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HISTÓRIA E CULTURA AFRO- BRASILEIRA E INDÍGENA NATAL -2017 RELAÇÃO DE TEXTOS 1 IDENTIDADE RACIAL BRASILEIRA Maria Palmira da Silva 2 A DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NA ESCOLA: convivendo sem preconceito Maria de Fátima Castro de Oliveira use Kuns Drum 3 MULTICULTURALISMO: educação e miscigenação Gisele dos Santos Santana 4 EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA TEMÁTICA ÉTNICO RACIAL Patricia Maria de Souza Santana 5 A QUESTÃO ÉTNICO RACIAL NO ENSINO FUNDAMENTAL Rosa Margarida de Carvalho Rocha Azoilda Loreto da Trindade 6 FORMAÇÃO DE PROFESSORES, EDUCAÇÃO INFANTIL E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL: saberes e fazeres nesse processo Lucimar Rosa Dias Para consulta: Lei n° 11..645, de 10 de março de 2008 Presidência da República, Casa Civil as o IDENTIDADE RACIAL BRASILEIRA CD -0 c 0 "c' O 10 c (" a) O• L.. ° Z • 11.1 1VIARIA PALMERA DA SELVA Cf) • • Doutora em psicologia social, professora de psicologia social da Escola de 2: ._ e diretora da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (Aam). a) o ° --- e 1(0to CO 2 -o E • X --(5 Q (I) X .5 o 2 re`" ca Introdução cu ,e0 Este artigo aborda um tema contemporâneo, controvertido e sempre pre- cis "O r3 d) O sente no âmbito dos debates sobre as relações raciais' brasileiras: a questão da C -E o ..... o identidade. Para tanto, nos debruçaremos sobre os dados relativos à questão da iden- as tidade racial brasileira colhidos por uma pesquisa nacional realizada em 2003 cri c) pela Fundação Perseu Abramo (FPA) em parceria com a fundação alemã Rosa 05 -Cl OC Luxemburg Stiftung. Todavia, antes de iniciarmos a análise desses dados, fare- 2 2 mos uma breve reflexão conceitual sobre o fenômeno identidade. as •,.... E 76 o c) Podem-se encontrar várias definições para o conceito de identidade. Con- --is a. -C3 C \I tudo esta palavra sempre nos remete à noção de singularidade, de especificidade, a. a) 0- e à sensação de que possuímos uma existência própria formada por uma totali- as toz; .2 o E dade integrada. Esse ponto de vista indica que a identidade pode resultar tanto 1. As relações raciais podem ser definidas como situações "marcadas por graves conflitos, exploração, opressão e discriminação baseadas ou não em indicadores fenodpicos" (REx, 1988, p..40). E te 3 Sociologia e Política de São Paulo, assessora técnica da área temática de CO eL Saúde da População Negra da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo 'g- cts as 2 ca -C2 C < do processo de autodefinição como da maneira segundo a qual o indivíduo intemaliza as características que lhe são atribuídas socialmente. > > F5 12 Além disso, sobretudo nas atuais democracias, muito se fala sobre o pra- cesso de formação da identidade das minorias culturais e sociais. Partindo do entendimento de que há várias definições sobre o conceito de minorias culturais e sociais, cabe-nos explicitar que o fator numérico não desempenha papel impor- "metassocial da ordem social, em especial a uma essência humana oU sim- plesmente à pertença a uma comunidade, definida pOir,',Valbreá:';Ou'-:por um atributo natural ou ainda histórico. Mas na nossa societriade.6:.:ai;e1O''Á'ídenii- ,dade parece referir-se com mais freqüência não já a- is', garante;rhetaSsOcial • mas a uma força infra social natural. O apelo à identidade"torha2Se.'ustriape- lo, contra os papéis sociais, à vida, à liberdade, à criatividade" ; 4Zi I I 38 MARIA PALMOU DA SILVA tante na definição desta categoria social. Segundo alguns, há cinco aspectos elementares que devem ser considerados,na definiWdasimtiaS: ; "(I) As minorias são sectores subordinados de complexas sociedades de estado; (2) as minorias possuem traços culturais e físicos específicos pelos quais os sectores dominantes da sociedade mostram pouco apreço; (3) as minorias constituem unidades conscientes de si próprias, ligadas entre 41 pelos traços específicos comuns aos seus membros e pelas incapacidades específicas que esses traços proVocam; (4) a pertença a uma minoria é trans- mitida por uma regra descendente através da qual ,é obtida a afiliação da .geração vindoura, mesmo quando não exiSterntraços físicos ou culturais específicos imediatamente aparentes; (5) os povos minoritários tendem a casar-se, por opção ou por necessidade, com membros do mesmo grupo" (SlivIPS0 e YINGER, p. 17 apud TA.IFEL, 1981, p. 351-52). Isso significa dizer que a posição social é o principal fator que define o que denominamos grupos minoritários. •As minorias culturais e sociais for- mam unia coletividade conscient,aescondição e posição social. Nota-se, assim, que o desenvolvimentá da cOnseiánCia- de ser parte de, um grupo minoritário é devido ao fato-de qUeos.individuos que compõem esta.-catego- ria social "possuem determinadas senielhariças e desvantagens sociais:co- muns" (TAIFEL, 1981, p. 353). É com base nos desdobramentos desse debate que as teorizações sobre a identidade vão se sazendo: explicitam-se-as condições sobre as quais a identida- de pessoal se desenvolve e enfatizatn‘se os paradoxos das minorias culturais e sociais na busca de preservação das identidades ameaçadas socialmente. Isso indica que a identidade co1etiá deriva dá reconhecimento público que os inte- grantes de um grupo social conseguem alcançar em dado momento histórico. Da mesma forma, a identidade de uma pessoa resulta (.•Io reconhecimento público que ela recebe de seus semelhantes. Na esfera da intimidade e da vida privada, a identidade pode ser tanto formada como deformada a partir da relação que estabelecemos com nossos outros significantes. É importante:deStacar que quando as pessoas são classifi- cadas tendo, por referência as características físicas, sobretudo em sociedades caracterizadas pelas relações raciait, o processo de construção da identidade fica mais complexo. Orá, as características físicas, como a cor da pele, por exemplo, são traços menos flexíveis do que os aspectos culturais e, a despeito de ambos não • conseguirem representar o ser humano na sua totalidade, no Brasil, dm decor- rência do racismo', os fenótipos de uma pessoa funcionam Corrid'élentento • constitutivo da identidade. É por isso que a identidade semprevaiserinterrogada, seja no âmbito dos estudos e debates sobre as nossas relações raciais, seja pelo Sujeito que sempre procura afirmar sua Singularidade peraiiid:obtitro. Sabe-se que as características físicas dos indivíduos funcionam como uma - fonte tanto de falso como de autêntico reconhecimento. Isto significa tine: além de manter-se à vista dopróZimo desde os primórdios de sua eXiStênCia; atenden- >,- do ao instinto gregário, o ser humano procura aperfeiçoar essa propensão inata, trabalhando páfa ser distinguido positivamente em seu ambiente social: Considerando a importância que o tema da identidade possui`nás socieda- des contemporâneas, Alain Touraine (1984, p. 113-114) diz'que muitas vezes a - apelação que se faz à identidade pode estar apoiada em urn benefício Ou seja, o fortalecimento da noção de que a contradição não engloba a identidade seguida da visão de que a construção da identidade Independe de referência histórica e não tem determinação sOcial sempre termina evo- cando. a noção de essencialidade. Compreende-se, assim, Por que a obses- são por uma língua, uma cultura ou religião são elementares para a suStenta- ção do racismo. No âmbito do debate aqui proposto, importa destacar que a construção da identidade é um fenômeno histórico. Partimos do entendimento de que a construção da identidade se dá no jogo das relações sociais, Isto significa que a identidade deriva de um processo que englobaa dinâmica da relação-indiví- „, duo—sociedade. É desse modo que o debate sobre a questão da identidade chega a cada um de nós. Em resumo, devemos assinalar que no 'caso de nossa sociedade não é possível falar de identidade sem considerar a .dinâniica de nossas relações raciais. 2. Para subsidiar as discussões deste artigo, definiremos o racismo como "a valorização,ieneralioda e . definitiva, de diferenças biológicas, reais ou imaginárias, em proveito do acusador e ern detrimento sua vítima, a fim de justificar uma agressão" (Mamivri, A. 1993, p. 109). I 40 MARIA PALMIRA DA SILVA A identidade no âmbito das relações raciais brasileiras A construção da identidade não tem mão única nem tampouco é um fenô- meno mecânico. Devido ao alto grau de dependência que o ser humano tem das outras pessoas e dos grupos aos quais ele imagina pertencer ou de fato faz parte, o fortalecimento do sentimento de identidade só pode se desenvolver no mundo social, mais especificamente na relação com o outro. Diversos estudos têm des- tacado que a_eu social de uma pessoa resulta do reconhecimento que ela obtém de seus semelhantes. Continuando esse raciocínio, podemos dizer ainda que o falso reconhecritiento seguido da ausência de uma política de reconhecimento igualitário dilacera as identidades, seja na esfera individual, seja no âmbito cole- tivo (TAYLDR, 1994 e S ILVA , 2002). Consideremos então a situação social da população negra brasileira. Em razão das várias formas de expressão do racismo em nossa sociedade, a popula- ção negra vai descobrindo, ao longo de sua história de vida, que, mesmo alcan- çando mobilidade social ascendente e por muito que possa fazer — por exemplo, quer se torne um empresário bem-sucedido, quer um brilhante intelectual —, es- tas experiências, embora exitosas, por si sós não são capazes de limitar o fenô- meno do racismo. Sustenta-se, com isso, que o reconhecimento igualitário não se desenvolve em contexto social caracterizado por relações raciais. Em decorrência disso, ao descobrir que não podem sair de nu grupo de referência, os indivíduos lesados (real ou potencialmente) pelo racisnio - se engajam, em movimentos sociais de combate à discriminação racial, buscando, dessa forma, preservar as identidades historicamente depreciadas. Assim, no caso da popula- ção negra brasileira, para que ela possa vencer os obstáculos existentes no campo de nossas relações raciais, deve, antes de qualquer coisa, "tomaras características que o grupo possui e que se acham socialmente desvalorizadas, que são vistas como negativas, e reavaliá-las, tentando transformá-las em algo positivo" (TAJFEL, 1981, p. 20). Estas são algumas das barreiras que precisam ser superadas para se chegar à afirmação da identidade racial em nossa sociedade. No que se refere às lutas sociais de combate 4,cfascriminação racial, vemos, então, o desencadeamento de diversas ações coletivas que explicitam a rejeição das conotações negativas que historicamente são associadas à população negra. Nessa perspectiva, o processo de fortalecimento da identidade racial brasileira é uma possibilidade de enfrentamento da discriminação racial. Como já antevisto, a identidade racial brasileira é uma construção histórica que engloba conflitos existenciais, sociais e tendências políticas antagônicas. Fale- mos, então, dos dilemas enfrentados pelas pessoas que formam o grupo de pardos em nossa sociedade. O dilema enfrentado pelos mestiços brasileiras é paradigmático na discussão sobre o processo de formação da identidade pessoal e social. A crise• IDENTIDADE RACIAL BRASILEIRA de identidade vivida pelas pessoas que se autodeclaram como pardas foi detectada nas respostas dos entrevistados pela pesquisa realizada pela FPA, cujos resultados analisaremos a seguir. De todo modo, é válido destacar que o descontentamento que o entrevistado demonstrou em relação à cor parda pode estar refletindo a discordância que a maior parte dos brasileiros tem em relação a este matiz. Entre as categorias utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es- tatística (IBGE) — branca, preta, parda, amarela e indígena—, a cor parda é a mais rejeitada entre a nossa população, Parece, portanto, que a tentativa empreendi- da pelo movimento social negro de esvaziar as conotações negativas que são atribuídas à população que se auto-reconhece como preta/negra tem repercutido positivamente. Desse modo, à medida que se pode observar o aumento do nú- mero de pessoas que se autodefinem como pretos/negros, é possível identificar também, principalmente entre o segmento populacional que espontaneamente se define como moreno, a tendência de redução deste grupo e o aumento da cama- da que se auto-identifica com o campo denominado cor/raça parda (11%) e negra ou preta (12%) (ver quadro 21). Tendo em vista essas considerações, passemos, então, à análise dos da- dos da pesquisa nacional que buscou investigar a magnitude do preconceito de cor e a percepção da discriminação racial no Brasil, lembrando que, seguindo a tendência já detectada pelo Censo de 2000 realizado pelo IBGE, também os re- sultados da pesquisa que vamos analisar informam que a maioria de nossa popu- lação se assume como não-branca'. Alguns dados sobre a identidade racial brasileira Segundo pesquisa nacional realizada em 266 municípios, incluindo capitais e cidades de pequeno, médio e grande portes, a identidade racial brasileira é constituída majoritariamente por pessoas não-brancas. Considerando a temática da identidade racial, podem-se destacar pelo menos dois aspectos dessa sonda- gem nacional: a) não existe uma maioria de pessoas brancas no Brasil; b) a cor branca não delineia mais o perfil da maioria da população brasileira. Isso é o que revelam os dados da pesquisa nacional realizada pela FPA em parceria com a fundação alemã Rosa Luxemburg Stifung (ver quadro 14). Usando a metodologia que trabalha com a amostra probabilística, ou seja, a técnica que sorteia os municípios, setores censitários e domicflios, com- 3. Seguindo o critério do IBGE, é válido destacar que a categoria não-branca é formada por preta, parda, indígena e amarela. Contudo, deve-se ponderar que tanto a população indígena como a população amarela é bastante reduzida no Brasil. 41 42 —MARIA•PALMIRA OA SILVA acima de 16 anos. • Em contraste com as 22.-nuanças de cor morena descritas no rol de 135 cores encontradas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios ' FIVAD) realizada pelo mo em 1975 e, também, contrariaildo "Oá 71% que, em 1991, no Censo feito pelo IBGE rejeitaram a categoria Parda e se definiram como More- nos, os resultados da pesquisa da FPA revelam que nós Últimos anos houve uma diminuição no número de pessoas que se aasUitiàii esp'Ontariearnente como mo- renas (ver quadro 21). • Interpretados os resultados dobiodo de quedóes -qUe compõem á temática da identidade racial, verifica-se que, sejaarite apei•gUntà estimulada que bitscou saber a cor ou a raça dó entrevistado, seja diaiiteda qüestão espontânea que investigou como se dá a atitOatribuiçãO dá cor ou raça dos indivíduos, o dado importante revelado por esta sondagem nacional' é qtie —a cor branca-não é a principal nuança com á - qual a maioria da população brasileira se identifica. Para ilustrar melhor os aspectos leVantadOSpéiá -pesquisà, apresentamOs a seguir as questões que compõern,o tema da identidade racial: !h PIO. No Brasil há 'gente de várias cores dir raças. Qual é a sua cor?' a P11. Considerando as combingões de cor - ou i-a'ça de seus a•YóS e de seus pais, o(a) senhor(a) tem quais das seguintes combinações de cor ou raça? ,* P12. 0(a) .senhor(a) diria que a Sua raça Ou Cor é branca, preta, parda, indígena ou amarela? • • P13, 0(a) senhor(a) se considera branco(a), negro(a) ou índio(a)?Tendo em vista estas questões,. OS pesquisadores apresentaram-nas uma a uma aos entrevistados pedindo, em seguida, que informassem a sua cor. Em relação .à pergunta 10, chegou-se ao segiiinte resultado: 38% res- ponderam que são de cor branca, 19%' disseram que são de cor morena, 12% se declararam de cor moreno-clara, 10% se definiram como de cor parda, 7% se identificararn como. de cor preta, 5% se autodeclararam ne- gros, 3% preferiram se assumir Corno morenos-escuros, 1% respondeu mu- lato, 1% amarelo, 1% mestiço; 1% indígena; 1% citou outras cores e 1% • disse que não sabe (ver quadro 13). Outro aspecto interessante revelado pela pesquisa é que cerca de 70% dos entrevistados assumiram que aascendência racial dos brasileiros resulta de várias combinações de cor ou.,:raçade-sens pais e avós. No que tange ao bloco de perguntas que buscou apreender a identidade individual tendo por referência a combinação de cor ou traçados antepassados do entreViStadO;Lpesquisa mos- , troti que 27% dos ouvidos citam apenas ia cor branca como de identificar . 9s 130.S âv's• , . - , • , Ademais,' contrariando a ênfase da postura monocrornát da,nvemos que • 38% responderam que são de origem negra e branca; ,11,%afirmárarrixwe pos- , , - suem ascendências negra, branca e índia; 10% declararamposSuitórigern bran- ca e índia; 4% sustentáram que são de origem negra e,índia;14, (kafirmaram que são de. origer,n exclusivamente negra; 2% disseram que Vênirgiai-com1Dinação branca e morena; 1% disse que é de origem morena;,1-%-disse-Aue,;éArtito da etnia indígena; e 1% disse que verri de outras combinações (yerquadroj,15). Quando a pessoa foi estimulada a dizer com.qualconseIdentificava, tendo por referência o critério de cor/raça adotado pelopo(branca, parda, preta, indígena e amarela), chegou-se ao seguinte resultad6:..45%glas.pessoas responderam que são de cor branca 34%, que são de tonalidadeparda;1,6% se identificaram com a cor. preta; 4% se pronunciaram comoindígetia;-;tiwor fim, 1% emitiu outras respostas (ver, quadro 14). - -z) Em Linhas gerais, notou-se um crescimento de 7% ,entre,OSqUe4seidenti- ficam com a- cor branca, seguida de,uma redução de 1-1% dosassútnidos como pardos ou morenos, um aumento de 4% daqueles que se autodedlarararti como .. negros e, por fim, uma oscilação positiva de 3% entre aqueles Alie se definem como indígenas (ver quadros 13 e 14). Considerações finais Passados oito anos desde a publicação dos resultados da pesquisa:realiza- da pelo Instituto, de Pesquisas Datafolha4 , a análise dostdados;colhidds pela sondagem da FM revela que o esforço dos movimentos, Sociaisdecombate ao racismo de valorizar tanto os fenótipos negros como os, aspectos da/cultura de matriz africana têm repercutido positivamente no processo det.Constriição da identidade individual e coletiva deste segmento populacional., • Vimos que a identidade é sempre constituída no jogo dasTelações sociais, Em nossa sociedade, a conquista de reconhecimento igualitárid -Constitui, uma atividade cotidiana compreendida principalmente pelwbuscidei,superação de todas as formas de expressão do racismo. Em resumo, o fortalecimento:dá-iden- tidade negra pressupõe, antes de qualquer coisa, a superação'de46dasaSformas de discriminação, estigma, estereótipo e preconceito que impederryddesenvolvi- mento pleno da população negra. 4. A respeito dos critérios empregados pelo Datafolha, ver a nota 2, na página binando o controle de cotas de sexo e idade na seleção dos indivíduos, a pes- quisa realizou um total de 5.003 entrevistas, conitituindo, assim, um cenário de investigação representativo da poptilação brasileira adulta: pessoas corri idade IDEN (IDADE RACIAL BRASILEIRA MARIA :PALMIRA DA SILVA Referências bibliográficas MEMMI, A. (1993) O racismo. Lisboa, Editorial Caminho. - REX, J. (1988) Raça e etnia. Lisboa, Editorial Estampa. SILVA, M. P. (2002) "Identidade e consciência racial brasileira". In: Racismo no Brasil. São Paulo, Editora Fundação Peirópolis, p. 53-64. TAkt,L, H. (1981)."Comportamento intergrupo e psicologia social da mudança". In: Mudança social e psicologia social. Lisboa, Livros Horizonte, p. 13-24. TAYLOR, C. (1994) Multiculturalismo. Lisboa, Instituto Piaget. TOURAINE, A. (1984) O retorno do ator. Lisboa, Instituto Piaget. Branca 111Preta** "'Parda* lellndigena OAmarela 45 EVOLUÇÃO DO PRECONCEITO RACIAL NO BRASIL 21— AUTO-ATRIBUIÇÃO ESPONTÂNEA DE COR (espontânea e única, em %) 43 TOTAL Datafolha 1995 TOTAL FPA 2003 [1] Branca El Morena * ra Parda NI Preta Negra O Clara Mulata ei Escura El Amarela ge Mestiça O Outras ie Não sabe * Inclui morena-clara e morena-escura Datafolha: Ver box metodológico na p. 130. Qual é a sua cor? FPA: No Brasil tem gente de várias cores ou raças. Qual é sua cor ou raça? Base: Total da amostra urbana 14— CRITÉRIO DE COR/RAÇA IBGE (estimulada e única, em %) *Inclui morena, mencionada espontaneamente ** Inclui negra, rnencionada espontaneamente P12. O senhor diria que sua raça ou cor é branca, preta, parda, indígena ou amarela? Base: Total das amostras A, B e C -(espbntaneae unica, em o) (1] Branca ON Morena ri Morena-clara 531 Parda Ne Preta Em Negra ri Morena-escura ge Mulata ÉN Amarela ril Mestiça ENI Indígena [i Outras Ne Não sabe .. 38 P10. No Brasil tem gente de várias cores ou raças. Qual é a sua cor? Base: Total das amostras A+B+C 1391 15 — ASCENDÊNCIA RACIAL (estimulada e única, em °to) 38 ENegra e branca eiSó negra iSó branca [Branca e morena (espontânea) 27 TiNegra, branca e índia ffiMorenos (espontânea) elBranca e índia 1111Só indígena Negra e índia aOutra ! 1 P12. Considerando as combinações de cor ou raça de seus avós e de seus pais, o(a) senhor(a) tem quais das seguintes combinações de cor ou raça: dac amnctrac À. R e C Capítuto 9 A diversidade étnico-racial na escola: convivendo sem preconceito Maria de Fátima Castro de Oliveira Molina use Kuns Drum INTRODUÇÃO Educar com foco na diversidade é uni desafio que exige a combinação de muita sensibilidade, conhecimento e disposição para articularmos mais estrei- tamente os vínculos -entre- eduefiçã.o e diversidade. Estamos erri um tempo propicio em que a escola e os profissionais buscam transcender as concepções ry, e práticas voltadas para o desenvolvimento incompleto dos educandos e se it abrem para uma visão mais plural. No momento em que a reivindicação ao di- a) cr) reito à diferença chega à escola e aos educadores, contrapondo-se à perspectiva ro - a hornogeneizante da instituição escolar, é necessário que essas reflexões sejam -o o. norteadoras de práticas voltadas a urna educação inclusiva. Frente a essa dimensão, deparamo-nos com a necessidade de se lançar um novo olhar sobre as questões que se referem aos processos sócio-cultu- rais como a construção de referências de identidade,_o peso das vivências culturais, os diferentes modos de ser e agir que os diversos grupos sociais o_ constroem no interior das classes, as múltiplas relações e ressignificações a) que os sujeitos estabelecem no seu contato com o mundo. Nessa perspectiva, é perceptível a formação de um movimento, den- tro da pesquisa educacional, no sentido de se reconhecer o esgotamento a que chegaram as macroabordagens da relação escola/sociedade. Esse movimento direciona seu foco de abordagens à inclusão de novas temáti- cas, como, por exemplo, o diálogo entre Educação e cultura, a diversidade étnico-racial e as relações de gênero, possibilitando o enriquecimento da produção teórica educacional. Diante disso, surge a necessidade de se compreender melhora teia de re- lações que se estabelece dentro da escola, a partir do reconhecimento desta, como uma instituição social, é constrUídapor sujeitos sócio-culturais e, conse- quentemente, é um espaço da diversidade étnico-racial. Portanto, partimos do • princípio de que a dimensão da diversidade coloca-se como um fator que não pode ser desconsiderado, ao tentarmos avançar na garantia da educação esco- lar corno um direito social e na compreensão da sua relação com o universo simbólico e com a escola. , Ao falarmos em sujeito sócio-culturais, diversidade etnicorracial e escola, estamos dando visibilidade ao fato de que professores e professoras, alunos e alunas, pais e mães vivenciam diferentes processos sócio-culturais nas suas relações sociais .e no ambiente escolar. Dessa fonna,sornos,instigados a discu- tir, compreender -e pesquisar sobre a relação entre escola, cultura e diversidade étnico-ra-cial, na busca de um olhar mais aguçado sobre a instituição escolar e a doação de novas práticas pedaáógicas. ESse,cliálogo .ilos permitirá clar, visibilidade às. diferentes referências de identidade construídas pelos sujeitos negros, brancos e de outros segmentos étnicos no cotidiano escolar, e nos ajudará na compreensão do papel preponde- rante que -a cultura produzida por ésse.s grupos assume ma escola. Dessa, forma, a proposta deste,trabalh6-consiste,em fazer uma abordagem acerca do ,desenvolvimento do projetd-5,9iversidade étnico-racial na escola: convivendo Sem preconceito", concebido, como urna proposta de intervenção, elaborado com a finalidade de fortalecer o Projeto Político Pedagógico da es- cola e contribuir para o trabalho que envolve a referida temática. A DIVÉRSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO INTERIOR DA ESCOLA O'aMbiente'escolar é um local que exerce influência intelectual d cidadã sobre um ilidivíduo, vindo a afetar a formação da identidade dos alunos. Identidade a qual é definida pelos comportamento, atitudes e costumes de um indivíduo e se modifica com a convivência entre sujeitos, ou seja, se constrói tendo o outro corno referência (GOMES, 1996). Por conse- guinte, o fato de o tema da diversidade étnico-racial não ser abordado na sala de aula, acarreta na não-valorização da pessoa negra pela sociedade, contribuindo para que os alunos negros -percebam as suas diferenças como aspectos negativos. E a função da escola é justamente o contrario, ou seja, oferecer urna educação de qualidade e preparo para que o Indivíduo possa conviver em sociedade de foima igualitária, pois a educação é à base do conhecimento de todo ser humano. • Gestão Escolar: Enfrentando os desafios cotidianos em escolas públicas 119 No entanto, conforme pondera Gomes: Em certos momentos as práticas educativas que se pretendem iguais para todos acabam sendo as mais discriminatórias. Essa afirmação pode parecer paradoxal, mas, dependendo do discurso e da prática desenvolvida, pode-se incorrer no erro da homogeneização em detrimento do reconhecimento das diferenças (2001, p. 86). Diante disso, torna-se necessário reconhecer semelhanças e diferenças sociais, étnicas, econômicas e culturais, de dimensão cotidiana existente no grupo de convívio escolar e na sua localidade e aceitar com natura- lidade suas origens estabelecendo relações entre o presente e o passado, libértando-se do preconceito. As diferenças raciais, culturais só podem -sof -contempladas quando a igualdade.- Inimaná é tomada como base; -easo contrário, o que surge é a discriminação". -Nesse momento,-.é preciso ampliar o nosso repertório de - informações sobre a-participação negra na cultura e na história nacional, para alargar o _sentido dessa igualdade, não só pela fala, mas pela demo- cratização da imagem e pela informação mais apurada sobre a história do Brasil, tarefas que exigem um grande esforço coletivo. Sendo assim, nem a escola nem os professores podem, em momento algum, esquecer ou desconsiderar a diversidade racial e étnica existente na nossa sociedade, mas, sim, devem tornar possível ao aluno, desde cedo, a conscientização da existência dessa diversidade e da importância de todas as etnias dentro da nossa história. Isso nos leva a insistir na importância de se proporcionar aos alunos re- flexões acerca do racismo e da discriminação, urna vez que se percebe que a sociedade brasileira, no geral, ainda despreza a existência da diversidade étnico-racial. Como percebido com o desenvolvimento e análise do proje- to,—esse "trabalho", quando levado até o aluno de forma que o faça refletir sobre essas questões, tanto baseado na época da escravidão quanto na rea- lidade dos dias atuais, pode influenciar, positivamente, na formação da sua identidade, de modo a conduzi-lo a uma valorização das diferenças. Conforme Gomes (1996, p. 88) o processo de construção da identidade 1.1 é um dos fatores determinantes da visão de mundo, da representação de si mesmo e do outro". Além disso, ocorre que a identidade da criança está, continuamente, em construção, podendo ser afetada por nosso meio social, ou seja, é formada ao longo do tempo e não algo inato, existente na consciência desde o momento do nascimento. Assim, ela permanece sempre incompleta, está sempre sendo formada, numa interação entre o eu e a sociedade e modificada num diálógo có:Ittíü.„?9 coni osiílfiuldós' culturais "ex‘ ieriores" e as identidad.eS que esseS n-iUndos oferepem. Nesse sentido, a preocupação de promover a igualdade deve ser tam- bém da escola. Assim, é fundamental que tenhamos professores capazes de "trabalhar" com tais temáticas e conscientizar os estudantes da "[...1 diversidade cultural, de nossa sociedade e de incentivar o questionarnento das 'relações de poder envolvidas na construção dessa diversidade" (MO- p. 99). Em conseqüência da discriminação e do preconceito contra pessoas afro, descendentes, o racismo já está interiorizado em nossa, sociedade. Dessa forma, a identidade nacional foi e continua sendo construída sem a devida valorização da cultura Regra, o que pode ser comprovado Pelo fato de que ,é comum percebennos,, hoje, a sua negação, inclusive PeloS-PróprjOS,afrO •.,descendentes. No Documento Oficial Brasileiro paro-a-III-eonferência Mundial contra o Racismo, é reconhecida -a responsabilidade histórica do Estado Brasileiro :pelo ;escravismo e pela marginalização econômica, social e política 'dos ,,.descendentes de africanos, urna vez que: s- O racismo e as práticas discriminatórias disseminadas no cotidiano brasileiro não repre- sentam simplesmente urna herança do passado. O racismo verti sendo recriado e reali- mentado ao longo de- toda a :missa história Seria impecável desvineiáar as desigualdades observadas atualmente dos quase quatro séculos de escravismo que a geração atual her- dou, (BRASIL, 2006, p. 18). Sendo assim, nem -a escola nem os professores podem, em momento - algum, esquecer ou desconsiderar a diversidade racial e étnica existente na nossa Sociedade, mas, Sim, devem tornar possível ao aluno,.desde.cedo; a conscientiíação da existência dessa diversidade e da importância de todas ás etnias dentro da nossa história. Deve insistir na importância de se pro- porcionar aos alunos reflexões acerca do racismo e da discriminação, uma vez que se percebe que a sociedade brasileira, no geral, ainda despreza a existência da diversidade étnico-racial. Dessa forma, percebe-se o quanto é importante que o professor tenha preparação e saiba "trabalhar" com a diversidade étnico-racial em sala, visto que, o despreparo e consequentemente, o não aprofundamento da te- mática poderá resultar em traumas aos alunos ou em desvalorização da cultura, deixando-os em desvantagens em relação à população branca. Ou seja, deve apresentar práticas pedagógicas que superem as desigualdades sociais e raciais.Além disso, os professores devem ter urna visão crítica e Gestão Escolar. Enfrentando os desafios cotidianos em escolas públicas 121 reflexiva e selecionar os materiais oferecidos aos alunos, não permitindo a adoção de materiais que veiculam estereótipos do afro descendente, o que, facilmente, acontece no contexto escolar, resultando, assim, na utilização de materiais com idéias racistas Portanto toma-se necessário um trabalho de formação destes educado- res, quebrando paradigmas fortemente enraizados na formação dos mes- mos, focalizando um processo de intolerância ao preconceito, ao racismo e as desigualdades sociais e levando-os a serem habilitados a desempenhar uma conscientização própria de sua função de educador. Isso nos leva a insistir na importância de se proporcionar aos alunos reflexões acerca do racismo e da- discriminação, uma vez que se perceb_e que a sociedade brasileira, no geral, ainda despreza a existência da diver- sidade étnico-racial. Como percebido com o desenvolvimento e análise do projeto, esse "trabalho", quander4evado até o aluno de forma que o faça refletir sobre essas questões, tanto baseado na época da escravidão quanto na realidade dos dias atuais, pode influenciar,-p-ositivamente, na formação da sua identidade, de modo a conduzi-lo a uma valorização das diferenças e na auto-estima elevada. Em outras palavras, o "trabalho" com a diversidade étnico-racial, ainda que tendo como foco principal a época da escravidão, possibilitou aos alunos a reflexão sobre o tema e a conscientização da necessidade de respeitar e, acima de tudo, entender a formação da diversidade étnico-racial em nossa escola, fa- mília e sociedade em geral, pois todas as crianças aprendem com a escola, com a família, com amigos e outros. Aprender com a pluralidade significa manter uma atitude de respeito para repudiar a violência e então ser capaz de reconhe- cer-se como parte integrante de um ambiente que precisa fugir dos padrões. A diversidade étnico racial é uma questão que produz cada vez mais preocupação tornando-se um grande desafio para as escolas tratarem. A diversidade corresponde a questões importantes, urgentes e presentes sob várias formas na vida cotidiana que demandam a afirmação de princípios para reger a vida. Isso no setor educacional são fundamentos que permitem orientar, analisar, julgar e criticar as ações pessoais e coletivas. Dentre essas ações que ora são abordadas na escola propõe-se o respei- to aos direitos humanos em que não se deve permitir a discriminação de qualquer tipo, mostrando o acesso à dignidade bem como a possibilidade de exercer a cidadania, considerando o principio da equidade, ensinando que existem diferenças étnicas, culturais, regionais, etárias, religiosas e ottras.:DeSsa.forma é de suma importância que á escola elaboe' e deSe volva um projeto de educação que seja capaz de intervir na realidade para consequentemente transformá-la, posicionando-se e interpretando a tarefa educativa CM110, sendo uma intervenção para tratar os valores não de forma banal ou ideal, 'mas de forma decisiva -que possa inferir na vida do 'aluno. Os PCNs (BRASIL, 1997, p.32), Mostram que o grande desafio da es- cola .é. investir ria superação da `discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela diversidade etnóçultural que compõe o patrimônio socio- cultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos' grupos que com- - põem a sociedade", uma vez que ocorre no âmbito _educativo uma mistura de povos e tradições que geram Urna cultura diversificada, de grande rique- za, com enorme profusão de cores- e-matizes de varias iffiagens. Mostrar a importância de respeitar as diferenças é uma lição Ciiie deve ser ensinada :_desde os primeiros anos de escolaridade, 'o combate a todas as formas de preconceito deve ser prioridade desde os Primeiros anos da educação, pois o sucesso escolar depende muito 'da'relaçaó'que a criança tern Com á eScola. Além do que, o tratamento diferenciado dentro da sala de aula élirri dós fatores que contribuem para o baixo rendimento escolar das crianças negras „ , „ , É preciso deixar de lado os ctieha e -nada de acreditar e .ensinar que todos ,somos iguais, antes de qualquer coisa, é essencial reconhecer -que existem as diferenças, mas que estás diferenças precisam ser valorizadas e respeitadas. Este é um dos papeis mais importantes dentro de uma insti- tuição escolar, pois o acesso a um 'ambiente que estimula o respeito, a di- versidade ajuda a formar jovens níaisrespeitadores, mais educados e mais preocupados com a coletividade. -- -- Acredita-se que uma das saídas para o fim das desigualdades educacionais do Brasil está em enfrentar as desigualdades raciais que estão presentes no ambiente escolar, a começar pelo, _currículo pois a historia e a Cultura negra tem pouca "participação" em seu interior, bem como nos livros didáticos. É notório que ensinar bem é saber lidar com o diferente, visto que cres- ce no âmbito educativo a diversidade, onde uma turma pode reunir crianças de diferentes classes, regiões, culturas, crenças e assim também podem responder de modos distintos ao que lhe é ensinado. Ensinar a diversidade é não fazer de conta, mas agarrar-se a elas para melhorar, elevar o aprendi- zado juntamente com a vivencia "grupar. Dessa forma, a abordagem pedagógica precisa estar voltada para tratar com sabedoria a diversidade entre indivíduos, pois essa é uma condição Gestão Escolar: Enfrentando os desafios cotidianos çm escolas públicas 123 nata da natureza humana. Todavia trabalhar com a diversidade não é uma das tarefas mais simples. Ainda estamos aprendendo a conviver com a di- versidade, logo, é preciso promover reflexões nos grupos partilhando os conflitos e soluções para então compreender. Assim, é preciso que o pro- fessor/escola saiba dosar o que é proposto pelos objetivos educacionais adequando - se as necessidades do aluno. Diante disso, torna-se necessária uma maior atenção sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores diante dessa diversidade e um posicionamento da escola ante a superação do racismo. Nessa perspec- tiva, Gomes pontua: Se concordamos que a sociedade brasileira é mareada não somente pela exploração _ econômica, mas também pelo.racismo, como desconsiderar que a escola, como wn?-insti- tuição social, não seja mareada por esses fatores? E como não cobrar uni posicionamento da insiftuição escolar diante da realidade á milhares de alunos negros no sentido não - apenas de garantir-lhes o direito à Educação e proporcionar-lhes um ensino de qualidade, mas de eliminar práticas discriminatórias? (1996, p. 87). Dessa forma, para se efetivar a diversidade sem "pré" conceito é essen- cial que o professor tenha em mente o que é comum a todos bem como o que é particular do estudante. Dai a importância de se planejar criando dife- rentes ambientes que propiciem a aprendizagem e dessa forma estimular o interesse de cada um, diversificando também todo seu material pedagógico e didático, trocando informações e opiniões com outros professores, mas sem evidenciar as diferenças dentro da turma cultivando sempre o conceito da flexibilidade e tolerância, onde o importante é não ficar apenas discur- sando, mas partir de fato para a efetivação. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Diante da necessidade de se trabalhar de forma mais significativa e siste- mática a questão da diversidade étnico-racial com os alunos da E.E.E.F. Mar- garida Custódio de Souza, elaboramos e executamos o projeto "Diversidade Étnico-Racial na Escola: Convivendo sem Preconceito", desenvolvendo ações que envolvesse a equipe gestora, professores, alunos e familiares. O primeiro procedimento para a realização do referido Projeto foi uma pes- quisa bibliográfica sobre .o tema em questão. Foi oprimeiro passo para saber- mos como em que estado se encontra atualmente o problema, que trabalhos já foram realizados a respeito e quais são as opiniões reinantes sobre o assunto. Em seguida, investigarmos como essa temática era tratada na escola. Iniciamos com uma análise do Projeto Político Pedagógico, por meio da qual detectamos que a questão da diversidade precisava ser tratada de forma mais enfática. Partimos, ;então, pra uma entrevista não-estruturada, CoM o corpo o- cente,,discente e técnico da escola, com 6.objetivo de se obter inforin' ações acerca do tema a ser trabalhado. A entrevista não-estruturada foi consi- derada a mais adequada para obtermos as informações necessárias, pois conforme explica Lakatos: Nesse tipo de entrevista o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada. É uma foima de eiplorar mais amplamente uma queátão. Em geral as perguntas são abertas e podem ser respondidas dentro de »ma conversação informal (2009, p. 199). Nessa perspectiva, verificamos como o projeto seria recebido pela co- munidade escolar, buscamos saber ainda; de que forma eram trabalhadas as r questões relacionadas ao preconceito, ao respeito, à diversidade, bem como quais as propostas dentro 'do âmbito pedagógico. para _desenvolver ações voltadas a essas temáticas'. Diante disso, a abéérdag-Efi feita neste trabalho caracteriza-se como uma abordagem qualitativa, uma vez que a pesquisa realizada objetiva aferir aspectos qualitativos da questão investigada, nãO-- -- se preocupando ,com a representatividade ,numérica, não requerendo,, ne- cesSaria.mente, o uso de métodos e técnicas estatísticas na :apresentação dos resultados (FARIAS, 2007). 'Após discussão e apresentação da proposta do projeto para a comunidade escolar; houve a a.desão delodos'ós segmentos-tia escola: Para a-realização das - atiVidades propostas houve um planejamento sistemático de todas as ações a serem' desenVolVidas. Nessa perspectiva, durante todo período de realização do projeto, foram abordados ternas que contemplassem a questão racial, o precon- ceito e a desigualdade. As atividades eram direcionadas no sentido de se atingir os alunos e toda comunidade escolar, procurando sensibilizá4os da importân- cia de se reconhecer as origens e valorizá-las. Os temas relacionados à diversidade étnieo-racial, dentre eles, questões relacionadas à desigualdade, ao preconceito e a necessidade de se cultivar valores étnicos de respeito às diferenças, também foram explorados por meio de palestras proferidas por educadores e especialistas na área, para toda a comunidade escolar. Os alunos tiveram, ainda, a oportunidade de assistir a documentários que abordavam sobre o tema. Após as execuções, foram organizados deba- tes dos quais os alunos participavam manifestando suas opiniões e experi- ências acerca da temática em questão. Durante a realização das atividades, houve um momento para a apresentação de dramatizações, teatros, dança afro, roda de capoeira, gincana educativa, confecção de cartazes e murais, conforme fotos em anexo. Gestão Escolar: Enfrentando os desafios cotidianos grn escolas públicas 125 De forma criativa, foram apresentadas atividades que ilustravam a di- versidade étnica e cultural que Constitui o povo brasileiro. Por meio dessas apresentações, os alunos expressaram suas vivências, práticas e saberes sobre a questão étnico-racial, revelaram a importância de personagens que se destacaram na história através de suas lutas e conquistas como Zumbi dos Palmares e outros que são destaques nas artes e nos esportes. No planejamento pedagógico dos professores foram planejadas peças teatrais sobre a história dos escravos no Brasil, a chegada, como eram tra- tados e a libertação. Complementando as atividades em sala, foram feitas pesquisas sobre as comidas típicas dos escravos c que ainda fazem parte do c-at *lote comidas típicas do povo brasileiro. O desenvolvimento do Projeto foi possível porque todos que fazem par- te da escola sentiram a necessidade de se trabalhar os valores étnicos e ra- ciais com os alunos, visando um ensino de respeito às diferenças, o resgate da auto-estima e a construção da identidade dos alunos. Foi muito gratificante acompanhar e subsidiar todo -o trabalho, ui:na-vez que contamos com o estímulo e a participação de todos nas diferentes fases de execução. O "encertárnento" das atividades -ocorreu no dia da Consci- ência Negra, com um momento de socialização entre toda equipe escolar, pais, alunos, palestrantes e convidados que degustaram de comidas típicas corno cocada, bolo de mandioca, feijoada e vatapá. - RESULTADOS E DISCUSSÃO Ao discutir a relação escolaicultura/sociedade, não pode desconsiderar que a questão racial assume um lugar de destaque na formação da nossa sociedade. A sociedade brasileira teve as suas bases econômica, social e cultural construí- das sobre o trabalho escravo, e a negação da cultura negra foi um dos principais enfoques no processo de construção da tão propalada identidade nacional. No entanto, embora vivamos num país com grande diversidade racial, é possível observar que existem muitas lacunas nas práticas pedagógicas, nos conteúdos escolares, no que se refere às referências históricas, cultu- rais que dêem embasamento e explicações que possam favorecer não só a construção do conhecimento, mas também a elaboração de conceitos que possam contribuir para a valorização e respeito às diferenças. Corroboran- do com essa idéia, Bhabha afirma: ifereuçaliigtáricw:ekculturiteOutroprincípiojpedigOico. esse::qua ONWeriça ragfal"tt'jia;2;rgrgatetTePedrfifilit:ràn'%áâS"CáhíãtO'S'iiiátói-iCÜ:i geogralï cos.- 'kdiversidideciiltural—coritemiila as cUltUráSniiSeu sentido empírico,.reconhCcido:'a dife: rença_é o processo de enunciação da cultura que resulta em uma classificação de culturas como legítima- s.e de outras corno subalternas (BHABHA apud NUNES, 2006; p. 153). Partindó'deSSe-;'pfflitíPiotpriiagse;.coMpfeerisivel que resgatara,diferen- ça cultural comopressuposto.!e.uma educação anti-racista significa , expli- car wffiáheira.CoMóÀásdáigtiáldadeS, *".4.0.,constrUidas e, assim, ir em busca da igualdadeeriqifiaritospóSSibilidader;deconsiderar,o, respeito à.pessoa , hu- manana do.f.qU6Jlíe,k4èYi Urii.xlós-ol-jjetird's do projëW'Coii.SiStialiálamente' no;teSgateides§a - • • -- - . . - di- ferença;:põtmeiodoreconhétiin'ento, da origens, transmitindo aos alunos . ', que,-,:párajviver•;ciemocraticáfn,oje',;elmurro;isoc4adepiprai -:COMO a nossa e preciSowespeitavg,0,:alOti:g#1,a e--,etnica e cultural ,que a constitui; - , • • ' Por ‘SUkfatiliaçá0.41:ist.~:4,to,04: rasilega marcada,pda,presença defditereeS,kettlias,,-,.;„èTrupositu eScerideotes de imigrai_ites, de V diver- sas ;T, ' ',,r.fia661ialida esr;reli _ idenSidaderCKsti4 a fiiSió4car,USti,a ,atta_impoTtàriCiá-napáSro, -zer oiseu coticiivityparao!pitericirsda'esco a,,Inastaáribérma,histói-ia e:o desafio , e corgieceDeItSpeitar e hç.eu1türaJ á :heterogeneidade de.e4eriéricias sociais. "A escol.a.,é,.unia-instiição privilegiada, na medida em que possibilita o contato entre atores corri diferentes visões de inundo, podendo promover o seu encontro e.a troca de significados e vivências" (GOMES, 2006, p.86). Estas posições p'oq.ern:der;imp,11..caço,es e consequenciasimportantes lit•os . par‘a, pfábea -Opolaf.'.0:deseny'orVirnelito dd -projeto, COM -base nesses - prmncipios, •,-eXigiLül *que 'o P:I.mejal-neptO pedagógico dos profeSSores fosse „. executado - de 'foi-41a iii:di,scifiliriarteri'delydo a uma: proposta de ensino apreáiiikg' signifiCátiVa.'êáhskUeiiterbente, percebemos uma melhora no índice de aprendizagem. pois após o projeto osalunos participaram com mais entusiasmo das atividades propostas em sala de aula. A obtenção desses resultados correspondeu exatamente à proposta do refe- rido projeto, urna vez que as temáticas e atividades sugeridas visavam afetar o cotidiano escolar, provocando alterações que serão mais ou menos visíveis em curto e médio prazos, no que diz respeito ao reconhecimento das semelhanças e diferenças étnicas, sociais e culturais, de dimensão cotidiana existente no grupo de convivência escolar. Nessa perspectiva, a sala de aula passa a ser mais um dos espaços que, de acordo com o projeto político pedagógico da escola, movimentam e dão corpo às propostas em curso. robleMá ue';:spy,OloCa-, Q prof pensar,o-,aluno,dotaedeliMa essor4'.el Gestão Escolar: Enfrentando os desafios cotidianos em escolas públicas 127 Estimular a escola na construção coletiva de um projeto educacional de inclusão social na perspectiva da diversidade cultural é uma forma de di- namizar a proposta pedagógica para que a tarefa de ensinar possa se atrelar à complexidade da realidade em que os educandos estão inseridos. Proble- matizar o envolvimento do sujeito aprendiz com uma realidade educativa requer, um primeiro momento, que toda a problematização desta relação ser/estar no mundo, decorra exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados, inconciusos, em e com uma realidade, que sendo histórica também, é igualmente inacabada. [...I Daí que seja a educação um que fazer permanente. Permanente na razão da- inconclusão dos homens e — do devir da realidade (FREIRE, 1983, p. 83). Nesse sentido, construir algumas diretrizes que Contemplem a educa- ção para as relações radiais requer "o reconhecimento da escol-a como es- paço de sociabilidade onde haja a possibilidade de- todos Construírem -suas identidades individuais e coletivas, garantindo o direito de aprender e .de ampliar sê tis conhecimentos, sem serem obrigados a negar a si próprios ou ao grupo étnico-racial a que pertencem. É na perspectiva da valorização da diversidade que se localiza o trabalho com a questão racial, tendo como referência a participação efetiva de sujeitos negros e não-negros. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ainda há muitos caminhos a serem percorridos, contudo, por meio das re- flexões e ações promovidas pelo projeto, acreditamos ser possível contribuir para a construção de uma educação que seja geradora de cidadania, que atenda e respeite as diversidades e peculiaridades dos nossos educandos, enfim busca- mos-contribuir para a adoção de práticas educativas mais inclusivas. Nessa perspectiva, partimos do princípio de que visualizar as diferenças e a partir delas articular as práticas pedagógicas, além de ser uma forma de respeito humano, é também, uma forma de promover a igualdade. Para isso, entendemos que é fundamental que os professores e professoras parti- cipem ativamente na escolha, seleção e organização dos temas que possam integrar o projeto político pedagógico da escola, é Um desafio cujo êxito depende da adesão de todos. É necessário, portanto, que a questão do racismo seja apresentada à comu- nidade escolar afim de que todos sejam instigados a repensar os paradigmas adotados. Emerge desse pensamento a idéia de que não existe uma única forma dei'ser e estar no mundo, masmúltipla as s form que vão se tecendo por dós • 9" pelos outros e pelagnosSa interação' com o mundo haja vista que a historia e a cultura negras estão na' escola pela presença dos negros que lá se encontram. Contudo, direcionamos nosso olhar no sentido de identificar se essa diversida- de,é devidamente valorizada dentro dos projetos pedagógicos', currículos ou materiais didáticos, de forma contexhializada e explícita. . Um possível caminho é a elaboração de Projetds' e atividades educa- cionais que busquem a valorização da diversidade cultural e étnico-racial. Entretanto,' é importante que essas iniciativas não sejam isoladas, mas que tenham continuidade e que_se tOrnein visivelmente significativas. 4 • Nesse contexto, este trabalho aponta que por meio de ações que fortale- ç'áni.d Projeto Político pedaáógicO'da escola é possível garantir condições -pára que OS aliiriOS' pásSaái' conceber a escola coriiditiii'esiãçô sociali- zação, onde as relações interpessoais, os' conteúdos e as prátiças pedagó- gicas constituam UM diálogo entre as diferentes Culturas, "evidenciando 'ás diferentes historias, origens e as 'contnbuiçoes- dos negros na formaçao do REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversida- de. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília: SECÁD, 2006. BRASIL. Parein2etros Curriculares Nacionais: História, Geografia; Secretariade ,Ed.ucação Fun- damental. Brasília: MEC, 1997. Vol. 5 e 10. _ CAMPOS, Maria Malta. As lutas sociais e a educação. 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Vozes, 2007 • _ j:?ovO e da culturabrásileira. o Muiticulturalismo: educação e miscigenação GISELE DOS SANTOS SANTANA Introdução Até a década de 1980, a educação brasileira enfocava a questão da inclusão usando paradigmas próprios dos princípios da igualdade. Após essa década, autores de diferentes posições passaram a elaborar uma reflexão no âmbito educacional, criticando sobretudo a forma como tradicio- nalmente vinham sendo tratadas as diferenças, na medida em que elas eram sublimadas pelo conceito de igualdade. Esses autores alertam que a educação fundada no pressuposto da igualdade e da inclusão sublimou as diferenças e, ao fazê-lo, acabou por nortear os currículos e as orientações escolares valendo-se de uma concepção branca e eurocentrista da cultura. Atualmente, apesar de todo o debate desenvolvido na educação após a dé- cada de 1980, ainda encontramos a diversidade cultural sendo tratada na es- cola e nos livros didáticos por meio de celebrações comemorativas e de datas alusivas aos índios e negros. O que deveria ser concebido como história do nascimento da identidade de uma nação ainda hoje é vista como folclore. Educação e multiculturalismo Autores adeptos da ideia de um novo período pós-moderno como revela- . dor das diferenças passaram a elaborar toda uma gama de reflexões, as quais 52 EDUCO() E CRISE DE PARADI=M55 MULTICULTURALISMO: EDUCAÇÃO E MISCIGENAÇÃO 53 ‘g Hall explicita ainda que o multiculturalismo tem sido utilizado corrio:for- - ma de revelar um problema social que ocorre em formações sociais específicas, . nas quais convivem, em sua constituição, comunidades distintas entre si. Esse multiculturalismo, diz o autor, é qualitativo e também substantivo: "Multicultural" é um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir umavida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade "origi- nal". Em contrapartida, o termo "multiculturalismo" é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais. ...1 Na verdade, o multiculturalismo não é uma única doutrina, não caracteriza uma estratégia política e não representa um estado de coisas já alcançado. Não é uma forma disfarçada de endossar algum estado ideal ou utópico.' Após nos depararmos com diversas correntes, destacamos o multicultura- lismo crítico, que, ao questionar as diferenças na sua formação social, econô- mica e educacional, critica a exclusão social e política diante dos privilégios'‘ae algumas hierarquias existentes na nossa sociedade. Segundo seus teóricos, o multiculturalismo crítico apoia-se rios MoviineriÁY tos de resistência e de rebelião dos dominados. Podemos observar essa visão multiculturalista por meio da leitura dos escritos de Peter McLaren; nos quais.. ele destaca que o multiculturalismo crítico tem um papel fundarnental .riá construção das políticas ducaCionais. Essa concepção abre, asSim,'Urneainpo., de pesquisa e discufs4 ipara que educadores e pensadores da educação ava- liem seus posicionamentos no cotidiano escolar.' Assim, o multiculturalismo crítico nos ensina a reconhecer as diferenças existentes em cada indivíduo ou grupo, ao mesmo tempo que nos Coloca dian- te da igualdade de direitos. Considerando que convivemos em uma sociedade denunciavam que a negação das diferenças por meio do princípio da igualdade levou a uma hegemonização cultural Própria da modernidade. Urna hegemc- nização branca e étiropeia. Esses autores influenciaram vários campos do cc- nhecimento, inclusive o educacional. Na educação, passaram a contestar a forma corno a diversidade cultural estava sendo abordada na escola, cornpondo, assim, uma corrente na educação que se convencionou chamar de multicultural. A corrente multicultural nãO se constituiu de fôrma homogênea. Nela se encontram diversos matizes representados por autores basilares, conforme aponta Stuart Assim como há distintas sociedades multiculturais, assim também há "multicul- turalismos" bastante diversos. O multiculturalismo conservador segue Hurn e (Goldberg, 1994) ao insistir na assimilação da diferença às tradições e costumes da maioria. O multiculturalismo libe-ralbuica integrar os diferentes grupos cul- turais o mais rápido possível ao mairWream, ou sociedade majoritária, baseado em uma cidadania individual universal, tolerando certas práticas cultgais par- ticularistas apenas no dOmínio Privado. O multiculturalisrno pluralista, por sua vez, avaliza diferenças grupais em termos culturais e concede direitos de grupo distintos a diferentes comunidades dentro de uma ordem política comunitária ou mais comúnal. O multiculturalismo comercial pressupõe que, se a diversi- dade dos indivíduos de distintas comunidades for publicamente reconhecida, então os problemas de diferença cultural serão_ resolvidos (e dissolvidos) no consumo privado, sem qualquer necessidade de redistribuição do poder e dos recursos. O multiculturalismo corporativo (público ou ppivaclo) busca "admi- nistrar" as diferenças culturais da minoria, visarykr-os interesses do centro. O "7 multiculturalismo critico ou "revolucionário" enfoca o Poder, o privilégio, a hie- rarquia das opressões e os movimentas de resistência (McLaren, 1997). Procura ser'"insurgente, polivocal, heteroglosso e antifundacional" (Goldberg, 1994): Ibid., p. 50. 2 Ver Peter MacLaren, Multiculturalismo crítico (São Paulo: Cortez, 1997). ' Stuart Hall, A identidade cultural na pós-modernidade (11, ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006), p. Si 54 EDUCAÇÃO E CRISE DE PARADIGMAS MULIICULTURALISMO: EDUCAÇÃO E MISCIGENAÇÃO 55 democrática, a aceitação dessas diferenças compõe sua totalidade heterogê- nea, estabelecendo sobre essa base uma orientação educacional, uma vez que o processo de dominação e a formação do aluno "moldado" começam na edu- cação infantil, continuando no ensino superior e seguindo até a sua formação profissional. O multiculturalismo critico proporciona uma orientação crítica à educação, mostrando aos educadores a necesridade de atuarem conscientes de que a negação das diferenças com o intuito de inpor uma única cultura está enraizada no cotidiano da nossa sociedade. Multiculturalismo no Brasil — questão étnica O reconhecimento da contribuição cultural de negros e índios para o de- senvolvimento de nossa cultura e história vem se desenvolvendo graças à luta de movimentos sociais que reivindicam a preservação cultural, étnica e, tam- bém, o reconhecimento da contribuição das diferentes etnias na constituição da nossa formação social e. educacional. A questão étnico-racial tomou um vulto diferenciado no Brasil a partir da década de 1980, quando se passaram a produzir vários trabalhos sobre o tema, trabalhos que acabaram orientando os movimentos sociais na luta por políti- cas públicas de inclusão cultural e social. Essa literatura, em geral, parte do pressuposto de que, na educação brasi- leira, a influência da cultura branca foi sempre predominante e a diversidade é vista apenas como coadjuvante nos processos históricos. Conforme vimos anteriormente, em McLaren essa literatura está focada na análise da atuação dos professores como atores principais, tanto de mudanças como de manutenção do estado de coisas, na medida em que cabe a eles o papel de multiplicar conhecimentos. A falta de uma abordagem multicultural na formação dos professores tem feito com que esses profissionais acabem re- produzindo uma ideologia educacional eurocentrista. Na história brasileira, questões como inclusão social e cultural passam a fazer parte do cenário educacional com maior ênfase quando se iniciam as discussões por políticas públicas e diversidade cultural. A apresentação da sociedade como igualitária e justa possibilitou, por conseguinte, uma falsa democracia que foi amenizando as diferenças pela crença em uma igualdade que nunca existiu de fato. É quando surgem, no final da década de 1970.e início dos anos 1980, as reivindicações do rg.ovimento negro por políticas públicas, bem como denúncias de racismo e intervenções, como projetos de inclusão social, no sistema escolar. No Brasil, a questão do acesso à escola e a democratização da educação foram tema de debates e deliberações em épocas nas quais democratização, acesso e a discussão sobre o conteúdo da formação apareceram com força no cenário educacional. Foram raros esses períodos de liberdades democráticas em urna história de mais de quinhentos anos, e hoje vivemos em um deles, que certamente está se constituindo no mais longo período de liberdades de- mocráticas que a história do Brasil já conheceu. Essa particularidade de nos- sa história obviamente interfere na nossa maneira de entender a questão das igualdades/desigualdades e outras questões, tais como o papel da política, da liberdade, da democracia e da educação. Mais recentemente, a Constituição brasileira, promulgada em 1988, e as leis da educação nacional - como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - procuram refletir e orientar os princípios democráticos e de inclusão. No tocante à LDB, são princípios da democracia e inclusão que devem estar presentes em todo o sistema educacional brasileiro. Os debates sobre os conteúdos de formação culminaram na elaboração e aprovação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), cujo objetivo fun- damental é estabelecer critérios nacionais para a elaboração dos currículos de formação escolar. Ao analisarmos, por exemplo, o texto dos Parâmetros Curriculares Nacio- nais do Ensino Médio, percebemos que, em meioa diversas orientações, desta- ca-se uma, sobre a política da igualdade, que aponta a seguinte direção: A política de igualdade incorpora a igualdade formal, conquista do período de constituição dos grandes Estados Nacionais. Seu ponto de partida é o reconhe- 56 EDUC.AÇÃO E CRISE DE PARADIGMAS cimento dos direitos humanos e o exercício dos direitos e deveres da cidadania, como fundamento da preparação do educando para a vida civil. [..,] Para essa soCiedade, a política da igualdade vai se expressar também na busca da equi- dade no acesso à educação, ao emprego, à saúde, ao meio ambiente saudável e a outros benefícios sociais, e no combate a todas as formas de preconceito e discriminação por motivo de raça, sexo, religião, cultura, condição econômi- ca, aparência ou condição física. LIA. política da Igualdade deverá fortalecer uma forma contemporânea de lidar com o 131.1blico e o privado. (...1 Um dos fundamentos desta política é a estética da sensibilidade. É desta que lança mão quando denunc a os estereótipos que alimentam as discriminações e quando, reconhecendo a diversidade, afirma que oportunidades iguais são necessárias, mas não suficientes, para oportunizar tratamento diferenciado visando a pro- mover igualdade entre desiguais.' Observamos, por esse texto, que os .Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio trabalham com os princípios da igualdade de oportunidades e da não-discriminação e trazem ao debate o que designam como "estética da sensibilidade", que reconhece a diversidade sem, no entanto, segundo essa con- cepção, ernbora as diferenças devam ser, em tese, reconhecidas, no processo, elas são negadas pelo princípio da inclusão e da igualdade. A estética da sensibilidade apresenta-se, por isso, muito limitada para dar conta das complexas questões que envolvem as diversidades étnicas e culturais no Brasil. Nesse sentido, ela vem sendo considerada pelos movimentos sociais, principalmente pelos movimentos negro e indígena, instrumento insuficiente para a orientação de uma nova prática educacional. Diante dessa realidade, as di- versas correntes do movimento negro têm atuado com cr intuito de promover no campo educacional, principalmente na formação -c:16s professores, ações efetivas, voltadas para a elaboração de políticas públicas destinadas a preparar os profis- sionais da educação para' uma prática não-racista e de respeito étnico e cultural, 4 Brasil, Ministério da 'Educação, Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Brasilia: MEC, 2002), pp. 76-77. MULTICULTURALISMO: EDUCAÇÃO E MISCIGENAÇÃO 57 Portanto, em sua luta por direitos iguais, o movimento negro, qUe desde a sua formação tem contribuído de maneira significativa para a problemática étnico-racial, elegeu a escola corno espaço de luta de ins'erCão dó—negro e do índio como membros atuantes na sociedade brasileira. É diante dessas fortes demandas dos movimentos sociais, em especial o rno- vimento negro, que o governo federal, por meio do Ministério da" Educação (MEC), passa a adotar, a partir de 2003, um conjunto de ações corn'Objetivo de corrigir injustiças, eliminar discriminações e promover à inclusão Social e a cidadania no sistema educacional brasileiro. Essas ações4)artem do diagnósti- co de que o Brasil, ao longo de sua história, adotou modelos cie desáVolvimen- to excludentes, os quais impediram que milhões de brasileiros tivessem acesso à escola ou nela permanecessem. A criação de um órgão, como-a Secretaria de Educação Contiriuáda, Alfa- betização e Diversidade (Secad) representa uma medida cuja finalidade é o enfrentamento da injustiça no sistema educacional brasileiro. Concretizado esse movimento, o desafio seguinte foi a formulação de políticas públiCas que garantissem o processo de implementação e manutenção desses direitos. 'Entre essas medidas, destaca-se a Lei Federal nn 10.639, promulgada tin dé'janeiro de 2003, a qual faz incluir na LDB a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira. O texto da referida lei diz o seguinte:- Altera a Lei ng 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial Ca Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-brasileira"; e dá outras Providências. Art. 12 A Lei nQ 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B: "Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, ,oficiai S e:par- titulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afró-brasileiya. §12 O conteúdo programático a que se refere o caput deste artïgo:incluirá o , estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no 58 EDUCAÇÃO E CRISE ÉJE PARADIGMAS MULTICULTURALISMO: EDUCAÇÃO E MISCIGENAÇÃO 59 tura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro rras áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. §22 Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira serão ministra- dos no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. §3C (Vetado)" "Art. 79-A (Vetado)" "Art. 79-B O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como 'Dia Nacio- nal da Consciência Negra" Art. 2t Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Apesar da existência da lei, a sua implementação efetiva ainda está por ser resolvida. É visível a falta de informação dos professores e até dos meios aca- dêmicos sobre a importância e implicações de sua implementação. A inclusão de um conteúdo programático como o proposto por essa lei, tanto no que se refere à formação de professores corno no tocante ao cotidiano escolar, tem como objetivo não apenas inserir um conteúdo a mais na formação escolar, mas, fundamentalmente, ao reconhecer que a nossa cultura e a nossa formação social têm urna dimensão complexa e multicultural, combater o racismo e a discriminação. Diversos teóricos da educação têm se preocupado com o diagnóstico da existência de urna distância muito grande entre o debate instituído sobre in- clusão étnico-cultural e a prática cotidiana dos professores, os quais precisam enfrentar e trabalhar diariamente com o preconceito e a discriminação nas salas de aula. Rachel de Oliveira expressa essa preocupação ao abordar a ideia do resga- te da identidade étnica na ação educacional: "São frequentes as perguntas de educadores sobre como lidar com as questões relacionadas aos preconceitos".5 Rachel de Oliveira, Tramas da cor: enfrentando o preconceito no dia-a-dia escolar (São Paulo: Selo Negro, 2005), p. 91. Percebe-se claramente, conclui a autora, que enfrentar o preconceito no dia-a-dia escolar ainda é um problema comum na escola. Os personagens des- se processo sofrem com as "chacotas" dos colegas de sala, e a professora, por sua vez, não sabe como lidar com o problema. Em todo sistema escolar, as per- guntas em pauta go: Como lidar com os preconceitos e em, particular, o racial? Como trabajhar a identidade da criança se os professores muitas vezes não têm noção desse conceito? Lidar com essas questões complexas exige professores bem-preparados. Não basta que se tenha boa vontade e uma participação con- junta que vise a uma ação construtiva; é necessário que se tenha empenho em prol de uma mudança educacional e social. Guilherme Corrêa, atentando para as políticas públicas que orientaram e ainda orientam a compreensão da inclusão indígena, levanta dúvidas sobre a atuação do Estado na percepção do índio como indivíduo na sociedade brasi- leira, e aponta: A centralização do Estado provoca [—I uma mudança na percepção do índio, que passa a ser visto como cidadão. Em uma sociedadeque se encaminhava _ para o progresso era importante civilizar os selvagens, fazê-los participar da vida política da nação. [—I O Estado continua a ter o mesmo cuidado que ti- veram os jesuítas, com a eliminação daquilo que não reconhece regras [...1. Es- trangeiros, índios, brasileiros, todos agora nacionalizados, educados. 1...] Livres para escolher entre a cela privada ou "pública", cada um seguindo suas históricas condições socioeconômicas [...] regime de governabilidade do Estado Novo,' Foi somente no Estado Novo que o índio passou a ser considerado um dos. elementos étnicos formadores da sociedade brasileira. Esse reconhecimento veio tardiamente, já que, como etnia nativa, sua presença sempre foi constante ao longo da nossa história. Apesar das iniciativas de incluir também a contribuição indígena na nossa formação social, observa-se que na escola a imagem do índio não se alterou, Guilherme Corréa, Educação, comunicação e an. arguir; (São Paulo: Cortez, 2006), p. 67. GO EDUCAÇÃO E CRISE DE PARADIGMAS No ambiente escolar, o índio ainda é visto como primitivo,.sendo representa- do, estereotipadamente, de penacho na cabeça e arco e flecha nas mãos. Com sua pesquisa sobre a imagem do índio nos séculos XX e XXI, Benedito Prezia demonstra que essa imagem permanece estereotipada na sociedade, e na es- cola em particular, quer pela influência dos meios de comunicação, quer pela falta de preparo dos professores: Pr ai se vê que o que falta é a preparação de professOres que poderão mudar a maneira de se ver a questão indígena na sala de aula E,..] enquanto não se investir mais na formação de professores, na mudança de Material didático e nos programas infantis de televisão continuaremos tendo uma geração desin- formada e preconceituosa.? Com isso, podemos afirmar que o professor bem-formado e realmente inte- ressado nas mudanças sociais do nosso país pode fazer a diferença na educação brasileira. Esse profissional pode transmitir aos alunos de hoje o que aconteceu no passado, abordando todo o processolistórico de formação da identidade brasileira, com suas diferentes contribuições 'étnicas. Até a década de 1980, era possível afirmar que a escassez de material para se trabalhar a questãc dos negros e índios era um fator que contribuía para a ausência desse tema nas salas de aula. Atualmente, no entanto, já não faz mais sentido usar esse tipo de argumentação. É possível encontrar com facilidade um farto material sobre esse tema nas escolas, livrarias, etc. Vale lembrar que trabalhar de forma equânime com todos os alunos requer estudo, dedicação e uma visão ampla da sOciedade. É necessário sair do "formalismo" presente no • sistema escolar brasileiro. Benedito Prezia, "Educação: o retrato ainda caótico do indígena no Brasil", em Porantirn, Brasília, 10-10-2003, p. 10. MULTICULTURALISMO: EDUCAÇÃO E MISCIGENAÇÃO 61 Multiculturalismo e miscigenação Concluiremos este trabalho abordando uma terceira»e 4tiestãO, muito pouco debatida tanto pelas correntes do multiculturáliSmo como pe- los teóricos e ativistas dos movimentos sociais. Tais movimentos, de diversas formas e por rneio de vários conteúdos, reivindicam do sistema educacional uma postura mais inclusiva e menos discriminatória e dele exigem respeito à herança cultural e à contribuição histórica dos negros e índios para a formação da identidade brasileira. Percebemos que não há na literatura trabalhos que relacionem, no caso bra- sileiro, as contribuições do multiculturalismo com a questão da miscigenação. Se é verdade que na história do Brasil construímos uma formação social sob influência de múltiplas culturas e de suas misturas ao longo do tempo, por que é tão difícil encontrarmos uma abordagem democrática e progressis- ta sobre esse fato incontestável? Da mesma forma que os autores evidenciam • uma negação dá contribuição dos negros e índios à cultura brasileira, da mes- ma forma que identificamos todo um discurso teórico em favor do resgate,da identidade negra e indígena, por que não encontramos nessa mesma literatura o devido destaque para as múltiplas influências étnicas que forniam a identi- dade de muitos brasileiros? E por que não encontramos nas abOrdagená mul- ticulturais quaisquer alusões ao fato de que nossa cultura não é só negrá, não é só índia, não é só branca e europeia, mas que é todas elas ao mesmo tempo? Se, por um lado, diagnosticamos a negação da contribuição negra e indí- • Çflr' gena, por outro, podemos concluir que o processo de miscigenação cultural e étnica da sociedade brasileira tem perdurado ao longo da nossa história,, apesar da negação de sua identidade promovida pelos sistemas educacionais'iinplan- . , tados no Brasil. A história brasileira negou á miscigenação, impondo como' unica Enâtriz a cultura europeia, trazida pelos jesuítas no período de colonização e de acultu- ração por meio da instrução formal. Por esse motivo, no Brasil o movimento 62 EDUCAÇÃO E CRISE DE PARADIGMAS MULTICULTURALISMO: EDUCAÇÃO E MISCIGENAÇÃO 63 cultural enfrentou discrepâncias de posições nos debates sobre a formação so- cial brasileira e sua miscigenação. A proposta que este trabalho traz para reflexão é que, se por um lado o con- servadorismo e reacionarismo de correntes educacionais e sociais fizeram com que, no passado, se negasse a contribuição da cultura negra e indígena para a formação da sociedade brasileira, por outro, há hoje, diante da necessidade de afirmação dessa contribuição, urna recusa em enfrentar o debate sobre o processo de miscigenação que ocorreu durante a nossa formação como nação e sociedade. Historicamente, a miscigenação foi encarada como um processo espontâ- neo em que os mulatos, caboclos e cafuzos eram pejorativamente chamados de "bonitinhos". Autores como Gilberto Freire citam a beleza da cor da pele negra e suas diferenças.' Atualmente, esse caráter do processo da nossa formação é visto pelos movi- mentos sociais, em especial por algumas correntes do movimento negro, como tema de um debate no qual se verifica a tentativa de enfraquecer as lutas da população negra e indígena pela igualdade de direitos. Em alguns eventos da nossa história, a questão étnico-racial foi objeto de debate. Um deles foi o movimento da abolição da escravatura, em 1888. Foi nesse momento que apareceram as primeiras formulações teóricas, como aque- la elaborada pelo cientista racista Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906). O cientista baiano, que via o negro e o mestiço como manifestações de raças infe- riores, propunha um embranquecimento de novas culturas. Segundo ele, A igualdade é falsa A civilização ariana está representada no Brasil por uma fraca minpria da raça branca a quem ficou o encargo de defendê-la [...] [dos] atos antissociais das raças inferiores, sejam estes verdadeiros crimes no conceito destas raças, sejam, ao contrário, manifestações do conflito, da luta Gilberto Freire, Casa grande (5. senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriar- cal (34, ed. Rio de Janeiro; Record, 1998). pela existência entre a civilização superior da raça branca e os esboços das civi- lizações das raças conquistadas ou submetidas.' A esse respeito, Augusto Buonicore, evidencia a contradição de que Nina Rodrigues mantinha posicionamentos racistas apesar de ser ele próprio um mestiço: Talvez nunca antes alguém tenha defendido com tanta ênfase a repressão aberta e o controle social contra as camadas populares [...]. A grande ironia era que o fenótipo de Nina Rodrigues não conseguia esconder sua descendência africana [...] sua condição de mestiço.I° Será que essa reação discriminatória em relação aos negros, índios e mesti- ços pertence ao passado? Infelizmente, não, pois esse tipo de reação ainda está
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