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�� UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UAB UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ - UESPI NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – NEAD LICENCIATURA PLENA EM LETRAS / PORTUGUÊS � LITERATURA E IDENTIDADE� PROFESSORES CONTEUDISTAS: ALGEMIRA DE MACEDO MENDES JOSELITA IZABEL DE JESUS TERESINA/PIAUI/2013 � SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 1. ASPECTOS GERAIS DA CULTURA BRASILEIRA 1.1 Visão panorâmica da artes plásticas no Brasil: do período colonial ao século XX 1.1.1 Desvinculando a arte da religião 1.1.2 Os pintores holandeses no Brasil 1.1.3 A regionalização da arte 1.1.4 O domínio mineiro nas artes 1.1.5 O neoclacissismo no Brasil 1.1.6 A arte brasileira começa a perder sua identidade 1.1.7 Romantismo e realismo chegam tardiamente 1.1.8 Nacionalizando a pintura 1.1.9 Acompanhando a evolução da arte 1.2 Manifestações literárias brasileiras de coloração nacional 2 ASPECTOS SOBRE NACIONALISMO 2.1 Nacionalismo e história da literatura 2.2 Texto complementar 3.CONCEITO E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE 3.1 Identidade em questão 3.2 Texto complementar 4. OBRAS REPRESENTATIVAS DE AUTORES DE LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA 4.1 Os lusíadas, de Luís de Camões 4.2 Os Maias, de Eça de Queiroz 4.3 Mensagem, de Fernando Pessoa 4.4 Mayombe, de Pepetela 4.5 Iracema, de José de Alencar 4.6 Os sertões, de Euclides da Cunha 4.7 Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto 4.8 Macunaíma, de Mário de Andrade 4.9 Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto 5 . REFERÊNCIAS APRESENTAÇÃO O presente livro integra o material de apoio pedagógico desenvolvido pela Universidade Estadual do Piauí-UESPI, correspondente à disciplina Literatura e Identidade, que compõe a estrutura curricular do Curso de Licenciatura Plena em Letras / Português, na modalidade de Educação a Distância . Este material foi organizado e sistematizado com o objetivo de contribuir com os seus estudos e suas reflexões acerca da compreensão dos objetivos e da importância dos fatos literários no tocante à forma como as questões relativas à identidade se inserem nos textos literários, englobando os conteúdos correspondentes a diversos gêneros de literaturas de língua portuguesa dentro diferentes estilos de época. Para melhor apreensão dos conteúdos programáticos e eficácia nos estudos, estruturamos os nossos estudos a partir de pressupostos teóricos e formadores da história da literatura que discutem os elementos constituidores dos fatos literários. Os conteúdos estão distribuídos em quatro unidades, a saber: Unidade I - Aspectos gerais da cultura brasileira; Unidade II - Aspectos sobre o nacionalismo; Unidade III – Conceito e construção de identidade e Unidade IV – Obras representativas de autores de literaturas de língua portuguesa. Visando colaborar com a metodologia de estudo, sugerem-se alguns passos: observe os objetivos de cada unidade e faça as atividades propostas no final de cada uma, isso ajudará você a aprofundar o assunto; valorize e empenhe-se nos trabalhos de grupo tanto quanto nas reflexões individuais; compartilhe ideias; atente para as referências bibliográficas e, se necessário, recorra a elas para aprofundar. Finalmente, leia, reflita, analise criticamente cada ideia e/ou teoria aqui apresentada. Suas dúvidas poderão ser colocadas junto ao seu tutor. Aproveite! Boa leitura. Bons estudos. UNIDADE I - ASPECTOS GERAIS DA CULTURA BRASILEIRA OBJETIVOS� � Fornecer subsídios histórico-culturais sobre o Brasil colonial e os primeiros anos do regime republicano; � Identificar as influências do colonizador nas artes plásticas produzidas no Brasil nos anos de regime monárquico e nos primeiros anos da república. � Identificar manifestações literárias de autores brasileiros que contemplam elementos identitários. 1 ASPECTOS GERAIS DA CULTURA BRASILEIRA Considerando que a Literatura, assim como qualquer manifestação artístico-cultural ou qualquer ramo de conhecimento, não deve ser abordada de forma desvinculada do contexto em que se insere, como se fosse algo completamente independente, necessário se faz que reflitamos sobre alguns aspectos histórico-político-culturais da vida brasileira antes de nos atermos especificamente ao estudo da literatura enquanto importante elemento de construção da nossa identidade. Segundo Luiz Roberto Lopez (1988), o Brasil foi a única colônia ibérica da América Latina que, ao completar a independência, manteve a unidade política e adotou a monarquia como forma de governo, lembra o autor que no México, na mesma época, tal experiência não vingou. O latifúndio produtor de artigos primários de exportação, tendo como base o trabalho escravo, constituía a base da infraestrutura brasileira. Dessa forma podemos entender como se deu a implantação do regime de monarquia e a consolidação da unidade política. A unidade do Império baseou-se na unidade da classe escravocrata. A continuidade do regime monárquico foi garantida pelo desejo da classe dominante de preservar terras e escravos. A partir do final da Regência, definida a hegemonia do café nas exportações e considerando a proximidade física da capital, a alta burocracia do regime passou a ser virtualmente monopolizada pelos aristocratas cafeeiros da região fluminense e do vale do Paraíba do Sul. Definido o Império como o regime do liberalismo econômico, da escravidão e do latifúndio monocultor e exportador, a imagem que fica é a do imobilismo histórico – um século de imobilidade sem convulsões, uma planície sem acidentes e imprevistos. Claro que é uma visão equivocada. A própria contradição entre um liberalismo burguês importado e a realidade social baseada na opressão e no escravismo veio a ser fonte permanente de lutas e conflitos. (LOPEZ, 1988, p. 8). A primeira etapa da Monarquia no Brasil durou pouco e foi bastante conturbada, ocorreu de 1822 a 1831. As indefinições desse período estavam diretamente ligadas à formação de D. Pedro I que , adepto do antigo regime, não assimilou o modelo da ordem liberal, seu autoritarismo não se coadunou com as expectativas da elite de então, de modo que, em meio a uma crise econômica e a impasses políticos, a queda de D. Pedro I foi inevitável e, junto com ela, os portugueses desapareceram do cenário de mando, instalando-se a Regência que durou de 1831 a 1840. O período regencial, como ficou conhecida a década acima na história brasileira, compreendido entre a renúncia de D.Pedro I e o chamado “Golpe da maioridade”, quando seu filho D. Pedro II teve a sua maioridade proclamada. Nascido em dezembro do ano de 1825, Pedro II contava, quando da abdicação do pai, pouco mais de cinco anos, não podendo, dessa maneira, assumir o governo que, por força de lei, seria dirigido por uma Regência integrada por três representantes. No decorrer do período em epígrafe, houve quatro regências, a saber: a Provisória Trina, a Permanente Trina, a regência Una do Padre Feijó e a também regência Una de Araújo Lima. Este foi, sem dúvida, um dos mais importantes e agitados períodos da nossa história, visto que foi nesta época que ocorreram dois fatos que merecem destaque: a unidade territorial do país e a estruturação das Forças Armadas, ademais foram discutidos o grau de autonomia das províncias e os termos da centralização do poder. Devemos assinalar que nesta fase ocorreuuma série de rebeliões localizadas, tais como: a Cabanagem, no Pará; a Balaiada, no Maranhão; a Sabinada, na Bahia e a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul, sendo a última a maior e mais longa de todas. Estas revoltas traduziam o descontentamento com o poder central e as tensões sociais latentes do país há pouco “independente”, isto desencadeou o esforço conjunto de opositores por manter a ordem. Tratava-se de se construir um arranjo político que garantisse aos grupos a preservação de seus interesses, bem como a unidade territorial sob o controle da monarquia centralizadora. Cessadas as rebeliões, fragmentadas e perdidas no imenso território brasileiro, a Monarquia vence e se fortalece unindo-se à elite agrária, pois temia o que pudesse acontecer caso uma república se impusesse naquele período. O compromisso monárquico de assegurar a estabilidade das estruturas de dominação e privilégio foi realmente e definitivamente assumido pelo Governo de D. Pedro II (1840-89). A instalação do Parlamentarismo (1847-48) permitiu critérios institucionais-consensuais para que os dois maiores partidos da elite se alternassem no poder sem maiores problemas. (LOPEZ, 1988, p. 9). No período histórico relativo ao segundo reinado o que predominou, em termos de base de sustentação econômica do Brasil, foi a atividade cafeeira, especialmente desenvolvida na região do Vale do Paraíba do Sul, quando os barões do café mantinham o controle da máquina política do Império. Os tais barões eram ricos latifundiários e proprietários de escravos, entretanto, a partir de 1850, em decorrência de suas dívidas e da pressão britânica, foram obrigados a suspender o tráfico de escravos. Como consequência, a utilização de capitais desviados de tal prática, bem como a imigração destinada ao trabalho assalariado possibilitaram o deslanchar do desenvolvimento industrial com base capitalista. Além disso, os investimentos ingleses e a contínua produção de café aumentaram o capital interno. Também registramos uma considerável expansão da infraestrutura local, notadamente nos setores de transporte e bancário. Nessa época houve um aumento significativo do número de cidades e também surgiram novas camadas sociais, a exemplo da burguesia e do proletariado. Conforme Luiz Roberto Lopez, nas últimas décadas do Império, a nova classe cafeeira desenvolvida em São Paulo, à base da utilização do assalariado imigrante, substituto do escravo, por assim dizer, teve uma conotação mais empresarial que aristocrática. Ao fim da guerra do Paraguai, ocorrida de 1865 a 1870, o segmento militar, notadamente o Exército e a Marinha, emergiu com nova força política no cenário nacional. Conforme veremos, numa sociedade voltada ao litoral e à europeização como sinônimo de destaque cultural (o que significava o reflexo de uma economia totalmente dependente que exportava artigos primários e importava produtos manufaturados), na primeira metade do século XIX, criou o Romantismo um tipo idealizado e heroico do homem brasileiro, demonstrando as necessidades da criação de um Estado Nacional que buscava se afirmar livre de Portugal. Por outro lado, coincidindo com a eclosão da urbanização e da industrialização na segunda metade do referido século, o mesmo Romantismo incorporou ao pensamento nacional uma visão pessimista, racista e determinista, introduzindo um cientificismo europeu positivista. Na fase final, o Segundo Império começou a sofrer o impacto da sua incapacidade estrutural de atender aos novos grupos emergentes, especialmente os cafeicultores de São Paulo, que exigiam o federalismo como forma de chegar ao poder, e os militares, ávidos por ascensão social. O Positivismo impregnou o movimento republicano de uma respeitável justificativa ideológica, ao tempo em que garantia tradições conservadoras e autoritárias constantes na história brasileira. Assim como a abertura dos portos tinha tornado inútil, outrora, o prosseguimento do colonialismo português, a abolição da escravatura tornou inútil o prosseguimento do império: as formas políticas perdem a razão de ser quando já não respondem às motivações econômicas e sociais que lhe deram origem. Limitada e imperfeita como foi, a abolição da senzala levou, todavia, à abolição das testas coroadas. A república veio em 1889 como o regime que resolveria os problemas do povo – o regime da igualdade, da abolição dos privilégios e capaz de construir o futuro nacional com uma determinação política cientificamente racional. (LOPEZ, 1988, p. 10). A participação popular foi inexistente no golpe de 15 de novembro, como havia sido nos eventos ocorridos em 1822 e como inexistiria nos eventos de 1930, 1938, 1945 e 1964. SAIBA MAIS! FONTE: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/balaiada BALAIADA- 1838-1841 Rebelião popular ocorrida no Maranhão e em parte do Ceará e do Piauí durante a Regência, entre 1838 e 1841. Nasce das lutas partidárias e da pobreza no interior da província maranhense. A rivalidade entre grupos da elite local resulta em uma revolta que exige a intervenção das autoridades imperiais. É chamada Balaiada porque um dos líderes, Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, era apelidado de Balaio.� Teto da Igreja de São Francisco de Assis,(Ouro Preto - MG), obra-prima do pintor Manuel da Costa Ataíde (1762-1837). Fonte: www.google.com 1.1 Visão panorâmica das artes plásticas no Brasil: do período colonial ao século XX Antes de nos determos à literatura como elemento de identidade nacional, entendemos ser oportuno observarmos, ainda que de forma abreviada, o histórico de outras artes no Brasil, a fim de que vejamos como, a exemplo do que ocorreu com a literatura, a cultura do colonizador se impõe também a outras esferas artísticas. No Brasil colonial, a arte em geral girava em torno da Igreja Católica e dos cultos religiosos. É bem conhecida a presença, no Brasil, de religiosos europeus, como os jesuítas, franciscanos e beneditinos, os quais vieram ao país para catequizar seus habitantes. Alguns deles tinham experiência em pintura, escultura e arquitetura, adquirida no velho continente. Foram eles os primeiros a realizar obras artísticas no país e a recrutar artesãos e artífices para a decoração de suas construções. Os artistas do período costumavam ser autodidatas ou então eram orientados por esses religiosos, que ditavam paradigmas dentro da tradição ibérica. Com esse esforço, a pintura começa a aparecer nas construções nordestinas, principalmente em Salvador, cidade que era na época a sede do Governo. 1.1.1 Desvinculando a arte da religião Já no Século XVII, surgem os primeiros sinais de desvinculação da arte à religião. Assim, por exemplo, o teto da Igreja da Santa Casa de Misericórdia, em Salvador apresenta figuras como santos e anjos com roupas como se usavam na época que o artista fez a obra. Também os rostos são pintados com mais liberdade, lembrando o tipo físico dos habitantes daquela cidade baiana. Ainda assim, o destaque do período na arte da pintura é um religioso, o Frei Ricardo do Pilar, que pintou o mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro e obras como "O Senhor Crucificado", de 1688 e "O Senhor dos Martírios", de 1690. 1.1.2 Os pintores holandeses no Brasil A ocupação holandesa em Pernambuco, no século XVII, traz artistas como pintores e naturalistas ao país que iriam, pela primeira vez, registrar a natureza brasileira. O conde deNassau, que aqui permaneceu entre 1637 e 1644 foi o responsável por grandes projetos de urbanização na cidade de Recife e trouxe com ele artistas holandeses como Franz Post e Eckhout. Entretanto, apesar de a ocupação holandesa e da estada desses pintores no Brasil ser considerada como de grande importância no Século XVII, seu papel foi apenas de registro de paisagens e costumes. Com efeito, tratou-se de um acontecimento isolado e os pintores que por aqui passaram não deixaram aprendizes ou começaram alguma tradição que pudesse dar continuidade aos seus trabalhos. Em síntese, não fizeram qualquer investimento na arte local e sequer podem ser considerados como pintores do Brasil, pois sua passagem por aqui deu-se tão somente como agentes de um país invasor, e retornando à sua terra antes mesmo que cessasse tal invasão. Não se pode deixar de destacar, contudo, que foram possivelmente as primeiras manifestações de pintura efetivamente fora do domínio religioso de que se tem registro no Brasil. SAIBA MAIS! Tela do pintor holandês Franz Post -Tela do pintor holandês Eckhout. Fonte: www.google.com 1.1.3 A regionalização da arte No Século XVIII, a pintura tem maior desenvolvimento, principalmente devido à concentração de artistas em centros que então se desenvolviam, como Rio de Janeiro, Salvador e Vila Rica (atual Ouro Preto). A partir de então, pode-se falar em escolas distintas no país, como a fluminense, com pintores como José de Oliveira Rosa, Leandro Joaquim, com seus retratos e representações da cidade do Rio de Janeiro e Manuel da Cunha, com suas pinturas religiosas e retratos. Ainda no Rio de Janeiro, em 1732, Caetano da Costa Coelho começa a realizar na Capela-Mor da Igreja da Ordem 3ª de São Francisco da Penitência aquela que seria a primeira pintura perspectivista do Brasil. Em Salvador, na então escola baiana do Século XVIII, vivia-se a transição do barroco ao rococó e nela eram típicas principalmente pinturas de perspectiva ilusionista. Destacam-se nesse período, José Joaquim da Rocha, com o teto da Igreja de N. Senhora da Conceição da Praia, considerada uma das obras-primas da pintura barroca brasileira (1773). 1.1.4 O domínio mineiro nas artes A mais famosa dessas escolas é a escola mineira, extremamente valorizada pela sua originalidade. O ciclo da mineração possibilitou a concentração de riquezas em Minas Gerais e a transformação de algumas cidades mineiras em verdadeiros centros urbanos da colônia. A primeira pintura de teto em Minas Gerais é realizada por Antônio Rodrigues Belo, em 1755, na capela-mor da matriz de Nossa Senhora de Nazaré, em Cachoeira do Campo. A partir de então Minas avança como ativo centro artístico nacional. O estilo dos artistas mineiros da época era o barroco com forte presença do rococó sem, no entanto, deixar de lado as formas brasileiras. O escultor Aleijadinho, um dos principais nomes de nossa arte, talvez seja o nome mais conhecido dessa escola. Já na pintura, destaca-se principalmente Manuel da Costa Ataíde. Outros pintores mineiros do período foram Manuel Rebelo e Souza e Bernardo Pires, João Nepomuceno Correia e Castro, entre outros. Ainda no século XVIII, fora desses centros, ganha relevo João de Deus Sepúlveda, com sua pintura "São Pedro Abençoando o Mundo Católico", em Recife, na Igreja de São Pedro dos Clérigos. Em 1800 há a primeira iniciativa de ensino de arte no país com a Aula Pública de Desenho e Figura, no Rio de Janeiro e seu regente, Manuel de Oliveira. 1.1.5 O neoclacissismo no Brasil Em 1808, a Família Real e a Corte Portuguesa transferiam-se para o Brasil e a partir daí tem-se uma significativa mudança nos rumos que a arte brasileira seguia até então. Enfrentando problemas políticos após a queda de Napoleão, um grupo de artistas franceses freta um navio e se dirige ao Brasil. Em 1816 chega a então denominada Missão Artística Francesa, um grupo de artistas e artífices franceses de formação neoclássica que iriam exercer uma profunda influência na pintura brasileira a partir da primeira metade do Século XIX, até praticamente a Semana da Arte Moderna de 1922. Na Missão Artística Francesa encontravam-se artistas como Nicolas- Antoine Taunay e Jean Baptiste Debret. Este último, em 1826, instalava a Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro e três anos depois eram abertas as primeiras exposições oficiais de arte brasileira. Pela primeira vez, chegava ao país um estilo artístico sem defasagem com o que estava acontecendo na Europa: o neoclassicismo. Seu prestígio, tanto pela "modernidade" quanto por ter caráter de arte oficial foi enorme. 1.1.6 A arte brasileira começa a perder sua identidade Em poucos anos ocorreu uma brusca ruptura, embora dirigida, com o barroco-rococó, que era comum nas nossas pinturas para um estilo mais frio, racional e acadêmico, sem muitas afinidades com a cultura brasileira de então. Nossa pintura ganhava na técnica, mas perdia em espontaneidade. A falta de raízes pode ser aquilatada pelo fato de um pintor da época haver sugerido a importação de modelos europeus para garantir a pose em padrões estéticos acadêmicos. Os rígidos padrões adotados pela Escola Nacional de Belas Artes foi, de fato, uma das principais razões por que o modernismo tardou tanto em entrar no Brasil, só logrando êxito após 1922. Entretanto, apesar de distante do país, o estilo acadêmico passa a ser o dominante no Século XIX. Destacam-se, entre os artistas brasileiros do período, Vitor Meireles, Pedro Américo, Rodolfo Amoedo e Henrique Bernardelli, além do escultor Rodolfo Bernardelli, que foi o diretor da Escola por quinze anos. 1.1.7 Romantismo e realismo chegam tardiamente Nas últimas décadas do século XIX, tendências românticas e realistas surgiam entre nossos artistas como uma das poucas manifestações de rebeldia ao estilo acadêmico. Entretanto, essas tendências manifestavam-se efetivamente mais na escolha temática, como Moema, de Vitor Meirelles, do que na forma, que continuava acadêmica e presa ao neoclassicismo. A Belle Époque brasileira parece ter se estendido de 1889 a 1922. Nessa época, apesar da influência da academia ser ainda a principal, começam a ser notadas mais manifestações de estilo europeu: além do Romantismo e do Realismo, o Impressionismo, o Simbolismo e Art Nouveau, estilo decorativo, com uso de formas sinuosas dentre outros elementos. 1.1.8 Nacionalizando a pintura Almeida Júnior parece ter sido um dos primeiros a libertar-se das influências acadêmicas, realizando quadros como tipos e cenas brasileiras, sem idealizações neoclássicas. No começo do Século XX, Eliseu Visconti, com suas propostas neoimpressionistas adquiridas em anos de estudo em Paris é um dos pioneiros na modernização da arte brasileira. Entretanto, a primeira mostra de arte que romperia com o academicismo brasileiro foi feita por um estrangeiro, Lasar Segall em 1913. Quatro anos mais tarde Anita Malfatti realizaria uma exposição que abalaria os padrões artísticos vigentes e reuniria jovens ansiosos por mudanças nas artes brasileiras e que acabariam por realizar a Semana de Arte Moderna, em 1922, na cidade de São Paulo. Começava então o Modernismo brasileiro que procurava atualizar a arte brasileira e quebrar com o academicismo que a orientava, realizando trabalhos que nada devessem à arte europeia de vanguarda, ao mesmo tempo que preservasse e valorizasse a cultura nacional. 1.1.9 Acompanhando a evolução da arte mundial Com o fim da II Guerra, os museus modernos são abertos e as Bienais facilitam a penetração da arte internacional no país. Por volta de 1960, vemos as últimas manifestações que podem ser consideradas pertencentes ao modernismo, com os abstracionistas e neoconcretos.As décadas de 60 e 70 assistem a variadas tendências e estilos, em que podem ser destacadas a influência da arte popular e uma grande busca de liberdade de expressão e experimentação. A década de 80 presenciou uma particular explosão na pintura, principalmente em seus primeiros anos, com grande número de novos pintores e produções de caráter híbrido. 1.2 Manifestações literárias brasileiras de coloração nacional Se atentarmos para a literatura produzida no Brasil até o século XVIII facilmente iremos constatar que o que por aqui se escreveu estava bem distante da realidade local em termos de representação dos valores da nossa gente. Este é um pensamento que permeia grande parte dos estudos acerca do nacionalismo. Até mesmo os mais respeitáveis poetas mineiros, participantes do movimento inconfidente, engajaram-se na revolta separatista ocorrida na segunda metade do referido século. Entretanto, não transpuseram para a sua arte os motivos e temas nacionais. Suas obras procuravam seguir regiamente os padrões clássicos importados da Europa, tanto na forma quanto no conteúdo. Somente no século XIX, com o advento do romantismo, é que vamos notar os primeiros sinais de uma literatura voltada para alguns elementos nacionais, notadamente com Gonçalves Dias e José de Alencar, ambos contemplando a paisagem brasileira e o nativo. A respeito desses dois escritores, principalmente referindo-se ao viés indianista de suas obras, Luiz Roberto Lopez (1988) observa: A literatura indianista brasileira tem dois nomes superlativos: Gonçalves Dias e José de Alencar. Gonçalves Dias foi um poeta notável pelo jogo dos timbres, pela construção incisiva, pela emoção do verso e pelo virtuosismo rítmico. Fez do índio um herói sem mácula, à maneira dos guerreiros feudais.[...] Quanto a José de Alencar, se é verdade que ele caiu nos maniqueísmos e estereótipos característicos do romantismo, é também verdade que ele se esforçou para fazer uma crítica ao mundo civilizado e burguês. E a solução encontrada foi a evasão para o mundo natural e rústico do índio, do bandeirante, do gaúcho, do sertanejo. (LOPEZ, 1988, p. 45). O que em geral se diz sobre de José de Alencar, mesmo os que lhe fazem alguma restrição (a despeito, por exemplo, do fato de ele ter silenciado sobre o papel do negro na formação social brasileira), é que ele ocupa o centro da literatura romântica e um lugar, sem dúvida, privilegiado na literatura brasileira, tanto pela extensão como pela natureza da sua obra. A nacionalidade pós-colonial vista em nossas letras talvez não tivesse atingido tamanho relevo, não fosse a produção do autor de Iracema. Acerca de José de Alencar, Nelson Werneck Sodré (1985), destaca: (...) foi um dos criadores da língua erudita nacional. Sua convicção da necessidade de criar uma linguagem literária própria da terra brasileira, seus temas e o indianismo como um modo de sublinhar a emancipação através da literatura foram as bases de sua ideologia pessoal. Deu um status literário ao índio e às paisagens. Por outro lado, o fato de ter sido um dos que se opôs à Lei do Ventre Livre é representativo de seus limites de classe. (WERNECK, 1965, p. 92) Outros escritores também tiveram importância capital na defesa da identidade brasileira, dentre os quais, lembramos Euclides da Cunha, Lima Barreto, Mário de Andrade, João Cabral de Melo Neto, cujas obras modelares serão analisadas na última Unidade deste livro juntamente com obras de outros autores de literaturas de língua portuguesa, observando os aspectos identitários nelas contidos. ATIVIDADE 1. Por que para o estudante (futuro profissional), especialmente o estudante de Letras, é importante apropriar-se de conhecimentos dos vários ramos do saber, principalmente no campo das artes? 2. Nas décadas de 30 e 40 do século XIX ocorreram no Brasil alguns movimentos “revoltosos” localizados, a saber: Cabanagem, Balaiada, Sabinada e Guerra dos Farrapos. Destaque dois deles e redija um pequeno texto em que fiquem evidenciadas as causas e consequências das citadas rebeliões. 3. De acordo com Luiz Roberto Lopez, na fase final do Segundo Império, novos grupos emergentes exigiam que o governo atendesse as suas demandas. Quais eram esses grupos e quais as suas reivindicações? 4. Considerando as artes plásticas desenvolvidas no Brasil no século XVII por pintores holandeses, qual a real contribuição desses artistas para a pintura brasileira? 5. Durante longo período da nossa história a arte literária produzida no Brasil esteve voltada ao modelo europeu. Quando é que a literatura brasileira começou a valorizar elementos tipicamente nacionais? Quais os escritores pioneiros do nacionalismo e como eles revelavam a brasilidade em suas obras? UNIDADE II - ASPECTOS SOBRE NACIONALISMO OBJETIVOS � Apresentar os aspectos do nacionalismo na literatura de língua portuguesa; � Identificar as principais características do nacionalismo na literatura de língua portuguesa. 2 ASPECTOS SOBRE NACIONALISMO 2.1 Nacionalismo e história da literatura É mister que a ideia de nacionalismo moderno surge no Romantismo, inicialmente baseado nas ideais de Rousseau que, identificando a Revolução com a nação, declara que o amor à pátria é o meio mais seguro de ser um bom cidadão. Para Nelson Werneck ( 1982), o cidadão individual é a base da pátria e o fim do Estado é a felicidade e a liberdade individual. Para Ada Maria Hemilewski, Frederico Wesphalen em seu artigo Nacionalismo e História da Literatura na Europa, as guerras empreendidas por Napoleão Bonaparte transformam o mapa político, contribuindo para a emergência de novos Estados inspirados, de um lado, nas ideias revolucionárias e, de outro, nas tradições culturais e folclóricas de povos que descobrem a sua consciência nacional e desejam conquistar um lugar entre as nações. Embora os conceitos de nação e nacionalismo comecem a circular, no mundo ocidental, no século XVIII, só passam a merecer uma maior atenção dos teóricos no final do século XIX e no século XX, quando se torna importante saber como os povos pré-industriais se sentiam a respeito da nacionalidade. As teorias discutem quais são os elementos ou princípios que despertam o sentimento nacional, permitindo o nascimento da nação. No movimento nacionalista romântico, dois períodos merecem destaque: o de 1815 a 1851, quando os conservadores procuram conter a grande onda revolucionária e o de 1851 a 1871, quando ocorre o triunfo das nacionalidades. O sentimento nacionalista também se faz sentir na história, uma vez que, segundo J. Guinsburg , o romantismo é um fato histórico "que assinala, na história da consciência humana, a relevância da consciência histórica. É pois uma forma de pensar que pensou e se pensou historicamente" . ( p.14) Guinsburg comenta ainda que no romantismo, o discurso histórico sofre uma mudança revolucionária, tornando-se basicamente interpretativo, formativo e genético. "O romantismo, em sua propensão historicizante, aglutina as sociedades em mundos, comunidades, nações, raças que têm antes culturas do que civilizações, que secretam uma individualidade peculiar, uma identidade, não de cada indivíduo, mas do grupo específico, diferenciado de quaisquer outros" (GUINSBURG, 1995, p. 15). . Afrânio Coutinho afirma que a fase das antologias e ensaios sintéticos diacrônicos é empírica e que só em 1847, com a publicação do Florilégio da poesia brasileira, de Francisco Adolfo de Varnhagen, a história da literatura brasileira atinge a fase erudita que faz uso de métodos históricos.Para ele, a obra é "a primeira manifestação de real espírito e método históricos, cuidando das fontes, informações e referências" (p. 277). Afrânio Coutinho, assim como José Veríssimo, considera Varnhagen o pai da historiografia literária nacional. Nesses estudos, a literatura passa a ser vista como a expressão da nacionalidade que precisa ser afirmada, daí a insistência no caráter original de nossa literatura. O nacionalismo literário é profundamente relacionado à questão política. A este respeito, Regina Zilberman, Eunice Moreira��afirmam: A política interfere principalmente quando obriga a literatura a se definir, como queria Gonçalves de Magalhães, enquanto expressão de uma dada nação. Esse processo começa a ocorrer no século XVIII, intensificando-se no século seguinte, porque a burguesia, solidamente instalada no poder, vai buscar na literatura a representação do Estado nacional que dirige e administra. (����� ���� �� ���������p.11) No Brasil, a independência política desperta nos intelectuais a consciência da necessidade de afirmação da existência de uma literatura nacional, diferente da antiga metrópole, com a qual compartilhamos a língua, daí a insistência em destacar a cor local nos autores e obras consideradas nacionais. Maria Eunice Moreira,(1991) diz que a questão da literatura brasileira está associada à problemática do Brasil enquanto possessão portuguesa e, mais tarde, a sua situação de nação recém emancipada em busca da afirmação de sua autonomia. Acrescenta ainda que “Na sustentação do caráter nacional da expressão literária de seu país, os estudiosos sinalizam na direção de duas relações: o nacional é reconhecido como expressão da cor local , em outras palavras uma mimetização da sua realidade imediata e o nacional definido pela língua utilizada para expressar seus escritos”. Por isso, diz Maria Eunice Moreira “a literatura brasileira tem de enfatizar o elemento de originalidade". Ser original significa, pois, ser independente. A nacionalidade literária revela-se como representativa de um determinado espaço que cumpre preservar e tende a narrar a sua história, porque ela serve para registrar a origem do material literário e a origem da própria nação. (MOREIRA, 1991,p.103) Reforçado pelos fatos políticos locais, o nacionalismo torna-se a principal característica da história da literatura brasileira, não apenas no século XIX, época do auge do movimento romântico. As histórias literárias publicadas posteriormente conservam, ainda, tal característica, muito embora os critérios de obra nacional tenham se modificado, através do tempo, principalmente pelos avanços da teoria e da crítica literária, bem como das teorias nacionalistas. No Romantismo, época em que o sentimento de aversão pela metrópole portuguesa é muito forte, devido à independência política da nação, os historiadores brasileiros não podem ter a linguagem como critério de nacionalidade, pois afirmá-la significa reforçar semelhanças com a antiga metrópole, quando é necessário afirmar diferenças. Por isso, os critérios limitam-se à "cor local" e ao aspecto geográfico. Porém, uma vez afirmada a existência de uma literatura com características efetivamente nacionais, reconhecida como tal pelas demais nações, torna-se possível considerar a língua como critério de nacionalidade. Um bom exemplo é o poema de Gonçalves Dias, Canção do Exílio: Canção do exílio Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar –sozinho, à noite– Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. De Primeiros cantos (1847) Fruto da convergência das grandes transformações políticas, sociais, culturais e econômicas do século XIX, o nacionalismo historiográfico tem seu período áureo no movimento romântico, época da consolidação da maioria das nações do Ocidente. SAIBA MAIS!� Ver em http://www.fw.uri.br/letras/artigos/nacionalismo.htm : 2.2 .Texto complementar Para entender mais sobre o Nacionalismo na literatura brasileira , leia o texto complementar que segue: FONTE ASSIS, Machado de. Machado de Assis. Notícia da atual literatura brasileira - Instinto de nacionalidade . In: Critica. São Paulo: Agir, 1997. p. 801 - 804 . Para saber mais sobre os primeiros estudos críticos sobre ao questão do nacionalismo , leia o que de Machado de Assis que segue:� NOTÍCIA DA ATUAL LITERATURA BRASILEIRA INSTINTO DE NACIONALIDADE QUEM EXAMINA a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país não há negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro. As tradições de Gonçalves Dias, Porto Alegre e Magalhães são assim continuadas pela geração já feita e pela que ainda agora madruga, como aqueles continuaram as de José Basílio da Gama e Santa Rita Durão. Escusado é dizer a vantagem deste universal acordo. Interrogando a vida brasileira e a natureza americana, prosadores e poetas acharão ali farto manancial de inspiração e irão dando fisionomia própria ao pensamento nacional. Esta outra independência não tem Sete de Setembro nem campo de Ipiranga; não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão para ela até perfazê-la de todo. Sente-se aquele instinto até nas manifestações da opinião, aliás mal formada ainda, restrita em extremo, pouco solícita, e ainda menos apaixonada nestas questões de poesia e literatura. Há nela um instinto que leva a aplaudir principalmente as obras que trazem os toques nacionais. A juventude literária, sobretudo, faz deste ponto uma questão de legítimo amor-próprio. Nem toda ela terá meditado os poemas de Uruguai e Caramuru com aquela atenção que tais obras estão pedindo; mas os nomes de Basílio da Gama e Durão são citados e amados, como precursores da poesia brasileira. A razão é que eles buscaram em roda de si os elementos de uma poesia nova, e deram os primeiros traços de nossa fisionomia literária, enquanto que outros, Gonzaga, por exemplo, respirando aliás os ares da pátria, não souberam desligar-se das faixas da Arcádia nem dos preceitos do tempo. Admira-se-lhes o talento, mas não se lhes perdoa o cajado e a pastora, e nisto há mais erro que acerto. Dado que as condições deste escrito o permitissem, não tomaria eu sobre mim a defesa do mau gosto dos poetas arcádicos nem o fatal estrago que essa escola produziu nas literaturas portuguesa e brasileira. Não me parece, todavia, justa a censura aos nossos poetas coloniais, iscados daquele mal; nem igualmente justa a de não haverem trabalhado para a independência literária, quando a independência política jazia ainda no ventre do futuro, e mais que tudo a metrópole e a colônia criara a história a homogeneidade das tradições, dos costumes e da educação. As mesmas obras de Basílio da Gama e Durão quiseram antes ostentar certa cor local do que tornar independente a literatura brasileira, literatura que não existeainda, que mal poderá ir alvorecendo agora. Reconhecido o instinto de nacionalidade que se manifesta nas obras destes últimos tempos, conviria examinar se possuímos todas as condições e motivos históricos de uma nacionalidade literária, esta investigação (ponto de , e divergência entre literatos), além de superior às minhas forças, daria em resultado levar-me longe dos limites deste escrito. Meu principal objeto é atestar o fato atual; ora, o fato é o instinto de que falei, o geral desejo de criar uma literatura mais independente. A aparição de Gonçalves Dias chamou a atenção das musas brasileiras para a história e os costumes indianos. Os Timbiras, I-Juca Pirama, Tabira e outros poemas do egrégio poeta acenderam as imaginações; a vida das tribos, vencidas há muito pela civilização, foi estudada nas memórias que nos deixaram os cronistas, e interrogadas dos poetas, tirando-lhes todos alguma coisa, qual um idílio, qual um canto épico. Houve depois uma espécie de reação. Entrou a prevalecer a opinião de que não estava toda a poesia nos costumes semibárbaros anteriores à nossa civilização, o que era verdade, - e não tardou o conceito de que nada tinha a poesia com a existência da raça extinta, tão diferente da raça triunfante, - o que parece um erro. É certo que a civilização brasileira não está ligada ao elemento indiano, nem dele recebeu influxo algum; e isto basta para não ir buscar entre as tribos vencidas os títulos da nossa personalidade literária. Mas se isto é verdade, não é menos certo que tudo é matéria de poesia, uma vez que traga as condições do belo ou os elementos de que ele se compõe. Os que, como o Sr. Varnhagen, negam tudo aos primeiros povos deste país, esses podem logicamente excluí-los da poesia contemporânea. Parece- me, entretanto, que, depois das memórias que a este respeito escreveram os Srs. Magalhães e Gonçalves Dias, não é lícito arredar o elemento indiano da nossa aplicação intelectual. Erro seria constituí-lo um exclusivo patrimônio da literatura brasileira; erro igual fora certamente a sua absoluta exclusão. As tribos indígenas, cujos usos e costumes João Francisco Lisboa cotejava com o livro de Tácito e as achava tão semelhantes aos dos antigos germanos, desapareceram, é certo, da região que por tanto tempo fora sua; mas a raça dominadora que as frequentou colheu informações preciosas e no-las transmitiu como verdadeiros elementos poéticos. A piedade, a minguarem outros argumentos de maior valia, devera ao menos inclinar a imaginação dos poetas para os povos que primeiro beberam os ares destas regiões, consorciando na literatura os que a fatalidade da história divorciou. Esta é hoje a opinião triunfante. Ou já nos costumes puramente indianos, tais quais os vemos n'Os Timbiras, de Gonçalves Dias, ou já na luta do elemento bárbaro com o civilizado, tem a imaginação literária do nosso tempo ido buscar alguns quadros de singular efeito dos quais citarei, por exemplo, a lracema, do Sr. J. Alencar, uma das primeiras obras desse fecundo e brilhante escritor. Compreendendo que não está na vida indiana todo o patrimônio da literatura brasileira, mas apenas um legado, tão brasileiro como universal, não se limitam os nossos escritores a essa só fonte de inspiração. Os costumes civilizados, ou já do tempo colonial, ou já do tempo de hoje, igualmente oferecem à imaginação boa e larga matéria de estudo. Não menos que eles, os convida a natureza americana cuja magnificência e esplendor naturalmente desafiam a poetas e prosadores. O romance, sobretudo, apoderou-se de todos esses elementos de invenção, a que devemos, entre outros, os livros dos Srs. Bernardo Guimarães, que brilhante e ingenuamente nos pinta os costumes da região em que nasceu, J. de Alencar, Macedo, Sílvio Dinarte Escragnolle Taunay), Franklin Távora, e alguns mais. Devo acrescentar que neste ponto manifesta-se às vezes uma opinião, que tenho por errônea: é a que só reconhece espírito nacional nas obras que tratam de assunto local, doutrina que, a ser exata, limitaria muito os cabedais da nossa literatura. Gonçalves Dias por exemplo, com poesias próprias, seria admitido no panteão nacional; se excetuarmos Os Timbiras, os outros poemas americanos e certo número de composições, pertencem os seus versos pelo assunto a toda a mais humanidade, cujas aspirações, entusiasmo, fraquezas e dores geralmente cantam; e excluo daí as belas Sextilhas de Frei Antão, que essas pertencem unicamente à literatura portuguesa, não só pelo assunto que o poeta extraiu dos historiadores lusitanos, mas até pelo estilo que ele habilmente fez antiquado. O mesmo acontece com os seus dramas, nenhum dos quais tem por teatro o Brasil. Iria longe se tivesse de citar outros exemplos de casa, e não acabaria se fosse necessário recorrer aos estranhos. Mas, pois que isto vai ser impresso em terra americana e inglesa, perguntarei simplesmente se o autor do Song of Hiawatha não é o mesmo autor da Golden Legend, que nada tem com a terra que o viu nascer, e cujo cantor admirável é; e perguntarei mais se o Hamlet, o Otelo, o Júlio César, a Julieta e Romeu têm alguma coisa com a história inglesa nem com o território britânico, e se, entretanto, Shakespeare não é, além de um gênio universal, um poeta essencialmente inglês. Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço. Um notável crítico da França, analisando há tempos um escritor escocês, Masson, com muito acerto dizia que do mesmo modo que se podia ser bretão sem falar sempre de tojo, assim Masson era bem escocês, sem dizer palavra do cardo, e explicava o dito acrescentando que havia nele um scotticismo interior, diverso e melhor do que se fora apenas superficial. Estes e outros pontos cumpria à crítica estabelecê-los, se tivéssemos uma crítica doutrinária, ampla, elevada, correspondente ao que ela é em outros países. Não a temos. Há e tem havido escritos que tal nome merecem, mas raros, a espaços, sem a influência quotidiana e profunda que deveram exercer. A falta de uma crítica assim é um dos maiores males de que padece a nossa literatura; é mister que a análise corrija ou anime a invenção, que os pontos de doutrina e de história se investiguem, que as belezas se estudem, que os senões se apontem, que o gosto se apure e eduque, e se desenvolva e caminhe aos altos destinos que a esperam. O ROMANCE De todas as formas várias as mais cultivadas atualmente no Brasil são o romance e a poesia lírica; a mais apreciada é o romance, como aliás acontece em toda a parte, creio eu. São fáceis de perceber as causas desta preferência da opinião, e por isso não me demoro em apontá-las. Não se fazem aqui (falo sempre genericamente) livros de filosofia, de linguística, de crítica histórica, de alta política, e outros assim, que em alheios países acham fácil acolhimento e boa extração; raras são aqui essas obras e escasso o mercado delas. O romance pode-se dizer que domina quase exclusivamente. Não há nisto motivo de admiração nem de censura, tratando-se de um país que apenas entra na primeira mocidade, e esta ainda não nutrida de sólidos estudos. Isto não é desmerecer o romance, obra d'arte como qualquer outra, e que exige da parte do escritor qualidades de boa nota. Aqui o romance, como tive ocasião de dizer busca sempre a cor local. A substância, não menos que os acessórios, reproduzem geralmente a vida brasileira em seus diferentes aspectos e situações. Naturalmente os costumes do interior são os que conservam melhor a tradição nacional; os dacapital do país, e em parte, os de algumas cidades, muito mais chegados à influência europeia, trazem já uma feição mista e ademanes diferentes. Por outro lado, penetrando no tempo colonial, vamos achar uma sociedade diferente, e dos livros em que ela é tratada, alguns há de mérito real. Não faltam a alguns de nossos romancistas qualidades de observação e de análise, e um estrangeiro não familiar com os nossos costumes achará muita página instrutiva. Do romance puramente de análise, raríssimo exemplar temos, ou porque a nossa índole não nos chame para aí, ou porque seja esta casta de obras ainda incompatível com a nossa adolescência literária. O romance brasileiro recomenda-se especialmente pelos toques do sentimento, quadros da natureza e de costumes, e certa viveza de estilo mui adequada ao espírito do nosso povo. Há em verdade ocasiões em que essas qualidades parecem sair da sua medida natural, mas em regra conservam-se estremes de censura, vindo a sair muita coisa interessante, muita realmente bela. O espetáculo da natureza, quando o assunto o pede, ocupa notável lugar no romance, e dá páginas animadas e pitorescas, e não as cito por me não divertir do objeto exclusivo deste escrito, que é indicar as excelências e os defeitos do conjunto, sem me demorar em pormenores. Há boas páginas, como digo, e creio até que um grande amor a este recurso da descrição, excelente, sem dúvida, mas (como dizem os mestres) de mediano efeito, se não avultam no escritor outras qualidades essenciais. Pelo que respeita à análise de paixões e caracteres são muito menos comuns os exemplos que podem satisfazer à crítica; alguns há, porém, de merecimento incontestável. Esta é, na verdade, uma das partes mais difíceis do romance, e ao mesmo tempo das mais superiores. Naturalmente exige da parte do escritor dotes não vulgares de observação, que, ainda em literaturas mais adiantadas, não andam a rodo nem são a partilha do maior número. As tendências morais do romance brasileiro são geralmente boas. Nem todos eles serão de princípio a fim irrepreensíveis; alguma coisa haverá que uma crítica austera poderia apontar e corrigir. Mas o tom geral é bom. Os livros de certa escola francesa, ainda que muito lidos entre nós, não contaminaram a literatura brasileira, nem sinto nela tendências para adotar as suas doutrinas, o que é já notável mérito. As obras de que falo, foram aqui bem-vindas e festejadas, como hóspedes, mas não se aliaram à família nem tomaram o governo da casa. Os nomes que principalmente seduzem a nossa mocidade são os do período romântico, os escritores que se vão buscar para fazer comparações com os nossos, - porque há aqui muito amor a essas comparações - são ainda aqueles com que o nosso espírito se educou, os Vítor Hugos, os Gautiers, os Mussets, os Gozlans, os Nervals. Isento por esse lado o romance brasileiro, não menos o está de tendências políticas, e geralmente de todas as questões sociais, - o que não digo por fazer elogio, nem ainda censura, mas unicamente para atestar o fato. Esta casta de obras, conserva-se aqui no puro domínio de imaginação, desinteressada dos problemas do dia e do século, alheia às crises sociais e filosóficas. Seus principais elementos são, como disse, a pintura dos costumes, e luta das paixões, os quadros da natureza, alguma vez o estudo dos sentimentos e dos caracteres; com esses elementos, que são fecundíssimos, possuímos já uma galeria numerosa e a muitos respeitos notável. No gênero dos contos, à maneira de Henri Murger, ou à de Trueba, ou à de Ch. Dickens, que tão diversos são entre si, têm havido tentativas mais ou menos felizes, porém raras, cumprindo citar, entre outros, o nome do Sr. Luís Guimarães Júnior, igualmente folhetinista elegante e jovial. É gênero difícil, a despeito da sua aparente facilidade, e creio que essa mesma aparência lhe faz mal, afastando-se dele os escritores, e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de que ele é muitas vezes credor. Em resumo, o romance, forma extremamente apreciada e já cultivada com alguma extensão, é um dos títulos da presente geração literária. Nem todos os livros, repito, deixam de se prestar a uma crítica minuciosa e severa, e se a houvéssemos em condições regulares creio que os defeitos se corrigiriam, e as boas qualidades adquiririam maior realce. Há geralmente viva imaginação, instinto do belo, ingênua admiração da natureza, amor às coisas pátrias e além de tudo isto agudeza e observação. Boa e fecunda terra, já deu frutos excelentes e os há de dar em muito maior escala. A POESIA A ação de crítica seria sobretudo eficaz em relação à poesia. Dos poetas que apareceram no decênio de 1850 a 1860, uns levou-os a morte ainda na flor dos anos, como Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu, cujos nomes excitam na nossa mocidade legítimo e sincero entusiasmo, e bem assim outros de não menor porte. Os que sobreviveram calaram as liras; e se uns voltaram as suas atenções para outro gênero literário, como Bernardo Guimarães, outros vivem dos louros colhidos, se é que não preparam obras de maior tomo, como se diz de Varela, poeta que já pertence ao decênio de 1860 a 1870. Neste último prazo outras vocações apareceram e numerosas, e basta citar um Crespo, um Serra, um Trajano, um Gentil-Homem de Almeida Braga, um Castro Alves, um Luís Guimarães, um Rosendo Moniz, um Carlos Ferreira, um Lúcio de Mendonça, e tantos mais, para mostrar que a poesia contemporânea pode dar muita coisa; se algum destes, como Castro Alves, pertence à eternidade, seus versos podem servir e servem de incentivo às vocações nascentes. Competindo-me dizer o que acho da atual poesia, atenho-me só aos poetas de recentíssima data, melhor direi a uma escola agora dominante, cujos defeitos me parecem graves, cujos dotes - valiosos e que poderá dar muito de si, no caso de adotar a necessária emenda. Não faltam à nossa atual poesia fogo nem estro. Os versos publicados são geralmente ardentes e trazem o cunho da inspiração. Não insisto na cor local; como acima disse, todas as formas a revelam com mais ou menos brilhante resultado, bastando-me citar neste caso as outras duas recentes obras, as Miniaturas de Gonçalves Crespo e os Quadros de J. Serra, versos estremados dos defeitos que vou assinalar. Acrescentarei que também não falta à poesia atual o sentimento da harmonia exterior. Que precisa ela então? Em que peca a geração presente? Falta-lhe um pouco mais de correção e gosto, peca na intrepidez às vezes da expressão, na impropriedade das imagens na obscuridade do pensamento. A imaginação, que há deveras, não raro desvaira e se perde, chegando à obscuridade, à hipérbole, quando apenas buscava a novidade e a grandeza. Isto na alta poesia lírica, - na ode, diria eu, se ainda subsistisse a antiga poética; na poesia íntima e elegíaca encontram-se os mesmos defeitos, e mais um amaneirado no dizer e no sentir, o que tudo mostra na poesia contemporânea grave doença, que é força combater. Bem sei que as cenas majestosas da natureza americana exigem do poeta imagens e expressões adequadas. O condor que rompe dos Andes, o pampeiro que varre os campos do Sul, os grandes rios, a mata virgem com todas as suas magnificências de vegetação, - não há dúvida que são painéis que desafiam o estro, mas, por isso mesmo que são grandes, devem ser trazidos com oportunidade e expressos com simplicidade. Ambas essas condições faltam à poesia contemporânea, e não é que escasseiem modelos, que aí estão, para só citar três nomes, os versos de Bernardo Guimarães, Varela e Álvares de Azevedo. Um único exemplo bastará para mostrar que a oportunidade e a simplicidade são cabais para reproduzir uma grande imagem ou exprimir uma grande ideia. N'Os Timbiras, há uma passagem em que o velho Ogib ouve censurarem-lhe o filho, porque seafasta dos outros guerreiros e vive só. A fala do ancião começa com estes primorosos versos: São torpes os anuns, que em bandos folgam. São maus os caititus que em varas pascem: Somente o sabiá geme sozinho, E sozinho o condor aos céus remonta. Nada mais oportuno nem mais singelo do que isto. A escola a que aludo não exprimiria a ideia com tão simples meios, e faria mal, porque o sublime é simples. Fora para desejar que ela versasse e meditasse longamente estes e outros modelos que a literatura brasileira lhe oferece. Certo, não lhe falta, como disse, imaginação; mas esta tem suas regras, o estro leis, e se há casos em que eles rompem as leis e as regras, é porque as fazem novas, é porque se chamam Shakespeare, Dante, Goethe, Camões. Indiquei os traços gerais. Há alguns defeitos peculiares a alguns livros, como por exemplo, a antítese, creio que por imitação de Vítor Hugo. Nem por isso acho menos condenável o abuso de uma figura que, se nas mãos do grande poeta produz grandes efeitos, não pode constituir objeto de imitação, nem sobretudo elementos de escola. Há também uma parte da poesia que, justamente preocupada com a cor local, cai muitas vezes numa funesta ilusão. Um poeta não é nacional só porque insere nos seus versos muitos nomes de flores ou aves do país, o que pode dar uma nacionalidade de vocabulário e nada mais. Aprecia-se a cor local, mas é preciso que a imaginação lhe dê os seus toques, e que estes sejam naturais, não de acarreto. Os defeitos que resumidamente aponto não os tenho por incorrigíveis; a crítica os emendaria; na falta dela, o tempo se incumbirá de trazer às vocações as melhores leis. Com as boas qualidades que cada um pode reconhecer na recente escola de que falo, basta a ação do tempo, e se entretanto aparecesse uma grande vocação poética, que se fizesse reformadora, é fora de dúvida que os bons elementos entrariam em melhor caminho, e à poesia nacional restariam as tradições do período romântico. O TEATRO Esta parte pode reduzir-se a uma linha de reticência. Não há atualmente teatro brasileiro, nenhuma peça nacional se escreve, raríssima peça nacional se representa. As cenas teatrais deste país viveram sempre de traduções, o que não quer dizer que não admitissem alguma obra nacional quando aparecia. Hoje, que o gosto público tocou o último grau da decadência e perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse com vocação para compor obras severas de arte. Quem lhas receberia, se o que domina é a cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a mágica aparatosa, tudo o que fala aos sentidos e aos instintos inferiores? E todavia a continuar o teatro, teriam as vocações novas alguns exemplos não remotos, que muito as haviam de animar. Não falo das comédias do Pena, talento sincero e original, a quem só faltou viver mais para aperfeiçoar-se e empreender obras de maior vulto; nem também das tragédias de Magalhães e dos dramas de Gonçalves Dias, Porto Alegre e Agrário. Mais recentemente, nestes últimos doze ou quatorze anos, houve tal ou qual movimento. Apareceram então os dramas e comédias do Sr. J. de Alencar, que ocupou o primeiro lugar na nossa escola realista e cujas obras Demônio Familiar e Mãe são de notável merecimento. Logo em seguida apareceram várias outras composições dignas do aplauso que tiveram tais como os dramas dos Srs. Pinheiro Guimarães, Quintino Bocaiúva e alguns mais, mas nada disso foi adiante. Os autores cedo se enfastiaram da cena que a pouco e pouco foi decaindo até chegar ao que temos hoje, que é nada. A província ainda não foi de todo invadida pelos espetáculos de feira; ainda lá se representa o drama e a comédia - mas não aparece, que me conste, nenhuma obra nova e original. E com estas poucas linhas fica liquidado este ponto. A LÍNGUA Entre os muitos méritos dos nossos livros nem sempre figura o da pureza da linguagem. Não é raro ver intercalados em bom estilo os solecismos da linguagem comum, defeito grave, a que se junta o da excessiva influência da língua francesa. Este ponto é objeto de divergência entre os nossos escritores. Divergência digo, porque, se alguns caem naqueles defeitos por ignorância ou preguiça, outros há que os adotam por princípio, ou antes por uma exageração de princípio. Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos, é um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade. Mas se isto é um fato incontestável, e se é verdadeiro o princípio que dele se deduz, não me parece aceitável a opinião que admite todas as alterações da linguagem, ainda aquelas que destroem as leis da sintaxe e a essencial pureza do idioma. A influência popular tem um limite, e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão. Feitas as exceções devidas não se leem muito os clássicos no Brasil. Entre as exceções poderia eu citar até alguns escritores cuja opinião é diversa da minha neste ponto, mas que sabem perfeitamente os clássicos. Em geral, porém, não se leem, o que é um mal. Escrever como Azurara ou Fernão Mendes seria hoje um anacronismo insuportável. Cada tempo tem o seu estilo. Mas estudar-lhes as formas mais apuradas da linguagem, desentranhar deles mil riquezas, que, à força de velhas se fazem novas, não me parece que se deva desprezar. Nem tudo tinham os antigos, nem tudo têm os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum. Outra coisa de que eu quisera persuadir a mocidade é que a precipitação não lhe afiança muita vida aos seus escritos. Há um prurido de escrever muito e depressa; tira-se disso glória, e não posso negar que é caminho de aplausos. Há intenção de igualar as criações do espírito com as da matéria, como se elas não fossem neste caso inconciliáveis. Faça muito embora um homem a volta ao mundo em oitenta dias; para uma obra-prima do espírito são precisos alguns mais. Aqui termino esta notícia. Viva imaginação, delicadeza e força de sentimentos, graças de estilo, dotes de observação e análise, ausência às vezes de reflexão e pausa, língua nem sempre pura, nem sempre copiosa, muita cor local, eis aqui por alto os defeitos e as excelências da atual literatura brasileira, que há dado bastante e tem certíssimo futuro. SAIBA MAIS!� O ROMANTISMO O Romantismo surgiu na segunda metade do século XVIII, junto com a revolução Industrial, que provocou profundas transformações na organização política e social de vários países da Europa. Esse período não foi nada tranquilo, pois foi marcado por uma série de movimentos políticos que tiveram inicio nos Estados Unidos da América em 1776, atingiram alguns países europeus, como, por exemplo, a Inglaterra, Holanda, Bélgica, Itália e Alemanha, culminando na França em 1789 com a Revolução Francesa. Todos esses movimentos políticos visavam atender às aspirações políticas e econômicas da burguesia - classe social formada por banqueiros, industriais e comerciantes - bem como acabar com o feudalismo. Para a burguesia, era necessário chegar ao poder político porque a nobreza e o clero prejudicavam o seu crescimento SAIBA MAIS! Revista Nitheroy Brasiliense (1836)� " Publicada em Paris, por um grupode jovens intelectuais brasileiros, e trazendo como lema “tudo pelo Brasil e para o Brasil”, a revista Niterói tem sido apontada como um dos marcos da instauração do Romantismo em nosso país. O outro é a publicação, no mesmo ano de 1836, do volume de versos Suspiros poéticos e saudades, de autoria de um dos redatores da revista, Domingos José Gonçalves de Magalhães.Niterói teve apenas dois números e boa parte dos seus textos foi assinada pelos redatores, que foram, além de Magalhães, Francisco de Sales Torres Homem, Manuel de Araújo Porto Alegre.Pela natureza e variedade dos assuntos, situa-se a Niterói na linha dos periódicos dedicados à difusão da cultura literária e científica e à atualização da inteligência. Seus antecessores imediatos são o Journal de connaissances utiles(1830), na França, e, entre nós, o “jornal literário político, mercantil etc.” O Patriota, que circulou no Rio de Janeiro em 1813. Com espírito semelhante, no ano seguinte ao do aparecimento da Niterói, Alexandre Herculano fundará o jornal O Panorama, órgão da “Sociedade Propagadora dos conhecimentos úteis”, em Lisboa. A ideia de conhecimento útil, aplicado ao desenvolvimento da civilização e ao aumento da glória nacional, comparece logo no prefácio “Ao leitor”, que abre o primeiro número da Niterói. Ali, a nova revista se apresenta em oposição aos demais periódicos, que desviam a atenção pública com “discussões sobre cousas de pouca utilidade”.Nesse tipo de periódico dedicado à ilustração do leitor médio, a diversidade das matérias é naturalmente grande. O primeiro número da Niterói traz lado a lado um longo estudo sobre a morfologia e tipologia dos cometas e um debate sobre a economia escravista; um artigo de economia, no qual se analisa um relatório do governo, e dois textos sobre arte: o primeiro sobre a literatura e o segundo sobre a música no Brasil. O segundo número não é menos eclético: há um breve artigo sobre a missão social da religião seguem-se um extenso estudo de química industrial, dedicado à produção do açúcar e destilação de aguardente, e um comentário ao estado atual do comércio da França com o Brasil; a esse primeiro conjunto, uma segunda parte, dedicada A REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO: A COR LOCAL EM ÚRSULA DE MARIA FIRMINA DOS REIS O espaço constitui uma das mais importantes categorias da narrativa não só pelas articulações funcionais que estabelece com o restante da categoria, mas também pelas incidências semânticas que o caracterizam. Para Carlos Reis, são válidas todas as modalidades de espaço ficcionais: físico, social, psicológico e textual. No romance Úrsula, as várias modalidades de espaço estão de acordo com as categorias descritas acima. O psicológico é o mais amplo, visto que a maior parte da história é narrada do ponto de vista das personagens através de suas memórias, que recuperam suas vivências passadas: Tancredo, Susana, Luísa B...� O espaço físico, na narrativa, está associado à natureza, à casa onde mora a matriarca, com sua filha e os dois escravos, ao convento, ao cemitério, em que a protagonista tem uma ligeira passagem, à senzala e à fazenda do antagonista. Os outros espaços físicos são mencionados através das memórias das personagens. O narrador não se refere aos espaços físicos determinando sua localização. Põe sempre reticências, indeterminando o lugar. No decorrer da narrativa como nas cenas introdutórias, através do contexto enunciativo em que o cavaleiro aparece, percebe-se que a província do Norte à qual ele se refere é o Maranhão. O leitor pode fazer essa constatação pela referência explícita, a abundância de palmeiras, vegetação típica dessa região. O Maranhão, ainda hoje, possui uma condição relativamente superior a outros estados do Norte e Nordeste. E à época em que o contexto da narrativa está sendo ambientado, o Maranhão era uma província promissora tanto no nível econômico como no cultural. Quando as personagens ou o narrador referem-se ao espaço da natureza é sempre com conotações de luz, ora do sol, ora das estrelas, ora da lua. A natureza é vista de forma idealizada. A valorização desse elemento coincide com o início da afirmação da nacionalidade, tema frequente nas narrativas dos séculos XIX. Segue trecho ilustrativo: […] E Altivas erguem-se as milhares de carnaubeiras, que balançadas pelo soprar do vento recurvam seus leques em brandas ondulações. [...] atravessando porção de um majestoso campo, que se dilata nas planuras, de uma das melhores províncias do norte, deixava-se levar ao através dele por um alvo indolente ginete. Longo devia ser o espaço que havia percorrido; porque o pobre animal, desalentado, mal cadenciava os pesados passos. (REIS,1988,p.22-23) [...] Soltando as asas à sua ardente imaginação, seguia-o na sua divagação, escutava-lhe a voz no rumorejar do vento, via-o no meio da solidão, e afagava-o com seus meigos. (grifos nossos)�� ��������������� O contexto maranhense, em que se passa a trama, insere-se numa moldura histórica que nos mostra o Maranhão como “uma das nossas melhores, mais ricas províncias do norte”. A contextualização histórica, porém, mostra que, apesar do cenário tranquilo, a vida da população, marcadamente a dos escravos, era assaz conturbada.� O mesmo acontece com o refúgio onde a protagonista reflete sobre sua vida. No espaço de liberdade em que era feliz só as aves, o frescor dos verdes e a brisa eram suficientes para seu viver. A mata, como símbolo da natureza, realiza a simbiose do homem com seu hábitat: A donzela então saiu da mata; porque lembrou-se de sua mãe, e volveu-se para ela; mas no dia imediato à mesma hora do crepúsculo, voltou à mata, e imergida em sua meditação, às vezes esquecia-se de si própria para só pensar no seu Tancredo. (grifos nossos) (REIS,1988,p.87) O espaço idílico da donzela só é violado quando aparece a figura do caçador que agride a todos, a virgem, a mata e os pássaros. O clima de harmonia é rompido. A imagem do caçador sugere a figura do lobo mau do imaginário popular, transmitida pelos contos de fadas, que ataca a “mocinha” na floresta: Tancredo! aonde estás a essa hora? que fazes, que não me vens proteger contra a insolência e as ameaças desse caçador desconhecido? O teu amor há de amparar-me. Oh sim, o teu amor me dará forças para destruir suas loucas esperanças e esquecer suas temíveis ameaças.(Id.ib,p.38). A casa da matriarca é outro espaço privilegiado na narrativa. Sua simbologia está associada à mulher, espaço onde reina a mulher, que é o centro. Significa o ser interior. Segundo Bachelard, seus andares, seu porão e sótão simbolizam diversos estados da alma. O porão, o inconsciente; o sótão, a elevação espiritual. A casa também é um símbolo feminino com o sentido de refúgio, de mãe, de proteção e de seio materno. A casa de Luísa B... pode ser comparada a essa acepção da casa como refúgio, como proteção, como seio maternal. Viúva, em uma cama, só podia oferecer para sua filha, amor, carinho, proteção, mas muitas vezes essa proteção era inversa. Luísa, impossibilitada de agir, só podia ajudar a filha com palavras. Esse espaço também era o da dor, da irrealização, das frustrações e da carência: Dias inteiros estava à cabeceira do leito de sua mãe, procurando com ternura roubar à pobre senhora os momentos de angústia e aflição; mas tudo era em vão porque seu mal progredia, e a morte se lhe aproximava a passo lento e impossível; porém firme e invariável.�� �������������� A cena em que Úrsula desmaia, no cemitério, junto ao túmulo de sua mãe, por si só transmite a significação do misticismo religioso em que a obra está envolta. A imagem do cemitério representa a última morada do ser em matéria, uma vez que os cemitérios passam umaideia de finitude e solidão. Era assim que a personagem se sentia, só e desolada. Ao acordar, é transportada para o convento, que também é uma representação de clausura. Outro espaço interior descrito na obra em análise é a senzala, vista por Túlio como um chão fétido, escuro, úmido, sombrio. Uma símile do conceito de escravidão sugerido no discurso enunciativo. Portanto, as imagens dos espaços interiores são todas sombrias. A visão edênica é representada tanto nos espaços reais como nos imaginários. A África para os escravos era um paraíso, o lugar da liberdade. Sua vida, aqui, a prisão, a escuridão. FONTE: MENDES , Algemira de Macêdo. A representação do espaço: a cor local em Úrsula de Maria Firmina dos Reis .In Maria Firmina dos Reis e Amélia Beviláqua na história da literatura brasileira: representação, imagens e memórias nos séculos XIX e XX.(Tese de doutorado defendida na PUCRS,2006.) ATIVIDADES 1. Pesquise sobre o conceito de Nacionalismo na literatura de língua portuguesa e produza um texto. 2. Dê exemplo de três autores e obras em que o nacionalismo esteja presente. 3. Identifique no poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, fragmentos que exemplifiquem o nacionalismo. 4. Leia os textos complementares desta unidade e escreva com suas palavras como os autores tratam a questão do nacionalismo. UNIDADE III - CONCEITO E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE OBJETIVO Fornecer subsídios teórico-metodológicos para compreensão do conceito e construção do processo identitário nas literaturas de língua portuguesa. 3. CONCEITO E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE A temática da identidade nacional ocupou um lugar de destaque entre os intelectuais brasileiros, do Romantismo à contemporaneidade. Essa preocupação, no entanto, nos anos pós independência foi mais recorrente devido à necessidade de elaboração de uma consciência nacional que, afastando o risco da assimilação cultural, inspirasse no povo o sentimento de identidade, fundamental para o processo de autoafirmação. Porém Zilá Bernd (1992), em Literatura e identidade nacional, avalia que foi a partir dos anos 1960 que o conceito de identidade perdeu o conteúdo individual e adquiriu a conotação coletiva de identidade cultural. No campo dos estudos literários, as literaturas das nações jovens, ainda ligadas ao seu passado colonial, tornaram-se importantes para a elaboração da consciência nacional. Nessa busca de identidade, a literatura pode se revestir de duas funções: Há a função de dessacralização, de desmontagem das engrenagens de um sistema dado, de por a nu os mecanismos escondidos, de desmistificar. Há também uma função de sacralização, de união da comunidade em torno de seus mitos, de suas crenças, de seu imaginário, ou de sua ideologia. (BERND, 1992, p. 17). Neste sentido, pode-se falar de todas as literaturas dos países emergentes ou pós-coloniais como os países africanos que somente no século XX tiveram sua independência de Portugal. 3.1 Identidade em questão Para compreendermos sobre o que estamos falando quando nos referimos à identidade cultural precisamos compreender, de forma breve, como de uma forma geral este conceito chegou a ser discutido tal como o percebemos na contemporaneidade. Um termo que não pode ser eximido desta compreensão é um panorama de .crise das identidades, identificando por boa parte dos autores revisados para esta pesquisa. A identidade, mesmo passando muito tempo como uma questão de segunda ordem, hoje, emerge sobre um panorama agonístico onde as certezas plantadas no mundo cartesiano foram profundamente questionadas, paulatinamente, durante todo o período moderno. Nos anos 1990, Stuart Hall inicia efetivamente a teorização sobre identidade cultural e identifica duas razões para o surgimento da identidade cultural como objeto de pesquisa nos estudos culturais: (1) a desestabilização gerada pela modernidade e a discussão do panorama de crise moderno e (2) os processos de globalização que se intensificaram a partir desta última década do século XX. É a partir de Identidade Cultural e Diáspora que Stuart Hall descreve um posicionamento sobre as identidades culturais. Apoiado sobre uma perspectiva discursiva, particularmente localizada no texto, ele desenvolve um ensaio tendo como tema o cinema caribenho e o novo reconhecimento do povo do Caribe como negro, a descoberta de uma nova identidade a partir do tempo pós-colonial. . A identidade, neste momento, pode ser vista como uma ferramenta para o empreendimento de pesquisas sociais em um tempo em que as narrativas modernas passam por um panorama de crise e onde há uma busca por identificações e legitimação dos processos sociais. A principal tarefa para a discussão das identidades culturais é perceber como este conceito será articulado nas práticas comunicacionais face a um mundo interconectado, onde a perspectiva de uma identidade cultural que seja formada por diversas outras representações e experiências se torna cada vez mais importante. SAIBA MAIS! A identidade cultural é um sistema de representação das relações entre indivíduos e grupos, que envolve o compartilhamento de patrimônios comuns como a língua, a religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um processo dinâmico, de construção continuada, que se alimenta de várias fontes no tempo e no espaço. Como consequência do processo de globalização, as identidades culturais não apresentam hoje contornos nítidos e estão inseridas numa dinâmica cultural fluida e móvel. A globalização é uma nova e intensa configuração do globo, a resultante do novo ciclo de expansão do capitalismo não apenas como modo de produção mas como processo civilizatório de alcance mundial, abrangendo a totalidade do planeta de forma complexa e contraditória. O Estado-nação, símbolo da modernidade, entra em declínio. Como conseqüência, os mapas culturais já não coincidem com as fronteiras nacionais, fato acelerado pela intensificação das redes de comunicação que atingem os sujeitos de forma direta ou indireta. Grandes conceitos que informavam a construção das identidades culturais, como nação, território, povo, comunidade, entre outros, e que lhe davam substância, perderam vigor em favor de conceitos mais flexíveis, relacionais. Segundo Teixeira Coelho, as identidades, que eram achadas ou outorgadas, passaram a ser construídas. As identidades, que eram definitivas, tornaram-se temporáriasi. A diversidade cultural que o mundo apresenta hoje, as múltiplas e flutuantes identidades em processo contínuo de construção, a defesa do fragmentário, das parcialidades e das diferenças, trouxeram, como corolário, uma volatilidade das identidades que se inscrevem em uma outra lógica: da lógica da identidade para a lógica da identificação. Da estabilidade e segurança garantidas pelas identidades rígidas, à impermanência, mutabilidade e fluidez da identificação. Não é mais possível fechar em torno de uma só questão as referências da prática individual e coletiva, e as dimensões em que se situam, constantemente superpõem-se em vários estratos vacilantes, ressalta Tício Escobarii. O que se impõe hoje, a partir da noção contingente, contextualizada e relacional da identidade, é garantir que a multiplicidade e a diversidade sejam preservadas, que a cultura, como uma longa conversa entre partes distintas, permita que convivam sujeitos dos mais diferentes matizes. Em vez disso, quando a cultura local parece
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