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UAB – UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL FUESPI – FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA DIDÁTICA E FORMAÇÃO DOCENTE Ana Amélia Brandão Sotero FUESPI 2012 Sotero, Ana Amélia Brandão. Didática e formação docente / Ana Amélia Brandão Sotero, - Teresina : FUESPI, 2012. 152 p. ISBN 978-85-61946-71-5 Material de apoio pedagógico ao Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia do Núcleo de Educação a distância da Universidade Estadual do Piauí – NEAD/UESPI. 1. Didática. 2. Prática docente. 3. Prática educativa. 4. Planejamento didático. I. Abreu, Jânio Jorge Vieira. II. Título. CDD 371.3 S7172d Ficha elaborada pelo Serviço de Catalogação da Biblioteca Central da UESPI Aureste de Sousa Lima (Bibliotecário) CRB-3/1215 Presidente da República Dilma Vana Rousseff Vice-presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia Ministro da Educação Aloizio Mercadante Oliva Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação a Distância CAPES/MEC Celso José da Costa Governador do Piauí Wilson Nunes Martins Secretário Estadual de Educação e Cultura do Piauí Átila de Freitas Lira Reitor da FUESPI – Fundação Universidade Estadual do Piauí Carlos Alberto Pereira da Silva Vice-reitor da FUESPI Nouga Cardoso Batista Pró-reitor de Ensino de Graduação – PREG Francisco Soares Santos Filho Coordenadora da UAB-FUESPI Márcia Percília Moura Parente Coordenador Adjunto da UAB-FUESPI Raimundo Isídio de Sousa Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação – PROP Geraldo Eduardo da Luz Júnior Pró-reitora de Extensão, Assuntos Estudantis e Comunitários – PREX Marcelo de Sousa Neto Pró-reitor de Administração e Recursos Humanos – PRAD Francisco Canindé Dias Alves Pró-reitor de Planejamento e Finanças – PROPLAN Raimundo da Paz Sobrinho Coordenadora do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia – EAD Umbelina Saraiva Alves Edição UAB - FNDE - CAPES UESPI/NEAD Diretora do NEAD Márcia Percília Moura Parente Diretor Adjunto Raimundo Isídio de Sousa Coordenadora do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia Umbelina Saraiva Alves Coordenador de Tutoria José da Cruz Bispo de Miranda Coordenadora de Produção de Material Didático Cândida Helena de Alencar Andrade Autora do Livro Ana Amélia Brandão Sotero MATERIAL PARA FINS EDUCACIONAIS DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS CURSISTAS UAB/ FUESPI UAB/UESPI/NEAD Campus Poeta Torquato Neto (Pirajá), NEAD, Rua João Cabral, 2231, bairro Pirajá, Teresina (PI). CEP: 64002-150, Telefones: (86) 3213-5471 / 3213-1182 Web: ead.uespi.br E-mail: eaduespi@hotmail.com Revisão Jânio Jorge Vieira de Abreu Teresinha de Jesus Ferreira Diagramação Pedro Leonardo de Sousa Magalhães Capa Luiz Paulo de Araújo Freitas SUMÁRIO UNIDADE I................................................................................................07 1. DIDÁTICA, PEDAGOGIA E PRÁTICA EDUCATIVA..............................09 1.1 Didática: conceito, origem e evolução histórica...................................15 1.1.1 A Didática e seus principais pensadores................................17 1.1.2 O objeto de estudo da Didática..............................................21 1.2 Didática e prática educativa ................................................................22 1.3 A importância da Didática na formação de professores......................24 UNIDADE II...............................................................................................43 2.O PAPEL DA DIDÁTICA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM.....45 2.1 A Didática e as tendências pedagógicas no Brasil .............................46 2.2 Os processos didáticos básicos do ensino e a aprendizagem escolar.......52 2.2.1 Abordagem tradicional............................................................53 2.2.2 Abordagem comportamentalista.............................................54 2.2.3 Abordagem humanista...........................................................55 2.2.4 Abordagem construtivista.......................................................57 2.2.5 Abordagem sociocultural........................................................58 2.3 Métodos de Ensino...............................................................................60 2.3.1 Conceito de métodos de ensino.............................................60 2.3.2 Relação objetivo-conteúdo-método.........................................61 2.3.3 Classificação dos métodos de ensino........................................61 2.3.3.1 Método de exposição pelo professor........................62 2.3.3.2 Método de trabalho independente............................64 2.3.3.3 Método de elaboração conjunta................................65 2.3.3.4 Método de trabalho em grupo...................................66 2.3.3.5 Interdisciplinaridade..................................................68 2.3.3.6 Atividades especiais..................................................71 2.3.4 Meios de ensino................................................................................71 UNIDADE III..............................................................................................78 3. A DIDÁTICA NA AÇÃO DOCENTE........................................................81 3.1 A prática educativa em sala de aula....................................................82 3.1.1 Os saberes docentes........................................................................83 3.1.2 As competências para ensinar..........................................................85 3.2 As relações entre professores e alunos..............................................95 3.2.1 Aspectos cognoscitivos e socioemocionais.......................................97 3.2.2 A motivação e a criatividade em sala de aula.................................103 UNIDADE IV............................................................................................109 4. O PLANEJAMENTO.............................................................................111 4.1 Planejamento curricular......................................................................116 4.2 Planejamento de curso.....................................................................117 4.2.1 Planejamento de disciplina.............................................................118 4.2.2 Plano de disciplina..........................................................................121 4.2.3 Plano de aula..................................................................................122 UNIDADE V.............................................................................................131 5 A AVALIAÇÃO.......................................................................................133 5.1 Avaliação escolar: definições.............................................................135 5.2 Avaliação formativa............................................................................137 5.3 Conteúdos da avaliação: avaliação dos conteúdos...........................140 5.4 Formalização da avaliação escolar: os instrumentos de avaliação..142 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................147 UNIDADE I DIDÁTICA, PEDAGOGIA E PRÁTICA EDUCATIVA OBJETIVOS • Identificar as origens, o objeto de estudo e finalidades da Didática. • Compreender a Didática como ciência do ensinar e aprender mediada pela reflexão sistemática da prática educativa. • Estabelecer relações entre os conhecimentos sistematizados socialmente sobre Pedagogia, Didática e Formação Profissional de Professores. • Conhecer as principais modalidades de educação, importância, influênciase principais pensadores. FUESPI/ NEAD Pedagogia 9 1. DIDÁTICA, PEDAGOGIA E PRÁTICA EDUCATIVA Ao iniciarmos o estudo sobre a Didática, faremos um resgate de aspectos importantes da história da Pedagogia e da Didática para entendermos a sua evolução, contribuições e identificações científico-pedagógicas com a prática educativa. A sua postura de leitor ativo será fundamental, assim como a realização das atividades de aprendizagem sugeridas em cada capítulo, pois todo esse material foi preparado para você, aluno, ter sucesso no estudo dessa disciplina. Com origem na Grécia antiga, a Pedagogia firmou-se no Ocidente como a ciência do ensino, após passar por um processo de construção de suas finalidades e aperfeiçoamento de métodos e técnicas de trabalho. A Pedagogia foi entendida, inicialmente, como condução de crianças e depois agregou novas concepções sobre a sua prática e exequibilidade. Isso porque a origem etimológica da palavra pedagogia vem do grego: paidós que significa a criança; agein que corresponde a conduzir e logos que significa tratado ou ciência. Por isso, nos primórdios, pedagogos era o termo utilizado para designar os escravos que acompanhavam as crianças na ida à escola. Embora em situação de submissão pela condição de escravos, eles desenvolveram habilidades em tratar com crianças para bem desenvolver a função de conduzi-las da melhor forma. Essas habilidades foram aperfeiçoadas técnica e cientificamente, ao longo do tempo e, atualmente, o Pedagogo é um especialista em assuntos educacionais, conduzindo com métodos e técnicas científicas especializadas todo o processo educativo. Dessa forma, a Pedagogia tornou-se uma ciência que investiga a educação como processo social. A conquista do status de Ciência exigiu da Pedagogia delinear a sua finalidade, seu objeto de estudo e fornecer explicação convincente do Imagem disponível em: http:// www.google.com.brimgresq=www. dominiopublico.gov.br.jsp Didática e formação docente 10 processo educativo com todas as peculiaridades que lhe são inerentes. Para Libâneo (1994, p. 24), A Pedagogia é um campo de conhecimentos que investiga a natureza das finalidades da educação numa determinada sociedade, bem como os meios apropriados para a formação dos indivíduos, tendo em vista prepará-los para as tarefas da vida social. O adentramento aos espaços da escola impôs à Pedagogia a necessidade de sistematizar caminhos eficientes e eficazes que pudessem garantir a sua consolidação. As abordagens desenvolvidas, relações estabelecidas e especificidades delimitadas possibilitaram a identificação do cunho eminentemente social que permeia as práticas educativas, fato social ligado à origem da própria humanidade. É, neste contexto, que emerge a Didática, enquanto área de conhecimento propulsora do fazer pedagógico e da própria aprendizagem posto que cria/recria e ressignifica os elementos educativos historicamente construídos. O estudo da educação exige uma compreensão dos aspectos sociais, políticos, econômicos e psicológicos para que se tenha maior clareza do fenômeno educativo. Para isso a Pedagogia recebe contribuição de Imagem diponivel em httpwww.google.com. brimgresq=www.dominiopublico.gov.br.jpg FUESPI/ NEAD Pedagogia 11 outras ciências como a História, Filosofia, Sociologia, Psicologia, Economia e desenvolve ramos de conhecimentos que tratam das especificidades do ato educativo. Ao longo dos séculos, a Pedagogia constituiu seu corpo teórico próprio, de área que trata da complexa subjetividade do ato de aprender, do ponto de vista pedagógico, todavia isso não lhe evitou ter sido invadida por constantes críticas, como está expresso ao longo deste trabalho. A Pedagogia sofreu fortes influências da Escolástica, portanto da Filosofia, e tais influências ajudaram a constituir seu processo de identidade científica, pois contribuíram na definição do objeto de estudo, finalidades e objetivos, mesmo que com um conteúdo ainda tradicional, como também veremos no desenvolvimento deste estudo. Com a hegemonia da Escola Nova, a Psicologia trouxe fortes influências e contribuições à Pedagogia. Nos ano 70, a Economia norteou os caminhos da Educação a serviço do desenvolvimento do país. Segundo Libâneo (1994), nos anos 80 e 90, as Teorias da Reprodução e o ápice do Marxismo fizeram com que a Pedagogia fosse invadida pelo substrato da Política e da Sociologia. Essa influência teve efeito devastador, expurgou da escola os alunos socialmente desfavorecidos, e os sociólogos assumiram a tarefa de destruição da Pedagogia por questões ideológicas e de supervalorização da pesquisa sociológica em detrimento da pedagógica. Esse conflito entre ciências provocou um massacre dos pedagogos (considerados responsáveis pelos problemas sociais por que passava a educação nacional), uma deturpação da visão e compreensão do ambiente escolar e da sala de aula, em prol da militância e da doutrinação, de modo que a identidade do pedagogo ficou confusa e indefinida. Houve uma negação dos métodos e técnicas de ensino e dos clássicos da Pedagogia. As disciplinas pedagógicas foram banidas do currículo, sendo substituídas pelos fundamentos de natureza sociológica, filosófica, antropológica, histórica. Assim, os pedagogos eram então afastados da prática pedagógica, pois não mais se sentiam aptos a fazer Educação, já que tinha sido extirpado da sua formação o estudo dos conteúdos, Didática e formação docente 12 métodos e técnicas que os habilitava ao exercício da prática pedagógica (AMARAL, 2002). Nesse período, a Pedagogia foi acusada de só conseguir chegar ao portão da escola e não adentrar à sala de aula. Como consequência, veio o progressivo fracasso escolar, pois era demonstrada a incapacidade de orientar o próprio processo de alfabetizar, ora considerado função elementar da Pedagogia; na ausência de parâmetros genuínos e apropriados, persistiu a dúvida sobre como fazer educação na escola, impregnada pela celeuma sociológica radical. Sem identidade, os pedagogos passaram a representar papéis de outros profissionais, e tudo o que conseguiram foi ser pseudoprofissionais. Bourdieu (1982), ao tratar de campos teóricos, afirma que a escola foi invadida por outros profissionais, com bagagem bastante para falar de educação, criticar a educação, refletir sobre a educação, mas não suficiente para fazer educação. As universidades brasileiras tiveram que enfrentar uma verdadeira luta ideológica, técnica e ética no sentido de preparar esses profissionais para retomar o seu lugar de espaço de profissional da prática pedagógica. Em pesquisa sobre o assunto, Gauthier (1998) traça um perfil do professor dessa época a quem bastaria dominar o conteúdo, ter cultura, ter bom senso, dentre outros e que ora seria substituído pela consciência da necessidade de preparo pedagógico, o que os tornaria melhores professores, ainda que fossem bons profissionais em sua formação de origem: engenheiros, médicos, veterinários, advogados, enfermeiros, odontólogos e tantos outros. Todo esse entendimento mostra a necessidade de resgate da credibilidade do Pedagogo já que, do bom professor, espera- se que seja capaz de refletir sobre a Educação na sua totalidade, mas também seja capaz de promover o ensino e a aprendizagem, somente possível com domínio dos métodos e técnicas de ensino e conhecimento das pesquisas pedagógicas. No início do século XXI, a Pedagogia conquistou o espaço profissional da sala de aula, através do aprimoramento pedagógico em construção pelo aprofundamento da pesquisa em educação. O amplo FUESPI/ NEAD Pedagogia 13 arcabouço teórico desta ciência como prática social possibilitou-lhe redimensionamentodos seus estudos em áreas específicas, conforme as instituições e atividades humanas desenvolvidas na sociedade criando- se, assim, espaços de atuações de pedagogia familiar, política, hospitalar, empresarial etc. e da pedagogia escolar que, particularmente, é a que nos interessa, neste estudo. A pedagogia escolar comporta o estudo dos mais variados aspectos do ato educativo nos espaços e tempos de aprendizagem escolar, além das teorias que fundamentam essa ação, dentre elas, a Teoria da Educação, Teoria da Escola, Organização Escolar e Teoria do Ensino que norteiam a ação educativa. Segundo Libâneo (1994, p. 17), duas modalidades de educação têm sido reconhecidas pelos estudos da Pedagogia: a educação não intencional e a educação intencional. A educação não intencional, também denominada por educação informal, assistemática ou social, refere-se às influências do contexto social mais amplo sobre o indivíduo. Trata-se da aquisição de saberes (conhecimentos) e práticas (experiências), ideias, atitudes e valores em ambientes de aprendizagem espontânea, pois não há um controle e organização mais rígidos do processo de ensino-aprendizagem e, na maioria vezes, nem estão relacionados a uma instituição específica de ensino. Exemplos desse tipo de educação são as formas de organização comunitárias, relações na família, relações no trabalho, os grupos de convivência humana, grupos culturais e as relações de aprendizagem nos grupos de iguais. A educação intencional, também chamada de educação formal, sistemática ou escolar, refere-se às influências em que há intenções e objetivos definidos conscientemente e que têm uma relação direta com a Imagem diponivel em: httpwww. google.com.br.imgresq=www. dominiopublico.gov.brpesquisapes- quisaObraForm.jpg Didática e formação docente 14 aprendizagem cognitiva, atitudinal e procedimental, tal como ocorre nos ambientes da escola ou fora dela, mas com o objetivo de concretizá-la ou de ampliá-la. Entretanto, sabe-se que os contextos de aprendizagem não ocorrem apenas nessas duas formas. Trilha (1993) apresenta outra classificação e afirma a tenuidade da fronteira entre elas: a educação formal que designa processos específicos de instrução que visam à obtenção de graus de escolarização, através de processo caracterizado de intencionalidade, organização, planificação e ato sistemático, a serviço dos objetivos pretendidos. Há, portanto, uma intencionalidade do agente educativo, e o exemplo clássico é a escola. Sobre a educação informal, o autor a caracteriza afirmando que seus processos educativos são produzidos de forma indiferenciada e subordinada a outros objetivos e processos sociais, sem predomínio da função educativa dominante, por isso chamada por alguns autores de educação difusa. Nesse caso, não há uma intencionalidade do agente. Um exemplo que parece ser intersecção entre todas as classificações é o da família, embora o autor afirme ser “óbvio que não é possível alegar que os pais, ao atuarem educativamente, sempre o fazem sem intenção de educar.” (TRILHA, 1993, p. 26). A outra forma de educação seria a não formal, considerada como uma educação intencional do ponto de vista de que o agente desse tipo de educação tem uma expressa e planificada intencionalidade na sua prática educativa. Tem alguns objetivos próximos da educação formal, tais como a formação do cidadão pleno, mas por outro lado, tem a possibilidade de desenvolver objetivos específicos, tal como ocorre com o trabalho desenvolvido em conselhos, lutas sociais, trabalhos culturais. Esse tipo de educação também prevê alguns eixos tais como educação para a justiça social, direitos (humanos, sociais, políticos, culturas e etc.); liberdade; democracia; luta contra discriminação e exercício da cultura. Constitui-se, portanto, objeto de investigação da Pedagogia a natureza das finalidades da educação numa determinada sociedade, assim como os meios adequados para a formação dos indivíduos de modo a viver adequadamente no contexto dessa sociedade. FUESPI/ NEAD Pedagogia 15 1.1 Didática: conceito, origem e evolução histórica A origem da Didática coincide com os primórdios do ato de ensinar, pois surgiu da necessidade de se obterem melhores resultados na ação educativa, ou seja, a Didática é o resultado da intenção de planejar o ensino. O termo Didática tem origem em techné didaktiké, traduzida como arte ou técnica de ensinar remetendo-nos à definição de parte da pedagogia que estuda os diferentes processos de ensino e aprendizagem e se ocupa dos métodos e técnicas de ensino que tornam exequível a teoria pedagógica. Enquanto adjetivo, o vocábulo tem origem no termo didásko, que indica a característica de realização lenta através do tempo, inerente ao processo de instruir. O surgimento da didática deu-se no momento em que os adultos começaram a deliberar e planejar a atividade de ensino para crianças e jovens. Esse momento coincidiu com a sistematização da escola enquanto instituição pedagógica de ensino. Até meados do século XVII, não há registros na literatura de que a Didática tenha sido utilizada para sistematizar o pensamento didático ou como estudo científico das formas de estudar. Por isso, não se pode dizer que até então tenha sido feito uso da Didática como teoria do ensino. Segundo Libâneo (1994, p. 57), na Grécia Antiga e no período medieval, gregos e romanos já desenvolviam formas de ação pedagógica, em escolas, mosteiros, igrejas, universidades. Entre os gregos, a Didática significava maneira de facilitar o ensino e a aprendizagem de modos de conduta Imagem diponivel em httpwww. google.com.brimgresq=www. dominiopublico.gov.br.jpg Didática e formação docente 16 desejáveis. Assim foi utilizada por este povo “para a transmissão de conteúdos tanto morais como cognitivos, com um aparente acentuamento hipertrofiado para este último” (LUCKESI, 1993). Nas escolas da Idade Média, predominou um ensino intelectualista, verbalista e dogmático, valorativo da memorização e repetição mecânica dos ensinamentos do professor, dicotomizador da relação escola-vida. A escola da Idade Média carregou sobre si o peso do poder da religião na vida social. Segundo Libâneo (1994, p. 58), A formação da teoria didática para investigar as ligações entre ensino e aprendizagem e suas leis ocorre no século XVII, quando João Amós Comênio (1592-1670) um pastor protestante, escreve a primeira obra clássica sobre Didática, a Didática Magna. Ele foi o primeiro educador a formular a ideia da difusão dos conhecimentos a todos e criar princípios e regras do ensino. O objetivo fundamental da didática enquanto ciência é ocupar-se das estratégias de ensino, das questões práticas referentes à metodologia e das estratégias de aprendizagem. Mas não só isso, a Didática se apoia em posturas filosófico-sociológicas como o funcionalismo, o positivismo, Imagem disponível em http://www.google.com.brimgresq=www.dominiopublico.gov.br.jsp FUESPI/ NEAD Pedagogia 17 formalismo e o idealismo. Pode-se afirmar que a Didática, enquanto disciplina, funciona como elemento transformador da teoria em prática. Dessa forma, não é apenas orientação para a prática ou receituário do bom ensino. Ela convive, reflete e discute a dupla feição: teoria e prática, sendo por isso considerada eixo da formação profissional de todo docente. Dessa forma, podemos dizer que a Didática, ao se relacionar com o ensino, remete seu foco à produção de aprendizagem, pois ela instrumentaliza o professor com recursos indispensáveis ao aprimoramento dos processos de ensino e de aprendizagem que garantem o sucesso do aluno. Para promover a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno, ela não se limitaao avanço cognitivo intelectual, mas envolve progressos na afetividade, na moralidade e na sociabilidade, posto que promove o desenvolvimento integral do aluno. 1.1.1 A Didática e seus principais pensadores Detentor de ideias inovadoras para a época, Comênio empenhou-se em desenvolver métodos de instrução mais rápidos e eficientes, adentrou na ideia de universalização do conhecimento na medida em que defendeu o direito de todos usufruírem dos benefícios do conhecimento, embora tenha sido muito criticado pelos contemporâneos e sido influenciado pelas ideias da Escola da Idade Média. Comênio cuja máxima ficou conhecida como “ensinar tudo a todos”, conquistou o reconhecimento de primeiro educador a formular a ideia de difusão dos conhecimentos e sistematização do ensino na medida em que criou princípios e regras do ensino. A Didática de Comênio teve como princípios: a) A educação é força poderosa de regeneração da vida humana e Imagem disponível em http://www. google.com.brimgresq=www.dominio- publico.gov.br.jsp Didática e formação docente 18 sua finalidade consiste em conduzir à felicidade eterna com Deus, tornando os homens bons cristãos. O objetivo da educação consiste em desenvolver a sabedoria humana e a moral, levando o homem à perfeição. Dessa forma, a educação é um direito natural de todos os homens. b) Todos os homens são dotados da mesma natureza humana, mesmo sendo portadores de inteligências diversas, e por isso devem ser educados conforme a idade e a sua capacidade para o conhecimento. Por isso, cabe à Didática conhecer o desenvolvimento natural do homem, estudar suas características e os métodos de ensiná-lo. c) No ensino, a percepção sensorial tem um papel decisivo de modo que os conhecimentos são adquiridos através da utilização e do desenvolvimento dos órgãos dos sentidos, a partir da observação das coisas e dos fenômenos. A assimilação dos conhecimentos não se dá de forma instantânea ou mecânica, mas através da interpretação pela razão das experiências sensoriais obtidas por meio dos objetos. d) O método intuitivo consiste na observação direta das coisas, através dos órgãos dos sentidos e registro mental pessoal das impressões obtidas pelo aluno. O planejamento do ensino deve obedecer ao curso da natureza infantil, pelo que se deve ensinar respeitando o curso natural do desenvolvimento infantil: primeiro as coisas, depois as palavras, paulatinamente, devendo-se inclusive evitar ensinar o que não está em nível de compreensão da criança, ou seja, o ensino deve ser linear e progressivo. As intensas mudanças ocorridas nas formas de produção ocasionaram transformações e desenvolvimento da ciência e da cultura, o que provocou um relativo equilíbrio entre o poder da nobreza e do clero e o da burguesia. Comênio defendia a importância da educação formal de crianças em tenra idade pelo que preconizou a criação das escolas maternais, onde as crianças poderiam ter a oportunidade de adquirir noções para que fossem aprofundadas depois. A base do método didático é a compreensão, retenção e práticas, que deve partir das faculdades essenciais – intelecto, FUESPI/ NEAD Pedagogia 19 vontade e memória, para chegar às qualidades fundamentais: erudição, virtude e religião. A Didática Magna apresenta as características fundamentais da escola moderna: a concepção moderna de infância e sua pedagogização através da escolaridade formal; aliança entre escola e família; organização da transmissão dos saberes pelo método da instrução simultânea (trabalho pedagógico por agrupamentos); reconhecimento de um lugar específico de educador ou mestre, portador de saberes legítimos e necessários à prática educativa. Alvo de muitas críticas, Comênio foi acusado de causar prejuízos à educação pela disseminação de ideias como: defesa ao ensino universal das ciências humanas, desde a educação infantil, o que prejudicaria a capacidade de educação das pessoas e a formação do senso crítico delas; e inadequação do método didático a idades menores, posto que estas não teriam condições de analisar criticamente os ensinamentos oferecidos no nível do que propôs Comenius. Em decorrência de tais críticas, Comênio foi acusado de atribuir ao conhecimento transmitido uma função utilitarista para fins profissionais futuros não se preocupando com a formação da pessoa e do ser crítico. Mesmo assim Jan Amos Komenský, mais conhecido por Comenius, foi considerado, um dos maiores educadores do século XVII, o pai da didática moderna. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) contribuiu para a história da didática com duas ideias fundamentais: a de que a preparação da criança deve se basear nas necessidades atuais, ou seja, antes de estudar os conceitos fundamentais a criança deve ter despertado o seu gosto pelo estudo, já que os verdadeiros professores são a natureza, a experiência e o sentimento. Outra ideia do pensador é a de que a educação é processo e tendência natural fundamentada no desenvolvimento interno do aluno. Imagem disponível em http://www.google.com. brimgresq=www.dominiopu- blico.gov.br.jsp Didática e formação docente 20 Para ele, as crianças nascem boas; mas Rousseau não desenvolveu uma teoria de ensino. Henrique Pestalozzi (1746-1827) dedicou sua vida laboral às crianças pobres em instituições por ele dirigidas e defendeu que a educação, através do ensino, é meio de desenvolvimento das capacidades humanas, como aprimoramento do sentimento, da mente e do caráter. Defendeu o método intuitivo, e, por isso, valorizou a educação intelectual e preocupou-se em desenvolver o senso de observação, análise e a capacidade da linguagem. As ideias desses intelectuais influenciaram muitos pedagogos, inclusive Johann Friedrich Herbart (1766-1841), inspirador da pedagogia conservadora, que desenvolveu análise do processo didático no que se refere aos interferentes psicológicos na aquisição de conhecimentos. Herbart defendeu a moralidade como fim da educação, viabilizada essencialmente pela instrução educativa. A instrução para Herbart seria a força propulsora do desejo do homem de ser bom, de ter o comando de si próprio e de pretender a aquisição da retidão humana. Assim, ele considerou o professor um arquiteto da mente e atribuiu- lhe a capacidade de direcionar a atenção dos alunos às ideias que deseja serem registradas na mente do aprendiz, controlar seus interesses e construir as ideias favorecedoras da assimilação de ideias novas. Defendeu a unificação dos métodos de ensino, no qual o melhor seria aquele que possibilita a acumulação de ideias, que fosse baseado nas leis psicológicas do conhecimento, estabelecendo passos didáticos rigorosos: a) clareza - preparação e apresentação da matéria nova de forma clara e completa; b) associação entre ideias antigas e novas; c) sistematização dos conhecimentos para proceder a generalização; d) aplicação ou seja, uso dos conhecimentos adquiridos pelo exercício. Os discípulos herbatianos reordenaram a proposta de organização da ação didática em cinco passos formais: preparação, apresentação, assimilação, generalização e aplicação. Essa proposta ainda é utilizada por professores da atualidade. Dentre os organizadores da prática pedagógica herbatiana, que valorizou a transmissão de conhecimentos, FUESPI/ NEAD Pedagogia 21 destacaram-se: a necessidade da estruturação e ordenação do processo de ensino, o predomínio da compreensão dos assuntos estudados sobre a memorização, o significado educativo da disciplina na formação do caráter. Sua concepção idealizava uma aprendizagem mecânica, automática, associativa, desconsiderando a atividade mental, a reflexão e o pensamento independente e criativo dos alunos. A esses estudiosos,juntaram-se muitos outros que formaram as bases do pensamento pedagógico europeu cujas ideias se disseminaram pelo mundo inteiro assim como sofreram transformações. Em estudos de capítulos posteriores, trataremos de teóricos da atualidade que estão promovendo mudanças significativas no pensamento didático. 1.1.2 O objeto de estudo da Didática Por muito tempo, defendeu- se que o objeto de estudo da didática seria o fenômeno ensino. Foi óbvio pensar assim, quando imposta uma visão unilateral do processo, valorizando-se mais ou apenas o fenômeno ensino. A educação bancária evidenciou e explicou o processo pelo deslocamento do conhecimento da fonte do saber (o professor) à fonte da ignorância (aluno) e por isso foi contestada por Freire (1975) que afirmou não ser o aluno um receptor passivo dos conhecimentos e nem o professor um mero transmissor. Mas ainda há que se abrir espaço para outro aspecto da questão: como fica a aprendizagem? Como se conceberia ensino sem aprendizagem? Essa tem sido considerada uma forte questão epistemológica: não há ensino no vazio e assim sendo não Imagem disponível em http://www.google. com.brimgresq=www.dominiopublico.gov. br.jsp Didática e formação docente 22 há como desvincular ensino da aprendizagem; a aprendizagem é o fim maior desse processo; e para haver ensino há que se ter um sujeito da aprendizagem. E o diálogo é fundamental para o estabelecimento desse processo: a construção do conhecimento. O objeto de estudo da Didática é, portanto, o processo de ensino- aprendizagem, com todas as características, dificuldades e relações inerentes. E assim sendo, inclui também os conteúdos dos programas e dos livros didáticos, os métodos e formas organizativas do ensino, as maneiras ou estilos de aprendizagem do sujeito cognoscente, as atividades do professor e dos alunos e as diretrizes que regulam e orientam o processo como todo. A Didática investiga os fundamentos, condições e modos de realizar a instrução e o ensino, converte objetivos sociopolíticos e pedagógicos em objetivos de ensino, seleciona conteúdos e métodos indicados para a consecução dos objetivos e mais que isso, é a Didática que estabelece os vínculos entre o ensino e a aprendizagem, que são os dois momentos essenciais da prática pedagógica. 1.2 Didática e Prática Educativa Ao iniciarmos o estudo deste capítulo, socializamos ideias de educação como um fenômeno social e universal, inerente à própria humanidade, pois é patrimônio do desenvolvimento da vida em sociedade e necessário à existência e desenvolvimento destas sociedades. Também analisamos o ato de educar como inespecífico da ação didática no espaço em sala de aula, considerando que ocorre em outros contextos sociais, possivelmente em todos os lugares onde o homem está. Dessa forma, o trabalho docente é uma das modalidades peculiares da prática educativa ora mais ampla, ora mais específica. Com tamanha complexidade, as relações entre prática educativa e vida social, em qualquer espaço e tempo, participam da dinâmica das relações sociais e, portanto das formas de organização social. Ao analisar as relações entre prática educativa e sociedade, Libâneo (1994, p. 21) afirma que: FUESPI/ NEAD Pedagogia 23 No trabalho docente, sendo manifestação da prática educativa, estão presentes interesses de toda ordem – sociais, políticos, econômicos, culturais – que precisam ser compreendidos pelos professores. É preciso compreender também que as relações sociais existentes na sociedade não são estáticas, imutáveis, estabelecidas para sempre. Elas são dinâmicas, uma vez que se constituem pela ação humana na vida social. Isso significa que as relações sociais podem ser transformadas pelos próprios indivíduos que a integram. Portanto, na sociedade de classes, não é apenas a minoria dominante que põe em prática os seus interesses. [...] Por isso mesmo, o reconhecimento do papel político do trabalho docente implica a luta pela modificação dessas relações de poder. A prática educativa é o processo pelo qual são organizados, mediados e construídos os saberes e as experiências acumulados e necessários à vida em sociedade. Ele é assegurado e orientado por preceitos da Pedagogia, através de um conjunto de condições metodológicas e organizativas. Da Didática se recebem as orientações sobre os fundamentos, condições e estratégias de realização da instrução e do ensino, de modo que sejam definidos, organizados e planificados elementos como linhas educativas, métodos, objetivos, conteúdos, definição de capacidades e habilidades a serem desenvolvidas no educando, formas de avaliação, dentre outros. Para tanto, a Didática, assim como a Pedagogia, conta com vários campos de conhecimentos como: A Filosofia e História da Educação, que fornecem conhecimentos e reflexões sobre as teorias da educação, o ato educativo e fundamentos da prática, sobre seus condicionamentos internos e externos, fins e objetivos. Da Sociologia da Educação, recebe ajuda no sentido de compreender a educação como processo social e de reconhecer as relações entre o trabalho docente e a sociedade. A Psicologia da Educação estuda os aspectos psicológicos interferentes no processo de ensino e de aprendizagem, relações entre desenvolvimento e aprendizagem, mecanismos psicológicos inerentes ao ato de aprender e não aprender, Didática e formação docente 24 bem como as relações afetivas entre os agentes educativos que interferem no processo de ensino e aprendizagem. Muitas outras áreas de conhecimento têm oferecido estudos e pesquisas sobre aspectos metodológicos de estrutura e organização da ação docente e gestão em sala de aula, além de saberes afins que contribuem para o enriquecimento da prática educativa. Assim, podemos afirmar que todos os elementos, agentes integrantes do processo educativo dão significados à prática educativa, pelas relações que são estabelecidas entre eles, às vezes, carregadas de conflitos, contradições e especificidades do ato educativo, conforme o espaço e o tempo em que ocorre. 1.3 A importância da Didática na formação de Professores Durante muito tempo, a formação profissional do professor não se constituiu preocupação dos governos brasileiros que não instituíam parâmetros para sua exequibilidade ou que as conduziam a partir de paradigmas impróprios às exigências sociopolíticas dos tempos e espaços a que se destinam. A análise desta temática exige que conheçamos um pouco da história da formação de professores no Brasil, suas influências e formas de organização política educacional. Nesta retrospectiva histórica da formação de professores refletiremos sobre o papel ou a finalidade da didática na constituição do ser professor, nas diversas épocas. Para Candau (1993), essa função se define clara e precipuamente como função formadora, ora exaltada ora denegada. As mudanças de concepções sobre a educação, suas finalidades, papel da escola, trabalho docente e resultados obtidos construíram paradigmas e provocaram regulamentações no aparato legal da área educacional, ao longo dos anos, repercutindo diretamente nas políticas de formação dos profissionais da educação, em particular, na formação do professor. Para melhor compreensão da questão, iniciaremos o nosso estudo fazendo algumas reflexões sobre as principais concepções a respeito da relação entre Didática e formação de professores em nosso país. FUESPI/ NEAD Pedagogia 25 No Brasil, a primeira referência didática foi imposta por um modelo tradicional de escola da didática jesuítica, trazida pela Companhia de Jesus. Esta Companhia foi fundada por Inácio de Loiola e um pequeno grupo de discípulos, em Paris, em 1534, na Capelade Montmartre cujos objetivos principiantes eram catequéticos, em função da Reforma Protestante e a expansão do luteranismo na Europa. Em março de 1549, os primeiros jesuítas que chegaram ao território brasileiro, junto com Tomé de Souza e, comandados pelo Padre Manoel de Nóbrega, edificaram a primeira escola elementar brasileira, em Salvador, quinze dias após a chegada. Irmão Vicente Rodrigues, com 21 anos de idade, foi o primeiro professor, com formação aos moldes europeus e durante mais de 50 anos, dedicou-se ao ensino e à propagação da fé religiosa. Os jesuítas cultivaram a pregação da fé católica e o trabalho educativo no Brasil, por perceberam a impossibilidade de converter os índios à fé católica sem que soubessem ler e escrever. A obra jesuítica estendeu-se do nordeste para o sul e, em 1570, contava com cinco escolas de instrução elementar (Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo de Piratininga) e três colégios (Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia). O panorama político-econômico do Brasil definia-se como uma sociedade de economia agrária-exportadora, dependente (RIBEIRO, 1992), explorada pela Metrópole, e cuja educação não se constituía valor social importante. A tarefa de educar, que se resumia em catequizar índios e negros e instruir os descendentes de colonizadores, obedecia a plano de instrução da Ratio atque Instituto Studiorum, chamado abreviadamente de Ratio Studiorum, trazido da Europa que consistia num documento escrito por Inácio de Loiola, e fazia uso de alguns programas com procedimentos metodológicos Imagem diponivel em httpwww. google.com.brimgresq=www. dominiopublico.gov.br.jpg Didática e formação docente 26 definidos para esse fim. Pode-se afirmar, no entanto, que a formação dos professores era feita fora do Brasil, posto que de lá já vinham os jesuítas para realizar a sua prática a serviço da Metrópole. Os jesuítas se dedicaram ao ensino das primeiras letras, do curso elementar, os cursos secundários de Letras e Filosofia, e o de nível superior em Teologia e Ciências Sagradas para formação de sacerdotes. Os jesuítas continuaram mentores da educação brasileira até 1759, quando foram expulsos das colônias portuguesas por determinação de Sebastião José de Carvalho, o marquês de Pombal, que era também primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777. Nesse período, a educação brasileira, vivenciou grande ruptura histórica pela perda dos referenciais num processo já implantado e consolidado como modelo educacional. Com a expulsão dos jesuítas da Bahia, através do alvará de 28 de junho de 1759, foi-se a organização do Ratio Studiorum, e pouca coisa restou de prática educativa no Brasil. O Marquês de Pombal, que assumiu o comando, pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado e para tanto, criou a Diretoria de Estudos (com funcionamento apenas após o seu afastamento) e adotou as aulas régias de Latim, Grego e Retórica. Percebendo a estagnação da educação no Brasil, Portugal instituiu o “subsídio literário”, mantendo assim os ensinos primário e médio cujos professores tinham seus ordenados advindos através da taxação ou impostos sobre a carne verde, vinho, vinagre e aguardente; essa ingerência administrativa e financeira obrigava-os a passar longos períodos sem receber dinheiro assim como a trabalhar sem recursos. Diante da situação de instabilidade financeira e de formação improvisada, os professores eram mal preparados para a função, sendo que a maioria deles era indicada por bispos, o que os tornavam proprietários vitalícios de suas aulas régias. O Seminário de Olinda, criado por Dom Azevedo Coutinho, em 1798, foi uma das escolas de destaque da época, destacando-se como marco pedagógico da época porque Tinha uma estrutura escolar propriamente dita, em que as matérias apresentavam uma sequência lógica, os cursos tinham FUESPI/ NEAD Pedagogia 27 uma duração determinada e os estudantes eram reunidos em classe e trabalhavam de acordo com um plano de ensino previamente estabelecido (PILLETI, 1996, p. 37). A leitura que se pode fazer dessa situação é que o resultado do abandono educacional, pela falta de investimento financeiro e ausência de proposta didática, a educação brasileira foi reduzida a nada, só tendo alguma mudança com a chegada da família real ao Brasil, em 1808. As aulas régias foram o marco didático desse período: compreendiam o estudo das humanidades e representavam a primeira forma do sistema de ensino público no Brasil, imposta pela Reforma de Estudos realizada pelo Marquês de Pombal. Cada aula régia era autônoma e isolada, tinha professor único e não se articulava com as outras. Na prática, o sistema das Aulas Régias pouco alterou a realidade educacional no Brasil, tampouco se constituiu numa oferta de educação popular, ficando restrita às elites locais (CARDOSO, 2004). O Período Joanino, de 1808 a 1820, não trouxe grandes inovações didáticas, pois investiu na criação de escolas, academias de marinha e militar, biblioteca real de D. João (60.000 volumes), que depois foi franqueada à população tornando-se biblioteca pública; laboratório de química do Rio de Janeiro, cursos de agricultura no Rio de Janeiro e de Química na Bahia; Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios; e cadeira catedrática; além das escolas de serralheiros, oficiais de lima e espingardeiros, em Minas Gerais. A outorgação da primeira Constituição brasileira, em 1824, determinou no Art. 179, a “instrução primária e gratuita para todos os cidadãos”. Num país marcado pela falta de professores, a tentativa de resolver esse problema foi a utilização do Método Lancaster ou do “ensino mútuo”, em que um aluno treinado (decurião) ensina um grupo de dez alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor. Por decreto, em 1826, instituíram-se quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas primárias), Liceus, Ginásios e Academias. E, por decreto-lei, em 1827, deu-se a criação de pedagogias em todas as cidades e vilas, propondo nomeação através de exame na seleção de professores. Propunha ainda a abertura de escolas para meninas. Didática e formação docente 28 O Ato Adicional à Constituição, em 1834, dispõe às províncias a responsabilidade pela administração do ensino primário e secundário, o que trouxe, em 1835, o surgimento da primeira escola normal do país em Niterói. Mesmo com esses esforços, os resultados foram considerados desastrosos e, em 1882, Ruy Barbosa sugere a liberdade do ensino, o ensino laico e a obrigatoriedade de instrução, obedecendo às normas emanadas pela Maçonaria Internacional. Deu-se a criação de escolas normais no Pará, Ceará, Paraíba e São Paulo. A formação propriamente dita de professores de educação básica ocorreu inicialmente nas Escolas Normais, no século XIX, com características de atividade eminentemente feminina e a inserção no magistério atendia a requisitos de cunho emocional/afetivo. O Curso Normal privilegiava aspectos metodológicos sem maiores preocupações com a formação geral e os aspectos teóricos da educação, valorizando características pessoais como paciência, abnegação e sentimentos maternais. Em 1837, a criação do Colégio Pedro II tinha como objetivo ser um modelo pedagógico para o curso secundário, de caráter formativo, habilitando os alunos não só para os estudos superiores, mas para a vida. Em 1872, o Brasil tinha um índice de analfabetismo de 66,4%, sendo que em 1873, foram organizados os exames gerais preparatórios para estimular o desenvolvimento dos estudos secundários nas províncias e facilitar aos candidatos o acesso ao ensino superior. A Reforma do ensino do conselheiro Leôncio de Carvalho permitia a cada um expor suas ideias livremente e ensinar asdoutrinas que acreditasse serem verdadeiras, pelos métodos que considerassem melhores; também foram introduzidas diferenças entre as matérias de ricos e de pobres. O Brasil chegou à Proclamação da República sem ação educacional concreta posto que não dispunha de uma proposta didática ou de formação de professores e tinha uma situação caótica de somente 12% da população em idade escolar matriculada. No período da Primeira República, prevaleceu o ensino leigo e livre em todos os graus e gratuito no primário, tendo sido oficializado pelo FUESPI/ NEAD Pedagogia 29 Decreto 510, do Governo Provisório da República e posteriormente pela Primeira Constituição Nacional, em oposição ao ensino religioso. Mas, o panorama era de alto e crescente índice de analfabetismo e, embora tenha se iniciado a discussão nacional dos problemas de educação em particular da Educação Popular, movimentos de renovação educacional e publicações de documentos e obras sobre educação, não houve maiores mutações no quadro educacional, no que se refere à didática e formação de professores. O período da Segunda República teve como marcos que poderiam interferir na realidade educacional brasileira a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (1930), publicação da “Introdução ao Estudo da Escola Nova” por Lourenço Filho, Reforma Francisco Campos (organização do ensino secundário e das universidades brasileiras), criação do Conselho Nacional de Educação e o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo. O Decreto 21.241, de 4 de abril, consolida a reforma do ensino secundário, visando, segundo Francisco Campos, “a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional”, que resultou na implantação de um currículo enciclopédico. Anísio Teixeira, na qualidade de Secretário de Educação do Distrito Federal, criou a Universidade do Distrito Federal com uma Faculdade de Educação na qual se situava o Instituto de Educação. Nesse período, os poderes públicos mantêm e controlam 73,3% das escolas do país, e os 24% das escolas particulares não obedecem aos padrões oficiais de ensino. O estado Novo trouxe o enfoque da nova Constituição, com a defesa da educação como direito de todos e a concepção da ampliação da Educação Pública. Criou-se a União Nacional dos Estudantes e o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP, em 1938, que viriam colaborar na discussão da formação e valorização profissional dos professores. As preocupações sobre como conduzir a educação das crianças foram incorporadas pelo Departamento Nacional da Criança, vinculado ao Ministério da Educação e Saúde e o Serviço de Assistência a Menores – Didática e formação docente 30 SAM, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, com objetivo de atender as crianças desassistidas, criados respectivamente em 1940 e 1941. Ainda nesse período, através da Reforma Capanema e do Decreto- lei 6.141, foi regulamentado o ensino comercial. Criou-se a Campanha do Ginásio Pobre – CGP que originaria a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC. A regulamentação da Consolidação das Leis de Trabalho exigiu a implantação de creches e foi fundada a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A necessidade e o incentivo social à publicação científica fizeram surgir a Revista Brasileira de Estudos Pedagógico, órgão de divulgação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP. Mas, com relação à formação de professores, o marco foi a visita de Piaget, promovida pela UNESCO, em 1945, quando se finda o Estado Novo. O período Republicano se iniciou com muitos Decretos que criaram Serviços de Aprendizagem e que regulamentam o ensino nacional, mas a ênfase na abordagem didática foi trazida com a publicação de várias obras de Piaget, que promovendo os conhecimentos da Epistemologia Genética, forneceram diferentes visões de aprendizagem e, por extensão, do ensino, como referência científica a ser utilizada pela psicologia escolar e pela educação, em geral. Além dos acontecimentos políticos que marcaram essa época e que, com certeza, contribuíram para mudanças na área da formação de professores e na evolução didática educacional, podem-se citar acontecimentos como a fundação da primeira Escola Experimental Montessori e a inauguração por Anísio Teixeira do Centro Popular de Educação, Centro Educacional Carneiro Ribeiro, com a sua ideia de escola-classe e escola-parque, em 1950. Em 1953, a criação da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário, do Comitê Brasileiro da Organização Mundial de Educação Pré-Escolar – OMEP, várias universidades Federais nos diferentes estados, Inspetorias Seccionais do Ministério da Educação, Campanhas de Educação, Centros Populares de Cultura e a promulgação da Lei 4.024/61, que regulamenta as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que no art. 9º cria o Conselho Federal de Educação e os estaduais, consequentemente; cria- FUESPI/ NEAD Pedagogia 31 se o Plano Nacional de Educação e o Programa Nacional de Alfabetização, inspirado no Método Paulo Freire. Este período finda-se com um leque abrangente de possibilidades didáticas trazido pelos métodos e técnicas de ensino até então desenvolvidos, assim como pela produção de estudos científicos realizados. O Período do Regime Militar (1964-1985) foi marcado por efervescência política e militar muito forte e considerável regressão no desenvolvimento socioeducacional que se encaminhava nos períodos anteriores de modo que as mudanças ocorridas foram para minimizar as conquistas até então conseguidas ou conservar as que representassem perigo à segurança política do governo nacional. Observou-se forte influência dos Estados Unidos nas importações de programas, ações e decisões educacionais. O autoritarismo demitiu, humilhou e exilou professores e alunos das universidades e nem mesmo a brilhante ideologia e atuação do educador Paulo Freire minimizaram os desmandos na área de educação. A promulgação da Lei 5.692/71, dentre outras ações, regulamenta o ensino de primeiro e segundo graus, amplia a obrigatoriedade escolar para oito anos, aglutina o primário ao ginasial, suprime o exame de admissão e cria a escola única profissionalizante. Através da Resolução nº 8 do Conselho Federal de Educação, fixa-se o núcleo comum para os currículos de ensino de 1º e 2º graus, definindo seus objetivos e amplitude. O Parecer 853 do Conselho Federal de educação define a doutrina de currículo, indicando os conteúdos de núcleo comum, o conceito de matéria e orientando formas de tratamento e integração, além de indicar objetivos das áreas de estudo e do processo educativo, remetendo-os ao objetivo geral do ensino de 1º e 2º graus, bem como aos fins da educação nacional. O Decreto 68.908 dispõe sobre o concurso vestibular e fixa as condições para o ingresso na universidade. A formação profissional foi ordenada pelo parecer nº 45 do Conselho Federal de Educação, que fixou o currículo mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional ou conjunto de habilitações afins, no ensino de 2º grau. Após a Lei 5692/71 e a chegada da tecnologia, que logo se implantou no país, deu-se o fenômeno da metodologização da educação, em que a Didática e formação docente 32 preocupação educacional e expectativas se davam em torno da valorização do planejamento (planejamento pelo planejamento), cuja essência apontava para a necessidade do professor ter domínio das técnicas de planificação do ensino com redações precisas dos objetivos comportamentais e identificação das estratégias, em detrimento de elementos fundamentais como os aspectos filosóficos, políticos e epistemológicos da educação. A Didática junto com as metodologias das matérias de ensino formavamuma unidade muito importante na formação do professor, pois mantinham entre si, relações recíprocas. Enquanto a Didática tratava da teoria geral do ensino, as metodologias, específicas, ocupavam-se dos conteúdos e métodos próprios das áreas de conhecimento, relacionando- se também com os fins educacionais e oferecendo elementos para o embasamento do ensino e da aprendizagem. Outra característica da Didática na formação de professores, nesse período, foi o enfraquecimento da relação teoria-prática. A Didática era ensinada de forma isolada do como fazer, sem respeitar a necessidade de um suporte ideológico e de bom nível de cientificidade, o que tornava a fundamentação teórica dispensável posto que menor que as técnicas de execução. Por tudo isso, a Didática passou a ter sua importância negada e foi acusada de não atender às necessidades da prática pedagógica, tal como afirma Salgado (1982, p. 16): A acusação de inocuidade vem geralmente da parte de professores dos graus mais elevados de ensino, onde sempre vingou a suposição de que o domínio do conteúdo seria o bastante para fazer um bom professor (e talvez seja, na medida em que esses graus ainda se destinem a uma elite). A acusação de prejudicial vem de análises mais críticas das funções da educação em que se responsabiliza a Didática pela alienação dos professores em relação ao significado de seu trabalho. Para Paulo Freire, o termo formar é autoritário e remete à ideia de “educação bancária”, todavia estudos posteriores e discussões sobre o assunto provocaram algumas das mudanças desejadas pelo educador, FUESPI/ NEAD Pedagogia 33 aproximando mais a relação da Didática com o professor naquilo que Freire considerava ideal, ou seja, que a formação do professor propiciasse uma aproximação da atuação do professor com a prática escolar, atuando no e com o mundo, meditando sobre a prática, desenvolver conhecimento sobre a realidade e atitudes críticas diante da mesma. Isso tudo porque aprender está fortemente ligado a estabelecer relação entre teoria e prática, conforme mostrou o autor quando teorizou sobre ação-reflexão-ação. Os anos 80 e décadas posteriores, foram marcados por muitas reflexões sobre o papel da Didática na formação de professores, mesmo porque a efervescência ideológica de todas as tendências pedagógicas tornou-se força propulsora na discussão da Didática, diante de uma variedade de concepções em torno do fazer docente. Ao discutir a relação entre Didática e formação de professores, Pimenta (1997, p. 53) defende a importância da Didática, enquanto área da Pedagogia que se ocupa da investigação do ensino nos diversos contextos sociais quando afirma: Enquanto área da Pedagogia, a Didática tem no ensino seu objeto de investigação. Considerá-lo como uma prática educacional em situações historicamente situadas significa examiná-lo nos contextos sociais nos quais se efetiva – nas aulas e demais situações de ensino das diferentes áreas do conhecimento, nas escolas, nos sistemas de ensino, nas culturas, nas sociedades -, estabelecendo-se os nexos entre eles. As novas possibilidades da Didática estão emergindo das investigações sobre o ensino enquanto prática social viva (Pimenta, 1997, p.53). Libâneo (1998) destaca na Didática a função orientadora da prática docente, quando define Didática como: Campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa. O pedagógico refere-se a finalidades da ação educativa implicando objetivos sociopolíticos a partir dos quais se estabelecem formas organizativas e metodológicas da ação educativa, onde quer que ela se realize. Didática e formação docente 34 A partir dos anos 60, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei nº 4024/61) e o envolvimento de setores como igrejas, partidos políticos e movimentos sociais que provocaram uma pressão popular na busca de uma educação de qualidade e para todos, houve grande expansão na oferta de vagas nas escolas públicas. A saída da mulher do trabalho exclusivamente doméstico e sua entrada no mercado de trabalho trouxeram grandes mudanças na configuração dessa problemática, quer pela ausência na função de escolarização doméstica, quer na sua inclusão no mercado de trabalho com carga horária mais extensa e inclusão na sala de aula sem o preparo necessário para o exercício da profissão. Segundo Pimenta (2000), ao analisar as pesquisas do Instituto Nacional de Pesquisas Pedagógicas – INEP, fica evidenciado o distanciamento e a impropriedade da formação docente diante da necessidade de atender uma população ampliada e diversificada pelo acesso a segmentos sociais até então excluídos. Em 1965, o Censo Escolar do Brasil (INEP, 1965) constatou que 44% dos professores primários das escolas brasileiras não tinham formação além da 2ª série primária. Após a Ditadura Militar, na década de 70, os professores tiveram que assumir o papel de colaboradores da reprodução das desigualdades sociais. A formação teve caráter tecnicista, limitando-se à transmissão do conhecimento específico, através de métodos e técnicas pré-estabelecidos, dentro do caráter da formação da dimensão técnica, Constituía-se objetivo a preparação de um especialista, técnico de uma determinada área de conhecimento, com autonomia, criatividade e capacidade intelectual restringida e controlada pelos mecanismos da administração escolar. Doravante, os trabalhos de Paulo Freire tiveram grande repercussão pelo ideário que continham em represália a toda ideia autoritária no contexto social e, portanto, educacional, assim como pela ideia didática do processo de ensino e aprendizagem que embutia uma perspectiva autêntica, democrática, competente e inovadora de didática e formação de professores. Segundo as ideias de Freire, a interação entre sujeitos FUESPI/ NEAD Pedagogia 35 cognoscentes em torno do objeto cognoscível é que caracteriza o processo de construção do conhecimento com sua constituição social (coletivo), pois o processo de ensinar e aprender não é uma via de “mão única”. Por isso Freire abdicou das palavras “professor” e “aluno” em favor de “educador” e “educando”, afirmando que: [...] educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem - por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais - em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais.(FREIRE, 1975, p. 25) Assim esse educador deixou uma contribuição didática impoluta na explicitação da relação professor – aluno – conhecimento. E traçou um perfil do professor como sujeito cognoscente, ou seja, alguém que também aprende, à medida que facilita o aprendizado do educando, organiza atividades e se mostra capaz de mediar a relação entre o saber do aluno e o conhecimento sistematizado. Com a Ditadura Militar, houve um retrocesso na história da Didática e na própria formação dos professores, até que novas ideias se organizassem. No início dos anos 80, não houve mudanças significativas, pois o papel dos professores era de meros executores de planos e projetos elaborados por especialistas. O final da década de 80 e início da década de 90, foram contemplados pelas discussões sobre o papel do professor a partir de publicações dos estudiosos Nóvoa (1992), Alarcão (1996) Schön, Zeichener e Perrenoud (2000) que relacionaram formação de professores ao processo de pensamento e formas de conceber e desenvolver o ensino a partir dos saberes docentes. Tardif, Lessard e Gauthier (2001 apud BORGES e TARDIF, 2001, p. 4) inovaramcom a ideia de que os professores “produzem saberes específicos ao seu próprio trabalho e por isso são capazes de deliberar sobre suas práticas, de objetivá-las, de aperfeiçoá-las e de introduzir inovações, susceptíveis de aumentar sua eficácia”. A ideia de que são sujeitos práticos Didática e formação docente 36 reflexivos remete à capacidade de refletir sobre si mesmos e sobre sua prática, o que foi absorvido pelos programas de formação, desde então, e a formação inicial e continuada dos docentes brasileiros passa a cumprir uma dimensão crítico-reflexiva. Para Cunha (1989), a maioria das propostas para a formação de professores na atualidade consideram como partes integrantes dessa formação o saber específico, o saber pedagógico e o saber político-social. Algumas propostas dão maior ou menor ênfase a um desses elementos, mas vêm ganhando força, no campo educacional, as que evidenciam o professor como ser histórico e socialmente contextualizado, relacionando o seu desempenho e formação com as suas condições e experiências de vida, pois consideram que esse aspecto se constitui determinante na (re) construção do seu saber e construção da identidade profissional docente. Nóvoa (1995) afirma que a formação docente pode promover o desenvolvimento profissional do professor e deve estimular a preparação de professores reflexivos (perspectiva crítico-reflexiva), capazes de assumir a responsabilidade pelo próprio desenvolvimento profissional, sendo protagonistas na implementação das políticas educativas. Essa ideia decorre do fato de que as reformas do campo da formação devem considerar que a prática profissional é uma instância de produção de saberes e competências, onde os saberes da ação representam muito mais que conteúdos e disciplinas. O autor põe, portanto, em evidência, as práticas profissionais dos docentes experientes e eficazes, pois acredita na necessidade de valorizar o eu pessoal e o eu profissional do professor, inclusive como quadro de referência da sua formação além de considerar que esse perfil de formação é necessário aos reclames da atual sociedade, caracterizada pela acelerada mutação e carente de relação teoria-prática. E afirma que A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica em (sic) investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista a (sic) construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional. FUESPI/ NEAD Pedagogia 37 Tardif (1999) analisa a questão da relação entre os saberes profissionais e a formação de professores, afirmando que esses saberes podem ser caracterizados como: saberes curriculares (programas das disciplinas), saberes das disciplinas (materiais escolares e conteúdos), saberes profissionais (ciências da educação e pedagogia), saberes da experiência ou saberes práticos (constituídos ou absorvidos na ação quotidiana) e os saberes culturais (cultura geral de cada docente).Dessa forma, o autor ratifica a pluralidade de saberes do docente. Todos esses saberes advêm de fontes diversas de aquisição, modos de integração no trabalho docente e relação entre os sujeitos, sendo que na confluência das várias fontes de saberes constitui-se o saber profissional. Dentre as fontes de saberes a que se refere o estudioso estão a história de vida individual do professor, determinantes da sociedade, da escola e demais atores educativos e dos lugares de formação. E acrescenta que “a relação dos docentes com os saberes não se reduz a uma função de transmissão dos conhecimentos já construídos. Sua prática integra diferentes saberes, com os quais o corpo docente mantém diferentes relações” (TARDIF, 2002, p. 36). Dessa forma, o autor pontua a problemática do saber docente e suas implicações na prática pedagógica. Entretanto, não é incomum ouvir reclamações sobre a qualidade da formação do professor, quer por comprometimento da qualidade da formação inicial e continuada, quer por falta de acesso à formação. O Censo Escolar de 1998 aponta altos índices de professores brasileiros não habilitados em magistério em nível médio e, segundo a Secretaria de Educação de Ensino a distância do Ministério da Educação, até 1999, o número de professores sem a formação adequada para o Ensino Fundamental atingia índices de 89%, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país. A mudança na formação de professores tornou-se exigência inadiável e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPED junto com a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação - ANFOPE, intensificaram debates sobre reformulações necessárias aos cursos de formação dos professores e Didática e formação docente 38 definição de novas diretrizes para a competência de atuação e habilitação mínima exigida. Houve uma mobilização de várias instituições sociais, com o Ministério da Educação, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, Universidades públicas e entidades sindicais representativas dos professores, para se reverter esse quadro. A Constituição Brasileira de 1988 tem como um dos princípios fundamentais, no que tange à educação, a valorização dos profissionais em sua carreira, salário e a garantia de um padrão de qualidade nos seus serviços. A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394/96) institui novos parâmetros para o exercício do magistério conforme os níveis de ensino, dentre eles, a obrigatoriedade do magistério em nível médio para os professores que atuam nas séries iniciais do Ensino Fundamental, conforme artigo 62 que estabelece: A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e em institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal (LDB 9394/96). O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei nº 10 172, de 09 de janeiro de 2001, tratou de elevar o perfil da formação dos profissionais do magistério para atender, com qualidade, às exigências legais de habilitação e foi priorizada a habilitação dos docentes já inseridos nos sistemas educacionais, com previsão no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF (Lei 9.434/96). Para cumprir disposição legal de formulação de políticas públicas de valorização do magistério e minimização dos altos índices de professores “leigos”, o MEC implementou programas de formação de professores em exercício para o Ensino Fundamental e Educação Infantil. Embora se observe ter havido um esforço de alguns setores da sociedade civil e do governo brasileiro no sentido de cumprir a exigência de FUESPI/ NEAD Pedagogia 39 formação inicial mínima de curso superior para os níveis mais elementares da educação básica: Ensino Fundamental e Educação Infantil, o Censo/2011 divulgado pelo INEP ainda aponta o Piauí como um dos estados da federação com o maior número de professores leigos do país. A grande dificuldade de acesso às Universidades Federais e Estaduais, que, na maioria das vezes se localizam nas capitais e principais cidades dos estados, ainda se coloca como o maior empecilho à realização da formação dos professores, principalmente de municípios longínquos e de zona rural do estado. Uma estratégia de superação dessa problemática veio com a expansão da Educação a Distância – EAD, que tem desenvolvido instrumentos, metodologia, espaçosde aprendizagem, formas de interação e avaliação específicas para trabalhar os conhecimentos, conteúdos e objetivos próprios. No que tange às dificuldades referentes à qualidade da formação, o aspecto mais pontuado pelas pesquisas realizadas na contemporaneidade, é a questão da prevalência de um modelo teórico, através do qual é imposta uma concepção aplicacionista do conhecimento, ou seja, o professor tem acesso ao conhecimento científico e ao final do curso, é levado à prática, para aplicar os saberes adquiridos. Como resultado, o professor apresenta dificuldade em transpor o saber aprendido na universidade para o saber que deve ser ensinado na escola (TARDIF, 2002). Para o autor, [...] a lógica disciplinar é regida por questões de conhecimento e não por questões de ação. Numa disciplina, aprender é conhecer. Mas, numa prática, aprender é fazer e conhecer fazendo. No modelo aplicacionista, o conhecer e o fazer são dissociados e tratados separadamente em unidades de formação distantes e separadas. Além disso, o fazer está subordinado temporal e logicamente ao conhecer, pois ensina-se aos alunos dos cursos de formação de professores que, para fazerem bem feito, eles devem conhecer bem e em seguida aplicar seu conhecimento ao fazer (TARDIF, 2002, p.271-272). A maioria dos estudiosos da contemporaneidade corrobora com a ideia de que a baixa qualidade na formação dos professores está relacionada Didática e formação docente 40 à dicotomia entre teoria e prática durante a formação profissional. As relações do professor com sua experiência pessoal anterior à formação inicial valorizam a prática educativa em construção, seus tempos, espaços, métodos e técnicas de ensino, reflexões e as formas de aprender do aluno. O final do século XX e anos iniciais do século XXI estão marcados por uma forte influência dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, definidos pelo MEC (1997), como um referencial de qualidade para a educação do Ensino Fundamental, em todo o país, com função de orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, promovendo e socializando discussões, pesquisas e recomendações sobre a produção pedagógica no país. Definindo-se de natureza aberta, propõe flexibilizar a organização curricular, a partir das referências culturais, sociais e pedagógicas disponíveis em cada região. GLOSSÁRIO ESCOLÁSTICA – Conjunto de doutrinas teológico-filosóficas da Idade Média, caracterizadas sobretudo pelo problema da relação entre fé e razão. FORMALISMO – Sistema político e econômico dos filósofos alemães Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895). FUNCIONALISMO – Tendência a privilegiar, no pensamento ou na prática, aquilo que é funcional, ou a ideia de função. IDEALISMO – Qualquer das doutrinas que afirma ser a realidade essencialmente espiritual, mental, intelectual ou psicológica; propensão do espírito para o ideal. MARXISMO – Sistema político e econômico dos filósofos alemães Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895). POSITIVISMO – Conjunto de doutrinas de Auguste Comte (1798–1857), que atribuem à constituição e ao processo da ciência positiva importância capital para o progresso do conhecimento. FUESPI/ NEAD Pedagogia 41 SAIBA MAIS! A Didática é uma disciplina técnica: seu objeto específico é a arte de ensino para condução da aprendizagem, nos aspectos práticos e operacionais. A Didática Geral estuda os princípios, normas e técnicas que regulam o ensino; enquanto Específica ou Especial, estuda aspectos científicos de uma determinada disciplina ou faixa de escolaridade, analisando problemas e dificuldades no ensino, organizando e sugerindo meios e procedimentos. Didática e metodologias estudam métodos de ensino. A Metodologia estuda os métodos de ensino, classificando-os e descrevendo-os e fazendo juízos de realidades, sem fazer juízo de valor. A Didática faz um julgamento ou uma crítica do valor dos métodos de ensino e nos dá juízos de valor. LEITURA COMPLEMENTAR BELLO, José Luiz de Paiva. Didática, Professor! Didática!. Pedagogia em Foco, Vitória, 1993. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/filos02.htm>. Acesso em: 02.06.2012. Leia o texto: A DIDÁTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE. PIMENTA, S. LIMA, M.L. A Didática na formação docente. São Paulo: Cortez, 2004 – (Coleção docência em formação. Séries saberes pedagógicos). Disponível em: http://www.fag.edu.br/professores/anderson/Lingua%20 Espanhola/didatica%20na%20forma%E7%E3o%20docente%2001.pdf ATIVIDADE COMPLEMENTAR FÓRUM: Com base nos fatos históricos que marcaram a evolução da Didática, ao longo dos últimos séculos, que mudanças didáticas a escola precisa vislumbrar para atender à sociedade do século XXI? PARA APRENDER MAIS Breve histórico da educação no Brasil. Disponível em: http://www.youtube. com/watch?v=eTYWvbW8XPw Didática e formação docente 42 LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola pública – A pedagogia crítico social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 2006. RESUMO Nesta unidade foram apresentados o conceito, a origem e evolução da Didática, a partir da sistematização da Pedagogia e das influências e contribuições de outras ciências. Pontuam-se os fatos históricos mais marcantes nessa trajetória e destaca-se o objeto de estudo da Didática. Apresentam-se as principais modalidades de educação: educação não intencional e educação intencional, suas características, usos e aplicabilidades. Apresentam-se, também, os principais pensadores da Didática e seus ensinamentos essenciais. UNIDADE II O PAPEL DA DIDÁTICA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM OBJETIVOS • Analisar o papel da Didática enquanto prática de reflexão e compreensão do fazer pedagógico no processo de ensino e aprendizagem escolar. • Identificar as tendências pedagógicas no Brasil, suas características e influência didáticas. • Identificar os elementos básicos do processo de ensino aprendizagem e suas características nas principais abordagens didáticas. • Conceituar métodos de ensino, a partir da relação com os demais elementos do processo ensino- aprendizagem. • Distinguir de métodos de meios de ensino. FUESPI/ NEAD Pedagogia 45 Só aprende aquele que se apropria do aprendido transformando-o em apreendido, com o que pode por isso mesmo, reinventá- lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido- apreendido a situações existentes concretas. Paulo Freire 2. O PAPEL DA DIDÁTICA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM Neste capítulo, analisaremos o papel e importância da Didática nos elementos básicos, meios e métodos de ensino, a partir da compreensão das influências das tendências pedagógicas na educação. Por isso, esperamos que você faça desse momento de estudo, oportunidade de investigação dessa temática, através de discussão com os colegas, tutores professor e autores. Ao discutirmos Os processos didáticos básicos do ensino e a aprendizagem escolar, na segunda subseção do capítulo você terá uma visão clara das influências das tendências pedagógicas na didática escolar, pois será caracterizado o ensino de cada abordagem. Se a Pedagogia incubiu-se do estudo da educação enquanto fenômeno social, compreensão dos aspectos políticos, econômicos e psicológicos, fundamentada no arcabouço teórico das áreas afins conforme estudado no primeiro capítulo, à Didática coube o estudo, reflexão e compreensão do fazer pedagógico através da sistematização dos elementos que compõem o processo ensino-aprendizagem e a assimilação de informações, conhecimentos e experiências acumulados na historia humana para cumprimento da função formadora em instituições sociais criadas com tal fim. A Pedagogia estuda as finalidades da educação enquanto
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