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Artes e Educação SUMÁRIO Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................................................. 09 Contextualização da disciplina ................................................................................................................... 10 UNIDADE I INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO ENSINO DA ARTE 1.1 - Por que Educação pela Arte? .............................................................................................................. 11 1.2 - Objetivos do ensino da Arte ................................................................................................................ 13 1.3 - Conceito de “belo” .............................................................................................................................. 19 UNIDADE II TENDÊNCIAS DO ENSINO DA ARTE NO BRASIL 2.1 - O ensino da Arte ................................................................................................................................. 22 2.2 - Arte é conhecimento – artes visuais, teatro, dança e música .............................................................. 25 2.3 - Proposta metodológica para o ensino da Arte .................................................................................... 36 UNIDADE III ARTE NO COTIDIANO ESCOLAR 3.1 - A evolução do desenho infantil ........................................................................................................... 50 3.2 - Alfabetização visual – análise dos elementos formais e contexto social. ...........................................56 3.3 - A imagem na mídia, artes visuais e o universo escolar e a produção de estereótipos ........................62 3.4 - Interculturalidade ou pluralidade cultural – arte popular e arte erudita .............................................68 3.5 - Tecnologias contemporâneas no ensino da Arte ................................................................................. 73 Glossário ..................................................................................................................................................... 78 Gabarito ....................................................................................................................................................... 79 Referências bibliográfi cas ........................................................................................................................... 82 9Quadro-síntese do conteúdo programático UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS I - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO ENSINO DA ARTE 1.1 - Por que Educação pela Arte? 1.2 - Objetivos do ensino da Arte 1.3 - Conceito de “belo” Levar o aluno a pensar sobre a importância da arte na sociedade e sua relevância para o ensino-aprendizagem; Destacar o campo das artes com conhecimentos próprios e caráter inovador, que desenvolve a percepção, imaginação e expressão; Identifi car os objetivos do ensino de arte e sua importância dentro e fora da sala de aula; Ressaltar aspectos didáticos próprios da abordagem artística: organização e formação do espaço de aula; Considerar o desenvolvimento subjetivo, além da habilidade motora do educando; Identifi car a importância da valorização da produção e posicio- namento individual, assim como o estímulo para a pesquisa e melhoria dos resultados das atividades a serem propostas; Apresentar a conceituação de belo como critério próprio das diversas culturas e modifi cado ao longo do tempo. • • • • • • • II - TENDÊNCIAS DO ENSINO DA ARTE NO BRASIL 2.1 - O ensino da Arte 2.2 - Arte é conhecimento – artes visuais, teatro, dança e música 2.3 - Proposta metodológica para o ensino da Arte Defi nir as origens do ensino de artes no Brasil e as infl uências históricas que determinaram mudanças metodológicas; Estabelecer as diferenças entre as linguagens artísticas, ressal- tando a importância dos variados sentidos individuais para a compreensão do mundo; Identifi car técnicas, critérios e idéias para a proposição de ativi- dades com as linguagens artísticas; Indicar mudanças das propostas metodológicas para adaptação às necessidades contemporâneas; Defi nir o conceito de metodologia triangular para a formação de indivíduos produtores, críticos e refl exivos; Apresentar os diferentes conceitos de imagem e como elas são modifi cadas através dos tempos; Ressaltar a possibilidade de verbalização e leitura a partir de imagens e destacar o conceito de polissemia; Mostrar diferentes processos de leitura de imagens de acordo com alguns autores; Defi nir o conceito de releitura e a importância de um repertório pessoal para análise e inovação artísticas. • • • • • • • • • III - ARTE NO COTIDIANO ESCOLAR 3.1 - A evolução do desenho infantil 3.2 - Alfabetização visual – análise dos elementos formais e con- texto social 3.3 - A imagem na mídia, artes visuais e o universo escolar e a produção de estereótipos 3.4 - Interculturalidade ou pluralidade cultural – arte popular e arte erudita 3.5 - Tecnologias contemporâneas no ensino da Arte Identifi car a proximidade do campo artístico no cotidiano escolar e no nosso dia-a-dia; Caracterizar diferentes fases do desenho infantil segundo alguns autores, colaborando para a orientação de trabalhos signifi cativos para o aluno e que valorizem sua capacidade de expressão; Defi nir alfabetização visual, os conceitos de seus elementos formadores e a relevância do contexto social para a compreensão imagética; Relacionar a conceituação de sintaxe visual a teorias sobre a percepção da imagem; Destacar os tipos de mídias e a necessidade de contextualização do ensino que aproveite-as como recurso educacional, assim como identifi car a tendência à produção de estereótipos; Abordar a temática da pluralidade cultural em relação a discussão do que é considerado arte popular e arte erudita; Identifi car fundamentos para a separação entre arte e artesanato, assim como verifi car mecanismos e instituições que os defi nem como tal; Ressaltar a tendência da inexistência de limites entre as linguagens artísticas e as inúmeras possibilidades criativas que surgem a partir da apropriação de tecnologias para a produção de sentidos em artes. • • • • • • • • 10 Contextualização da Disciplina A disciplina Arte e Educação tem como função destacar a importância da sensibilização e percepção das linguagens artísticas como meio de facilitar o processo de ensino-aprendizagem dos educandos. Visa a identifi - cação de elementos e códigos, comuns no universo das artes, que estão presentes em nosso cotidiano nas mais diversas formas: através de recursos utilizados nas propagandas, panfl etos, jornais, revistas, outdoors, e também nos objetos utilitários, como relógios, cadeiras, cadernos, etc., selecionados de acordo com o que é para nós mais aprazível visualmente. Veremos que há algumas explicações para a seleção de um objeto, considerado belo, em detrimento de outro, de acordo com a cultura a que pertencemos, e também de acordo com princípios clássicos que buscam a razão para a beleza a partir dos conceitos de harmonia, equilíbrio, simetria das formas. A educação pela arte enfatiza o saber sensível e o resgate às emoções para a formação de indivíduos capazes de perceber, analisar e posicionar-se criticamente. Numa sociedade em que o ritmo e quantidade de informações são acelerados, se torna necessário saber es- colher entre as opções oferecidas e estar preparado para um ambiente profi ssional, onde a capacidade para a criatividade e comunicação é premente. Desta forma, serão verifi cadas tendências do ensino de Artes, buscando caracterizar as diferentes concepções metodológicas e destacar aspectos importantes para o estabelecimento de uma metodologia atual que possibilite o desenvolvimentodo fazer artístico, da apreciação/fruição e contextualização das artes. Para o educador, é importante identifi car entre as linguagens artísticas de artes visuais, música, dança e teatro, conhecimentos próprios e o caráter inovador e expressivo que lhes são característicos. Serão trazidas discussões a respeito das fases do desenho infantil e dos elementos formais que colaboram para o que chamamos de alfabetização visual. Esta é imprescindível para a utilização das mídias e obras de arte como recursos educacionais e para a relação com as discussões sobre pluralidade cultural e inserção de tecnologias no ambiente de ensino e de produção artística contemporânea. 11UNIDADE I INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO ENSINO DA ARTEINTRODUÇÃO AO ESTUDO DO ENSINO DA ARTE 1.1 1.1 - Por que Educação pela Arte? Convidamos você a percorrer os caminhos da Arte! As mudanças conceituais em Artes na Educação foram vivenciadas na prática e são facilmente percep- tíveis. Na infância de muitos de nós, na escola em que estudávamos, era comum nas provas bimestrais ter uma folha, que continha um lindo desenho, no fi nal de todas as questões das provas. E como era bom pintar e fazer diversos tipos de colagens em cima do desenho proposto! No entanto, aconteceu uma surpresa um tanto ingrata para esse momento de descontração que era realizar tal prova de artes: começamos a receber uma folha em branco, em que o máximo de determinação para o tra- balho era ainda a proposta de criação de um desenho a partir dos temas desenvolvidos. Ou Dia do Índio, Dia das Mães, Natal... O que fazer diante daquele papel? Com certeza por melhor que desenhássemos, nosso índio ou Papai Noel nunca fi caria tão bonito como os de antes, tão rechonchudos e de traços tão bem defi nidos. Essa foi uma importante mudança. Mas depois delas várias outras aconteceram em termos metodológicos de como trabalhar Artes na escola. Na época, com certeza não era possível perceber o quanto aquelas mudanças refl etiam propostas educa- cionais que buscavam a maior autonomia dos alunos e o desenvolvimento de outros tipos de conhecimento. Arte, ainda por um longo tempo, como veremos, entrava na escola como descontração entre as outras disciplinas e como caracterização de datas comemo- rativas, como encenação de teatrinhos de acordo com o conteúdo trabalhado. Boa parte das pessoas que vivem há mais de duas décadas ainda tem como referência a educação artís- tica como um momento de colagens e ilustrações. Aos poucos, Arte na escola vem ganhando nova conotação como área com conhecimentos próprios, que tem suas especifi cidades, e que colabora para o desenvolvimento de aprendizagens. Arte tem caráter inovador e está associada ao pra- zer das descobertas, ao estímulo a nossos sentidos e percepção do mundo de forma criativa, crítica e refl exiva. Vivemos rodeados de objetos artísticos e objetos comuns e muitas vezes não nos damos conta que constituem escolhas entre modelos, formas, e representam a cultura a que pertencemos. Tanta variedade de formas e objetos não é criada apenas com fi ns utilitários, mas sim porque temos necessidade de exprimir sentimentos, representar e interpretar nossa visão a respeito do mundo. E, nes- te material, serão identifi cados elementos, formas, imagens, histórias que buscam o desenvolvimento da familiaridade com os conceitos e idéias próprios da criação artística. São grandes as preocupações atuais com os rumos da educação no país. Com freqüência vemos pesquisas, debates, artigos e programas televisivos que colocam a importância educacional para a formação de pessoas melhor preparadas para os desafi os futuros. A educação hoje é pensada de forma integrada e visando o trabalho além dos domínios dos saberes tradicionais. É destacado seu papel em relação às questões contemporâneas sobre meio ambiente, se- xualidade, saúde, questões éticas sobre igualdade de direitos, solidariedade e dignidade, conforme expresso nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997). Tais parâmetros foram desenvolvidos pelo Ministério da Educação e do Desporto (MEC) com objetivo geral de apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a estar preparado para ser um “cidadão participativo, refl exivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres” (PCN, 1997: 04). A área de Arte tem uma função tão importante quanto as outras áreas de conhecimento. Não costumamos questionar a importância da matemática, história, ciên- cias. No entanto, o grau de importância das artes para o ensino sofreu diversos enfoques ao longo da história da própria formação do país: desde instrumento im- prescindível em nossa colonização e período Imperial, passando a elemento característico do supérfl uo, e ao mesmo tempo, capaz de desenvolver o raciocínio do povo, logo após a proclamação da República. Veremos que a arte não tem uma história linear e homogênea, mas uma série de infl uências entre as diversas culturas 12 1O sistema educativo formal no país está dividido em Ensino Básico e Ensino Superior. O Ensino Básico compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. que fazem parte de nossa formação, as quais repre- sentam também o refl exo de discussões políticas e pedagógicas mais amplas de nossa sociedade. A Arte apresenta conteúdos próprios que permitem o desenvolvimento sensível através das diversas lingua- gens (artes visuais, música, dança, teatro). Desenvolve a percepção, a imaginação, a expressão. A Arte existe na sociedade através dos tempos e com ela é possível apreender os valores, a estética, os costu- mes e a importância de acontecimentos históricos que estão embutidos em sua confi guração. Somente quando estudados e contextualizados tais acontecimentos e valores por alunos e professores, há a ampliação da percepção estética e a formação de um repertório. Um repertório, uma soma de conhecimentos, permite a res- signifi cação de conceitos; a análise crítica ou criadora de novas produções artísticas e a relação com a vida do aluno na contemporaneidade. A Arte, como veremos, não decorre mais do sim- ples fazer manual ou da aprendizagem de técnicas criadoras entre as linguagens artísticas, ou mesmo da aprendizagem sistematizada dos períodos da História da Arte. Arte hoje une esses tipos de ensinamento e conhecimentos sobre a própria cultura, em prol de um posicionamento mais refl exivo e consistente sobre os processos artísticos. Conhecendo a arte de outras culturas, o aluno poderá com- preender a relatividade dos valores que estão enraizados nos seus modos de pensar e agir, que pode criar um campo de sentido para a valorização do que lhe é próprio e favorecer à riqueza e à diversidade da imaginação humana. Além disso, torna-se capaz de perceber a realidade cotidiana mais vivamente, reconhecendo objetos e formas que estão à sua volta, no exercício de uma observação crítica do que existe na sua cultura podendo criar condições para uma qualidade de vida melhor (PCN-Arte, 1997: 19). O estudo da Arte no curso de Pedagogia objetiva o conhecimento das possibilidades do trabalho artístico adequado e integrado ao contexto da vida dos alunos. Deve-se verifi car o que pensamos sobre arte? Onde está a arte em nosso cotidiano? Quais as potencialidades de um trabalho cujo enfoque passe por parâmetros artísticos? Educar pela arte signifi ca compreender seu valor como importante meio para estimular a sensibilidade, capaz de facilitar aprendizagens. Significa, como educador, ser capaz também de poetizar, fruir, buscar soluções criativas e aprender elementos básicos que colaborarão na prática profi ssional. Há cursos de formação e especialização em artes, assim como as demais áreas de conhecimento. Porém para o pedagogo, no Ensino Básico1, período para o qual é dirigida sua formação,os conhecimentos sobre os princípios estéticos, assim como orientações meto- dológicas, permitirão ampliar a percepção sobre seu trabalho, possibilitando o atendimento aos objetivos gerais de ensino-aprendizagem, conforme já especi- fi cados. A escolha da profi ssão de educador traz consigo a necessidade de permanente atualização e adaptação do contexto histórico-social aos ensinamentos em sala de aula. A educação do educador é essencial para que as propostas de ensino sejam efetivas e permeiem o cotidiano do aprendiz. O viés artístico vem ressaltar a sensibilidade como qualidade pertencente ao conhe- cimento humano. A partir de um retorno à beleza, à estetização e ao saber sensível, o ser humano pode compreender sua realidade criticamente. Pode estabelecer novos posi- cionamentos em relação a uma estrutura, chamada hoje de pós-moderna, em que circulam grandes quantidades de informação com rapidez e há mudanças e desgaste de valores tradicionalmente importantes. Castanho & Amorim (2007) questionam para que falar em beleza e Arte relacionada à educação. O que há de entrelaçado entre uma coisa e outra (se é que há algum)? Ressaltam que o homem tem necessidade de beleza e que a arte é sensibilizadora do humano, assim, a educação deveria ser o lugar onde o elogio à beleza fosse possível, e as experiências sensíveis fossem encarnadas pelos indivíduos e não destruídas ou me- canizadas. No entanto, segundo as autoras, a arte não seria incumbida de uma missão salvacionista, pois não se trataria de salvar algo ou alguém de qualquer coisa, mas esta seria uma convidada (para mais tarde tornar- se uma anfi triã, quem sabe!) às carteiras escolares, às mesas dos professores, às conversas entre os alunos. Porque se estética refere-se à capacidade humana de construir conhecimentos através dos sentidos, a aula é, sim, o habitat por onde se pode elogiar esta dimensão humana. E a educa- ção, a formadora de homens, aquela que vá recebê-la à porta (CASTANHO & AMORIM, 2007: 167). 13 1.21.2 - Objetivos do Ensino da Arte O ensino de arte consiste em trazer da realidade do aluno, da percepção de seus sentimentos e refl exões sobre o que conhece, o objeto de estudo que propor- cionará aprendizagens. O Currículo Nacional do Ensino Básico traz as com- petências essenciais para a educação formal no país. Conforme o documento, as competências artísticas que o aluno deve desenvolver ao longo do Ensino Básico organizam-se em quatro grandes eixos, e de acordo com a especifi cidade de cada área artística (MEC/ DGIDC): • Apropriação das linguagens elementares das artes Consiste em conhecer os conceitos, os códigos e linguagens artísticas tanto para a criação de novas situações, como identifi cando tais conceitos em obras existentes. Seria a identifi cação de técnicas e instru- mentos, vocabulário específi co para sua utilização posterior e compreensão do que já existe. • Desenvolvimento da capacidade de expressão e comunicação É a aplicação das linguagens e códigos de comunica- ção existentes para a interação com os outros, a relação crítica com o que já existe. • Desenvolvimento da criatividade Valorização da expressão espontânea, da diversidade de soluções e alternativas para os problemas. Elabo- ração de códigos e símbolos com intenção expressiva como participação do processo artístico. • Compreensão das artes no contexto Conhecer, identifi car e valorizar as características da arte de diferentes povos, percebendo as modifi cações das artes historicamente e no dia-a-dia das pessoas. Perceber as infl uências do avanço tecnológico e con- tribuir para a valorização do patrimônio artístico e a formação do hábito do contato direto com espetáculos, exposições, ambientes relacionados com atividades artísticas. Cada eixo acima especifi cado é detalhado e subdivi- dido entre as linguagens artísticas nesse documento. O PCN de Arte é outro documento específi co que expõe uma compreensão do signifi cado da arte, colo- cando especifi cações, conteúdos e objetivos de modo a oferecer os subsídios aos professores que trabalharão com as competências colocadas acima. No entanto, para tornar mais simples a percepção do que os materiais citados trazem como objetivos para a Arte, podemos resumir em três eixos estrutu- rantes o que deve ser desenvolvido com os alunos: a fruição-contemplação; a produção-criação; e a re- fl exão-interpretação. Esses eixos estruturantes serão mais detalhados na Unidade 2, quando estudarmos a Metodologia Triangular do ensino de artes. O processo de ensino de arte: - Trabalha com a exploração dos sentidos. Ou seja, não somente pretende o trabalho com o aspecto visu- al, mas as relações sonoras, olfativas, sensitivas em geral. - Visa o trabalho com a percepção do corpo no espaço, assim como a percepção de infl uências ex- trínsecas a ele. Pretende dar sentido às experiências das pessoas. - Estabelece uma dinâmica própria de organização de materiais e dos alunos em sala de aula. Não deve ser confundido com um ambiente de bagunça, hora do recreio, mas deve constituir uma movimentação entre os alunos e autonomia para participação criadora. - Envolve o trabalho com diversos materiais e técnicas para conhecimento de suas possibilidades e compreen- são do que foi desenvolvido por outras pessoas, outras culturas em diferentes épocas. - Deve estimular a visualização e leitura dos elemen- tos constitutivos de uma imagem ou dos códigos nela existentes, desenvolvendo a compreensão dos signifi - cados e a capacidade de leitura das diversas imagens que entramos em contato diariamente. - É perceber com os alunos a dimensão poética do mundo, uma vez que propõe conhecer o que é feito, respeitando a diversidade cultural e temporal que en- volve cada concepção artística. Conforme o PCN-Arte (1997: 35): Cabe ao professor escolher os modos e recursos didáticos adequados para apresentar as informações, observando sempre a necessidade de introduzir formas artísticas, porque ensinar arte com arte é o caminho mais efi caz. Em outras palavras, o texto literário, a canção e a imagem trarão 14 2É doutora em Arte-Educação pela escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP). Coordenou e elaborou os Parâmetros Nacionais Curriculares do Ensino Fundamental de 1ª a 4ª séries. mais conhecimentos ao aluno e serão mais efi cazes como portadores de informação e sentido. O aluno, em situações de aprendizagem, precisa ser convidado a se exercitar nas práticas de aprender a ver, observar, ouvir, atuar, tocar e refl etir sobre elas. Martins, Picosque & Guerra (1998: 13) falam sobre a necessidade de levar a arte para dentro da escola. Lembram que arte só é importante na escola, porque é importante fora dela. Embora muitas vezes percamos a noção do que os conhecimentos de arte abrangem, a nossa comunicação e leitura de mundo se dão muito além das palavras. Reconhecemos períodos históricos e características das pessoas e países por meio de músi- cas, da poesia, de suas danças, fi lmes, teatro, imagens. Porém para entendermos tais culturas e linguagens utilizadas é necessária a compreensão de seus códigos. E nisso consiste o trabalho artístico. De acordo com Berger (1999: 10), o modo como vemos as coisas é afetado pelo que sabemos ou pelo que acreditamos: Na Idade Média, quando o homem acreditava na existência física do Inferno, a visão do fogo deve ter signifi cado algo diferente do que signifi ca hoje. Não obstante, a idéia que fazia do Inferno devia-se muito à visão do fogo consumindo e das cinzas que permaneciam... assim como à sua experiência da dor das queimaduras. Nunca olhamos uma coisa apenas; estamos sempre olhando para a relação entre as coisas e nós mesmos. Nossa visão está continuamente ativa,continua- mente em movimento, continuamente captando coisas num círculo à sua própria volta. Trabalhar a arte signifi ca o desenvolvimento da capa- cidade de perceber essas relações, trazer o sentido dos acontecimentos para dentro da sala de aula. É permitir que os contatos superfi ciais com as imagens, sons, e momentos do dia-a-dia sejam percebidos de verdade e ganhem novos sentidos, sejam decodifi cados. É im- portante sabermos mais! Aguçarmos nossos sentidos e nos dispormos a conhecer! Quantas vezes passamos por um mesmo lugar, ou vemos uma mesma imagem e não a percebemos? Quantas vezes deixamos de identifi car detalhes e sons que estão a nossa volta? O trabalho estético permite uma sensibilização, o desenvolvimento de uma prática criadora, e não repetitiva, uma postura crítica requerida que estabelece relações entre fatos e pode colaborar com o desejo de uma sociedade mais participativa. Didática do Ensino de Arte O trabalho com artes nas escolas não costuma sofrer rejeição entre os alunos. Pelo contrário. Costumam per- ceber o momento como oportunidade de descontração, em que é possível um trabalho de maior liberdade e expressão individual. Essa característica está ainda bastante associada a um trabalho historicamente determinado em artes, que passou pela exploração da expressividade do aluno apenas. Porém também está associado à idéia de que a aula de artes cria momentos de interação do aluno com coisas novas, materiais diferentes e que permite a pesquisa individual. As propostas atuais continuam permitindo mobilidade e uma participação intensiva do aluno no processo. Certos alunos, no entanto, tendem logo a se sentir menos capazes quando são muito evidenciados talen- tos individuais para o desenho de alguns, ou quando são apenas requeridas criações em forma de desenho. Nesse ponto, cabe ao educador o papel fundamental de perceber a necessidade de estímulo aos diversos tipos de conhecimentos, não apenas do desenvolvimento da habilidade motora com o desenho, e perceber as subjetividades de cada um. No planejamento das aulas, o professor deve levar em consideração a falta de costume de muitos alunos para a expressão e comunicação de suas idéias, e que é preciso propor desafi os de forma instigadora, em- polgante, para que seja criado um envolvimento entre seus participantes. É necessário lembrar, segundo Martins, Picosque & Guerra (1998: 128) que ensinar etimologicamente sig- nifi ca apontar signos, permitir a construção de signos internos e a assimilação e acomodação de conceitos, processos e valores. É importante a valorização de trabalhos individuais, sem que para isso seja desconsiderada uma exigência mínima de atendimento aos objetivos de cada proposta. As boas idéias devem ser mais valorizadas, e a idéia de que todos, independente de um dom inato, podem alcançá-las. Rosa Iavelberg2 (2006) escreve sobre a necessidade de uma atenção para ações individuais dos alunos, além dos conteúdos específi cos da área. A subjetividade do aluno deve dialogar permanentemente com as infor- mações oferecidas pelo professor. Segundo a autora, há uma oscilação pendular entre acolher e exigir, que representa os movimentos ne- cessários a uma ação didática em arte. O aluno deve sentir-se bem ao manifestar opiniões e realizar criações artísticas. Isso favorece a formação de uma imagem positiva de si mesmo como conhecedor e produtor em arte. 15 3Vale ressaltar desde já que a afi rmação de Camargo é feita num período em que há uma intensa valorização no espontaneísmo da criança. Período detalhado posteriormente. Assim, fazem parte do conjunto de ações desenvolvidas pelo professor nessa área: orientar os processos de criação artís- tica oferecendo suporte técnico, acompanhando o aluno no enfrentamento de obstáculos inerentes à criação, ajudando-o na resolução de problemas com dicas e perguntas e fazendo-o acreditar em si mesmo; propor exercícios que aprimoram a criação, informando-o sobre a História da arte; promover a leitura, a refl exão e a construção de idéias sobre arte e ainda documentar os trabalhos e textos produzidos para análise e refl exão conjunta na sala de aula (IAVELBERG, 2006: 3). Com certeza, a maioria das escolas trabalha hoje com um contingente de alunos além do que seria considera- do ideal para a execução das propostas, e isso atrapalha a percepção de individualidades muitas vezes. O tra- balho é distante do ideal e os próprios planejamentos refl etem a problemática por qual passamos. Os traba- lhos são adaptados constantemente ao que é possível realizar de acordo com os materiais disponíveis e aos comportamento apresentado pelo grande número de alunos. No entanto, o trabalho artístico deve buscar a identifi cação individual do quanto são capazes de fazer, de interferir e de criar. Os alunos devem ser constantemente estimulados a buscar mais, ou seja, muitas vezes podem desenvolver mais suas propostas, podem fazer novas relações e utili- zar diferentes códigos estéticos (linhas, cores, texturas) para atingir resultados fi nais. Devem ser ressaltadas as quase infi nitas possibilidades de resultado para uma mesma proposta de trabalho entre os alunos. Iavelberg (2006) ressalta a importância de uma apren- dizagem artística que deixe marcas positivas na memó- ria do aluno, mas enfatiza também que não signifi ca que a arte promova a auto-estima num passe de mágica, nem que tudo que o aluno faz e pensa em arte é ótimo. O aprendizado efetivo e a confi ança, atendendo aos três eixos de aprendizagem (fazer, interpretar, refl etir sobre arte), trarão a confi ança necessária ao aprendiz. Conforme Porcher (1982: 18): As categorias atuantes no discurso estético não são em absoluto naturais (ou seja, inatas), mas constituem produtos de origem cultural. O imediato é, na verdade, mediado, a sensibilidade é construída; o talento pode ser formado, a inspiração adquirida, a emoção preparada, o dom não passa de uma maneira de dominar provisoriamente um processo que não é misterioso, mas que não sabemos ainda explicar; a sociedade camufl a o seu trabalho debaixo das fumaças de uma natureza espertamente deformada. É importante mostrar que arte é uma linguagem e que possui conteúdos a serem apreendidos, e até mesmo sistematizados. Conforme Camargo (1989), não basta um trabalho apenas com materiais para o desenvolvimento da criatividade. Principalmente porque a arte não tem o monopólio da criatividade e esta é requerida e essencial em todos os campos do conhecimento humano. O mais importante para o autor, num trabalho com artes, seria a postura do professor que ajuda o aluno a crescer e sentir confi ança em seu potencial para as futuras escolhas3. A sistematização dos conteúdos não deve signifi car a existência de um caderno específi co para o trabalho artístico, mas deve estar relacionada ao resgate dos conteúdos de acordo com os temas trabalhados. Devem ser relembrados alguns enfoques dados, artistas já men- cionados e os códigos trabalhados, para que os apren- dizes possam perceber os conhecimentos específi cos obtidos, e estes possam ser utilizados conscientemente em novas propostas de trabalho. No PCN-Arte (1997: 70-74) afi rma-se que em geral existem duas tendências de trabalho: a de exercícios de repetição ou imitação de modelos prontos, e outra que propõe atividades auto-estimulantes. Nesse material ressalta-se que conhecer a arte e seus processos de criação deve ser modelo de referência para o trabalho com os alunos e servir como orientação didática. A didática adotada por um professor expressa a adoção de conteúdos, teorias da arte e de educação selecionadas pelo docente. São colocadas orientações didáticas para o trabalho artístico em sala de aula de acordo com os seguintes pontos:- Organização do espaço e do tempo de trabalho - O espaço deve ser organizado funcionalmente para a utilização de materiais e deve apresentar fl exibilidade em sua disposição, criando uma “estética do ambiente”, de modo que sejam escolhidos elementos visuais com a marca do professor e dos alunos. Os elementos visuais escolhidos para decoração não devem ser clichês, mas “falar” a respeito das artes. - Os instrumentos de registro e documentação das atividades dos alunos - Podem ser relatos de alunos, observações sobre cada um deles e das aulas desen- volvidas, perguntas surgidas a partir das propostas, avaliações trabalhadas, fi chas de observação, caderno de percurso, entre outros. 16 - A pesquisa de fontes de instrução e de comunicação em arte - Aqui fi ca ressaltado o aspecto criador da atividade educativa. Consiste em buscar elementos da realidade que contribuam para as aprendizagens, como imagens, textos sobre os artistas, revistas, vídeos, ex- posições e referências artísticas da comunidade, assim como materiais trazidos pelos alunos. - A História da Arte - Conhecer um pouco, ao menos, sobre História da Arte facilitará o desenvolvimento dos trabalhos e a compreensão de que os trabalhos artísticos estão interligados com as idéias de uma determinada época e local. - A percepção de qualidades estéticas - O professor deve colaborar para a percepção de qualidades das formas artísticas, propiciando a observação sob dife- rentes ângulos, com incentivo à curiosidade, desafi o ao conhecimento prévio, destacando a importância dos aprendizados informais e também oferecendo novas perspectivas de conhecimento. - A produção do professor e dos alunos - O professor deverá ser um pesquisador e articulador das idéias no momento das aulas e preparando-as e deverá ser um incentivador, descobridor de interesses, que estabe- lecerá a adaptação entre necessidades e curiosidades demonstradas pelos alunos. - As atitudes dos alunos - Um trabalho criador deve ser estabelecido num ambiente de colaboração, onde se perceba que as regras e a ordem existem para que seja possível o bom andamento das propostas desen- volvidas. Deve haver respeito pelos trabalhos e pelas opiniões e gostos dos outros. Uma das modalidades destacadas ainda nos PCN refere-se a atividade com projetos, cuja proposta ca- racteriza-se pela criação de motivação e oportunidade de trabalho com autonomia entre os alunos. Os projetos podem envolver ações entre diversas disciplinas e ajudam a desmistifi car os conhecimentos como algo estanque e dissociado de um contexto e da possibili- dade de sua utilização. (...) mais do que uma técnica ou uma estratégia sujeita a regras predeterminadas, os projetos refl etem uma atitude pedagógica fundamentada numa concepção de educação que valoriza a construção do conhecimento. (...) Um projeto é uma intenção, que precisa ser continuamente avaliado e replanejado. Pode ser transformado durante sua concretização, na medida em que novas ações precisem ser inseridas a fi m de que os ob- jetivos e os conteúdos possam ser alcançados” (MARTINS, PICOSQUE & GUERRA 1998: 158). Projetos devem partir, segundo as autoras citadas, de um “estímulo gerador”, que pode ser uma temática – uma guerra, um acontecimento histórico – do qual se desenvolvem questões, ou mesmo a identifi cação de um interesse entre os alunos, de um problema. Como exemplo deste último, as autoras colocam a percepção de desenhos, muito simplifi cados, de árvores realizados por boa parte dos alunos. Poderia ser também a partir da percepção bastante comum do desenho de casas pelas crianças. Será que aquela casa estereotipada e que “todos” sabem fazer é a casa em que moramos, por qual passamos, ou apenas colabora para atingirmos o en- tendimento do que queremos representar? O que essa produção nos revela? Como poderíamos ampliá-la para nossos aprendizes? Nas duas abordagens, tanto no exemplo da observação do trabalho com a árvore desenvolvido pelas autoras, como pelo da casa, poderia ser proposta a observação do original, a pesquisa de outras representações já realizadas do mesmo objeto. Entre representações clássicas, modernas, contemporâneas e dos próprios alunos pode ser evidenciado que árvores, por exemplo, podem ter números de galhos, tipo de folhas, cores, texturas e formas muito diferentes. Pode ser enrique- cida a percepção da variedade dos códigos utilizados artisticamente, assim como percebida a importância do desafi o dos limites, da permissão para explorar o desconhecido e não nos satisfazer com idéias prede- terminadas apenas. Leitura Complementar Relação de Texto e Imagem: Uma Experiência em Desenvolvimento Em busca do atendimento às novas propostas metodo- lógicas de artes e a partir do trabalho com projeto, serão aqui colocadas algumas experiências desenvolvidas a partir de constantes trocas com um grupo de profes- sores, principalmente, como incentivo da coordenação da escola a que pertenço. Foi-nos proposta a idéia de trabalharmos textos e todo seu potencial para o desenvolvimento do conhe- cimento dos alunos. Principalmente, devido ao fato de detectarmos, não somente na escola, mas divulgada na mídia em geral a grande defasagem lingüística que apresentam os alunos, a cada dia, nos níveis mais avançados de ensino. Pensamos que a ênfase não só na produção de textos, mas na interpretação de textos (visuais e lingüísticos) seriam fundamentais nessa mudança de resultados pretendidos. A proposta, inicialmente, teve nos pequenos textos selecionados, a priori por professores e direção, o ponto de partida. Os textos trabalhados com os alunos seriam 17 recortes de jornais, revistas ou de Internet, e posterior- mente reproduzidos para os alunos. Os professores em cada uma de suas disciplinas desenvolveriam a exploração do tema da forma que achasse mais ade- quada e conveniente, levando em consideração o tempo disponível e mesmo a possibilidade de adaptação dos temas às disciplinas. No desenvolvimento das atividades propostas, o mais interessante foi o fato de os textos, sem uma in- tenção inicial, se relacionarem entre si e também aos acontecimentos cotidianos. Os próprios alunos durante os debates fi zeram outras sugestões de abordagens. Por exemplo: o primeiro texto proposto era sobre o alcoolismo. Inicialmente era difícil a abordagem do tema em artes. Porém, nesta experiência de trabalho pude perceber, em uma das aulas, o questionamento de alguns alunos sobre a possibilidade de Van Gogh ser viciado em drogas. Nessa aula, especifi camente, não falávamos sobre drogas ou sobre Van Gogh. O interesse partiu de uma conversa entre os amigos. Coin- cidentemente, o texto escolhido para a aula seguinte tratava de alcoolismo, e vimos imagens de artistas que tiveram infl uência do consumo de bebidas em suas vidas ou obras. Van Gogh foi utilizado como exemplo principal devi- do ao interesse já existente em saber sobre sua história. Pudemos desenvolver o tema partindo da idéia de que ele fazia grande consumo da bebida alucinógena, ab- sinto, que antigamente não era proibida e inclusive era receitada por médicos em determinados tratamentos. Então eram analisadas questões de cores, tipo de linha utilizada, detalhes sobre sua vida, e desenvolvida uma atividade de discussão em grupos sobre textos retirados de sites com informações sobre o alcoolismo e outros artistas. Em seguida, apresentavam suas conclusões à turma. Com alunos menores, desenvolvemos a criação de campanhas contra o alcoolismo, tendo como suporte a forma de garrafas. Cartazes e quebra-cabeça com auto- retrato de Van Gogh também foram desenvolvidos. Uma aluna, de uma das turmas, durante a aula, disse que também gostaria de saber sobre Leonardo da Vinci. E, parecendomais uma vez ser coincidência, uma das primeiras imagens do fi lme escolhido para apresentação aos alunos na semana seguinte era “O Homem Vitruviano” de Leonardo da Vinci. O fi lme era ‘Ilha das Flores’, de 1989, bastante antigo, mas que traz de modo muito interessante a questão das desigualdades sociais. Inicialmente, a ligação dos temas parecia distante, mas ao dar início a um trabalho com Leonardo, falando sobre suas invenções, seus traços, infl uências, o Ho- mem Vitruviano e sua simbologia, as formas (círculo e quadrado) que o acompanhavam; naturalmente tudo pareceu ser resolvido. Fizemos uma reconstrução nas séries menores, brincando com a estrutura do corpo humano, buscan- do novas posições e o encaixe, de alguma forma no desenho, do círculo e do quadrado. Vimos que essas formas foram representadas por Leonardo da Vinci como a identifi cação de formas perfeitas e junto ao ideal de proporção do corpo humano. Foram obser- vadas algumas imagens e a escrita do pintor, de trás para frente, que causou grande interesse. Parecia uma espécie de escrita cifrada, um código para que poucos pudessem ter acesso. Pensando nisso, partindo de nosso próprio alfabeto, os alunos das séries menores desenvolveram um novo código e posteriormente uma mensagem que seria decifrada por um de seus colegas de turma. Leonardo da Vinci O Homem Vitruviano, 1490 Gallerie dell’Accademia Fonte: ttp://espacodesign.wordpress.com 18 Código da Vinci Ao observarmos suas idéias para a construção de máquinas como a “máquina voadora”, “máquina parafuso”, “pára-quedas” entre outros, a proposta foi a criação, dando asas à imaginação, de uma nova má- quina que seria boa de alguma forma para o homem hoje em dia. Em outra aula, vimos novamente a imagem da ‘Santa Ceia’, De Leonardo da Vinci, comparando à ‘Ceia Eucarística’ de Vicente do Rego Monteiro, artista bra- sileiro. Foram observadas: a organização da estrutura da composição, as formas mais geometrizadas de Vicente do Rego, mas ao mesmo tempo a utilização de contrastes de luz e sombra, assim como nas imagens de Leonardo, etc. Conversamos sobre a representação da Ceia, e de serem imagens relacionadas ao catolicismo. A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z Leonardo da Vinci “A Última Ceia”, 1495-1497 Predominância da têmpera e óleo - Santa Maria delle Grazie (Milão) Fonte: http://pt.wikipedia.org Vicente do Rego Monteiro "Ceia Eucarística", 1925 Têmpera s/ tela - Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília Fonte: http://www1.folha.uol.com.br 19 1.31.3 - Conceito de “Belo” Embora muitos alunos não fossem católicos, muitos a conheciam e tinham a imagem de Leonardo em casa. Falamos sobre a importância de uma religião para as pessoas em geral, sem entrar em debates específi cos, aproveitamos a questão da visita do Papa no Brasil na mesma semana, de modo que os alunos iniciaram várias colocações de idéias que questionavam. Resgatando a temática do fi lme que já tinham visto com outro professor, ‘Ilha das Flores’, conversamos sobre o que haviam compreendido e se em nossa sociedade acreditavam que existiria já a produção de alimentos sufi cientes para todos. Debatemos sobre a questão, depois procuramos desenvolver uma nova ceia, em grande formato, em que foram pensados os alimentos que dela, hoje em dia, fariam parte. Além disso, colocamos no interior de cada alimento o nome do que seria um alimento para a “alma”, ou seja, uma idéia, mensagem, que seria necessária em vista aos problemas estudados com as desigualdades sociais. Como temos produção de alimentos para todos, então a desigualdade social seria o fator principal para ainda verifi carmos pessoas passando fome e difi culdades. Curiosidade Procure verifi car idéias de trabalhos realizados a partir de temas específi cos em sites e em exposições realizadas nos vários museus de sua cidade. Os museus trazem normalmente um programa educativo com capacitação de professores de forma a ajudá-los no desenvolvimento de propostas estéticas com os alunos. Verifi que idéias de projetos desenvolvidos a partir de temáticas específi cas: www.itaucultural.com.br/ www. artenaescola.org.br. O que consideramos belo é muito particular e tem relação direta com as experiências vividas por cada um de nós. Algo pode ser belo e provocar o deleite em sua apreciação; um determinado cheiro pode ser prazeroso e trazer à tona boas recordações da infância ou um mo- mento distante; um ruído pode estar associado a uma experiência interessante ou algo que é esperado. Em todos os casos comentados, algo que seja belo é sempre associado ao que é bom de alguma forma para nossos sentidos. Elementos da natureza tendem a ser considerados belos enquanto dura a própria natureza. Por exemplo, o pôr-do-sol foi considerado belo por nossos ante- passados, e também por nós e assim será para nossos descendentes. Porém, o que se considera belo entre os objetos: um automóvel, uma moto, uma caneta, um tênis? E entre as pessoas: um modelo fotográfi co, uma atriz ou um ator de cinema ou televisão? No início do livro de um famoso historiador da arte, Henrich Wöffl in (1989), são colocadas duas imagens para desenvolver a análise do que caracterizaria a ex- periência estética para as pessoas. Uma das imagens é de Peter Paul Rubens, artista holandês, feita em 1620, retratando seu fi lho pequeno. Conforme Woffl in, Ru- bens estava orgulhoso da beleza de seu fi lho e queria que também a admirássemos. No entanto, a outra imagem colocada de uma senhora, feita pelo alemão Albert Dürer, que viveu em época pouco anterior a Rubens (1471-1528), retratava sua mãe com a mesma devoção, causa-nos um estranhamento. Peter Paul Rubens Retrato de seu fi lho, por volta de 1620. Albrech Dürer. A mãe do artista, 1514. A imagem do menino rechonchudo é contrastada com a imagem das rugas, magreza e o desgaste do tempo registrado com a velhice. Ambas representam a realida- de de forma honesta, com grande detalhamento. Nosso estranhamento inicial dá lugar aos poucos a percepção da grande beleza presente em seu tema. Detectamos, então, que um outro tipo de beleza é aceito e reconhe- cido por nós, mesmo que demande certo tempo e uma percepção mais apurada. Tendemos a apreciar algo de fácil entendimento, valorizando a perícia do trabalho técnico e a forma mais próxima da realidade. Ainda que o fácil enten- 20 dimento se resuma a perceber quais são os elementos representados e não o signifi cado mais profundo que a obra pode disponibilizar. Padrões de beleza variam, não somente entre as pes- soas, mas principalmente entre as culturas, pois são formadas por hábitos e costumes específi cos a cada uma delas. Os critérios de beleza também costumam estar associados à época determinada, ou seja, estão associados à moda vigente. No século XV, na Itália, por exemplo, uma mulher bonita deveria ter o corpo volumoso e as formas ar- redondadas. A magreza podia ser relacionada à falta de saúde e simbolizar má alimentação. Atualmente, a imagem feminina ideal é a de uma pessoa magra e esguia. Outro exemplo facilmente verifi cável está na observa- ção das representações de cores e vestimentas da artista mexicana Frida Kahlo. Suas cores são contrastantes, fortes e suas vestimentas podem caracterizar exageros, extravagância para algumas pessoas, mas podem es- tar em perfeita sintonia e até serem escolhidas como singularidade representante de um país. Não à toa um restaurante mexicano, no caso, ressalta as cores, cactos e elementos recorrentes na estética do país, pois quer evidenciar uma característica. Curiosidade Há um fi lme sobre a artista que mostra bem seus hábitos, costumes nacionais e sua relação com o artista Diego Rivera: Frida, oscar de melhor maquiageme trilha sonora. Frida Kahlo e Diego Rivera em 1932. “A Casa Azul”, residência de Frida e de seus familiares Portanto, padrões de beleza variam de povo para povo e de acordo com a época. Padrões ideais, além disso, na maioria das vezes nem se enquadram à realidade das pessoas. Podemos verifi car essa observação através da modelo brasileira considerada ‘top’, atualmente, Gisele Bündchen. Será que ela representa um modelo de formas femininas entre as mulheres no Brasil? Vejamos a seguir o exemplo de duas imagens de Vênus, a deusa da beleza: A primeira imagem é a Vênus de Sandro Botticelli (1444-1510), artista italiano. A segunda também é Vê- nus, de Di Cavalcanti (1879-1976), artista brasileiro. A fi gura de Botticelli tem formas arredondadas, é alta e seu rosto, além de lembrar as estátuas gregas da Anti- guidade, lembra também os rostos que representavam Virgem Maria ou as santas do cristianismo da época renascentista. Já a Vênus de Di Cavalcanti está mais próxima do tipo físico da mulher brasileira: de pequena estatura, gordinha e de pele morena. Para Di Cavalcanti, a deusa da beleza não é uma mulher branca, tipicamente euro- péia, mas uma mulata brasileira. De acordo com os padrões clássicos de beleza, se um objeto atende a três características formais, que são a ordem, a simetria e a proporção, pode ser considerado belo. Essas categorias, apesar de pensadas desde a Grécia antiga, constituem as bases de nossa procura para a explicação do que ainda hoje consideramos belo ao observarmos pessoas e entendermos nosso gosto 21 O retângulo áureo A construção geométrica do retângulo áureo começa pelo quadrado (cinza), que é dividido em partes iguais pela tracejada EF. O ponto F serve então como centro de um círculo cujo raio é a diagonal FC. Traça-se o arco do círculo (CG) e estende-se a linha de base AD até inter- ceptá-lo. Essa será a base do retângulo. Traça-se o novo lado HG em ângulo reto com a nova base, estendendo-se a linha BH até interceptá-lo. O retângulo áureo resultante tem uma propriedade singular: se o quadrado original for retirado, o que sobrar será um novo retângulo áureo. por determinada estrutura arquitetônica. No entanto, é a partir das mesmas categorias, principalmente, que artistas, arquitetos, músicos em geral buscam nos fazer perceber que há possibilidades de beleza fora da simetria e da ordem. Ao observarmos a natureza, a idéia de beleza está na representação do que é simétrico e também em sua diversidade. As formas que para nós são inexplicáveis de plena beleza, estudadas pelos gregos há milênios, trazem uma estrutura, um “cálculo” e “número na- tural”, chamado número de Fibonacci decorrente da observação da repetição do número de folhas de uma planta, por exemplo, da observação da proporção de um templo grego, entre outros exemplos. A chamada relação de ouro, ou seção de ouro é caracterizada pelo número 1,618. O número aparece nos pentágonos, círculos, e mais notavelmente no retângulo áureo. Essa divisão intriga os estudiosos durante séculos e foi almejada na representação de formas do corpo e rosto humanos ao longo de diversos períodos artísticos. Exercícios de Auto-avaliação 1) Comente o que é para você a arte? De que maneira você se percebe relacionado ao mundo da arte? 22 UNIDADE II TENDÊNCIAS DO ENSINO DA ARTE NO BRASILTENDÊNCIAS DO ENSINO DA ARTE NO BRASIL 2.12.1 - O Ensino da Arte 1Formas curvas muito utilizadas no período Barroco. 2A maioria dos livros e textos sobre o ensino de artes marca esse período como início de obras no estilo neoclássico, característico na Europa naquele momento, e coloca a vinda dos artistas franceses como iniciativa de D. João VI. Hoje esses dois pontos estão sendo bastante questio- nados, pois antes da chegada dos artistas franceses já são detectados vários elementos constitutivos de infl uências neoclássicas em fachadas na cidade do Rio de Janeiro. O ano da chegada de D. João VI é 1808, e segundo Uchoa (2008), há indícios de que os franceses não tenham sido tão bem recebidos nas terras brasileiras e que foram feitas poucas encomendas a eles por personagens da Corte. “[...] já se ensinava desenho na Academia Real dos Guardas-Marinha, na Real Academia Militar e na aula regia de Manoel Dias de Oliveira; segundo Catarina Knychala, as ofi cinas de gravura já estavam em pleno funcionamento na impressão régia, no arquivo militar e na casa da moeda. Portanto, percebe-se que mesmo anterior à chegada da missão já havia se estabelecido um ambiente artístico na cidade do Rio de Janeiro”. “Segundo Henrique José da Silva, a existência de uma colônia francesa de artistas não foi predeterminada, procurando provar que os artistas, ou missionários, ou professores franceses, vieram para o Brasil sem compromisso algum do governo real, isto é, dirigiram-se espontaneamente de lá para cá. Ana Mae Barbosa, no seu livro Arte Educação no Brasil, afi rma: “o próprio D. João VI procurou fugir à responsabilidade pública de ter ofi cialmente patrocinado a vinda dos artistas franceses através das autoridades competentes em Paris, dando a entender, no decreto com o qual criou a Academia Real de Ciências, Artes e Ofícios, decreto de 12 de agosto de 1816, que visava aproveitar alguns estrangeiros beneméritos que procuravam a sua proteção”. (UCHOA, 2008). As origens do ensino de artes no Brasil nos reme- tem à colonização, principalmente após a vinda dos padres jesuítas. Os missionários da Companhia de Jesus chegaram a nossas terras a partir de 1549 e aqui permaneceram até 1759. A arte representava impor- tante instrumento de educação e doutrinação religiosa de índios e escravos. O ensino era caracterizado por processos informais em ofi cinas de artesãos. Ensinavam o alfabeto, a religião, técnicas agrícolas que colaboravam para a sustentação nas missões e a arte de talhar madeira, barro, pedra. O teatro consistia em encenações ao ar livre sobre temáticas religiosas. Na música, ensinavam o cravo e a fl auta. Proibiam o lundu, pois era muito sensual. Durante todo o período colonial brasileiro os temas representados nas artes foram fundamentalmente religiosos, mas também podem ser observados em detalhes de construções civis e militares. Aparecem em várias regiões do país, principalmente no litoral e em Minas Gerais. A arte barroca que predomina nas características artísticas do Brasil colônia, e tem seu auge no século XVIII no Brasil, aparece nas talhas das igrejas, nos azulejos, nas pinturas do teto das igrejas, na fachada com volutas1 e decorativismo. Os modelos que serviam de inspiração aos artesãos daqui vinham de Portugal e, apesar dessa importante infl uência, elementos caracteristicamente brasileiros são inseridos nas decorações, como a vegetação, cachos de uvas, pássaros, anjos-meninos e fl ores tropicais. Formalmente, o ensino de arte se inicia com a criação da Academia Imperial de Arte, em 1816, após a vinda da família real para o Brasil2. Vários artistas franceses vêm para o Brasil, e o ensino é centrado na observação de modelos europeus e na fi gura do professor como dono do saber. Pouco se incentivava a criatividade do aluno. Arte é associada a luxo, a uma elite privilegiada que compreende seus elementos e que tem acesso aos estu- dos na Academia. Da mesma forma, a arte é valorizada socialmente e colabora para a formação de um retrato da sociedade da época. Eram realizadas exposições anuais de trabalhos dos alunos da Academia Imperial de Belas Artes e estas concediam um prêmio de viagem a um dos artistas. A viagem servia para o contato com a arte européia. Apesar de a população do Rio de Janeiro na época, em 1879, ser de apenas 300 mil pessoas, conforme Cardoso (2008: 75), em 62 dias de exposição, 292.286 visitantes passaram por ela. De acordo com Leite (2006),o ensino artístico na Academia não possuía um período de tempo específi co a ser cumprido, mas se dava conforme a absorção dos conteúdos por parte dos alunos. O aprendizado estava pautado em regras rígidas e numa me- todologia referencial. Primeiramente, o aluno deveria copiar os desenhos confeccionados pelos professores da Academia 23 Imperial e as gravuras européias. Concluindo essa fase, o estudante passaria a desenhar cópias das moldagens em gesso para, posteriormente, aprofundar a observação e o estudo do modelo vivo. A última fase se dava com a prática da cópia de pinturas européias para fi nalmente produzir-se uma obra original (LEITE, 2006). O ensino também era orientado ao trabalho profi s- sional e com função utilitarista através do desenho técnico (geometria e perspectiva) e ofícios mecânicos. O estudo do desenho vinha representar uma época marcada por grande desenvolvimento industrial, da produção e consumo de bens. Dória (2004: 380) afi rma a ocorrência, ao longo do século XIX, de uma tensão entre o desenho entendido como atividade confi guradora, não-racional e antiin- dustrial (desenho artístico); e um desenho de caráter pragmático (desenho técnico), ligado à idéia de artes aplicadas. No entanto, as concepções não foram exclu- dentes e era afi rmado por Lebreton, líder do grupo dos franceses em 1816, que “como as Ciências socorriam as Artes, estas deveriam também servir como meios auxiliadores dos esforços científi cos”. Essa frase servia como justifi cativa para estabelecer a aula de nu ou a representação da botânica: a caracterização fi el dos ele- mentos dirigidos para a formação da história natural. O desenho então era ensinado na escola como princi- pal habilidade. Como um fazer técnico e com objetivo de aplicação profi ssional, servia também para manter a divisão social, segundo Brito (2003), de forma que os desfavorecidos aprendiam o trabalho direcionado às fábricas; e os mais abastados aprendiam a apreciar obras de arte e distinguir falsifi cações. De acordo com Porcher (1982: 23): (...) a arte sempre teve na sociedade uma conotação aristo- crática, enquanto exercício de lazer e marca registrada da elite. As muralhas estéticas defi niam o território fechado de uma certa forma de ócio elegante. Mas esse lazer ocioso, essa utilização do tempo livre não foram dados a todos por igual dentro da sociedade: constituíram-se em privilégios das classes sociais favorecidas, que foram também as classes sociais dominantes. Quando se tornou obrigatória, a escola primária não se propunha a abrir a todos o acesso a esse tipo de responsabilidades. Privilegiou-se por muito tempo no ensino das varia- das linguagens (artes, música, teatro) a inspiração, o dom inato para o desenvolvimento de habilidades e a sensibilidade. Os movimentos a favor da República no Brasil ressaltavam as acusações contra o imperador como representante estrangeiro às tradições e valores da sociedade brasileira, segundo Cardoso (2008: 90). Conseqüentemente, símbolos e instituições que as- sociavam a imagem do Império eram repudiados e o Império passava a ser apresentado pela propaganda republicana como uma “anomalia histórica, uma etapa que precisava ser superada”. Artistas proeminentes da Academia passam a so- frer grande preconceito e os motivos, temas a serem retratados se modifi cam, passam a ser apresentados temas com teor nacionalista3. A academia passa por uma fase de transição, em que se contrapõem artistas considerados “modernos” e “acadêmicos”. As mudanças no ensino de arte têm profunda relação com as propostas educacionais em geral, que deslocam o foco de atenção da transmissão apenas de conteúdo, para o processo de aprendizagem do aluno. No fi nal do século XIX, nos Estados Unidos, já havia um movimento denominado Escola Nova, que infl uenciou a modernidade do ensino de Arte no Bra- sil. De acordo com Barbosa (2003), Anísio Teixeira foi o grande modernizador da educação no país e principal personagem desse movimento. Sob infl u- ência de Dewey, que fora interpretado muitas vezes erroneamente, a arte foi identifi cada como experiência consumatória. Mas o conceito foi identifi cado como apenas a experiência fi nal, e não como algo que ilumine toda a experiência. A arte servia para fi xar conceitos de outras áreas de estudo, copiar estampas, e os trabalhos manuais com- plementavam determinado assunto: A idéia fundamental era dar, por exemplo, uma aula sobre peixes, explorando o assunto em vários aspectos e terminando pelo convite aos alunos para desenharem peixes e fazerem trabalhos manuais com escamas, ou ainda dar uma aula sobre horticultura e jardinagem e levar as crianças a desenharem um jardim ou uma horta (BARBOSA, 2003). Na realidade, a autora critica que essa prática ainda é bastante utilizada na Educação Infantil e no Ensino Fundamental no Brasil. Por isso a necessidade de tra- balharmos as outras possibilidades existentes. Artisticamente, vivíamos o período de valorização de uma cultura própria brasileira; formação de uma iden- tidade nacional. Princípios da vanguarda modernista, com artistas como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e todos os acontecimentos relacionados à famosa Se- mana de Arte Moderna de 1922. Na década de 1930, iniciam-se cursos extracurri- culares em escolas especializadas de artes. Porém ainda dirigidos para estilizações do desenho. O ensino passou a ser baseado na livre-expressão (deixar fazer sem interferência do professor), no espontaneísmo e na valorização principal no processo de trabalho, não mais no resultado fi nal. 3Ou, baseado em Cardoso (2008: 115), temas introspectivos, intimistas. 24 Para Barbosa (2003), o estado político ditatorial de 1937 a 1945 entravou o desenvolvimento da arte-educação e solidifi cou alguns procedimentos, como o desenho geométrico na escola secundária e a cópia de estampas na escola primária. A arte passa a ter utilização como treinamento do olho ou para a liberação emocional associada ao espontaneísmo e livre-expressão. Para Martins, Picosque & Guerra (1998: 12): Como todo processo artístico deveria “brotar” do aluno, o conteúdo dessas aulas era quase exclusivamente um ‘deixar- fazer’ que muito pouco acrescentava ao aluno em termos de aprendizagem de arte. Entre os ateliês criados, destacou-se a Escolinha de Arte no Brasil, que existe ainda hoje, criada em 1948, por Augusto Rodrigues. Conforme Barbosa (2003), “sua proposta básica era dar lápis, papel e tinta à crian- ça e deixar que ela se expressasse livremente”. Foram criadas, com o mesmo argumento, Escolinhas de Arte por todo o Brasil e iniciados cursos de formação de professores, cujo efeito multiplicador passou a refl etir também na escola comum. No entanto, a autora coloca que os programas das escolas ainda eram editados pelas Secretarias de Edu- cação e Ministério de Educação e tolhiam a autonomia do professor. Foram iniciadas experiências escolares da arte no currículo, mas agora com ênfase na possibi- lidade de exploração do máximo de técnicas possíveis pelos alunos: pintura, impressão, desenho etc. Nessa época, o livro de Victor Lowenfeld (1970), que fala sobre as etapas da evolução gráfi ca da criança, foi uma espécie de Bíblia dos educadores. Em 1971, a Lei 5.692 criava a Educação Artística como componente curricular, mas Arte vinha apenas como atividade a ser desenvolvida. O professor era visto como polivalente: um mesmo professor desen- volveria trabalhos de artes plásticas, música, artes cênicas (teatro e dança). Não eram exigidas notas em arte, com exceção de algumas escolas, e era estimulada a auto-avaliação, ou avaliação por bom comportamento e dedicação ao trabalho. Cursos específi cos de formação de professores co- meçaram somente em 1973, e às pressaspara suprir a carência nas escolas. Várias foram as discussões sobre a necessidade ou não de permanência das artes no cur- rículo. Em 1986, a área de comunicação e expressão, a qual estava relacionada, chegou a ser eliminada em um Encontro de Secretários de Educação, aprovado pela maioria. Em 1988, quando se iniciavam novas discussões sobre uma nova Lei, as artes se tornariam obrigatórias na escola (BARBOSA, 2003). A oferta de cursos específi cos e de pós-graduação para os professores, assim como a realização de concursos públicos para o ensino de artes somente se expandi- ram. Apenas com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394 de 1996, a arte passa a ser obrigatória em todos os níveis da educação básica, a fi m de “promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. A área passa a ser identifi cada pelo nome Arte apenas, e não mais Educação Artística. A concepção contemporânea do ensino de arte come- ça a ser construída já na década de 60, mas no Brasil fi cou restrita a poucos círculos acadêmicos. Apenas a partir da publicação dos PCN acontece a maior di- vulgação de uma metodologia que englobe três eixos fundamentais para o ensino de arte, designados como: Produção (fazer Arte), Apreciação (leitura da obra de arte) e Refl exão (contextualização). Essa metodologia será melhor analisada posterior- mente, porém pode-se enfatizar que o momento atual é de pesquisas e experimentação intensas. Não há regras defi nidas ou um manual de como agir para a elaboração das propostas e atividades, apenas indicações do que deve ser levado em consideração na mediação dos trabalhos com os alunos. De acordo com o texto do Centro Cultural Maria Lívia de Castro (2008), podemos distinguir três pontos comuns existentes entre a diversidade de propostas atuais: - um compromisso maior com a cultura e a história; - a preocupação com o desenvolvimento da capaci- dade de apreciação de obras de arte; - a ampliação do conceito de criatividade com seus múltiplos signifi cados, e longe de uma visão ingênua e emocional sobre o fazer artístico. 25 2.22.2 - Arte é Conhecimento – Artes Visuais, Teatro, Dança e Música Vimos anteriormente que numa determinada época aqui no país esperava-se um profi ssional polivalente, capaz de suprir as necessidades das diversas aprendi- zagens em artes. Hoje, há muitos profi ssionais formados especifi ca- mente para o trabalho de cada linguagem das artes, mas a Educação Infantil, principalmente, ainda carece da possibilidade de atendimento específi co. As linguagens artísticas devem ser especialmente desenvolvidas com os educadores que terão papel fundamental na criação de um ambiente convidativo e interessante em sala de aula, afi m de que possam ser estimulados as sensibili- dades e os códigos específi cos com os alunos. Há elementos básicos na constituição de cada uma dessas linguagens. Artes Visuais, como o nome já diz, engloba todo o trabalho com a percepção visual, as formas, identifi cação de texturas, e os vários elementos, que serão especialmente mais detalhados nas próximas unidades de estudo, são fundamentais para a compre- ensão mais profunda dos signifi cados das produções gráfi cas da humanidade. O teatro e a dança envolvem toda a percepção sen- sorial do corpo no espaço. Não se refere apenas a apresentações de peças teatrais ou espetáculos, mas o desenvolvimento lúdico da capacidade de expressão e posicionamento diante de um público ou dos próprios colegas de sala de aula. A música possui uma linguagem específi ca que pode ser escrita, mas tem na existência de sons e silêncios, ritmos e melodias, a capacidade para elevar a alma, apresentar emoções contidas, e desenvolver um pen- samento musical através do conhecimento de diversos estilos. O espaço onde as propostas de trabalho serão de- senvolvidas deve ser cuidado para a possibilidade de criação e concentração criativa. Mais do que a quan- tidade de materiais, precisa oferecer oportunidades de aprendizagem, conforme Martins, Picosque & Guerra (1998: 145). As autoras lembram que o momento de desenvolvimento das propostas artísticas deve ser especial, acolhedor e refl ete uma história pedagógica construída numa concepção de educação. Professores e alunos transformam a cenografi a da sala de aula, afastando os cadernos e materiais de outras disciplinas para marcar a mudança para outra atividade. Pensar o espaço da aula é também ousar trazer vida, deixando visível a marca do grupo que ali convive. [...] Escurecer a sala, iluminar com pequenas lanternas ou velas pode ser um jogo de luz que se torna o conteúdo signifi cativo, na exploração das linguagens artísticas. Ou trazer um grande pano para virar painel ou vento, ou grande manto... Ou chegar com música, muito suave ou agitada (MARTINS, PICOSQUE & GUERRA, 1998: 146). As autoras lembram ainda a questão importante de que o desenvolvimento das propostas artísticas pode servir à extrapolação dos espaços de sala de aula e não deve depender de uma sala específi ca para isso. Pode ser um convite para sair das quatro paredes e promover passeios pelos jardins e outros espaços da escola e arredores. O que vale é a constituição de ambientes propícios ao desenvolvimento do processo de aprendizagem, a ins- trumentalização para a construção de conhecimentos. Vejamos agora algumas das características básicas das linguagens do teatro, dança e música, especialmente. Teatro e Dança O teatro está especialmente relacionado à capacidade criativa de representar personagens, agir como num verdadeiro faz-de-conta, parecido com o que ocorre nas brincadeiras infantis, nas quais nos transformamos em outros papéis que devem ser desempenhados de forma a nos colocarmos em contato com as emoções, expectativas e desafi os que lhe ocorreriam. Aí já podemos detectar os elementos da linguagem teatral que são o personagem, a determinação de um lugar onde ocorrerão as atuações, a elaboração das situações fi ccionais que darão margem a toda a cria- ção. Segundo Japiassu (1998), embora o ensino de teatro esteja presente na educação desde a época dos jesuítas no Brasil, somente a partir da década de setenta, de- senvolveram-se os estudos e investigações a respeito, sendo refl exo da Lei 5692/71, que obrigava a propo- sição teatral como conteúdo da matéria de Educação Artística. Os grandes referenciais teóricos para os estudos do teatro na Educação, segundo o autor, são Piaget, Vigotsky e Moreno. Estes infl uenciaram as práticas pedagógicas a respeito do funcionamento e desenvol- vimento cognitivo, assim como a abordagem históri- co-cultural do desenvolvimento, que não podiam fi car indiferentes à pedagogia teatral. 26 Calvin & Haroldo Fonte: Disponível em: http://depositodocalvin.blogspot.com/. Acesso em: 22/10/2007. Inicialmente, o desenvolvimento da proposta teatral com os alunos pode soar para alguns como uma lingua- gem que dará vazão a expectativas bastante positivas, como a realização de uma verdadeira atividade lúdica. No entanto, para outros alunos, a falta de costume do trabalho e expressão corporal diante de um grupo pode gerar profundo desconforto, de acordo com o processo em que se dá a exposição individual. É necessário que sejam desenvolvidas algumas etapas, fundamentadas no princípio do jogo teatral, que poderão colaborar para a desinibição, a percepção da importância das atitudes e respeito individuais para que sejam aproveitadas as atividades artisticamente. De acordo com Martins, Picosque & Guerra (1998: 134) a chave de entrada da linguagem teatral é o jogo. E para tornar a criança parceira de jogo é necessário proporcionar-lhe um contexto signifi cativo onde seja possível: - Ser capaz de agir de modo artístico-estético, re- presentando algoou alguém diferente de si próprio, tornando a realidade cênica o mundo imaginário; - Apreender os elementos constitutivos da linguagem teatral, lendo e produzindo a ação dramática; - Atuar de forma improvisada com diversos recursos (máscaras, fi gurinos, maquiagem, iluminação, sons, objetos etc.) e textos de diferentes gêneros (dramático, narrativo, poético, jornalístico); - Ressignifi car o mundo e as coisas através do ima- ginário dramático. Huizinga (1992: 8-16) considera os princípios es- téticos do jogo teatral como o caráter voluntário e desinteressado das atividades. As pessoas envolvidas devem jogar por livre e espontânea vontade, os jogos concretizam a evasão da vida real, têm orientação própria, ocorrem numa defi nição de espaço e tempo determinados e não deve gerar interesse material ou lucro. Salienta a importância dos acasos, pois os jogos não são iniciados sabendo já os desfechos. Deve ser uma atividade “não-séria”4 , mas que envolva integral- mente o participante de maneira intensa e total. Uma proposta para o ensino do teatro, sistematizada através de jogos teatrais em ambientes formais e não- formais, foi elaborada por Viola Spolin, nos Estados Unidos. Ela trabalhou com teatro improvisacional. Spolin (citada por CARDOSO, 2007), preocupa-se em ressaltar que os jogos teatrais pensados no ambiente de sala de aula não são meros “passatempos do cur- rículo”. Através deles, é possível abordar conteúdos específi cos e sua aplicação não se restringe à extensão do ato de ‘brincar’. Atributos como engenhosidade e inventividade podem ser alcançados porque três aspec- tos permeiam a inserção dos jogadores no processo: a liberdade, a intuição e a transformação. A partir desses três aspectos, a autora apresenta os pontos essenciais do jogo teatral, que são: o foco, a instrução e a avaliação. - foco: permite manter o jogo em movimento e o alcance de objetivos. Apresenta um ‘problema’ a ser solucionado. - instrução: permite guiar a direção do foco. - avaliação: Não se pauta em julgar ou criticar, mas verifi car o que foi apreendido ou realizado no decorrer do jogo (CARDOSO, 2007: 2). É importante o reconhecimento do saber sensível num jogo teatral. Este envolve o corpo e as emoções, o olhar atento para cada situação. 4A expressão “não-séria”, é utilizada pois alguns jogos podem ser extremamente sérios. 27 Calvin & Haroldo Fonte: Disponível em: http://depositodocalvin.blogspot.com/. Acesso em: 22/10/2007. A forma como a proposição teatral é estabelecida é fundamental para que uma compreensão prematura ou o simples decorar acabem conduzindo a atitudes de rigidez corporal ou desconforto diante de uma exposi- ção. Deve haver a priori um trabalho de sensibilização do corpo no espaço, relaxamento e comunicação, valorizando-se o processo, e não o resultado fi nal das apresentações. Observe o que comenta Fanny Abramovich (2006): O "mistério" (teatral) está na visão estereotipada de que teatro na educação é espetáculo. É claro que nenhum professor sente-se em condições de dirigir uma peça. Se não é montar algo, é, ludicamente, possibilitar que os alunos se expressem, fazer com que eles inventem a sua "história" e encontrem a melhor forma de mostrá-la a seus amigos (não precisa de platéia especial). Onde? Na descoberta do próprio espaço que a escola oferece (não precisa de nenhum palco). Sem material? Claro, com o material que os alunos descobrem na própria escola, nas imediações, trazem de casa. Quando? Sempre, porque toda atividade que é um jogo não tem data prévia para acontecer. E eu, o que faço? Olho o jogo espon- tâneo e o enriqueço, possibilitando outras alternativas, sem me preocupar em dar o meu enfoque. Pouco misterioso, não é? É só olhar as crianças na hora do recreio, na rua, para ver que elas estão sempre "brincando de teatro". E basta a gente lembrar de como "fazia teatrinho" quando era criança, lá no quintal de casa... O professor exerce papel importante e ativo no momento dos jogos e tem observação para conhecer melhor seus alunos e colaborar para a preparação de um ambiente adequado para o jogo e colaborando para as improvisações de materiais utilizados ou enriqueci- mento das atividades. Deve ser estimulado o conhecimento do corpo, que costuma ser reprimido culturalmente nas atitudes res- peitosas e disciplinadas dentro de sala de aula e mesmo devido à banalização do corpo pelas mídias, as quais o transformam em mercadoria. É necessário desenvolver uma outra atitude de respeito entre os colegas, mas que permita a percepção do gestual, que deve ser livre de uma visão estereotipada, e construir uma atitude mais consciente e autêntica. Isso envolve uma observação das atitudes de pessoas em geral ou de si mesmo no dia-a-dia. Quais partes do corpo priorizamos para nos comunicarmos? Como reagimos? Um dos desafi os impostos aos alunos também deve ser a forma de se posicionar no espaço, um enfren- tamento do olhar do outro. É necessário perceber os níveis e ritmos de cada aluno, incentivando as con- quistas obtidas. As etapas a serem desenvolvidas para a estrutura de uma aula de teatro podem seguir: integração do grupo; estímulo cênico; composição cênica e avaliação. Integração do grupo: deve ser o momento em que podem ser trabalhadas brincadeiras em geral que estimulem a participação do grupo em um ambiente bastante descontraído, provocando um contato entre os participantes e seja estimulado o espírito coletivo, a importância de todos para o sucesso do grupo. Po- dem ser desenvolvidas atividades de jogo do espelho (um aluno diante do outro age como um refl exo do outro, explorando pequenos e grandes gestos); jogos de mímica ou jogos com bola (de forma que devem desempenhar algum papel ou dizer alguma coisa ao passar a bola para o outro); escravos de Jó etc. Estímulo cênico: é o que vai incitar a ação cênica e pode ser explorado a partir de uma pergunta, a partir de uma canção, fotografi a, história contada etc. É o segundo momento de sensibilização, em que os alunos vão iniciar a percepção do que deverão desenvolver, propor como uma solução do grupo. Composição cênica: é a organização de uma pequena cena, a partir do estímulo inicial, em pequenos grupos que buscam a solução para uma proposição cênica. Os grupos fazem discussões e improvisam a atuação com auxílio e sugestões do professor. Avaliação: verifi cação da atividade desenvolvida e de como os alunos experimentaram o jogo e as des- cobertas a partir de um determinado tema proposto. 28 Algumas questões podem ser observadas: como foi a exploração do espaço pelos grupos; quais pontos foram abordados pelas equipes; o que cada um mostrou e o lugar que representavam; quais movimentos foram explorados e quais personagens; houve interação ou reação dos observadores. Japiassu (2008) aborda as aulas de teatro de acordo com o seguinte ritual: - Círculo de discussão, que instalava a sessão; - Jogos tradicionais infantis, nos quais eram enfati- zados aspectos originais de teatralidade; - Jogos teatrais direcionados especifi camente para apropriação do conceito de fi sicalização; - Avaliação coletiva e auto-avaliação das ações de- senvolvidas pelas equipes, logo após seu desempenho na área de jogo; - Círculo de discussão, que encerrava os trabalhos do dia. Machado (1972) afi rma: Diga a uma criança: “você hoje é o vento” ou “faça uma árvore nascendo da terra e depois comece a con- versar com seu colega.” – Conversa de quê? – Conversa de gente com árvore. A criança entra logo no jogo. Não discute se árvore fala, se vento é “fazível”, se... se... Ela começa a odiar. E o professor, observando-a, também se enriquece. Verifi que a seguir algumas dicas deixadas por pro- fessores para a atividade teatral:
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