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Reflexões históricas ao redor do livro Epidemiologia & Saúde: Fundamentos, Métodos, Aplicações

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Reflexões históricas ao redor do livro Epidemiologia & Saúde:
Fundamentos, Métodos, Aplicações
[Historical reflections on the book Epidemiologia & Saúde:
Fundamentos, Métodos, Aplicações]
Alfredo Morabia1,2
1Queens College, City University of New York, New York, U.S.A.
2Mailman School of Public Health, Columbia University, New York, U.S.A.
Precisamos de um novo manual de epidemiologia em Português? Não seria mais fácil
traduzir um livro que muitos estudantes de epidemiologia têm usado há muitos anos nos
Estados Unidos?
Almeida Filho & Barreto demostram que a resposta à primeira pergunta é afirmativa.
Epidemiologia & Saúde: Fundamentos, Métodos e Aplicações1, que tem sete partes, 63
seções e 98 colaboradores, é diferente de todos os manuais de epidemiologia disponíveis em
qualquer um dos idiomas que eu posso ler.
Brevemente, as sete partes do livro cobrem:
1. História (em geral e no Brasil) e filosofia (epistemologia, conceito de risco);
2. Metodologia (medidas de ocorrência de eventos de saúde e principais desenhos de
estudos);
3. Análise de dados epidemiológicos (modelos de regressão, abordagens multiníveis,
estruturais e complexas, e metanálises);
4. Aplicações por níveis de determinação (molecular, genético, clínico, ambiental,
social e “etnoepidemiológico”);
5. Épocas de vida (infância, adolescência, envelhecimento);
6. Problemas de saúde específicos (doenças infecciosas, respiratórias e
cardiovasculares, câncer, violência e adição, saúde mental, bucal, ocupacional,
nutricional, reprodutiva e sexual);
7. Aplicação da epidemiologia à saúde pública, política e economia de saúde, e acaba
com um “panorama, desafios e perspectivas para uma epidemiologia brasileira”.
Nessa reflexão crítica, quero ilustrar a originalidade do livro de Almeida Filho & Barreto
comparando a definição de epidemiologia dada por eles com definições históricas. A mais
Correspondência. A. Morabia, Center for the Biology of Natural Systems, Queens College, Columbia University. 65-30 Kissena
Boulevard, Flushing NY 11367, U.S.A., alfredo.morabia@qc.cuny.edu.
A versão em inglês deste texto está disponível online no Portal SciELO (http://www.scielo.br/csp).
The English version of this text is available online in the SciELO (http://www.scielo.br/csp).
La versión en Inglés de este texto está disponible en línea en el SciELO (http://www.scielo.br/csp).
NIH Public Access
Author Manuscript
Cad Saude Publica. Author manuscript; available in PMC 2013 September 03.
Published in final edited form as:
Cad Saude Publica. 2013 June ; 29(6): 1059–1062.
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antiga definição da epidemiologia que conheço foi expressa pela Sociedade Epidemiológica
de Londres em 1866 (Tabela 1, item 1a) que reunia pesquisadores de muitas disciplinas em
torno da luta contra o cólera. A definição enfatiza a abordagem populacional que caracteriza
a epidemiologia em contraposição com a fisiologia, patologia e medicina terapêutica. Em
epidemiologia as doenças são examinadas em agregados, em grupos de casos. A definição
destaca o papel da epidemiologia no estudo das relações causais, mas menciona também a
aplicação de novos conhecimentos para melhorar a saúde das pessoas (Tabela 1, item 1b).
Tal foi a definição “pré-formal” da epidemiologia, no século 19. Paradoxalmente, Wade
Hampton Frost, o primeiro professor norteamericano de epidemiologia, não partiu dessa
definição. Elizabeth Fee reconstituiu a evolução de suas ideias sobre o que é a
epidemiologia2. Frost incluiu inicialmente somente as doenças infeciosas agudas (Tabela 1,
item 2a). Em 1919, pouco depois de começar suas funções na Escola de Saúde Pública na
Universidade Johns Hop kins, em Baltimore (Estados Unidos), escreveu que a
epidemiologia tratava da “história natural das doenças infecciosas com referência particular
às circunstâncias e condições que determinam sua ocorrência natural”2 (p. 134). Porém,
rapidamente, suas pesquisas passaram a incluir a tuberculose, que era uma doença infecciosa
de tipo mais crônico. Cinco anos depois do começo de sua chefia da epidemiologia
“hopkinsiana”, Frost ampliou a definição para outras doenças, mas não às doenças
cardiovasculares ou câncer (Tabela 1, item 2b). Finalmente, em 1937, um ano antes da sua
morte, Frost2 (p. 134) escreveu que “a epidemiologia compreende o conjunto do esforço
permanente feito para clarificar a relação entre doença e disfunção que os seres humanos
sofrem e seu modo de vida” (Tabela 1, item 2c).
Não obstante, foi Major Greenwood, o equivalente inglês de Frost, que deu uma definição
universal, ainda que menos rica que a da Sociedade Epidemiológica de Londres. Segundo
Greenwood, a epidemiologia é “o estudo de doenças, quaisquer doenças, como fenômeno de
massa”3 (p. 15).
Depois da segunda guerra mundial, uma nova geração de pessoas, especialmente médicos,
tiveram interesse na epidemiologia como modo de desenvolver a saúde pública. Abraham
Lilienfeld, que foi chefe do departamento de Frost nos anos 1970, declarou que “sem saúde
pública, não há epidemiologia”. Esses epidemiologistas tinham motivações primeiramente
sociais e às vezes politicas. Não causa estranheza então que a definição “clássica” da
epidemiologia, na primeira edição do dicionário de epidemiologia de Last4, tenha dois
componentes: estudar as causas das doenças e usar tal conhecimento para melhorar a saúde
do povo (Tabela 1, item 4).
A segunda parte da definição de Last, que inclui a relação entre a epidemiologia e a saúde
pública desapareceu na definição “moderna” de alguns autores, como por exemplo Rothman
& Greenland5 (Tabela 1, item 5). Onde fica a definição proposta em Epidemiologia e Saúde:
Fundamentos, Métodos e Aplicações? A citação na Tabela 1 (item 6) mostra claramente que
o livro toma uma posição que parece mais com a definição clássica, legando o estudo
etiológico ao melhoramento da saúde pública.
Seria interessante estabelecer o motivo de Almeida Filho & Barreto não abraçarem a
definição “moderna”? Pode ser em razão de o desenvolvimento da epidemiologia e de os
fundamentos de saúde pública serem simultâneos no Brasil, e que, então, a ligação entre os
dois é óbvia para todos? Enquanto na Europa e nos Estados Unidos a epidemiologia
“moderna” germinou num contexto no qual os fundamentos da saúde pública podiam ser
considerados como conquistas políticas e sociais, isto é, como um componente estrutural da
sociedade, a epidemiologia tendo um papel mais específico de exploração etiológica.
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Veremos se no futuro a definição “brasileira” se torna “moderna” ou se a definição
“moderna” se aproxima da definição “brasileira”. Torço pela segunda opção.
Achoque o aspecto mais impressionante de Epidemiologia e Saúde: Fundamentos, Métodos
e Aplicações é a ambição enciclopédica dos autores. O livro cobre mais áreas do que o
Handbook of Epidemiology6, um livro de mil páginas, custando US$ 450. Um projeto dessa
magnitude pode ser realizado em um só país? Haveria apenas no Brasil ou, por exemplo,
somente nos Estados Unidos a experiência necessária para levar a cabo tal projeto?
Entendo que Epidemiologia e Saúde: Fundamentos, Métodos e Aplicações é um manual de
ensino da epidemiologia no Brasil. Alguns capítulos são somente de interesse local. Mas
outros são de interesse universal. Talvez seja possível conceber um manual modular
internacional, multilíngue, no qual especialistas em cada área do mundo inteiro possam
contribuir. Uma dificuldade dessa tarefa seria homogeneizar os conceitos e a nomenclatura,
mas, na minha opinião, vale a pena.
Com seu doce balanço entre epidemiologia de investigação causal e epidemiologia de saúde
pública,o livro de Almeida Filho & Barreto é mais que uma adaptação em português do
conteúdo de manuais existentes, é o conceito mais lindo para o ensinamento da
epidemiologia que eu já vi passar em muitos anos.
Acknowledgments
À Maria Amelia Veras, Catarina Cordeiro e Moyses Szklo por seus comentários sobre o conteúdo e melhoramentos
estilísticos do português. À National Library of Medicine (Estados Unidos) subvenção 1G3LM010884.
References
1. Almeida Filho, N.; Baretto, ML. Epidemiologia & saúde: fundamentos, métodos e aplicações. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011.
2. Fee, E. A history of the Johns Hopkins School of Hygiene and Public Health 1916–1939. Baltimore:
Johns Hopkins University Press; 1987. Disease & discovery.
3. Greenwood, M. Epidemics and crowd diseases: introduction to the study of epidemiology. North
Stratford: Ayer Company Publishers; 1935.
4. Last, JM. A dictionary of epidemiology. New York: Oxford University Press; 1983.
5. Rothman, KJ.; Greenland, S. Modern epidemiology. 2nd Ed.. Philadelphia: Lipincott Williams
Wilkins; 1998.
6. Ahrens, W.; Pigeot, I., editors. Handbook of epidemiology. Berlin: Springer; 2004.
7. Transaction of the Epidemiological Society of London. v. III. Sessions 1866–1876. London:
Hardwicke and Bogue; 1876. Objects of the Epidemiological Society of London.
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Tabela 1
Definições históricas da epidemiologia.
Referência Definição
Sociedade
Epidemiológica de
Londres (1866)7
1a) “Enquanto o objetivo principal das outras sociedades médicas de Londres é a investigação das relações
fisiológicas, patológicas e terapêuticas das doenças, o objetivo principal da Sociedade Epidemiológica é
especialmente o estudo das relações etiológicas e causais e da influência da localidade, clima e estação do ano, da
alimentação e da profissão, etc., etc., sobre o aparecimento, disseminação e continuação das doenças. Doenças são
examinadas não tanto em detalhe mas em agregados; não como casos individuais mas como grupos ou sucessões de
casos; não em um só lugar, mas em muitas e várias áreas de observação”
1b) “A Sociedade Epidemiológica foi instituída em 1850 para o estudo das doenças epidêmicas e endêmicas, e
especialmente para a investigação de (a) vários fatores externos ou físicos e as diferentes condições de vida que
favorecem seu desenvolvimento ou influenciam seu caráter; e (b) as medidas sanitárias e higiênicas mais adequadas
para identificá-las, mitigá-las ou preveni-las”
Wade Hampton Frost
(Escola de Saúde Pública
de Baltimore, 1919–
1937)2 (p. 134)
2a) A “história natural das doenças infeciosas com referência particular às circunstâncias e condições que
determinam sua ocorrência natural” (1919)
2b) “É aceitável falar de epidemiologia da tuberculose … e também aplicar essa palavra a fenômenos massivos de
doenças não infecciosas, como o escorbuto, mas não às doenças ditas constitucionais como arteriosclerose e
nefrite” (1924)
2c) “A epidemiologia compreende o conjunto do esforço permanente feito para clarificar a relação entre doença e
disfunção que os seres humanos sofrem e seu modo de vida” (1937)
Major Greenwood
(1935)3 (p. 15)
3) “O estudo de doenças, quaisquer doenças, como fenômeno de massa”
Dicionário da
Epidemiologia (1983)4
p. 32-3)
4) “O estudo da distribuição e dos fatores determinantes de estados de saúde ou eventos de saúde em populações, e
a aplicação deste estudo ao controle de problemas de saúde”
Epidemiologia Moderna
(1998)5 (p. 29)
5) “O objetivo último da maior parte da pesquisa epidemiológica consiste na elaboração de causas que explicam
padrões de ocorrência das doenças”
Epidemiologia & Saúde
(2011)1 (p. 3)
6) “A ciência que estuda o processo saúde-enfermidade na sociedade, analisando a distribuição populacional e
fatores determinantes do risco de doenças, agravos e eventos associados à saúde, propondo medidas específicas de
prevenção, controle, ou erradicação de enfermidades, danos ou problema de saúde e de proteção, promoção ou
recuperação da saúde individual e coletiva, produzindo informação e conhecimento para apoiar a tomada de
decisão no planejamento, administração e avaliação de sistemas, programas, serviços e ações de saúde”
Cad Saude Publica. Author manuscript; available in PMC 2013 September 03.

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