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09 Precursores de Adam Smith Os Fisiocratas

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Prof. Ricardo Feijó
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Em meados do século XVIII aparece na França o primeiro grupo de pensadores de questões econômicas organizado formalmente em escola. 
Eles se auto-intitulam de “economistas”, expressão não muito usual à época, mas vieram a se tornar conhecidos como fisiocratas, adeptos da escola da Fisiocracia. 
A raiz da palavra Fisiocracia significa “governo (ou regra) da natureza”, e ela revela um aspecto fundamental da crença que os une, quer seja, a idéia de que a sociedade e a economia funcionam de acordo com uma ordem natural. 
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Todos os fatos sociais e econômicos estão intimamente ligados e sujeitos a leis inevitáveis. Portanto, tanto o governo quanto o setor privado devem entender e observar essas leis em suas ações se desejam alcançar resultados ótimos. 
A ordem natural da sociedade apresenta assim o caráter de um modelo ideal, que não é estabelecido na prática quando os homens criam obstáculos ao seu bom funcionamento. 
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A natureza social é fruto do desígnio de Deus que a constrói estabelecendo entre seus elementos relações matemáticas. 
Embora a fé religiosa possa revelar o conteúdo da doutrina moral e política que rege a sociedade, o entendimento da esfera econômica constrói-se a partir da observação dos fatos e da articulação dos dados quantitativos fornecidos pelos preços em um sistema de cálculo matemático. 
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O trabalho do economista consiste na observação metódica, no arranjo e organização dos fatos de acordo com suas causas e na proposição de um sistema analítico em um modelo teórico.
 Assim, a ciência econômica copia o mesmo método das ciências físicas. Seu objetivo precípuo é analisar a mecânica da interdependência das partes que compõem uma totalidade. 
A vida econômica configura uma máquina semelhante a um organismo vivo e a análise mecânica e matemática dela permite à teoria acompanhar o seu modo de funcionamento. 
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A preocupação dos fisiocratas consiste em identificar os princípios racionais que regem a produção e a acumulação de riquezas, bem como a distribuição de renda e os fluxos de gastos. 
No primeiro caso, enfatizam o processo de investimento produtivo, pensado como adiantamento de capital de giro e emprego de capital fixo. 
No que tange à geração de renda e gastos, os fisiocratas descrevem um processo anual de interação mútua entre classes sociais como um fluxo circular de renda e despesa. 
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A compreensão do fluxo é importante, pois identifica o âmago do funcionamento do sistema econômico em analogia aos fluxos sanguíneos do organismo biológico. 
Os efeitos das políticas intervencionistas podem ser antecipados pelo entendimento do organismo econômico. A boa política deve procurar ampliar o fluxo circular, o que impulsiona o crescimento econômico. 
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A produção e a distribuição de riquezas ocorre ao longo de um circuito composto por diversos elos de ligação. A política econômica, ao afetar determinado elo, comunica um efeito à economia como um todo.
O fator chave da atividade econômica é a agricultura. 
De fato, na França do século XVIII a atividade agrícola era o setor mais importante. O método capitalista de direção empresarial havia se difundido mais na agricultura, que se constitui assim no carro chefe da economia francesa. 
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Refletindo a organização do trabalho vigente na França do período, os fisiocratas vão identificar na agricultura o setor natural para a implementação dos métodos capitalistas, enquanto para as atividades urbanas vêem a estrutura tipicamente artesanal como a forma natural de gestão. 
O capitalismo é um sistema de produção com base nas trocas de mercado que tem como princípio de funcionamento a geração de excedente, a sua aplicação produtiva e a ampliação do mesmo.
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O capitalismo pressupõe o direito de propriedade e na sua forma pura não admite restrições a esse direito. No entanto, no plano da ordem natural os fisiocratas argumentam que tal direito deveria se fundamentar no trabalho humano despedido. 
Neste ponto, os fisiocratas seguem John Locke na defesa dos direitos individuais e no uso deles para justificar a propriedade privada. Também defendem a liberdade de mercado e acreditam que o auto-interesse individual está na base do funcionamento harmônico da economia. 
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Os fisiocratas combatem as medidas intervencionistas do governo e têm como máxima o conhecido refrão laissez-faire, laissez-passer, que apela para a liberdade de produção (permitam que façam!) e de comércio (deixai que passem!). 
A crítica ao controle da autoridade não significa que os homens não tenham que se submeter a algum poder. Mas esse poder, no caso, é a própria lei natural que se deve observar para a consecução plena dos objetivos colimados.
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O excedente é um conceito importante dos fisiocratas e significa a riqueza produzida que não é consumida. Os fisiocratas acreditam que o excedente só ocorre na agricultura. Sendo o capitalismo um sistema de geração de excedente, somente na agricultura ocorre a produção nos moldes capitalistas. 
Como este é o único setor que gera mais do que é consumido no processo, ele é tido como o único setor produtivo. 
A atividade manufatureira apenas muda a forma dos bens. É claro que pelo seu concurso os bens tornam-se mais úteis, entretanto, só a agricultura é capaz de criar riqueza adicional. 
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O que confere um status privilegiado à agricultura é a ação, exclusivamente nela, de forças naturais que ocorrem no campo e que propiciam o crescimento do ser vivo: a planta que se desenvolve, a árvore que floresce etc. 
O mesmo processo não é identificado na indústria. O excedente é a apropriação destas benesses da natureza. Toda a fonte da riqueza advém do excedente, só ele contribui para a formação do produto líquido (a produção que ultrapassa o consumo no período).
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Jacques Turgot - secretário de finanças de Luis XVI, autor de reformas de inspiração liberal e propagandista da teoria do direito natural. Muitos não o consideram fisiocrata, mas somente um simpatizante do movimento. Turgot destaca-se na análise do valor.
Marques de Mirabeau - que cunhou, como vimos, a expressão mercantilismo.
Mercier de la Riviére - uma das principais figuras, com farta reflexão em filosofia política.
Du Pont de Nemours - migrou para os Estados Unidos e ajudou a difundir as idéias fisiocratas por lá.
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François Le Trosne - jurista e economista, o mais jovem do grupo. Desenvolve em seus escritos uma análise do valor onde considera fatores como utilidade, despesas na produção, raridade do bem e concorrência.
Nicolas Baudeau - editor chefe do jornal dos fisiocratas.
François Quesnay - o líder do movimento. Médico da corte de Madame de Pompadour e Luis XV. Conheceu Smith pessoalmente e influenciou-o com sua visão do processo econômico. A sua obra Quadro Econômico é a mais conhecida da escola Fisiocrata.
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A contribuição dos fisiocratas insere-se nas críticas, muito em voga na época, contra a política econômica de Luis XV. Impostos opressivos eram cobrados da população para financiar os gastos extravagantes da corte e o envolvimento em guerras que trouxeram conseqüências desastrosas para o tesouro francês. 
No entanto, os nobres e os membros de clero beneficiavam-se de isenções fiscais, embora fossem donos de dois terços das terras. 
Os fisiocratas reagiam a esse estado de coisas. Acreditavam que o receituário de medidas mercantilistas levaria à ruína do reino. 
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As políticas para estimular as exportações resultaram no encolhimento do mercado interno, dos salários e da renda gerada na economia. A produção agrícola sofria com os impostos abusivos e, mais grave, os impostos afetavam o crescimento econômico na medida em que impediam a acumulação de capital.
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A obra que melhor sistematizou a nova visão da economia e que serviria como um guia científico para a reforma econômica foi o Quadro Econômico (Tableau Économique) de Quesnay. 
Ele percebeu que uma compreensão do
processo de interação entre as classes sociais por meio de fluxos de renda e despesas seria fundamental para se restaurar a política econômica. 
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Classe produtiva - formada basicamente por agricultores, mas que poderia incluir também pescadores e mineradores.
Classe estéril - em que participam manufatureiros, mercadores, servos e profissionais liberais.
Proprietários de terra e de outros bens.
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Alguns comentadores atribuem a Quesnay a primeira proposta de se pensar a economia em termos de classes sociais e fluxos de renda entre elas, mas já vimos que antes dele este enfoque aparece em Cantillon, embora no Quadro Econômico ele esteja mais bem desenvolvido. 
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Quesnay oferece uma complicada tabela numérica onde traça em zigue-zague, os fluxos de renda e despesa agregadas entre as classes. 
O fluxo circular da economia representado por ela mostra como as despesas de um setor geram as receitas de outros, dentro de um modelo fechado e estático.
A origem das despesas é a renda recebida pelos senhores de terra. Tal renda é o produto líquido do período anterior pago no início do novo período pelos fazendeiros.
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A renda total que emana dos fazendeiros movimenta a atividade econômica das três classes ao longo do período e no final retorna a eles. A cada período o processo se repete. 
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Exemplificando, suponhamos que o produto total da economia no fim do período produtivo anual seja de cinco unidades monetárias que se encontram inicialmente nas mãos da classe produtiva. 
O excedente sobre os custos necessários para essa produção é o produto líquido que é transferido para o pagamento de aluguel. Assim, duas unidades monetárias são canalizadas integralmente aos proprietários.
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O período seguinte começa com os proprietários gastando o que têm, comprando $1 de manufaturas da classe estéril e $1 dos mesmos fazendeiros na aquisição de alimentos. 
Os fazendeiros adquirem $1 de manufaturas da classe estéril e $2 de alimentos deles mesmos. Os artesãos e outros membros da classe estéril gastam o rendimento adquirido no período comprando $1 de alimentos e $1 de matérias-primas dos fazendeiros.
Destarte, as cinco unidades monetárias iniciais retornam à classe produtiva no fim do período, como demonstra o diagrama a seguir no qual estão representados os vários fluxos de rendas e despesas anuais:
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No diagrama, as setas contínuas representam as despesas da classe produtiva e as setas pontilhadas indicam as receitas. 
Percebe-se facilmente que os cinco de despesas transformam-se integralmente em receitas, restabelecendo a mesma condição do início do período.
No entanto, o esquema traçado no quadro de Quesnay não apenas mostra como as condições iniciais são reproduzidas, mas indica também as condições requeridas para o crescimento econômico. 
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Adiantamentos anuais (avances annuelles) - o capital de giro da produção agrícola.
Adiantamentos primitivos (avances primitives) - para a reposição das ferramentas agrícolas.
Adiantamentos em melhorias permanentes (avances fonciéres).
Adiantamentos para o capital fixo social aplicado pelo governo em estradas, canais, portos etc. (avances souveraines). 
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Para o fazendeiro, importa principalmente os adiantamentos anuais e primitivos. Se houver uma queda deles, a produção não poderá se sustentar no nível anterior. 
Portanto, a descrição dos fluxos econômicos no quadro também considera os adiantamentos. Quesnay parte da hipótese de que o adiantamento anual é feito pela classe produtiva e o adiantamento primitivo pela classe estéril.
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Podemos transmitir uma noção do quadro econômico dos fluxos entre as classes sociais sem apresentá-lo como em Quesnay, evitando assim uma construção demasiado complexa, mas retendo aspectos essenciais de sua representação. 
Para tanto, construiremos a seguir dois quadros bastante simples, um para o fluxo monetário e outro para o fluxo real das mercadorias. 
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No lado real, trabalha-se com alguns números meramente hipotéticos: três unidades físicas de mercadorias na classe produtiva e três unidades retidas pela classe estéril. 
As três unidades da classe produtiva correspondem ao adiantamento anual, composto de uma unidade de alimento e uma de manufatura, destinadas ao sustento dos trabalhadores, e uma de matéria-prima para a produção.
Das três unidades da classe estéril, uma delas será cedida à classe produtiva como adiantamento primitivo, trata-se de matéria-prima.
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O adiantamento primitivo é feito no começo do período pela classe estéril e serve para repor o capital fixo que se depreciará no período. 
As duas unidades de mercadorias que permanece na classe estéril são constituídas por alimento, para os trabalhadores do setor, e matéria prima, para a produção de mercadoria (os trabalhadores da classe estéril não demandam manufatura, apenas como hipótese simplificadora). 
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No final do período de produção, a agricultura gera três unidades de alimentos e três de matérias-primas. 
Como para produção final dessas seis unidades foram requeridas três de adiantamento anual e uma unidade de adiantamento primitivo, nós estamos consideramos o produto líquido do setor igual a dois. 
A classe agrícola retém, ao final, o produto líquido de uma unidade de alimento e uma de matéria-prima. 
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Os fluxos das transações com mercadorias ao longo do período produtivo reproduzem as condições iniciais. As duas unidades que correspondem ao produto líquido são transferidas para os proprietários.
Estes retêm uma unidade de alimento para consumo e trocam a outra por uma unidade de manufatura.
Depois, a classe produtiva troca uma unidade de alimento por uma de manufatura com a classe estéril. 
Como a classe agrícola cedeu dois de alimentos e uma unidade de matéria prima, ainda lhe restam da produção uma unidade de alimento e duas de matérias-primas, já que tinha produzido três unidades de alimentos e três de matérias-primas.
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Falta ainda considerar que uma unidade de matéria-prima pertence, na verdade, à classe estéril que foi responsável pelo adiantamento primitivo. 
Assim, em última instância as condições iniciais do problema estão reproduzidas ao fim destes movimentos.
O quadro abaixo, diferente do quadro de Quesnay, facilita bastante acompanhar o raciocínio anterior, mas não se assemelha aos quadros em zigue-zague do francês. 
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Essa descrição simplificada dos fluxos reais no quadro de Quesnay pode ser complementada com os fluxos monetários. 
Trabalhamos com a hipótese de que as transações possam ser sancionadas por duas unidades monetárias em mãos inicialmente da classe agrícola.
A seguir representamos os fluxos monetários em um novo quadro. A classe produtiva paga $2 de aluguéis aos proprietários que compram $1 de manufaturas e $1 de alimentos. A classe estéril, por sua vez, compra $1 de alimentos. 
A classe agrícola usa este montante para comprar $1 de manufaturas e finalmente a classe estéril compra $1 de matérias-primas junto à classe agrícola. A última linha do diagrama mostra que a classe produtiva termina com os mesmos $2 que possuía no início.
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A classe estéril recebe uma unidade de matéria-prima em troca de uma unidade da mesma em adiantamento. 
Sendo assim, ela não recebe juros pelo adiantamento. O quadro de Quesnay, portanto, não contempla o pagamento de juros. Juros na sua terminologia é tão somente a restituição do principal do montante emprestado 
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