Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Crime de Tortura 1. Introdução Após a II guerra mundial nasce um movimento de repúdio à tortura com a aprovação de vários Tratados e Convenções Internacionais. No Brasil, apenas após a Constituição Federal de 88 foi consagrado como direito fundamental da pessoa - Ninguém será submetido à Tortura nem a tratamento desumano e degradante(Artigo 5º, III da CF). 1997 Antes Depois A tortura era punida como crime comum, isto é, artigo 121 CP; 129 CP; 136 CP; 146 CP etc. Somente o ECA, no seu artigo, punia a tortura contra criança e adolescente. Foi criada lei própria para tipificar e punir o crime de Tortura (Lei 9.455/97). Cuidado! Revogou o artigo 233 do ECA. Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes (1984). Essa convenção rotulou o delito de tortura como próprio, só podendo ser praticado por funcionário público ou pessoa no exercício da função pública. A lei 9.455/97, em regra, não exige qualidade ou condição especial do agente. No Brasil, em regra, o crime é comum. Só no Brasil a tortura é um crime comum, daí porque ser criticado por alguns autores. Será que o Brasil poderia ter rotulado o crime de Tortura como um crime comum sendo que os Tratados o preveem como crime próprio? Importante!!! Apesar de haver doutrina (Alberto Silva Franco) lecionando que o legislador nacional não poderia ter destoado do legislador internacional, vem entendendo o STJ e o STF que o crime de tortura não exige do réu condição de agente público. PERGUNTA-SE: O crime de tortura é prescritível? Por mais grave que seja o delito, no Brasil a prescrição é regra, havendo na Constituição Federal de 88 duas hipóteses de imprescritibilidade: 1ª) Racismo – Artigo 5º, XLII da CF. 2ª) Ação de Grupos Armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático – Artigo 5º, XLIV da CF. Contudo, em Tratados Internacionais a tortura é imprescritível. Ante esta antinomia havida entre a nossa Constituição e alguns Tratados, três são as correntes que apresentam uma solução à incompatibilidade. Vejamos: 1ª corrente: Se a CF/88 etiquetou a Tortura como delito prescritível, mesmo considerado imprescritível nos tratados internacionais, deve prevalecer a nossa Carta Maior. 2ª corrente: No conflito entre a Constituição Federal de 88 e os Tratados de Direitos Humanos (não importando o quórum de ratificação), deve prevalecer a norma mais favorável à dignidade da pessoa humana (Princípio pro homine). Esta corrente trabalha para dizer que tortura não prescreve. Crítica a esta corrente: qual a norma que é mais favorável à pessoa humana? A que tem a Tortura como imprescritível ou não? Atenção!!! O STJ já decidiu ser imprescritível a ação de reparação de danos ajuizada em decorrência de tortura por motivos políticos durante o regime militar, fundamentando a imprescritibilidade de violações dos Direitos Fundamentais, em especial, do direito à dignidade da pessoa humana. AgRg no Agravo 970.753 / MG. Na esfera extrapenal já encontramos na jurisprudência diversos julgados que apontam para a imprescritibilidade da pretensão reparatória decorrente da prática do delito de tortura. Muitos enxergam no Artigo 4º, II da CF a positivação do princípio do pro homine (prevalência dos direitos humanos). 3ª corrente: A imprescritibilidade trazida pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos é incompatível com o direito penal moderno e com o Estado Democrático de Direito. No direito penal é perigoso eternizarmos o direito de punir do Estado. 2. Análise dos artigos da Lei Apesar de a lei dizer que define o Crime de Tortura, logo no seu primeiro artigo o legislador usou a expressão “constitui crime de tortura”. Desta forma, podemos dizer que não haverá qualquer definição do que venha a ser este delito. Artigo 1º, I da Lei nº 9.455/97: Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; Sujeito ativo: trata-se de crime comum (O tipo não exige qualidade ou condição especial do agente). Sujeito passivo: qualquer pessoa pode figurar como vítima. Conduta punida: Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, com o fim de: alíneas... Tortura prova - com o fim de obter declaração, informação ou confissão da vítima. Ex.: Policial que tortura suspeito para confessar o crime. Ex.: Credor que tortura devedor para confessar a dívida. Atenção! O crime se consuma não com a obtenção da declaração, informação ou confissão da vítima, mas sim com o constrangimento causador de sofrimento à vítima. A tentativa é perfeitamente possível. Tortura para a prática de crime - para provocar ação ou omissão de natureza criminosa. Ex.: Agente, mediante choque elétrico, tortura a vítima para denunciar (notitia criminis) caluniosamente terceiro inocente. PERGUNTA-SE: Tortura para a prática de contravenção penal configura qual crime? 1ª corrente: a expressão “natureza criminosa” compreende também a contravenção penal. Corrente adotada por Mauro Faria de Lima. 2ª corrente: a expressão “natureza criminosa” não abrange contravenção penal, sendo vedada a analogia (no caso, maléfica para o réu). PREVALECE ESTA CORRENTE. PERGUNTA-SE: No caso do artigo 1º, I, b, qual a consequência para torturado e torturador? Torturado Torturador Não responde pelo crime eventualmente praticado, considerando que a coação moral irresistível exclui a culpabilidade. Responde pela tortura em concurso com o crime eventualmente praticado pelo torturado, na condição de autor mediato. Trata-se de um concurso material. Atenção!!! O crime consuma-se com o constrangimento gerando sofrimento à vítima, dispensando que o torturado pratique a conduta criminosa exigida pelo agente. Nesta hipótese da alínea b, a tentativa também é plenamente possível. Tortura discriminação (ou preconceito) – em razão de discriminação racial ou religiosa. Ex.: Torturar alguém por repudiar sua religião. Obs.: Ao contrário do que ocorre com os dispositivos anteriores, na letra c o agente não tortura a vítima esperando dela alguma conduta. Tortura apenas por preconceito à sua raça ou religião. Nesta hipótese legal não se inclui a homofobia, já que, ante a inexistência de previsão legal, tratar-se-ia de analogia in malam partem. O crime se consuma com o constrangimento causador de sofrimento à vítima. Admite-se a tentativa. Artigo 1º, II da lei nº 9455/97: II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Tortura castigo – Torturar alguém sob sua guarda, poder ou autoridade. Sujeito ativo: Trata-se de um crime próprio (exige qualidade ou condição especial do agente - Deve deter poder, guarda ou autoridade sobre a vítima). Sujeito passivo: Crime próprio (pessoa submetida à guarda, poder ou autoridade do agente). De acordo com o STJ (HC 50095/MG) o policial militar que auxilia a polícia civil na contenção de estabelecimento prisional, durante a operação, detém, legitimamente, guarda, poder e autoridade sobre os detentos, respondendo pelo artigo 1º, II da Lei 9455/97. Conduta: Submeter a vítima, mediante violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Ex.: Babá que tortura a criança. Ex.: Enfermeira que tortura idoso. PERGUNTA-SE: Qual a diferença entre a tortura castigoe o crime de maus tratos (artigo 136 CP? Tortura castigo Maus tratos Intenso sofrimento físico ou mental. Sofrimento físico ou mental. Castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. Atenção!!! O crime se consuma no momento em que o constrangimento gera na vítima intenso sofrimento físico ou mental. A tentativa é perfeitamente possível. Artigo 1º, §1º da Lei 9455/97 § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. Tortura sem finalidade especial (tortura pela simples intenção de torturar) – tortura pessoa presa ou sujeita a medida de segurança. Sujeito ativo: Crime comum (não exige qualidade ou condição especial do agente). Sujeito passivo: Crime próprio (somente pode figurar como vítima o preso ou a pessoa sujeita a medida de segurança). PERGUNTA-SE: Quais espécies de prisão estão abrangidas pela expressão “pessoa presa”? Abrange preso provisório ou definitivo, bem como jovens infratores apreendidos, internados ou em estado de semiliberdade. Abrange preso civil (devedor de alimentos)? Sim, pois o tipo penal não diferencia a espécie de prisão. Conduta: submeter pessoa presa ou sujeita à medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal (violação ao artigo 5º, XLXI da CF). Ex.: Submeter jovem infrator para cumprir medida de internação em estabelecimento prisional. O linchamento popular é um exemplo de que qualquer do povo pode praticar esta modalidade de tortura. Obs.¹: A presente figura dispensa emprego de violência física ou mental. Basta que se pratique um ato não previsto em lei. Obs.²: O torturador não realiza o crime com finalidade específica. O tipo não exige do agente finalidade específica. Atenção!!! A consumação se dá com a submissão da vítima a sofrimento físico ou mental, mediante a prática de ato ilegal. A doutrina também reconhece ser possível a tentativa. QUADRO COMPARATIVO ENTRE AS FORMAS DE TORTURA Artigo 1º, I SA – Comum Emprego de violência ou grave ameaça. Causando sofrimento físico ou mental. a) Tortura prova. SP – Comum “constranger alguém” b) Tortura para a prática de crime. c) Tortura preconceito. Artigo 1º, II SA - Próprio SP – Próprio (“Submeter alguém sob seu poder”) Emprego de violência ou grave ameaça. Causando intenso sofrimento físico ou mental. - Aplicar castigo - Medida de caráter preventivo. Artigo 1º, §1º SA – Comum SP – Próprio (Torturar pessoa enclausurada) Age por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. Não exige emprego de violência ou grave ameaça. Causando sofrimento físico ou mental. Essa tortura não exige finalidade especial no agente Artigo 1º, §2º da Lei 9.455/97 § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá- las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. Tortura por omissão Omitir o dever de evitar Omitir o dever de apurar As duas hipóteses com pena de 1 a 4 anos. Trata-se da omissão imprópria. Temos aqui a figura do garante ou garantidor. Ex.: Delegado que percebe os seus agentes levando um preso para tortura e não busca evitar. Omissão própria. Nesta hipótese a tortura já ocorreu. Não há o que ser evitado, mas sim apurado. Pelo Código Penal, o garante sofre as mesmas penas do executor, respondendo como se estivesse torturado. A CF no artigo 5º XLIII diz que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; A Constituição Federal, no artigo 5º XLIII, determina as mesmas consequências do torturador para o garante ou garantidor. O CP, no artigo 13, §2º, determina também as mesmas consequências. A lei 9.455/97 tratou as consequências para os dois personagens de forma distinta. 1ª corrente 2ª corrente 3ª corrente A primeira parte do artigo 1º, §2º da lei 9.455/97 é inconstitucional. O dispositivo é constitucional. O dispositivo é constitucional. Conclusão: a pena deve ser de 2 a 8 anos e é crime equiparado a hediondo. Trata-se de omissão culposa. A omissão dolosa é que terá a mesma pena da tortura. Delito não equiparado a hediondo A pena é mesmo de 1 a 4 anos e o delito é não equiparado a hediondo. Que admite até SUSPRO. A crítica a esta 2ª corrente é que o crime culposo somente é punível quando expressamente previsto em lei. Artigo 1º, §3º da Lei 9.455/97 § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. Pela lesão grave Tortura qualificada Pela morte Os resultados qualificadores devem ser dolosos. Tortura qualificada pela morte Homicídio qualificado pela tortura Artigo 1º, §3º da lei 9.455/97 Artigo 121, §2º, III do CP. Pena de 8 a 16 anos. Pena de 12 a 30 anos. Tortura : fim buscado pelo agente Morte : resultado culposo Morte : fim buscado pelo agente Tortura : meio Competência do juiz singular Competência do júri. PERGUNTA-SE: esta qualificadora aplica-se no caso da tortura omissão? 1ª corrente: a qualificadora do §3º atinge a tortura por omissão no caso do garante ou garantidor. 2ª corrente: a qualificadora só incide na tortura direta (praticada pelo torturador ativo). Esta é a corrente que prevalece na doutrina. Na jurisprudência ainda não foi possível identificar a corrente prevalecente. Artigo 1º, §4º da Lei 9.455/97 § 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II - se o crime é cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente; II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) III - se o crime é cometido mediante seqüestro. Tortura majorada – causas de aumento de pena O inciso I usa a expressão “Agente público”. Qual o seu significado? De acordo com a maioria, coincide com a definição do artigo 327 do CP. Cuidado!!! É imprescindível que o agente público atue nesta qualidade ou em razão dela para incidir este aumento. PERGUNTA-SE: Agente público que omite dever de evitar a tortura, incide o aumento do §4º, I, ou seria um bis in idem? Prevalece que o §4º aplica-se à tortura omissão. O dever de evitar a tortura não incide apenas aos agentes públicos (os pais têm o dever de evitar a tortura do filho). Dai porque se o garante não necessariamente é agente público Em todas as hipóteses do inciso II as condições da vítima devem ingressar no dolo do agente, para se evitar a responsabilidade penal objetiva. Hipótese do inciso III Sequestro Cárcere privado Privação da liberdade sem confinamento Privação da liberdade com o confinamento. A doutrina entende que a expressão “sequestro” foi utilizada em sentido amplo no dispositivo, de forma a abranger o cárcere privado. Artigo 1º, §5º da Lei 9455/97 § 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Efeitos extrapenais da condenação. Efeitos administrativos da condenação. PERGUNTA-SE: Trata-se de efeito automático da condenação?Perda do cargo, emprego ou função no CP: Regra geral – artigo 92, parágrafo único do CP – efeito não automático. Regra especial – artigo 1º, §5º da Lei 9.455/97 1ª corrente: por analogia ao artigo 92, parágrafo único do CP, trata-se também de efeito não automático. 2ª corrente: trata-se de lei especial, prevalecendo sobre a lei geral. Cuida-se de efeito automático da condenação. ESTA É A CORRENTE QUE PREVALECE, QUE INCLUSIVE CONTA COM INÚMEROS JULGADOS NO STJ. Artigo 1º, §6º da Lei 9.455/97 § 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Em relação a este dispositivo, aplicam-se todas as observações já feitas quando da análise da lei dos crimes hediondos. Artigo 1º, §7º da Lei 9455/97 § 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. Torturador ativo Torturador por omissão Artigo 1º, I, II e §1º Regime inicial fechado Artigo 1º, §2º Regimes semiaberto ou aberto (crime punido com detenção.) A progressão se dá com 2/5, se primário, ou 3/5, se reincidente, já que é crime equiparado a hediondo. A progressão se dá com 1/6 da pena, já que é crime não equiparado a hediondo. Artigo 2º da Lei 9455/97 Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira. Caso de extraterritorialidade. - Crime contra vítima brasileira ou agente em local sob jurisdição brasileira. A extraterritorialidade neste caso, de acordo com o artigo 7º do CP, é condicionada. A nossa lei somente vai alcançar este fato praticado no estrangeiro se presentes determinadas condições. - Crime de tortura contra vítima brasileira ou torturador em local sob jurisdição brasileira. Extraterritorialidade é incondicionada, na forma do artigo 2º da lei de tortura. Ela não depende da presença de qualquer condição.
Compartilhar