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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplares Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro Recife - Pernambuco - CEP: 50103-010 Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664 Reitor Vice-Reitor Pró-Reitor Administrativo Pró-Reitor de Planejamento Pró-Reitor de Graduação Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Pró-Reitor de Extensão e Cultura Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado Prof. Reginaldo Inojosa Carneiro Campello Prof. José Thomaz Medeiros Correia Prof. Béda Barkokébas Jr. Profa. Izabel Cristina de Avelar Silva Profa. Viviane Colares S. de Andrade Amorim Prof. Álvaro Antônio Cabral Vieira de Melo UNIVERsIDADE DE PERNAmbUCo - UPE NEAD - NÚCLEo DE EDUCAÇÃo A DIsTÂNCIA Coordenador Geral Coordenador Adjunto Assessora da Coordenação Geral Coordenação de Curso Coordenação Pedagógica Coordenação de Revisão Gramatical Administração do Ambiente Coordenação de Design e Produção Equipe de design Coordenação de suporte EDIÇÃo 2010 Prof. Renato Medeiros de Moraes Prof. Walmir Soares da Silva Júnior Profa. Waldete Arantes Profa. Silvania Núbia Chagas Profa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima Profa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes Profa. Angela Maria Borges Cavalcanti Profa. Eveline Mendes Costa Lopes. José Alexandro Viana Fonseca Prof. Marcos Leite Anita Sousa Gabriela Castro Rodrigo Sotero Afonso Bione Prof. Jáuvaro Carneiro Leão Bezerra, Benedito Gomes Letras: linguística II / Benedito Gomes Bezerra. - Recife: UPE/NEAD, 2010. 56 p. il. ISBN 1. Linguística – Estudo e ensino. 2. Linguagem – Estudo e ensino. 3. Língua. I. Universidade de Pernambuco - UPE. II. Título. B574l CDU 801 5 Linguística ii Prof. Dr. benedito Gomes bezerra Carga Horária | 60 horas EmEnta Formalismos x funcionalismos em linguística. Linguística cognitiva. Sociocogni- tivismo e sociointeracionismo em linguística. Língua e linguagem em perspectiva sociointeracionista. Teorias de gêneros textuais. Temas em linguística aplicada ao ensino: concepções de língua e linguagem; gêneros textuais e ensino; variação linguística e ensino. ObjEtivO gEraL Analisar diferentes teorias sobre língua e linguagem na linguística contemporâ- nea: pontos de aproximação e/ou de afastamento. aprEsEntaçãO da discipLina Caro estudante! Você já teve um primeiro contato com a disciplina Linguística. Espero que te- nha gostado e esteja aproveitando tudo que pode desse campo de estudos tão importante para a sua formação em Letras. Em Linguística II, você terá a oportu- nidade de aprofundar e ampliar sua compreensão do estudo científico dos fatos da língua e da linguagem em geral. Não perca essa oportunidade e retire dela o máximo de proveito. Nesta disciplina, teremos contato com as principais ideias e teorias sobre os fatos e fenômenos da língua e linguagem em geral e da nossa língua em particular. Com esse estudo, você entenderá por que o ensino de língua portuguesa hoje ocorre de uma forma bastante diferente do que era no passado, uma vez que agora podemos ter uma noção muito mais adequada do que seja aprender uma língua, falar e ouvir, escrever e ler, compreender e ser compreendido. A Linguística, em sua forma contemporânea, é uma disciplina jovem, mas já conta com uma significativa contribuição para o esclarecimento das questões re- levantes sobre a língua e tudo mais que está relacionado com ela. Você não pode deixar de se beneficiar dessa contribuição. Portanto, boa sorte e muita disposição para aprender coisas novas nessa etapa de sua formação! Abraços! Benedito 7Capítulo 1 77Capítulo 1 ObjEtivOs EspEcíficOs • Compreender a polêmica formalismos x funcionalismos em linguística; • Conhecer as diversas tendências funcionalistas na Europa, nos Estados Uni- dos e no Brasil; • Entender os principais conceitos propostos pelo funcionalismo. intrOduçãO Este capítulo apresenta a você as principais questões relacionadas com as tendên- cias funcionalistas em linguística, começando por um olhar contrastivo entre os formalismos, que caracterizaram a maior parte do século XX, e os funcionalis- mos, que se opuseram a estes a partir dos anos de 1970. Em seguida, você com- preenderá, mais a fundo, o que são as diversas teorias funcionalistas, divididas em dois grandes ramos, quais sejam o funcionalismo europeu e o funcionalismo norte-americano, além de algumas informações sobre esse tipo de linguística no Brasil. O capítulo se encerra com uma discussão em detalhe dos principais con- ceitos propostos por uma linguística funcional. 1. a pOLêmica fOrmaLismOs x funciOnaLismOs Conforme Marcuschi (2008), o século XX testemunhou o triunfo dos formalis- mos de variada espécie. Na linguística, disciplina cuja constituição, nos tempos modernos, tem como marco fundador a publicação do Curso de linguística geral de Ferdinand de Saussure em 1916, os formalismos estiveram representados pelo estruturalismo, iniciado a partir dos estudos do próprio Saussure, e pelo gerati- vismo, teoria proposta por Noam Chomsky em fins da década de 1950. Já as diversas teorias e tendências da linguística caracterizadas como funciona- lismos tomaram forma especialmente no decorrer da segunda metade do século XX e, aos poucos, ofuscaram as tendências formalistas, assumindo uma posição central nos estudos da linguagem ao fim da primeira década do século XXI. Uma vez que os formalismos representados pelo estruturalismo e pelo gerati- vismo já foram estudados em Linguística I, não entraremos em detalhes sobre eles. Assim, vamos nos concentrar, ao longo deste capítulo, em algumas tendên- cias funcionalistas, detendo-nos, de forma especial, no chamado funcionalismo norte-americano. Mas em que consiste a oposição formalismo x funcionalismo? funciOnaLismOs Em Linguística Prof. Dr. benedito Gomes bezerra Carga Horária | 15 horas 8 9Capítulo 1 Capítulo 1 Tentaremos entender isso com mais clareza. Pri- meiro, é preciso dizer que o mestre de Genebra, Saussure, não podia senão refletir e, em parte, re- produzir um legado que já recebera dos estudiosos que o precederam, em especial no século XIX. Nes- se século, os estudos da linguagem assumiram uma forte conotação historicista e comparativista, ou seja, os fenômenos linguísticos eram estudados em sua evolução histórica e também numa perspectiva comparativa entre as diversas línguas conhecidas. De acordo com Marcuschi (2008), Saussure rece- beu como legado da linguística histórico-compara- tiva a concepção de que a língua pode e deve ser vista como uma instituição social, cuja forma é a de um sistema autônomo de significação, totalmente organizado como um sistema de signos arbitrários, que pode, em consequência, ser estudado em si e por si mesmo, sem considerações a respeito do uso linguístico ou do contexto, por exemplo. Esta era uma maneira de ver a língua inteiramente voltada para a sua forma e não para a sua função, como se tornou mais comum na linguística con- temporânea. Embora Saussure definisse a língua (langue) como uma instituição social e não indivi- dual, o termo “social” não tinha o sentido que a linguística lhe atribui hoje, isto é, um sentido li- gado ao uso da língua pelas pessoas na sociedade. Nas palavras de Marcuschi, “o mestre genebrino concebia a língua como um fenômeno social, mas analisava-a como um código e um sistema de sig- nos” (2008, p. 27). Assim, tanto o estruturalismo como o gerativis- mo, em suas formas clássicas, negaram qualquer espaço paraconsiderações sobre o uso concreto da linguagem ou, dizendo de outra maneira, so- bre a sua função. Diversos conceitos, formulados de maneira dicotômica (isto é, na forma de pares opostos), caracterizaram a linguística formalista do século XX, na maioria dos casos, definindo o que deveria e o que não deveria ser objeto de estudo. O que ficava de fora invariavelmente tinha a ver com o uso individual, real e concreto da língua e da linguagem. O que era incluído dizia respeito a considerações sobre o sistema abstrato, desvincula- do do uso e apegado às formas. Entre as diversas dicotomias, típicas da linguística do século XX e hoje decididamente em crise, Mar- cuschi (2008) aponta as seguintes: Língua (Langue) x fala (parole) Sincronia x diacronia Significante x significado Sintagmático x paradigmático Social x individual Competência x desempenho Sentido x referência Conotação x denotação Literal x figurado Escrita x fala A principal característica de um projeto formalista, na linguística do século XX, é a exclusão dos aspec- tos relacionados ao uso e funcionamento do sis- tema linguístico. Em função disso, determinou-se que não cabia à linguística preocupar-se com a fala, que, por ser individual, seria consequentemente tão caótica que não poderia ser objeto de estudo científico. Entretanto, a preocupação de linguistas como Saussure e Chomsky, entre outros, com um estudo rigorosamente científico da linguagem e da língua não gerou, como consequência, o sucesso desse es- tudo. Na opinião de Marcuschi, “ao que tudo indi- ca, uma das tristes heranças do século XX foi a in- suficiência explicativa e o reducionismo decorrente do projeto formalista” (2008, p. 31). Quer dizer, a preocupação exclusiva com os aspectos formais empobreceu a linguística, diminuiu sua eficácia e a impediu de apresentar explicações mais completas e adequadas dos fenômenos da linguagem. Nesse contexto, floresceram as tentativas de des- crever a língua não apenas de um ponto de vista formal mas também do ponto de vista de seu fun- cionamento. O que importava, diziam os funcio- nalistas, não era apenas o estudo do sistema como abstração mas o estudo da língua em sua relação com os usuários e com as situações concretas em que ela é usada. Vejamos a seguir a proposta fun- cionalista em detalhe. 2. Os funciOnaLismOs: panOrama Para uma visão de conjunto dos modelos funcio- nalistas em oposição aos formalistas, veja o quadro abaixo: As oposições enfocadas no quadro refletem já uma polêmica aberta entre as propostas funcionalistas que iam se delineando no final do século XX e o paradigma gerativista, a quem se pode atribuir, com exclusividade, todas as teses formalistas, com exceção da primeira, que também era uma marca central no estruturalismo. Quer dizer, a batalha principal dos funcionalistas contemporâneos foi contra Chomsky e o gerativismo e não, contra o estruturalismo saussureano, que a essa altura já ti- nha seu prestígio bastante diminuído. Como se pode perceber no quadro, o funciona- lismo se apresenta, em contraposição ao estrutu- ralismo e ao gerativismo, como um conjunto de perspectivas teóricas que se preocupam em estudar a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que são usadas. Não se considera suficiente, portanto, estudar apenas o sistema linguístico como tal. Para os fun- cionalistas, a linguagem tem como função central propiciar a interação social, mais do que transmitir informações ou expressar o pensamento individu- al, embora essas funções não sejam descartadas. O essencial é que, num modelo funcionalista, o estu- do da linguagem concentra-se no uso real da língua e não nas possibilidades abstratas do sistema. Em síntese, poderíamos afirmar, conforme Cunha (2008), que os funcionalistas defendem duas teses essenciais: 1. A língua desempenha funções que são exter- nas ao sistema linguístico como tal; 2. As funções externas, controladas pelo uso, influenciam a organização interna do sistema linguístico. Consequentemente, é necessário admitir a existên- cia de fenômenos linguísticos que não podem ser explicados pelo simples apelo à análise gramatical. Imagine o seguinte diálogo: 1. Você é desonesto. 2. desonesto é Você. Do ponto de vista de uma análise formal e tradi- cional, a diferença de A para B é que, em A, temos uma frase na ordem direta (sujeito + verbo de li- gação + predicativo do sujeito), enquanto, em B, encontramos a “mesma” frase em ordem inversa (predicativo do sujeito + verbo de ligação + sujei- to). O sentido de ambas as frases seria idêntico, e a inversão é apenas uma possibilidade do sistema. Note que não há, nessa explicação, nenhuma refe- rência ao contexto de uso dos enunciados. Já numa explicação do ponto de vista funcionalis- ta, o que causa a inversão em B é um fator externo ao sistema linguístico. No hipotético contexto de uso, que agora é centralmente levado em conta, o primeiro enunciado é um insulto de A dirigido a B, em que “você” é o tópico de que se fala, e “deso- nesto” é o comentário sobre o tópico. Na réplica de B dirigida a A, o tópico passa a ser “desonesto”, e o comentário, “você”. Portanto, o que causa a inver- são no segundo enunciado é o ato de replicar a um insulto, de modo que as necessidades dos falantes acabam interferindo e moldando a organização da própria estrutura linguística. Traçando uma síntese das tendências teóricas da linguística no século XX, Marcuschi (2008) oferece um quadro composto de cinco diferentes modelos que, de forma simplificada, mostra os principais desenvolvimentos da disciplina desde seu surgi- mento até os dias de hoje. Formalismos Funcionalismos Estudo da linguagem como sistema autônomo Estudo da linguagem em relação com suas funções sociais A língua como fenômeno mental A língua como fenômeno social Os universais linguísti- cos como derivados de herança genética Os universais linguísticos como derivados dos usos da linguagem A aquisição da lingua- gem como capacidade inata A aquisição da lingua- gem como desenvolvi- mento de necessidades comunicativas Modelos Caracterização 1. Modelos formalistas Foco na estrutura e no sistema lin- guístico; estudos da língua como código verbal (estruturalismo, ge- rativismo) 2. Modelos pragmáticos Foco na relação entre a língua e seus usuários; estudos da língua como forma de ação (pragmática) 3. Modelos sociolingüísticos Foco na percepção e identificação da variação social da linguagem; estudos da língua em sua relação com a sociedade (sociolinguística) 10 11Capítulo 1 Capítulo 1 Observe que os modelos de 2 a 5 podem todos ser considerados funcionalistas num sentido amplo, uma vez que todos eles se caracterizam por aban- donar uma abordagem meramente formal aos fe- nômenos da linguagem, embora com ênfases, por vezes, muito diferentes. Acrescente-se ainda que as distinções entre um modelo e outro são pou- co mais do que distinções didáticas, pois, na vida real, os modelos tendem a se comunicar bastante e provavelmente pode-se dizer que nenhum linguis- ta pratica um determinado modelo sem nenhuma consideração pelos demais. A prática de aproveitar contribuições teóricas e metodológicas de um e de outro modelo ao invés de se isolar numa perspec- tiva única parece ser, ademais, uma marca que a cada dia vai caracterizando a linguística brasileira por oposição a tendências internacionais. A figura acima, em que as subdisciplinas que cons- tam no centro se caracterizam como o “núcleo duro” da linguística por oposição às tendências cir- cundantes, representa outra maneira de caracteri- zar abordagens essencialmente formalistas em sua relação com os modelos funcionalistas. Noutras palavras, tambémanálise da conversação, pragmá- tica, psicolinguística e outras subdisciplinas da lin- guística podem ser consideradas funcionalistas em sentido amplo, enquanto fonologia, morfologia e sintaxe, por exemplo, na maioria das vezes, estão associadas a um estudo linguístico mais formal do que funcional. Conforme Pezatti (2004), as principais teses fun- cionalistas poderiam ser resumidas como se segue: 1. Recusa das explicações formalistas para os fa- tos da linguagem; 2. A linguagem como instrumento de comunica- ção e interação social; 3. Objeto de estudos baseado no uso real (não-se- paração entre sistema e uso; estudo do sistema subordinado ao uso); 4. Linguagem como ferramenta cuja forma se adapta às funções que exerce; 5. Processos diacrônicos têm motivação funcio- nal; 6. A linguagem não é um fim em si mesmo, mas um requisito pragmático da interação ver- bal; 7. A pragmática abrange e determina a semântica e a sintaxe. Para os fins de nossa disciplina, é possível classificar os modelos funcionalistas em dois grandes grupos por procedência geo- gráfica: o funcionalismo europeu e o fun- cionalismo norte-americano. Vamos a uma breve caracterização de ambos. 3. O funciOnaLismO EurOpEu Cunha (2008, p. 159) lembra que, embora muitas vezes contrastado com o estrutu- ralismo clássico, é exatamente das fileiras deste que o funcionalismo emerge. Nesse sentido, as primeiras análises funcionalistas, espe- cialmente voltadas para os estudos da fonologia, provêm do Círculo Linguístico de Praga, destacan- do o papel dos fonemas em distinguir e demarcar as palavras. Nessa escola, fundada pelo tcheco Vi- lém Mathesius em 1926, os linguistas não concor- davam com a distinção rígida entre sincronia e dia- cronia, conforme defendida por Saussure, assim como não aceitavam a ideia de que a língua fosse um sistema homogêneo. Os linguistas do Círculo de Praga foram respon- sáveis pelas seguintes contribuições para o funcio- nalismo: 1. O uso dos termos “função” e “funcional”; 2. O estabelecimento dos fundamentos básicos do funcionalismo; 3. A inclusão de parâmetros pragmáticos e dis- cursivos em suas análises. Entretanto, foi na área dos estudos fonológicos que a Escola de Praga obteve maior destaque, em especial com dois de seus mais ilustres representan- tes, os russos Nikolaj Trubetzkoy e Roman Jakob- son. Responsável por desenvolver os fundamentos da fonologia em geral, Trubetzkoy nos legou as se- guintes contribuições: 1. A definição de uma teoria estruturalista do fo- nema; 2. A distinção funcional entre os conceitos de fo- nética e fonologia; 3. O conceito de fonema como feixe de traços distintivos simultâneos; 4. A teoria dos sistemas fonológicos desenvolvida em parceria com Jakobson. Segundo a teoria da Escola de Praga, os fonemas, embora tidos como elementos mínimos do sistema linguístico, caracterizam-se como feixes de traços distintivos perfeitamente funcionais no interior do sistema. Dessa forma, se considerarmos o par mínimo /p/ - /b/, temos os seguintes traços, res- pectivamente: /p/ - oclusivo, bilabial, surdo /b/ - oclusivo, bilabial, sonoro Portanto, os fonemas /p/ e /b/ distinguem-se tão somente pelo traço de sonoridade. Dizemos que o /b/ é + sonoro e o /p/ é – sonoro. Essa distin- ção (+ ou – sonoro) caracteriza ambos os fonemas como um par mínimo e permite a diferenciação entre palavras, como pata x bata e pico x bico. De acordo com Trubetzkoy, os fonemas possuem uma função tríplice: distintiva (vista acima), de- marcadora e expressiva. A função demarcadora é responsável por indicar os limites entre uma e outra palavra na fala. Em português, o acento grá- fico, ao indicar a tonicidade da sílaba na palavra, configura-se como um importante traço suprasseg- mental do fonema, capaz de demarcar a diferença entre “fábrica” (substantivo) e “fabrica” (verbo). A função expressiva refere-se à possibilidade de um fonema ser usado para manifestar o estado emo- cional do falante, como no alongamento da vogal em /liiindo/. Jakobson, por sua vez, foi o introdutor do conceito de marcação, primeiramente na fonologia e depois na morfologia. O conceito de marcação comporta a oposição entre duas categorias (marcada e não marcada) com base em um traço distintivo e fun- cional. Na fonologia, a distinção entre /p/ e /b/, vista anteriormente, é um bom exemplo. Nesse par, o /b/ é marcado como sonoro, enquanto o /p/ é não marcado quanto a esse traço. No par “meninos” x “menino”, a primeira forma traz a marca “+ plural”, ausente na segunda. “Meninos”, pois, é uma forma marcada quanto à categoria de número. A forma no singular, “menino”, é não marcada (– plural). Os estudos do linguista fundador do Círculo Lin- guístico de Praga, Vilém Mathesius, deram origem ao que posteriormente se chamaria de análise funcional da sentença ou perspectiva funcional da sentença. No enfoque de Mathesius, um par de orações, como o exposto abaixo, que aparente- mente se refere ao mesmo fato, apenas ordenando os componentes das orações de forma variada, no entanto não é equivalente do ponto de vista prag- mático: a) Eu já li esse livro. b) Esse livro eu já li. 4. Modelos cognitivistas Foco na linguagem como fenôme- no cognitivo; estudos da língua numa perspectiva dos processos e modelos cognitivos (cognitivismo, sociocognitivismo) 5. Modelos discursivos Foco no discurso, no texto e na enunciação; estudos da língua numa perspectiva textual e discur- siva (análises do discurso, linguís- tica de texto, teorias enunciativas) Figura 1: Microlinguística e macrolinguística Fo nt e: (W EE D W O O D, 2 00 2, p . 1 1) VOCÊ SABIA? Embora os linguistas de Praga pensassem em s i- tuações de fala convenc ionais, hoje será bastan te produtivo considerar a e xploração expressiva do s fonemas em práticas de interação virtual (chats e outras ferramentas da In ternet), em que o alonga - mento de vogais é um fe nômeno bem frequente. 12 13Capítulo 1 Capítulo 1 O que motivaria a colocação de “esse livro” no fi- nal da frase seria seu status informacional como informação nova. Inversamente em b), o segmento “esse livro” viria para o início do enunciado por se tratar de informação dada ou velha. Jan Firbas, no começo dos anos de 1960, denomi- na tema a parte da sentença que contém informa- ção dada e, portanto, apresenta menor dinamismo comunicativo. A parte da sentença que contém informação nova e consequentemente possui um elevado grau de dinamismo chama-se rema. Trata- se de uma maneira de descrever funcionalmente a ordenação da sentença, de acordo com o status da informação. Veja o diálogo: A) O que Maria comprou? B) Maria comprou [T] uma bolsa preta [R]. Em B, “Maria comprou” representa o tema (infor- mação dada em A), e “uma bolsa preta” é o rema (informação nova). A ideia é a de que os segmen- tos com menor dinamismo comunicativo sejam ex- pressos no início da sentença, enquanto as partes de maior dinamismo vêm no final. A contribuição da Escola de Praga, portanto, foi extremamente relevante por enfatizar o caráter multifuncional da linguagem num contexto em que, como lembra Cunha (2008, p. 161), se enfo- cava “o estudo da linguagem enquanto expressão do pensamento”. Outras contribuições para o funcionalismo na Eu- ropa vieram da Escola de Genebra, em que Char- les Bally desenvolveu estudos sobre a estilística e seu impacto sobre o sistema, enquanto Henri Frei analisou desvios da gramática normativa do ponto de vista funcional. No âmbito da Escola de Londres, Michael Halli- day, na década de 1970, desenvolve uma teoria fun- cional que abrange desde as unidades estruturais menores até os textos, além de defender uma semi- ótica socialem que a linguagem é tratada como sis- tema semiótico, encarado no contexto dos papéis sociais de cada indivíduo. Na Holanda, Simon Dik defende, no final da dé- cada de 1970, uma sintaxe funcional em três níveis (sintático, semântico e pragmático), conforme o exemplo: João chegou cedo. Em que “João” é sujeito (sintaxe), agente (semântica) e tema (pragmática). Portanto, para Dik, a linguís- tica deve tratar de regras (1) semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas (estrutura) bem como de regras (2) pragmáticas (interação verbal). Por último, mas não menos importante, cabe aqui uma também rápida referência ao linguista rome- no Eugenio Coseriu, que teve uma longa e produ- tiva atividade na linguística da segunda metade do século XX. Essa atividade desenvolveu-se em di- versos países onde Coseriu trabalhou ou os quais visitou, incluindo entre eles a Itália, o Uruguai e a Alemanha, além de passagens pela Argentina, Brasil e outros países. As publicações de Coseriu abrangem os idiomas romeno, italiano, espanhol, alemão, inglês e francês. Para esse linguista tão importante e culto, o estudo de muitos fenômenos linguísticos, particularmen- te o estudo dos textos como nível autônomo da lin- guagem, só poderia ocorrer como uma abordagem funcional. Para Coseriu (2007), a “verdadeira” e “própria” linguística do texto necessariamente de- veria receber uma “fundamentação funcional”, pois a mera compreensão do significado linguístico pre- sente em um texto não garante a compreensão do sentido desse texto. No exemplo dado por Coseriu, alguém pode en- tender perfeitamente o conto A metamorfose de Franz Kafka do ponto de vista do que ele signifi- ca, digamos, ao pé da letra: um homem chamado Gregor Samsa acorda e se vê, numa determinada manhã, transformado em um monstruoso inseto. O eventual leitor pode compreender, ainda, os eventos narrados a partir desse fato. Mesmo assim, poderá não alcançar o sentido do texto num senti- do muito mais profundo. 4. funciOnaLismO nOrtE-amEricanO A diversidade de enfoques autodenominados funcionalistas fez surgir uma inusitada compara- ção. Segundo Elisabeth Bates (citada por NEVES, 1997), o funcionalismo seria como o protestantis- mo: diversos grupos separados que concordam em um só assunto – a rejeição ao papa (no caso dos funcionalistas, entenda-se o “papa” como Noam Chomsky, o fundador do gerativismo). Nos Estados Unidos, o cenário linguístico foi do- minado inicialmente pelo estruturalismo na linha de Leonard Bloomfield, na primeira metade do sé- culo XX, até que este veio a perder prestígio, sendo ofuscado pelo gerativismo proposto pelo já citado Chomsky nos últimos anos da década de 1950. O funcionalismo iria se impor gradativamente, a partir do trabalho de alguns precursores que cha- maram a atenção para aspectos pragmáticos e fun- cionais em meio ao estruturalismo e gerativismo prevalecentes. Nomes, como Dwight Bolinger e Joseph Greenberg, fizeram parte dessa história. Entretanto, é a partir de 1975 que estudos propria- mente funcionalistas se tornam comuns na lin- guística norte-americana. Passa-se a defender, em comum com os funcionalistas europeus, a impossi- bilidade de uma descrição linguística que não leve em conta os aspectos comunicativos e a vinculação entre discurso e gramática. A explicação dos fatos da língua deveria se prender à análise tanto do con- texto linguístico como da situação extralinguística. Uma tese comum no funcionalismo será a afir- mação de que a gramática é modificada pelo uso. Isso equivale a defender que a língua está sujeita à mudança e variação. Essa tese hoje não causa mais nenhum espanto, mas não era nada comum no contexto do apogeu do gerativismo e da influência continuada do estruturalismo. Conforme Cunha (2008), o funcionalismo norte- americano tem como marco a publicação de The origins of syntax in discourse [A origem da sintaxe no discurso], de autoria de Gillian Sankoff e Penelo- pe Brown, no ano de 1976. Na obra, as autoras demonstram que as mudanças sintáticas podem efetivamente ser motivadas pelo discurso. Uma se- gunda publicação importante foi From discourse to syntax [Do discurso para a sintaxe] (1979), em que Talmy Givón busca oferecer explicações funcionais para os fatos gramaticais. Uma terceira obra rele- vante foi Transitivity in grammar and discourse [Tran- sitividade na gramática e discurso] (1980), em que os autores Sandra Thompson e Paul Hopper argu- mentam sobre a existência de fatores discursivos que condicionam a gramática no que diz respeito à transitividade. Outro enfoque bastante produtivo resultou da aproximação entre linguística funcional e linguís- tica cognitiva, em particular a tendência represen- tada por dissidentes do gerativismo como Ronald Langacker, George Lakoff e outros, que rejeitaram a tese chomskyana da autonomia da sintaxe. Esses autores defendem, particularmente, a incorpora- ção dos processos sociocognitivos nos estudos lin- guísticos. Em síntese, de acordo com Pezatti (2004), três grupos se destacam no funcionalismo norte ame- ricano: 1. o grupo da Califórnia, que inclui Talmy Gi- vón, Sandra Thompson, Wallace Chafe e Paul Hopper, entre outros; 2. o grupo de Buffalo, Nova Iorque, organizado em torno de Van Valin, sob o rótulo de Gra- mática de Papel e Referência (Role and Referen- ce Grammar); 3. o terceiro e último grupo, situado em Berke- ley, também na Califórnia, representa uma tendência funcional-cognitiva, promovida por George Lakoff e Ronald Langacker, conforme visto acima. Como você pode ver, diversidade é, de fato, uma boa palavra para descrever as diversas formas de funcionalismo. 5. funciOnaLismO nO brasiL Em nosso país, os estudos funcionalistas ganha- ram impulso a partir da década de 1980 com a constituição de vários grupos de pesquisa e com o espaço criado por esses pesquisadores em eventos científicos e programas de pós-graduação de várias universidades. Cunha (2008) destaca como repre- sentante pioneiro do funcionalismo no Brasil o trabalho de Rodolfo Ilari, publicado em 1987, com o título Perspectiva funcional da frase portuguesa. Nes- se trabalho, o autor explora os conceitos de tema e rema, aplicados à frase em português, seguindo, portanto, na linha do funcionalismo europeu da Escola de Praga. Entre os projetos e grupos de pesquisa constituí- dos, segundo os princípios funcionalistas, Cunha (2008) aponta: 1. o conhecido Projeto Norma Urbana Culta (NURC), que foi aplicado a cinco capitais 14 15Capítulo 1 Capítulo 1 brasileiras, entre elas o Recife. Muitos estudos ainda são feitos hoje com base nos dados reu- nidos por esse Projeto; 2. o Projeto de Estudo do Uso da Língua (Peul), ligado à Universidade Federal do Rio de Janei- ro (UFRJ), de tendência sociolinguística, em que se destacou a presença do linguista An- thony J. Naro. O grupo foi influenciado pelo funcionalismo norte-americano e, em especial, pelos trabalhos de Talmy Givón; 3. o Grupo de Estudos Discurso & Gramática, composto por pesquisadores de várias univer- sidades do Rio de Janeiro e pela Universida- de Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), criado por Sebastião Votre e também baseado no funcionalismo norte-americano, desenvol- vendo estudos principalmente na temática da gramaticalização (ver definição adiante). O li- vro Manual de linguística, organizado por Mário Eduardo Martelotta, embora não se dedique exclusivamente ao funcionalismo, foi produzi- do por autores ligados ao Grupo. 6. funciOnaLismO nOrtE-amEricanO: principais cOncEitOs Considerando que o funcionalismo norte-ameri- cano apresenta categorias bastante influentes no pensamento linguístico brasileiro, destacaremos os principais conceitos dessa corrente que, como se verá,são conhecidos e aplicados por muitos pes- quisadores que não se identificam a si mesmos primeiramente como funcionalistas, mas como linguistas de texto ou sociolinguistas, por exemplo. 6.1. infOrmatividadE De acordo com Cunha (2008, p. 166), “o princípio da informatividade focaliza o conhecimento que os interlocutores compartilham, ou supõem que compartilham, na interação verbal”. Na linguística funcional, a aplicação do princípio da informativi- dade está relacionada com o status informacional das palavras numa sentença, o qual interfere em sua posição no enunciado. Do ponto de vista do status, a informação contida numa palavra (refe- rente) pode ser classificada como dada, nova, dis- ponível ou inferível. Vejamos detalhadamente cada uma dessas situações: 1. Informação dada – também chamada de in- formação velha, acontece em duas situações distintas. A informação pode ser considerada velha ou dada, quando: a) já ocorreu no texto ou b) está disponível no contexto de interação. Chamamos a informação que já ocorreu no texto de referente textualmente dado. Por sua vez, a informação disponível na situação de fala chama-se de referente situacionalmente dado. Veja os exemplos dados por Cunha (2008, p. 166): a) aí o mecânico falou que... (ø) não sabia qual o homem que tinha apertado aquilo ((riso)) b) e: e:: agora eu queria que você me... me dis- sesse... alguma coisa que você sabe fazer... Ou que você... goste de fazer... e como é que se faz isso... No primeiro caso, o sujeito de “não sabia” é omitido (a omissão é representada pelo símbo- lo ø) por já ser conhecido dos interlocutores. Trata-se do referente “o mecânico”, que é dado no enunciado anterior. Trata-se de um referen- te textualmente dado. No segundo caso, somente as pessoas que estão envolvidas na situação de fala expressa pelo enunciado sabem quem está sendo re- presentado pelo termo “você”. Sabemos que “você” é aquela pessoa a quem nos dirigimos como interlocutor. Embora não saibamos de quem exatamente se trata nesse caso, o refe- rente é dado ou velho para os interlocutores. É um exemplo de referente situacionalmente dado. 2. Informação nova – é aquela que está sendo in- troduzida pela primeira vez no discurso. Veja o exemplo, em que os referentes “um ônibus” e “um caminhão” representam informação nova para o interlocutor: c) aí quando chegou... ali na:: descida/ porque é... Barra... Tijuca... né? quando estava quase chegando a... Tijuca... vinha... um ônibus na:: direção deles... e tinha um caminhão... parado aqui... 3. Informação disponível – refere-se a uma informa- ção que já consta na mente do ouvinte por ser geralmente um referente único no contexto. É o caso de termos, como “o sol”, “a lua”, “a terra”, “Pelé” ou nomes de cidade como “Pe- trópolis”: d) ... mas... eu fui a Petrópolis com uma amiga... que nunca tinha subido a serra. 4. Informação inferível – neste caso, o referente é identificável por um processo inferencial a par- tir de certas informações disponibilizadas para o interlocutor. Cunha (2008) afirma que infor- mações inferíveis normalmente são introduzi- das por artigo definido. No exemplo a seguir, apesar de que não constitui informação dada, o referente “motorista” pode ser inferido da referência a “ônibus”. e) ... quando ela viu o ônibus passar... mas o ônibus já estava indo... e ela começou a gritar e todo o ponto de ônibus assim lotado... né? ela começou a gritar pro motorista... mas ela estava um pouco longe... 6.2. icOnicidadE Este é um princípio caro aos funcionalistas, uma vez que para eles a estrutura da língua revela a estrutu- ra da experiência, ou o funcionamento da mente. Desse modo, o princípio da iconicidade expressa a tese de que há uma correlação natural e motivada entre a forma linguística e sua função, ou entre o código lin- guístico e o significado, entre a expressão e o conteúdo. O princípio não é sempre fácil de sustentar, pois, em muitos casos, a relação forma e função é arbi- trária ou perdeu sua motivação original. Vejamos alguns exemplos em que a relação de motivação (iconicidade) se perdeu: 1. Perda da iconicidade por modificação na es- trutura fonética e morfológica: Em boa hora > embora A expressão “em boa hora”, além de sofrer altera- ção fonética e morfológica na sua mudança para “embora”, ainda passa por alterações semânticas, perdendo a relação com “hora”, isto é, tempo. As- sim, para se recuperar o aspecto icônico em “embo- ra”, será necessário retomar a história da palavra, ou seja, será necessário entrar em considerações diacrônicas. 2. Alteração semântica como resultado de pro- cessos metafóricos: o termo “entretanto” pas- sa, no processo histórico, de um sentido tempo- ral para um sentido adversativo, de modo que sua iconicidade se anula ou fica enfraquecida. Percebe-se, portanto, que a noção de iconicida- de se torna problemática em várias situações, até porque há situações em que uma só forma corres- ponde a várias funções bem como diversas formas podem corresponder a uma única função. Confira o quadro abaixo: Em função dessas dificuldades, a iconicidade re- cebeu uma versão moderada, que se manifesta em três princípios: 1. Princípio da quantidade – pelo qual “quan- to maior a quantidade de informação, maior a quantidade de forma” (CUNHA, 2008, p. 168). De acordo com esse princípio, a quan- tidade de estrutura linguística corresponde à complexidade do pensamento que se expressa. Confira o exemplo apresentado por Cunha (2008) em que o progressivo aumento no ta- manho das palavras corresponderia a uma am- pliação do nível de complexidade dos respecti- vos conceitos: Belo > beleza > embelezar > embelezamento 2. Princípio da integração – o qual estabelece que “os conteúdos que estão mais próximos cognitivamente também estarão mais integra- dos no nível da codificação” (CUNHA, 2008, p. 168). Dito de outra forma, significaria que a proximidade mental se reflete numa proximi- dade sintática, confirmando a tese funcionalis- ta de que a estrutura linguística reflete os usos sociais bem como os processos cognitivos. Se- gundo o princípio da integração, nas frases a seguir, haveria um progressivo distanciamento Uma forma Diversas funções Embora • Concessiva: “Embora tenha estu- dado, não passou.” • Partícula de afastamento: “Vou- me embora pra Pasárgada...” Diversas formas Uma função Embora Mesmo que Ainda que Apesar de Concessiva 16 17Capítulo 1 Capítulo 1 entre as ações expressas pelos verbos “ordenar” e “ficar”, “fazer” e “ficar” e “querer” e “ficar”, respectivamente, que se reflete na ampliação da distância sintática entre a primeira e a últi- ma frase: a) Maria ordenou: fique aqui. b) Maria fez a filha ficar ali. c) A filha não queria ficar ali. 3. Princípio da ordenação sequencial – segundo o qual, em primeiro lugar, tende a haver uma ordenação linear das orações no discurso, re- presentando a sequência temporal em que os eventos ocorrem: Sabe como é feito um bom strogonoff... compra o camarão:: limpa o camarão... põe o cama- rão... boto cebola... pimentão... tomate... cozi- nho ele... deixo ele cozinhar um pouquinho assim... Ligado a esse princípio, existe ainda um sub- princípio da relação entre ordem sequencial e topicalidade. Por esse subprincípio, há uma correlação entre o status informacional e a po- sição que o referente assume na frase: infor- mações novas tendem a ocorrer no final da sentença, enquanto as informações velhas vêm no início: Tenho vários amigos, mas meu preferido é Carlos. Carlos está sempre comigo nas horas de diversão. 6.3. marcaçãO O conceito de marcação se refere à oposição es- tabelecida entre dois elementos de uma categoria linguística,nos planos fonológico, morfológico ou sintático, em que um dos elementos será conside- rado marcado e o outro, não marcado. A forma marcada se caracteriza por apresentar um traço ausente na forma oposta, tida como não marcada. Um exemplo de forma marcada e não marcada, na morfologia, pode ser dado pela categoria de núme- ro, em que o elemento no plural será marcado, e o elemento no singular, não marcado: Livros [+ plural] Livro [– plural] Cunha (2008, p. 170) salienta que as formas não marcadas apresentam várias características: 1. Maior frequência de ocorrência; 2. Contexto de ocorrência mais amplo; 3. Forma mais simples ou menor; 4. Aquisição mais precoce pelas crianças; Assim, no nível sintático, a marcação resulta numa frase mais rara e, por isso mesmo, mais expressiva, menos neutra. A forma marcada pode expressar as emoções do falante de um modo muito mais claro do que a forma não marcada. Compare os exemplos: a) Eu uso esta roupa. b) Esta roupa eu uso. Você entendeu qual é a forma marcada (ou seja, qual é a forma menos comum, menos frequente etc.)? Se você pensou na opção b), está completamen- te certo. Agora observe como a opção b) é muito mais expressiva do que a opção a) em que a ordem direta é respeitada. 6.4. transitividadE E pLanO discursivO Ao contrário da gramática tradicional, a gramática funcionalista não opõe binariamente verbos tran- sitivos a intransitivos. Para Hopper e Thompson (citados por CUNHA, 2008, p. 171), a transitivi- dade é uma “propriedade escalar, que focaliza di- ferentes ângulos da transferência da ação de um agente para um paciente em diferentes porções da oração”. Nesse sentido, há uma escala crescente de transitividade nas frases de a) a d), considerando fatores, como a dinamicidade do verbo, a agentivi- dade do sujeito e o efeito sobre o objeto: a) Esse rio tem uma forte correnteza. b) A Mulher Gato não gostava do Batman. c) Então o Pinguim chegou na festa. d) Batman derrubou o Pinguim com um soco. Segundo o pensamento funcionalista, a transitivi- dade tem uma função pragmática, sendo constru- ída de acordo com os objetivos do falante e sua percepção sobre o interlocutor. Dessa forma, uma transitividade elevada corresponderia, no texto, à importância do segmento no conjunto do plano discursivo. Expressões menos centrais no pensa- mento do produtor do texto poderão ter um grau menor de transitividade. 6.5. gramaticaLizaçãO Conforme Cunha (2008, p. 173), a gramaticaliza- ção designa “um processo unidirecional, segundo o qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, continu- am a desenvolver novas funções gramaticais”. É o que acontece nos exemplos abaixo, em que os ele- mentos destacados sofrem um desgaste semântico e assumem funções meramente gramaticais. Veja o exemplo em que o verbo “querer” passa a ser utili- zado como uma simples conjunção alternativa: Quer chova, quer faça sol... atividadEs | Escolha um livro didático de língua portuguesa do ensino Fundamental ou Médio, de sua preferência, e responda: 1. Examinando o livro didático, ainda que superficialmente, você diria que a abordagem contida nele é predominantemente formalista ou funcionalista? Justifique sua resposta. 2. Entre os temas funcionalistas destacados neste capítulo, quais deles estão contemplados nas leituras e atividades propostas pelo livro didático? De que forma? rEsumO Neste capítulo, vimos um panorama das teorias funcionalistas que vêm sen- do desenvolvidas no âmbito da Linguís- tica. Para introduzir o capítulo, abor- damos a oposição entre formalismos e funcionalismos como uma possibilidade de síntese do pensamento lingüístico, que vigorou no século XX. Em segui- da, apresentamos o funcionalismo em geral, para depois nos determos espe- cificamente nas correntes europeias da teoria bem como no chamado funcio- nalismo norte-americano. Depois de al- gumas informações sobre o impacto do funcionalismo no pensamento linguís- tico brasileiro, estudamos os principais conceitos teóricos apresentados pelas correntes funcionalistas. SAIBA MAIS! Se você desejar aprofun dar o conteúdo deste capítulo, pode en contrar muitos subsídios disponíveis na Internet. Veja aqui algumas sugestões de leitura: • Para uma boa sínte se da aborda- gem de Pezatti (2004) a respeito do funcionalismo em lingu ística, veja a página Web http://te oriadalin- guagem.wikispaces.com /Aula+30- 04-2009, em que você encontrará a apresentação Power Point pre- parada pela mestrand a Amanda D’Alarme Gimenez sob re o texto da autora. Se, depois, vo cê desejar ler o texto integral de Pe zatti, veja a referência ao final deste capítulo. • Para uma perspecti va integradora entre linguística formal e linguís- tica funcional, leia o a rtigo “For- malismo e funcionalism o: fatias da mesma torta” (OLIVEIR A, 2003), disponível em http://ww w.uefs.br/ sitientibus/pdf/29/form alismo_e_ funcionalismo_fatias_d a_mesma_ torta.pdf. • Para saber sobre a contribuição do funcionalismo para o ensino de língua portuguesa, conf ira o artigo escrito por Mariangela R ios de Oli- veira e Maria Marta Cez ario, intitu- lado “PCN à luz do fun cionalismo linguístico” (OLIVEIRA e CESARIO, 2007), disponível no endereço http://rle.ucpel.tche.br/ php/edico- es/v10n1/03Maria.pdf. 19Capítulo 218 Capítulo 1 rEfErências CUNHA, Angélica Furtado da. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (Org.). Ma- nual de linguística. São Paulo: Contexto, 2008. p. 157-176. MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Pará- bola, 2008. NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997. OLIVEIRA, Luciano Amaral. Formalismo e fun- cionalismo: fatias da mesma torta. Sitientibus, Feira de Santana, n. 29, p. 95-104, jul./dez. 2003. Disponível em: <http://www.uefs.br/ sitientibus/pdf/29/formalismo_e_funcionalis- mo_fatias_da_mesma_torta.pdf> Acesso em: 29 abr. 2010. OLIVEIRA, Mariangela Rios de; CEZARIO, Ma- ria Marta. PCN à luz do funcionalismo linguís- tico. Linguagem & Ensino, v. 10, n. 1, p. 87- 108, jan./jun. 2007. Disponível em: <http:// rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/03Maria. pdf.> Acesso em: 29 abr. 2010. PEZATTI, Erotilde Goreti. O funcionalismo em linguística. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos (v. 3). São Paulo: Cortez, 2004. p. 165-218. WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da lin- guística. São Paulo: Parábola, 2002. Capítulo 2 dO cOgnitivismO aO sOciOintEraciOnismO ObjEtivOs EspEcíficOs • Conhecer a proposta teórica e as contribuições da linguística cognitiva; • Compreender a transição do cognitivismo ao sociocognitivismo em Linguís- tica; • Entender a perspectiva sociointeracionista e seu papel na Linguística con- temporânea. intrOduçãO Neste capítulo, apresentaremos algumas das novas tendências em Linguística, com destaque especial para a linguística cognitiva, o sociocognitivismo e o socio- interacionismo. Você compreenderá como a Linguística seguiu um percurso, em que se moveu de perspectivas intensamente formais, conforme visto no Capítulo 1, para diversificadas perspectivas em que os aspectos sociais e cognitivos passam a ser considerados ao lado dos aspectos linguísticos. Como você poderá verificar, as tendências de que trataremos neste capítulo têm mostrado uma grande influ- ência sobre os rumos do ensino de língua portuguesa em nosso país, o que por si só as credencia como um importante tema de estudo. 1. O cOgnitivismO Em Linguística:rELaçãO cOm O gErativismO Uma verdadeira revolução cognitivista ocorre nos anos de 1950, quando as inves- tigações sobre a relação língua-cognição surgem em oposição ao behaviorismo (comportamentalismo) do- minante. Com origem na psicologia cognitiva, os estu- dos cognitivistas se estabele- cem numa rica inter-relação entre os campos da ciência da computação, matemáti- ca, teoria da informação e linguística, entre outros. Prof. Dr. benedito Gomes bezerra Carga Horária | 15 horas Figura 1: Cérebro e linguagem Fo nt e: h tt p: // di sl ex ia .n ire bl og .c om / 20 21Capítulo 2Capítulo 2 Com o cognitivismo, dá-se uma reabilitação dos processos mentais como objeto de investigação, de modo que as seguintes questões são levantadas: como o conhecimento é representado e estruturado na mente? Como a memória se organiza? A mente é dividida em partes independentes ou há uma conexão entre elas? O conhecimento é inato ou derivado da experiência? Como ressaltam Martelotta e Palomanes (2008), o cognitivismo tem um papel de destaque na lin- guística do século XX, por meio da perspectiva ge- rativista de estudo da linguagem. O gerativismo, caracterizado como uma abordagem mentalista aos fatos da língua, põe, em relevo, os aspectos cognitivos envolvidos na compreensão da lingua- gem, mas limita a cognição a questões meramente biológicas. No gerativismo, não se estabelece uma ligação entre a cognição e as questões sociais, cul- turais, históricas e interacionais. Para o gerativismo, a linguagem é um sistema for- mal e racional que pode ser explicado por uma teoria lógico-matemática. A linguagem seria um componente mental, um módulo entre outros mó- dulos responsáveis pelas diversas ações de que os seres humanos são capazes. Entre as teses clássicas do gerativismo, inclui-se, portanto, a modularida- de da mente, em que se postula um módulo sin- tático autônomo em relação aos demais módulos linguísticos e não linguísticos. Outra tese fundamental para o sistema gerativista é a do inatismo linguístico: todos os seres huma- nos nascem dotados de uma espécie de dispositivo mental de geração da linguagem, o que consequen- temente dispensará os aspectos sociais, julgando-os irrelevantes para a compreensão dos fenômenos linguísticos. Característica dos estudos que estamos chamando de linguística cognitiva é uma revisão de vários pos- tulados do gerativismo. Entre eles, a modularidade é repensada e criticada, de modo que se considera que não é necessário distinguir entre conhecimen- to linguístico e outros conhecimentos na mente. As diversas formas de conhecimento operam inte- gradamente, e não de forma modular. Embora não se questione o inatismo em si, entende-se que as línguas não podem ser explicadas apenas por me- canismos formais e abstratos. Perguntas importantes e desafiadoras para um cognitivismo mentalista são: como se dá a capta- ção, compreensão e armazenamento de dados da experiência na memória? E ainda, como se dá a organização, acesso, conexão, utilização e transmis- são desses dados? Contra o gerativismo, necessário é afirmar a impossibilidade de separar linguagem, pensamento e experiência. Daí o termo sociocog- nitivismo, pelo qual se confere especial destaque aos aspectos sociais da cognição. Dito de outra for- ma, a significação é entendida como um processo que se define na interação. 2. dO cOgnitivismO aO sOciOcOgnitivismO Koch e Cunha-Lima (2004, p. 251) ressaltam que o sociocognitivismo, ao contrário do gerativismo, não é um programa de pesquisa bem delimitado nem uma tendência unificada, algo assim como uma “escola”. Antes, se trata de “um conjunto de preocupações e uma agenda investigativa em ascen- são na Linguística atual”. Compreendida como dissidência do cognitivismo gerativista inaugurado por Chomsky, a Linguísti- ca Cognitiva rompe com o modelo modularista da mente, compreendendo a linguagem como um fenômeno integrado a “uma grande rede de capa- cidades cognitivas da mente humana”, no dizer de Carrara, Uchoa e Rodrigues (2009). Assim, na Lin- guística Cognitiva, a produção e a recepção da lin- guagem conectam-se a uma dimensão experiencial, que é tanto individual como social, integrando modos de vida, cultura e interação. Proponentes célebres dessa visão foram George Lakoff e Ronald Langacker. De acordo com Martelotta e Palomanes (2008, p. 179), o termo sociocognitivismo enfatiza “a impor- tância do contexto nos processos de significação e o aspecto social da cognição humana”. Desse modo, a cognição deixa de ser visto como um fenômeno apenas mental, individual e estanque e passa a ser considerado no interior de relações sociais, cultu- rais e históricas mais amplas. O conceito de cognição, portanto, é significativa- mente ampliado no sociocognitivismo. Para Koch e Cunha-Lima: Ampliar esse campo significa incluir entre os fatos a serem investigados não apenas capacidades cognitivas nobres, como a linguagem, o raciocínio matemático, mas também fenômenos bem mais simples em sua aparência, como, por exemplo, nossas capacidades de nos movermos em uma sala, sem esbarrar nos móveis; de, dadas diferentes condi- ções de iluminação, enxergarmos as cores de forma consis- tente; ou, ainda, nossa capacidade de, ao balançarmos uma caixa de leite, sabermos, aproximadamente, quanto de leite resta lá dentro (2004, p. 253). Nessa concepção, não só o conhecimento é um processo complexo mas também o sentido das ex- pressões linguísticas não é algo pronto e acabado, porém é construído no decorrer da própria intera- ção. Os autores exemplificam esse aspecto com o processo de categorização da realidade. Uma ope- ração simples como reconhecer um objeto como sendo uma xícara de café implica associar represen- tações diversas: visuais (aparência) e táteis (manei- ra de segurar, expectativas sobre a temperatura), olfativas (cheiro do café) e gustativas (sabor especí- fico, modo de consumir). Essas representações são criadas em diferentes regiões do cérebro, sempre que ouvimos ou lemos o nome do objeto. Além disso, a maneira como categorizamos objetos (por exemplo, a xícara de café) e atividades (como gestos, por exemplo) implica larga medida e aspec- tos marcados por nossa herança sociocultural. As- sim é que o simples ato de tomar café ou fazer um sinal de positivo tem significados bastante peculia- res em culturas diferentes. Numa visão integradora da linguagem, a forma linguística em si é, apenas, uma pista, um fator para a construção do sentido, que se constrói em associação com outros aspectos cognitivos. Portanto, um aspecto importante no sociocogniti- vismo é o caráter interacional do significado. A gra- mática da língua não é simplesmente um conjunto de regras, mas um conjunto de princípios dinâmi- cos que produzem o sentido quando associados a rotinas cognitivas que são moldadas, sustentadas e modificadas pelo uso diário da língua. A comuni- cação, portanto, é uma atividade compartilhada, co-construída pelos interlocutores. Não cabe a ima- gem de um emissor e um receptor isolados e alter- nando posturas ativas (falante) e passivas (ouvinte) na produção da linguagem. O sociocognitivismo compreende que os usuários da língua estão no centro mesmo da construção do significado e são co-participantes dessa construção. O sociocognitivismo, portanto, entende a lingua- gem como uma forma de ação no mundo, que se dá de forma integrada com outras capacidades cognitivas. Para Koch e Cunha-Lima (2004, p. 255), “compreender a linguagem é entender como os falantes se coordenam para fazer alguma coisa juntos, utilizando simultaneamente recursos in- ternos, individuais, cognitivos e recursos sociais”. A questão central para o sociocognitivismo não é, entretanto,como relacionar os aspectos cognitivos e os aspectos sociais, mas como integrá-los numa só questão: o modo como a cognição se constitui no próprio curso da interação. 3. aspEctOs dE uma tEOria cOgnitiva: O pEnsamEntO cOrpOrificadO Segundo o princípio do pensamento corporifica- do (embodied), baseado no pensamento de George Lakoff, a percepção que temos do mundo é orien- tada e limitada pela percepção que temos do nosso corpo. Desse modo, compreende-se que a mente não é, ao contrário do que diz a noção tradicio- nal, separada do corpo, e o próprio pensamento é corporificado. Isso quer dizer que o pensamento é uma espécie de extensão do corpo, que por sua vez determina nossa percepção de espaço e tempo. É assim, por exemplo, que falamos de fatos pas- sados e futuros (tempo) em termos de para trás e para frente (noções espaciais) por analogia com a movimentação do nosso corpo: Cem anos atrás, o mundo era diferente... daqui para frente, as coisas serão diferentes. Figura 2: De mãos atadas Fo nt e: h tt p: // fo go na se nt ra nh as .w or dp re ss .c om / ca te go ry /p ul p- fic tio ns -p er o- no -m uc ho / 22 23Capítulo 2Capítulo 2 à centralidade que conferimos a um elemento em detrimento de outro na mesma cena. O ele- mento em destaque se chama figura e aparece em primeiro plano; o elemento denominado fundo funciona como uma espécie de moldura e não constitui o centro de nossa atenção. Nos enunciados a seguir, temos o “quadro” como figura em a); no enunciado b), “quadro” assu- me o lugar de fundo em relação a “sofá”. a) O quadro está sobre o sofá. b) O sofá está sob o quadro. c) Enquadres e domínios conceituais – os en- quadres se entendem como a base do conheci- mento em relação à qual se impõe um determi- nado foco de atenção comunicativa, enquanto os domínios conceituais se definem como con- juntos de conhecimentos estruturados, es- paços de referenciação ativados por formas linguísticas ou por fatores pragmáticos para a construção do significado e Os subdivididos em domínios estáveis e domínios locais (MARTE- LOTTA e PALOMANES, 2008). Para melhor compreensão, confira o esquema: Vejamos cada um desses conceitos: 1. Domínios estáveis são conjuntos de conheci- mentos bastante gerais, armazenados na me- mória pessoal ou social, como uma espécie de herança da humanidade, subdivididos, confor- me o esquema em modelos cognitivos idealizados, molduras comunicativas e esquemas imagéticos. Nesse caso, o corpo e a noção de espaço se tornam a base de nossos sistemas perceptuais, levando à conclusão de que os processos abstratos, entre eles a noção de tempo, são essencialmente metafóricos. Segundo essa teoria, o sentido se constrói metafo- ricamente através da gradual extensão do sentido, a partir de noções espaciais até noções mais abs- tratas. Confira o exemplo dado por Martelotta e Palomanes (2008, p. 182), que transportamos para o quadro abaixo: Encarado dessa forma, o corpo entra decisivamen- te na construção dos sentidos que resulta de nossa interação com os objetos no mundo. Os sentidos são, de acordo com os cognitivistas, entidades concei- tuais, e as formas da língua são recursos para a re- presentação de cenas e fatos da vida. Toda ativida- de de conceitualização é atividade situada, ou seja, ligada à perspectiva do falante ou, dito de outra forma, dependente do lugar que seu corpo ocupa na situação de uso da língua. Martelotta e Palomanes (2008) exemplificam isso com as noções de ponto de vista, alinhamento de fi- gura e fundo e enquadre comunicativo. Vejamos exem- plos de cada uma delas: a) Ponto de vista – nos exemplos abaixo, para dentro ou para fora correspondem simplesmen- te ao lugar em que o falante se situa cognitiva e corporalmente. Essencialmente, a cena é a mesma, e o fenômeno descrito é idêntico nos dois enunciados. a) O caminho para dentro da floresta é tortuoso. b) O caminho para fora da floresta é tor- tuoso. b) Alinhamento de figura e fundo – neste caso, a relação figura-fundo diz respeito 2. Domínios locais (espaços mentais) são opera- dores do processamento cognitivo, de caráter dinâmico e sequencial, que podem ser ativa- dos por conectores, os quais exercem o papel de construtores de espaços mentais (conectivos, sintagmas preposicionais ou adverbiais, ora- ções). Veja alguns exemplos de espaços men- tais: 4. tEOria sOciOcOgnitiva da mEtáfOra A partir da publicação de obras, como o livro Me- taphors we live by (1980), de George Lakoff e Mark Johnson, traduzido para o português como Metáfo- ras da vida cotidiana (2002), foram lançadas as bases para uma nova compreensão desse fenômeno, que sempre foi considerado apenas como uma “figura de linguagem” e frequentemente circunscrita ao domínio da literatura. Os estudos realizados nes- sa linha resultaram numa teoria sociocognitiva da metáfora que, em parte, já estudamos no tópico anterior, quando tratamos do pensamento corpo- rificado. Para Lakoff e Johnson (2002), a metáfora não é uma propriedade, apenas, da literatura ou mesmo da linguística, mas determina, so- bretudo, a forma como pensamos e agimos. Assim, todo o nosso sistema conceptual seria metafórico por natureza. Nossa forma de pen- sar e agir é metafórica por natureza. A metáfo- ra, portanto, longe de ser apenas uma figura de linguagem, é um fenômeno que determina a maneira como conceitualizamos nossa expe- riência corpórea e social no mundo. As metáforas, conforme esses autores, podem ser classificadas como conceituais, orientacio- nais e ontológicas. Veremos cada um desses tipos. Por meio de metáforas do tipo conceitual, articu- lamos conceitos diversos que fazem parte de nos- sa vida diária. Um exemplo dessas metáforas, que podemos citar aqui, é DISCUSSÃO É GUERRA. A partir dessa metáfora, encontramos afirmações como: Seus argumentos são indefensáveis. Ele atacou cada ponto fraco do meu argumento. Suas críticas atingiram o alvo. Eu demoli o argumento dele. Jamais venci um debate com ele. Ele arrasou com todos os meus argumentos. As metáforas orientacionais tomam o corpo como referência muito clara, particularmente com base na noção de espaço, como vimos anteriormente. Exemplos de metáforas dessa categoria são BOM É PARA CIMA e MAU É PARA BAIXO. Essas metáforas geram enunciados como: Ele me deixou com o ânimo elevado. Estávamos sempre de alto astral. Fomos bem-sucedidos e ficamos por cima. Suas palavras me deixaram na fossa. Estava me sentindo no fundo do abismo. Ela estava extremamente deprimida/para baixo. Já as metáforas ontológicas tomam por base a nos- sa experiência com objetos e entidades físicas, por meio das quais explicamos noções abstratas, como eventos, emoções e ideias. Essas metáforas assumem a forma de esquemas imagéticos, como a noção de contentor (objeto que contém outros objetos ou substâncias). A metáfora O CORPO HUMANO É CONTENTOR DE EMOÇÕES é responsável por frases como: Frase Noção O ministro foi para São Paulo. Espaço O ministro adiou a en- trevista para amanhã. Tempo O ministro elaborou o relatório para mudar a opinião do presidente. Finalidade O ministro entregou o relatório para o presi- dente. Movimento/destino Domínios conceituais Domínios estáveis Domínios locais Modelos cognitivos Molduras comunicativas Esquemas imagéticos Espaços mentais Molduras comunicativas Estruturas de co- nhecimento relacio- nadas com formas organizadas de interação Uma aula tem uma forma própria de organização em que os participantes cumprem papéis so- cialmente previstos e estabelecidos Esquemas imagéticos “Estrutura abstracta que tem porbase a experiência humana na sua interacção fí- sica e corporal com o mundo” (FERRÃO, 2010) Recipiente, origem- percurso-destino, parte-todo, em cima-embaixo, dentro-fora, atrás-à frente Definição Exemplo Modelos cognitivos idealizados Estruturas pelas quais o conhe- cimento sobre entidades, eventos e atividades é orga- nizado Domingo é um con- ceito compreendido no interior da cons- trução sociocultural de semana Espaços mentais Modelos Na novela, o ator brasileiro é americano. Modelo cultural Na fotografia, Brad Pitt está feio. Imagem No Brasil, as pessoas não falam inglês. Lugar Quando eu era pequeno, eu assistia desenho animado. Tempo Se ele estivesse aqui, saberia como agir. Hipótese 24 25Capítulo 2Capítulo 2 Eles quase explodiram de alegria. Estava prestes a rebentar de tanta raiva. Não podia se conter de tanta emoção. Conforme defendem Lakoff e Johnson (2002), as metáforas são estruturadas em termos de “cone- xões entre domínios cognitivos”, quer dizer, entre um domínio fonte (guerra) e um domínio alvo (discus- são). Verificamos, então, o princípio de projeção, pelo qual os elementos próprios do domínio fonte são projetados sobre o domínio alvo. É assim que usamos termos próprios da guerra para descrever uma discussão e nem nos damos conta disso. Pode- mos presumir que, numa cultura não competitiva como a nossa, a discussão pudesse ser metaforizada de uma forma totalmente diferente (talvez como uma dança, por exemplo). A metáfora, na verdade, tanto estrutura como é estruturada por nossos pró- prios valores culturais. A construção do sentido, nos parâmetros estabele- cidos pela linguística cognitiva, se realiza com base no princípio de projeção, responsável por estabe- lecer diferentes formas de ligação entre domínios cognitivos (domínio fonte e domínio alvo). Pode- mos falar aqui de três formas de projeção: a) Projeção de domínios conceituais estrutura- dos – forma de projeção bem representada nas metáforas e analogias. Por exemplo, as metáfo- ras em que o tempo (domínio alvo) é descrito como espaço (domínio fonte). Nessa metáfora, falamos de tempo como se fosse um lugar atrás ou na frente. Cem anos atrás, a transmissão das informa- ções era mais difícil. “Daqui pra frente, tudo vai ser diferente.” Outro exemplo é a metáfora COMUNICAR (domínio alvo) É ENVIAR (domínio fonte), em que falamos de ideias como se fossem obje- tos que enviamos de um lugar para outro e de pessoa para pessoa. Não soube passar a ideia. Não recebeu bem minhas palavras. Não sei colocar isso em palavras. b) Projeção de funções pragmáticas – forma de projeção que se dá em virtude de uma relação estabelecida pragmaticamente, como acontece nas metonímias do tipo: Joana nunca leu Machado de Assis. O que se estabelece é uma relação entre o autor e sua obra, de modo que o enunciado deverá ser entendido como “Joana nunca leu os livros que compõem a obra de Machado de Assis”, e não como se ela literalmente jamais tivesse lido o autor propriamente. c) Projeção entre espaços mentais – nessa for- ma de projeção, os sentidos são construídos na relação entre espaços mentais, ligados por sistema de referenciação (por analogia) entre distintos domínios cognitivos. No seguinte exemplo de Martelotta e Palomanes (2008), os espaços mentais em questão dizem respeito à vida e à pintura, e o enunciado propõe uma construção do sentido em que a vida é projeta- da como sendo uma tela. A vida tem a cor que você pinta. O processo que estabelece as relações de proje- ção entre domínios é também compreendido como mesclagem de espaços mentais, na teoria proposta por Gilles Fauconnier, na década de 1980. Um exemplo do uso desse processo cog- nitivo se encontra na frase a seguir, em que espaços mentais diferentes se relacionam para formar um espaço-mescla: A floresta amazônica é o pulmão do mundo. Podemos fazer a seguinte representação do enun- ciado, explicitando os espaços em relação: Como foi dito no início, o cognitivismo e o so- ciocognitivismo não são programas de pesquisa ou escolas teóricas fechadas, mas tendências variadas e representadas por diferentes autores. Outras no- ções e outros autores, como Eleanor Rosch, e a teoria dos protótipos, por exemplo, poderiam ter sido incluídos neste tópico, mas optamos por nos restringir aos temas de que tratamos até aqui. 5. sObrE O intEraciOnismO Em Linguística Como você facilmente perceberá, não é possível falar das diversas tendências ou modelos epistemo- lógicos vigentes em Linguística sem algum grau de sobreposição teórica. Assim como não é possível falar de cognitivismo sem de algum modo tocar em tendências que já foram tratadas sob o rótulo de funcionalismo, igualmente não será possível enfo- car os modelos interacionistas sem mencionar as abordagens cognitivistas com as quais eles, muitas vezes, estão relacionados. É importante frisar que não estamos tratando de escolas de pensamento ou teorias linguísticas em sentido restrito e, sim, dos fundamentos epistemológicos que embasam as correntes mais produtivas na Linguística contem- porânea. Para apresentarmos um panorama bastante geral sobre o interacionismo no campo linguístico, to- maremos como nossa principal fonte de informa- ção o ensaio de Morato (2004) sobre esse assunto. Para a autora, em um sentido mais amplo, pode- mos considerar como interacionistas disciplinas lingüísticas, como a Pragmática, a Sociolinguísti- ca, a Psicolinguística, a Semântica Enunciativa, a Análise da Conversação, a Linguística Textual e a Análise do Discurso, entre outras, uma vez que todas elas se caracterizam por uma reação contra o “psicologismo”, que dominava as ciências da lin- guagem até a segunda metade do século XX, além de que “se pautam por uma postura externalista a respeito da linguagem” (p. 312). Com o tempo, o interacionismo se afirmou como uma importante perspectiva para o estudo da lin- guagem e outros aspectos da vida humana, con- siderando-se que “toda ação humana procede da interação”. Para Morato (2004), isso significa que a Linguística cometeria um grave equívoco sempre que negligenciasse ou deixasse de considerar “que existe língua, porque existem falantes e que os fa- lantes existem em função das ações que os instam de várias maneiras e em diferentes níveis de exigên- cia a permanecer em relação a alguma coisa e na relação com alguma coisa” (p. 313). Entretanto, embora seja consenso que o interacio- nismo constitui uma abordagem central nos estu- dos da linguagem, não se pode dizer que haja uma compreensão única sobre o conceito nem que to- dos os pesquisadores querem dizer a mesma coisa quando se referem à interação e ao interacionismo. De acordo com Morato (2004, p. 315), “aquilo que chamamos algo genericamente de interacionismo parece ser de fato um mosaico de inteligibilidades e métodos”. Apesar da diversidade de pensamentos e teses de- fendidas, o interacionismo é marcado por ideias bastante características. Vejamos algumas: a) A noção de uso da língua como ação conjun- ta: a interação supõe a presença de indivíduos em ação, seja ela conflituosa ou cooperativa, de modo que o estudo do fenômeno permite indagar sobre a qualidade e as circunstâncias em que se dá o encontro dessas pessoas em variados contextos, práticas e situações. b) A interação é constitutiva do sentido, ou seja, o sentido é produto da interação, uma vez que precisamos do outro tanto para sabermos o que dizer como para construir o sentido do que dizemos. A interação, portanto, não é algo simplesmente externo à linguagem, mas é con- dição de sua realização. Espaço fonte 1 Floresta amazônica (parte) Mundo (todo) Espaço fonte 2 Pulmão(parte) Corpo humano (todo) Esquema imagético Árvores “respiram” gás carbônico e liberam oxigênio Pulmões respiram oxigênio e liberam gás carbônico Espaço-mescla A Amazônia é importante para o mundo, pois lhe oferece ar puro. Figura 3: Interacionismo Fo nt e: h tt p: // co nt ex to po lit ic o. bl og sp ot .c om /2 00 8/ 12 /a s- te or ia s- da -a o- so ci al -d e- w eb er -a o. ht m l 26 27Capítulo 2Capítulo 2 c) A noção de cognição situada: existe uma re- lação de interdependência entre ação e refle- xão. O contexto social, interacional, em que a atividade se desenvolve faz parte da própria atividade, não sendo apenas uma espécie de moldura para o seu desenrolar. Assim, “todo ato cognitivo deve ser visto como uma respos- ta específica para um conjunto de circunstân- cias” (MORATO, 2004, p. 327). Essas e outras ideias subjazem aos diversos enfoques que podem ser destacados como interacionistas. 6. dEstaquEs EntrE Os EnfOquEs intEraciOnistas A chamada Linguística Interacional considera como “material interativo” aspectos como as prá- ticas, estratégias e operações de linguagem, as di- nâmicas de trocas conversacionais, a comunicação verbal e não verbal, a construção de valores cultu- rais, as atividades referenciais e inferenciais reali- zadas pelos falantes e as normas pragmáticas que governam a utilização da linguagem, entre outros. Apesar da ênfase na ação conjunta, cabe dizer que monólogos, solilóquios e discurso interior tam- bém são considerados como interacionais. A linguista suíça Lorenza Mondada defende que o estudo interacional da linguagem deve conceder à interação “um papel constitutivo não apenas nas práticas dos falantes e das falantes como também na estruturação dos recursos linguísticos” (citada por Morato, 2004, p. 336). Esse estudo deve ser levado a sério a ponto de causar uma verdadeira redefinição metodológica nos procedimentos da Linguística. Para Mondada, o simples trabalho com dados transcritos da interação oral, por exem- plo, não significa que o pesquisador está fazendo Linguística Interacional. O pesquisador deveria ir além e mergulhar mesmo na vida dos sujeitos pesquisados e interagir com o objeto de sua pes- quisa. De acordo com a pesquisadora suíça, quatro tendências atuais favorecem o crescimento dessa forma de fazer linguística: a) o surgimento de gramáticas do uso oral; b) o estabelecimento de corpora (conjuntos de dados) orais autênticos e sociolinguisticamen- te diversificados; c) o interesse de correntes, como a Sociolinguís- tica Interacional, a Pragmática e a Análise do Discurso pela interação verbal; d) a difusão de uma Análise da Conversação de inspiração etnometodológica. O sociointeracionismo ou interacionismo socio- cultural derivado de Lev Vygotsky, por sua vez, se concentrou no desenvolvimento da cognição, com base na interação social por meio da linguagem. Para Morato (2004), temas, como a construção da referência, os processos meta, o discurso interior, a indeterminação semântica, o contexto pragmáti- co das operações cognitivas e a reflexividade, entre outros, foram dinamizados na Linguística, a partir de uma herança dos trabalhos de Vygotsky sobre a cognição humana. Para Vygotsky, o pensamento é mediado tanto ex- ternamente pelos signos linguísticos como interna- mente pelos sentidos. A linguagem é uma forma privilegiada de cognição, que se realiza de duas ma- neiras: primeiro, é por meio da linguagem que a criança experimenta o processo de internalização, pelo qual passa da condição de interpretada pelo discurso do outro (os pais, por exemplo) para intér- prete das pessoas e das coisas no mundo. Em segundo lugar, e consequentemente, no pro- cesso de internalização, a linguagem exerce uma função organizadora que emerge na relação entre fala e ação. Isso determina toda uma transforma- ção cognitiva na criança. Conforme Vygotsky: Uma vez que as crianças aprendem a usar efetivamente a função planejadora de sua linguagem, o seu campo psico- lógico muda radicalmente. Uma visão do futuro é, agora, parte integrante de suas abordagens ao ambiente imedia- to... com a ajuda da fala, as crianças adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu próprio comporta- mento (citado por MORATO, 2004, p. 325). Como se pode perceber, em Vygotsky, interação e cognição são fenômenos intrinsecamente relacio- nados, o que também é um aspecto muito presente em várias correntes linguísticas contemporâneas. Relacionada com o nome do pensador russo Mi- khail Bakhtin, verificamos, na Linguística de hoje, “uma teoria social forte aplicada ao entendimento da noção de interação” com grande influência em vários domínios. A interação verbal ocupa, para Bakhtin, um lugar central no funcionamento das relações sociais, apresentando-se mesmo com a “realidade fundamental da língua”. Na leitura que Geraldi (citado por Morato) faz de Bakhtin, “os sujeitos se constituem como tais, à medida que in- teragem com os outros” (2004, p. 331). Essa intera- ção acontece em um contexto social e histórico, de modo que interação verbal e interação social estão necessariamente ligadas. A concepção de interação em Bakhtin se relaciona com a noção de dialogis- mo como característica da linguagem humana. Dito de outra forma, a interação tem um lugar central na linguagem, porque esta é inerentemente dialógica: o outro sempre está presente no discurso de um determinado falante, ainda que se trate de um monólogo ou do chamado discurso interior. 7. O (sOciO)intEraciOnismO E Os EstudOs dO tExtO nO brasiL Ainda seguindo o estudo de Morato (2004) so- bre o interacionismo, destacaremos, nessa seção, o impacto dessa abordagem sobre a pesquisa em Linguística no Brasil. Apesar de reconhecermos igualmente uma grande diversidade desses estu- dos no país, com muitos representantes de valor e com abordagens muito variadas que podem ser classificadas como interacionistas, concordamos com Morato (2004) em destacar aqueles que são os dois linguistas, cujo trabalho representa um marco indiscutível nos estudos do texto falado e escrito no Brasil. Ao destacar o trabalho de Luiz Antonio Marcuschi e Ingedore Grünfeld Villaça Koch, faze- mos igualmente a opção de enfatizar os estudos do texto em especial, embora a pesquisa interacionista possa legitimamente seguir, e de fato siga, outros rumos além deste. Marcuschi e Koch se alinham com uma “aborda- gem interacionista de base sociocognitiva” (MO- RATO, 2004, p. 338), por meio da qual têm-se dedicado ao estudo da conversação face a face, da textualidade, do processamento textual, da referen- ciação, da construção dos objetos de discurso, dos processos de compreensão, da metáfora e da rela- ção entre sentido literal – não literal, entre outros temas. A partir dessa perspectiva, Marcuschi identifica como percurso produtivo para a Linguística “o ca- minho que vai do código para a cognição”, enten- dido como um percurso em que “o conhecimento seja um produto das interações sociais e não de uma mente isolada e individual”. Nessa inter-rela- ção entre interação e cognição, esta “passa a ser vista como uma construção social e não individu- al, de modo que para uma boa teoria da cognição precisamos, além de uma teoria linguística, tam- bém de uma teoria social” (MARCUSCHI, 2003, p. 45). Operando com um conceito de língua como ati- vidade sociointerativa situada e não como mero sistema de formas ou como simples código, Mar- cuschi defende que é “na interação (seja com um texto ou um outro indivíduo) que emergem os sen- tidos numa espécie de ação coletiva”. Essa perspec- tiva adotada por Marcuschi se reflete não só em seus trabalhos mas também em muitos outros que
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