro domínios da natureza humana (cognitivo, afetivo, emocional e motor) estão estritamente ligados aos elementos constitutivos da música: ritmo, melodia, harmonia e andamento. Eles se completam e são interdependentes. Vale a pena citar aqui Gainza (1977,p 45) a esse respeito: Cada categoria superior contém as inferiores que a precedem. Assim, o ritmo sonoro supõe a existência do som; a melodia supõe ritmo e som; a harmonia supõe melodia, ritmo e som. Da mesma forma, no plano humano, a vida fisiológica supõe a existência de um corpo; o afetivo depende do fisiológico e o pleno desenvolvimento mental.... contém o afetivo e o corporal. Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 53-62, jun. 2006 56 Som e ruído são fenômenos físicos que derivam de vibrações regulares e irregulares de um corpo ou objeto em movimento. Ao penetrarem em nossos ouvidos, “esbarram” no tímpano, provocam nova vibração e entram em nosso cérebro. Isso nos causa sensações variadas, agradáveis e desagradáveis. O som é a matéria prima da música e se caracteriza pela altura, pela intensidade, pelo timbre e pela duração. Música e som são energias que estimulam o movimento interno e externo no Homem. A ação musical implica movimento - seja das cordas vocais, ou seja, do corpo - impulsionando o Homem à ação, promovem condutas de diferentes qualidades e graus. Assim, a música, que sempre esteve vinculada à vida do Homem, influencia a conduta mística, lúdica, social. Na música, a melodia é o elemento que está diretamente ligado à afetividade humana. É a ordenação de sons dispostos numa escala ascendente e descendente, formando frases que têm um certo sentido. As acentuações, a duração, a intensidade e o timbre dos sons combinados nos afetam, no sentido do seu efeito mais ou menos agradável. A frase musical, em geral, é constituída de 8 tempos e a junção de 4 ou mais frases forma um período ou bloco, que tem sentido musical, expressa uma idéia e que causa sensação de início, meio e fim. A harmonia diz respeito à organização de sons combinados e simultâneos (acordes, arpejos, etc...) ajustados à linha melódica e apoiados no ritmo. Contribui ativamente para a afirmação ou para a restauração da ordem mental no Homem (Gainza, 1977), muito embora na civilização oriental a harmonia esteja também relacionada a princípios e experiências espirituais. O andamento diz respeito à velocidade da música (largo, adágio, andante, allegreto, prestíssimo) e junto com o ritmo está relacionado ao aspecto motor ou motrício do desenvolvimento humano. Muitas vezes, as pessoas se referem ao ritmo, de forma equivocada, como medida de velocidade e é comum escutarmos “acelere ou diminua o ritmo”, execute num “ritmo mais lento ou mais rápido”. A acentuação rítmica ou o ritmo da valsa ou do samba pode ser executado em um andamento mais lento ou mais rápido. Zampronha (2002) considera que o ritmo possibilita ao indivíduo tomar consciência de seu corpo; a melodia estimula os estados afetivos e a harmonia seria responsável por favorecer as atividades intelectuais. O ritmo Todo ser humano é dotado de ritmo, que se manifesta antes mesmo do nascimento, através dos batimentos cardíacos, depois pela respiração e pela fala e que está presente também nas formas básicas de locomoção. Por isso, o ritmo é considerado o elemento da música que está mais associado ao movimento, às ações motrícias do Homem. É o ritmo externo ao Homem que coloca em jogo, mais do que tudo, o movimento corporal e possíveis modificações fisiológicas. O ritmo da bateria de uma escola de samba provoca, na maioria das pessoas, elevação da freqüência cardíaca e, mesmo que discretamente, um gingado do corpo, uma batida de pé, um estalar de mãos. Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 53-62, jun. 2006 57 Autores e pesquisadores que conceituaram o ritmo admitem a dificuldade de situá-lo como algo concreto e a impossibilidade de defini-lo e de avaliá-lo de forma objetiva. Poderíamos considerar que o ritmo é um fenômeno que existe de fato. Hanebuth (1968, p.13), um dos autores que mais contribuiu para o entendimento do ritmo e que o associou às atividades motrícias, argumentou que o ritmo constitui a coordenação motora e a integração funcional de todas as forças estruturadoras, tanto corporais como psíquicas e espirituais. Entender o ritmo como algo interno e que pode ser alterado a partir de estímulos externos, advindos do meio ambiente, é considerá-lo como impulsionador de processos psíquicos, afetivos e emocionais. A valorização ou não do desenvolvimento do ritmo pode estar atrelada à confusão no seu entendimento ora como capacidade humana diretamente ligada ao Sistema Nervoso Central, ora como metodologia de ensino que facilita e motiva a aprendizagem, execução e criação de movimentos. Tempo e Espaço Henri Wallon é citado por inúmeros autores, como a autoridade mais importante no estudo das relações existentes entre a atividade motora e a evolução psicológica da criança. Considerou que na criança interagem dois conceitos opostos: a cinestesia (sensibilidade do próprio corpo) e a exteroceptividade (sensibilidade sensorial - voltada para o mundo exterior). Preconizou também, que o tônus muscular se encontra na base da emoção, existindo uma inter-relação entre a atividade postural e a vida emocional. Por outra parte, os órgãos sensoriais também atuam sobre o tônus muscular, provocando modificações. A cinestesia ou sensibilidade corporal atua fundamentalmente por meio do labirinto do ouvido e a sensibilidade voltada para o mundo exterior atua basicamente por meio da visão. O surgimento e o desenvolvimento das ações espaciais e temporais estão intimamente relacionadas com a motricidade. Le Boulch (1987) argumenta que, do nascimento aos 3 anos, a motricidade espontânea da criança se organiza pela atuação da função de ajustamento corporal e que o ritmo representa a característica essencial do movimento eficaz. O que se denomina movimento coordenado, corresponde a uma resposta motora harmoniosa e rítmica. Todas as sensações que chegam à consciência são percebidas como localizadas no tempo e no espaço e é ao nível da vivência corporal que se efetua a informação temporal. O ajustamento do tempo adianta-se à percepção temporal, visto que já na vida intra-uterina a criança deve adaptar-se ao biorritmo materno. O tempo está diretamente ligado ao espaço - é a duração que separa duas percepções espaciais sucessivas. O tempo não pode ser objetivado nem expressado em sua duração, mas pelo som. Quando o som se acentua a intervalos regulares se converte em ritmo e quando se acentua a intervalos regulares, se faz estrutura rítmica. Além disso, o caráter espacial em si, não isolado do caráter temporal, é um dado essencial da consciência do eu e um ponto de apoio da identidade individual em relação ao mundo (FONSECA, 1996). Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazere Dança, v. 1, n. 2, p. 53-62, jun. 2006 58 A percepção proprioceptiva depende de gestos de grande amplitude e de deslocamento do corpo inteiro. Deve estar sistematicamente associada ao máximo à percepções exteroceptivas: visuais, táteis e auditivas. As perturbações da percepção afetarão tanto a dimensão espacial como a temporal. De acordo com Lapierre (1977, p.316) a educação das percepções motrizes, sua memorização e integração, parece ser um dos meios essenciais para “reestabelecer uma percepção do mundo mais de acordo com a realidade, favorecendo ao mesmo tempo a adaptação do eu ao meio”. A interferência entre o sentido auditivo e o sentido cinestésico na percepção temporal justifica a importância da sincronização sensório-motora. Daí a necessidade de se buscar uma concordância entre a percepção auditiva (ritmo sonoro) e a percepção proprioceptiva (gesto, movimento, ação motrícia). Entender a Música De acordo com Camargo (1999) existem 3 aspectos diferentes para o ato de ouvir música: - ouvir: perceber sons pelo ouvido (ato sensorial) - escutar: dar atenção ao que se ouve (ato de interesse) - entender: tomar consciência do que se ouve. Para poder explicar o que significa entender a música, recorremos à Root- Bernstein (2001) e seu conceito de pensamento cinestésico e pensamento proprioceptivo. Para o autor, a sensibilidade proprioceptiva também se aplica a como nos sentimos visceral e emocionalmente. Afirma também, que o ato de pensar com o corpo não se expressa somente através do movimento e considera os músicos como pensadores proprioceptivos. Contraria, assim, as afirmações de Gardner (1994) quanto à analogia entre o uso do corpo e pensar com o corpo habilidoso, que seria privilégio de bailarinos, atletas e mímicos. Os artistas também fazem música com a imaginação corporal e, portanto, sua produção final está impregnada de algo mais profundo do que ritmo, melodia e harmonia. Entender a música, tomar consciência do que se ouve estende-se às nossas experiências e vivências com outras pessoas, com as coisas e com o meio. Sentir no próprio corpo o movimento da música e até poder “dançar” a música com o próprio corpo ou na imaginação. Entender a música é um ato subjetivo, reflexivo, um processo interior e individual. A música só pode ser entendida quando a experiência proprioceptiva do autor ressoa corporalmente no espectador. Tomar consciência do que se ouve implica intencionalidade operante e intencionalidade dinâmica, que nos abre canais para ir além de nós mesmos. Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 53-62, jun. 2006 59 Atividades rítmico-motrícias No século XIX surgiram as primeiras idéias de uma educação musical baseada na experiência corporal e anterior a qualquer iniciação instrumental. Essas premissas não foram consideradas na época devido às concepções positivista e mecanicista daquele momento na Europa. Emile Jacques Dalcroze (1865-1950), um compositor e pedagogo suíço abalou os conceitos tradicionais do ensino e da aprendizagem da música em geral. Foi um dos principais precursores da visão de educação global do ser humano e argumentava que qualquer aperfeiçoamento dos meios de expressão exige uma educação corporal anterior. Criou um sistema que chamou de eurritmia ou ginástica rítmica, tradução mecânica do ritmo da música através do corpo. Considerando que a ginástica rítmica e o solfejo são a base do equilíbrio físico e moral do indivíduo, o método visava desenvolver o senso de ritmo pela transposição dos sons em movimentos corporais. Carl Orff (1895-1982) contribuiu decisivamente na integração das diferentes manifestações artísticas e expressivas por meio da rítmica e da criatividade. Acreditava que a fala, a música e o movimento formavam o tripé da educação. O caráter lúdico de sua metodologia de trabalho colocava o aluno como participante ativo e criativo do processo ensino-aprendizagem. Em estudos mais recentes Quiros e Schrager (1998) relatam os estudos de Barsch acerca da relação entre a origem e seqüência dos padrões motores de movimento humano e a possibilidade de aprendizagem. Para o autor, quanto maior a eficiência motriz, melhor a possibilidade de aprendizagem. Afirma, ainda, que a percepção é movimento e o movimento é percepção. Os chamados critérios movigênicos de Barsch indicam quatro objetivos a serem perseguidos: a) a eficiência de movimento; b) o desenvolvimento da flexibilidade no movimento (diversidade espacial); c) mudanças nas posições corporais em relação à gravidade; d) a aprendizagem da sincronia do movimento. Para esse último objetivo, três parâmetros deveriam ser considerados: 1) a seqüência: refere-se à ordenação de movimento de uma ação. 2) o ritmo: refere-se à coordenação do movimento no tempo. 3) a qualidade: eficiência do movimento, fator final. Barsch vai mais além e argumenta que todas as atividades motoras podem estabelecer as bases para novas atividades motoras e a falta de algumas aprendizagens durante a primeira infância pode traduzir-se mais tarde em dificuldades motoras, dificuldades de aprendizagem e também de linguagem. A relação entre a aquisição e desenvolvimento da linguagem e sentido rítmico também é assinalada por Fonseca (1996): as estruturas rítmicas colocam em jogo a sucessão, a repetição, a preparação, a organização e a execução de comportamentos psicomotores que caracterizam as múltiplas atividades do ser humano. Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 53-62, jun. 2006 60 O Ritmo, a Música, a Dança, o Folclore colocam em jogo percepções espaço- temporais, memorizações gestuais, improvisação e criações expressivas ilimitadas, além do fator de socialização que lhes é inerente. Concordamos com Guerrero (2001:9) quando afirma que: ...entre outros fins, as atividades rítmicas contribuem para o desenvolvimento dos sentidos, em especial o da audição, ao fazer do corpo um dócil instrumento de interpretação do ritmo, contrariando as tendências à mecanização e à imitação passiva de si mesmo e dos outros indivíduos. A instrumentalização indispensável do corpo é proporcionada pelo ritmo e pela música, abrindo caminhos para um aumento das conexões nervosas entre o cérebro e o corpo. A agudeza perceptiva que o ritmo proporciona, garante, por ela mesma, um melhor ajuste psicomotor, valorando a noção de autonomia perante os ritmos impostos pelo cotidiano (FONSECA, 1996). Considerações finais - questões que sempre se colocam Por que algumas pessoas apresentam dificuldade em seguir o ritmo de uma música com grandes ou pequenos movimentos? Esse problema tão comum tem afligido profissionais das diferentes áreas que trabalham com música e com movimentos corporais. Algumas causas podem ser relatadas e devem ser observadas antes de “rotular” ou se deixar “rotular” como “uma pessoa que não têm ritmo”. Esse falso problema pode ser ocasionado por: * problemas de audição: a pessoa tem uma deficiência físico/anatômica, mesmo que pequena; apresentam dificuldade em discriminar e ouvir acentos rítmicos. * problemas de ordem perceptiva: a pessoa quando é solicitada a acompanhar um ritmo externo ou simplesmente a marcar o pulso ou compasso, está sempre um tempo atrasada ou adiantada. * problemas de concentração crônica: dificuldade em reter informações e reproduzi-las, o que poderia estar atrelado a um problema de memorização e de atenção. * bloqueios afetivos: insegurança gerada por inibição, vergonha de se expor. * bloqueios físicos: elevado tônus muscular ou deficiências que possam impedir a livre movimentação de partes do corpo ou do corpo todo. * problemas de aprendizagem: gerados por ansiedade e/ou instabilidade. Essas seriam algumas das causas que poderiam gerar uma falta de adaptação a ritmosexternos. A chamada “educação do ouvido” ou desenvolvimento da percepção auditiva não é apenas um aspecto fisiológico e físico, mas que se realiza também no plano mental e afetivo. Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 53-62, jun. 2006 61 É certo que uma pessoa que possui um ouvido sensível percebe os elementos da música e executa séries rítmicas com mais facilidade, mas não se pode negar as possibilidades de aprendizagem e apreciação da música por meio de atividades rítmicas expressivas. Outro problema que, de certa forma, preocupa os educadores e profissionais que trabalham com atividades rítmico motrícias é a escolha do repertório musical a ser utilizado. Nesse sentido, vale a regra da diversidade. Quanto mais variado for o repertório musical oferecido em atividades rítmico motrícias, mais oportunidade o aluno terá de “treinar” seu ouvido e desenvolver sua capacidade perceptiva. As necessidades e interesse dos alunos devem ser respeitadas, mas deve-se, também, incentivá-los a descobrir e apreciar diferentes estilos de música, assim como de movimentos. As músicas instrumentais são de fundamental importância, já que, ao ouvi-la, a pessoa pode se concentrar mais na análise da melodia, do andamento, do ritmo e da harmonia. Nas músicas cantadas a atenção se fixa nas palavras e perde-se muito na percepção e no reconhecimento da frase melódica e da frase rítmica. Além disso, muitas vezes o texto ou as palavras da música podem oferecer idéias para a criação e expressão de movimentos. Portanto, as duas mensagens (vocal e corporal) não podem se contrapor. Tenho plena convicção que o trabalho com atividades rítmico motrícias, acompanhadas de temas musicais, com ou sem manuseio de materiais de pequeno porte e aquelas que utilizam aparelhos de grande porte, são imprescindíveis para a educação integral, para o desenvolvimento integral do ser humano. Além disso, são atividades alegres, prazerosas e motivadoras que, quando bem conduzidas, levam os participantes ao pleno desenvolvimento de capacidades cognitivas, sócio-afetivas e motrícias e emocionais. No entender de Gainza (1977) a influência e o poder que caracterizam a música como coadjuvante do desenvolvimento integral do ser humano só é valorizada e tem seu real destaque no caso de indivíduos que apresentam deficiências ou problemas físicos, afetivos, mentais ou de interação social. Isso acontece também em outros âmbitos (Dança, Artes Plásticas, Educação Física), fazendo com que a dimensão educativa se amplie para dar lugar à função terapêutica. Vivências práticas que evidenciam atividades rítmico motrícias prazerosas, com sentido e significado são necessárias para o desenvolvimento da capacidade de expressão e abrem caminho para a expansão das conexões nervosas entre o cérebro e o corpo. Referências Bibliografias CAMARGO, M. L. M. Música e Movimento: um universo em duas dimensões. Belo Horizonte: Villa Rica, 1999. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1997. FONSECA, V. Estudio y génesis de la psicomotricidad. Barcelona: INDE, 1996. Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 53-62, jun. 2006 62 GAINZA, V. Fundamientos, materiales y tecnicas de la educaciona musical. B.Aires: Ricordi,1977. GARDNER, H. Estruturas da Mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. GUERRERO, C. Tratamento Cibernético na avaliação dos elementos rítmicos- musicais, utilizados na aprendizagem por modelagem em atividades de Educação Física. 2001. Tese de Doutorado - Escola de Comunicações e Artes da USP. HANEBUTH, O. El Ritmo. Buenos Aires: Imprenta López, 1968. LAPIERRE, A. La reeducación física. Barcelona: Editorial Cientifico-Medica, 1977. LE BOULCH, J. Educação Psicomotora. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. QUIROS, J. & SCHRAGER, O. Lenguaje, aprendizaje y psicomotricidad. Buenos Aires: Ed. Medica Panamericana, 1998. ROOT-BERNSTEIN, R. M. Centelha de gênios - como pensam as pessoas mais criativas do mundo. S. Paulo: Nobel, 2001. TIBEAU, C. Criatividade e criatividade Motora: indicadores, características e importância na formação do profissional da Educação Física. 2001.Tese de Doutorado – Pontifícia Universidade Católica de S.Paulo. ZAMPRONHA, M.L. Da música, seus usos e recursos. S. Paulo: UNESP, 2002. Currículo Cynthia C. Pasqua M. Tibeau Graduação em Educação Física pela Universidade de São Paulo (1979), graduação em Música pelo Centro de Artes (1974), Especialização em Psicopedagogia pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (1994), Mestrado em Educação Física pela Universidade de São Paulo (1989) e Doutorado em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001). Endereço: Universidade Bandeirante de São Paulo. Rua Maria Cândida, 1813 Vila Guilherme SAO PAULO, SP - Brasil e-mail: cynthiatibeau@terra.com.br
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