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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL História da Educação no Brasil Capítulo 1: Renascimento Cultural ..... 7 Objetivos da sua aprendizagem ........................ 7 Você se lembra? ........................................................ 7 1.1 Renascimento e Educação ...................................... 10 1.2 Reforma e Contra-Reforma .......................................... 17 1.3 Brasil: Colonização e Catequese ...................................... 22 1.4 A Participação da Igreja na Ordem Colonial .......................... 23 1.5 A Educação Jesuítica No Brasil .................................................. 24 1.6 Atividades ........................................................................................ 28 Reflexão ....................................................................................... ............. 29 Leitura Recomendada .................................................................................... 29 Referências ...................................................................................................... 29 No próximo capítulo ........................................................................................... 30 Capítulo 2: Século XVIII: O Século das Luzes ................................................. 31 Objetivos da sua aprendizagem ................................................................................ 31 Você se lembra? ......................................................................................................... 31 2.1 As Ideias Iluministas ............................................................................................ 32 2.2 Iluminismo e Educação ....................................................................................... 33 2.3 O Brasil Na Era Pombalina .................................................................................... 41 2.4 A administração pombalina ..................................................................................... 43 2.5 As Reformas Pombalinas e a Educação .................................................................. 44 2.6 Atividades .............................................................................................................. . 47 Reflexão ....................................................................................................................... 48 Leitura Recomendada .................................................................................................. 49 Referências ................................................................................................................ 49 No próximo capítulo ............................................................................................... 50 Capítulo 3: Brasil: de Colônia a Império ......................................................... 51 Objetivos da sua aprendizagem ........................................................................ 51 Você se lembra? ............................................................................................ 51 3.1 Brasil: de Colônia a Império ............................................................ 53 3.2 A Crise do Sistema Colonial ......................................................... 54 3.3 A Educação Brasileira Durante o Império ................................. 59 3.4 A Educação Feminina ............................................................ 63 3.5 Reflexões Pedagógicas no Final de Século XIX .............. 63 A contribuição das ciências ................................................ 66 3.6 A Expansão do Ensino ............................................ 67 3.7 John Dewey (1859 – 1952) ..................................................................................... 70 3.8 Maria Montessori (1870 – 1952) ............................................................................ 73 3.9 Ovide Decroly (1971-1932) ..................................................................................... 75 3.10 Célestin Freinet ..................................................................................................... 77 3.11 Teorias Construtivistas .......................................................................................... 79 3.12 Atividades .............................................................................................................. 85 Reflexão ................................................................................................................... ...... 86 Leitura recomendada ...................................................................................................... 88 Referências ................................................................................................................ ..... 88 No próximo capítulo ...................................................................................................... 90 Capítulo 4: A Educação Brasileira no Século XX ..................................................... 91 Objetivos da sua aprendizagem ...................................................................................... 91 Você se lembra? .............................................................................................................. 91 4.1 O Fim da Monarquia ............................................................................................... 93 4.2 A escola Nova no Brasil ......................................................................................... 100 4.3 Anísio Teixeira ...................................................................................................... 104 4.4 Reforma Francisco Campos ................................................................................... 110 4.5 Reforma Gustavo Capanema ..................................................................................111 4.6 Educação infantil e assistencialismo ..................................................................... 112 4.7 Atividades ............................................................................................................. 115 Reflexão .................................................................................................................... .... 116 Leituras recomendadas .................................................................................................. 116 Referências .............................................................................................................. ..... 117 No próximo capítulo ..................................................................................................... 120 Capítulo 5: A Educação no Brasil Contemporâneo ................................................ 121 Objetivos da sua aprendizagem .................................................................................... 121 Você se lembra? ............................................................................................................ 121 5.1 Ensino Profissional no Brasil ................................................................................. 123 5.2 Lei de Diretrizes e Bases, de 1961 ......................................................................... 123 5.3 Paulo Freire (1921 – 1997) ................................................................................... 124 5.4 Movimentos de educação popular ........................................................................ 126 5.5 O Regime Militar .................................................................................................. 127 5.6 A Constituição de1988 ......................................................................................... 132 5.7 A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/1996) ........ 133 5.8 Atividade .............................................................................................................. . 135 Reflexão .......................................................................................................... ............. 135 Leituras recomendadas .................................................................................................. 137 Referências .................................................................................................... ............... 137 Prezados(as) alunos(as) Atualmente, os “modismos” estão presentes em muitos aspectos da vida cotidiana, e a educação não fica fora desse contexto. Há uma inflação de novidades, de novos métodos, de técnicas, de teorias, de reformas e de tecnologias. É exatamente nesse momento que o conhecimento histórico conquista relevância. Para sabermos olhar com atenção e, até mesmo, certo ceticismo para as novidades que aparecem todos os dias, a História da Educação no Brasil é um instrumento bastante eficaz, evita a agitação causada por tudo que se mostra inovador e, o mais importante, promove a consci- ência crítica. Atualmente, o estudo dessa disciplina ocupa um papel significativo, uma vez que contribuí para a formação do professor crítico e reflexivo, amplamente discutido na literatura pedagógica, for- necendo além do acesso ao conhecimento historicamente organizado, a capacidade de estabelecer relações entre esses conhecimentos e a rea- lidade educativa, detectando seus condicionantes e suas racionalidades. Diante disso, vamos estudar o processo através do qual se configuraram as relações atuais entre educação, tecnologia e sociedade, apresentar, discutir e analisar um conjunto de conhecimentos específicos dessas áreas, bem como aqueles que integram tais campos de estudo. Porém, longe de esboçarmos uma sequencia de aquisições de conhecimentos e formas de ensino, nosso desejo aqui é indicar que a História da Educação no Brasil vem percorrendo caminhos múltiplos e complexos, que se entrecruzam e se bifurcam, afastando a ideia de que a educação traz consigo verdades, certezas e respostas inabaláveis. A história da educação que estudaremos aqui anseia, de forma interdisciplinar, abrir caminho para você, conduzindo-o à compreensão da educação, das intervenções contemporâneas nessa área e, também, à autonomia nos estudos e na pesquisa. Conhecer o passado é uma forma de escolher e transformar nosso futuro. Vamos? Profa. Dra. Karen Fernanda da Silva Bortoloti Renascimento Cultural Renascimento, ou Renascença como preferem alguns historiadores, foi o desen- volvimento de uma cultura que deixava para traz o domínio imposto pela Igreja Católica durante o período medieval e que tinha um caráter predomi- nantemente humanista, ou seja, colocava novamente o homem e suas obras no centro das atenções. Objetivos da sua aprendizagem • Identificar o que foi o Renascimento cultural. • Entender qual foi a contribuição desse retorno da cultura grecoromana para o Ocidente. • Informar-se como ficou a educação a partir dessa transformação. • Refletir sobre o “nascimento da infância”. • Entender o que é Reforma Protestante e Contra-Reforma Católica. • Compreender como nasceu a Companhia de Jesus e como tomou a liderança da educação, em especial a Ibérica. • Informar-se sobre o método de ensino dos jesuítas. Você se lembra? Você se lembra que uma característica que define bem o Renascimento é o individualismo em oposição ao coletivismo medieval? Que a partir desse momento o indivíduo deveria buscar sozinho a satisfação de seus desejos? Que nesse período ocorre o “nascimento da infância”? Renascimento Cultural – Capítulo 1 9 o retorno da anatomia e das experiências de uma forma geral. Os renascentistas preocupavam-se com a vida, não queriam mais contemplar a morte à espera da vida eterna. O homem do renascimento tinha plena consciência de que saber era poder, pois o conhecimento possibilitava descobrir, inventar e produzir. Assim, uma característica que define bem o Renascimento é o individualismo em oposição ao coletivismo medieval, a partir desse momento o indivíduo deveria buscar sozinho a satisfação de seus desejos. Geograficamente, o Renascimento cultural teve início na Península Itálica, região onde hoje está localizada a Itália, isso ocorreu principal- Dizemos Renascimento porque foi nessa época que o racionalismo proposto pela cultura clássica gre - co-romana foi revalorizado, o homem não queria mais ver tudo através dos olhos de Deus, queria retomar a direção de sua vida. A noção de pecado foi minimizada e a moralidade redefinida, o corpo, por exemplo, não foi mais visto como algo sagrado e inviolável, favorecendo Conexão: www.historiadaarte. com.br/renascimento História da Educação no Brasil 10 Renascimento Cultural – Capítulo 1 mente porque foi nessa localidade que o comércio e a vida urbana retomaram sua importância com maior intensidade no final do período medieval. Profundas mudanças ocorreram na Europa entre o final da Idade Média e o início da Idade Moderna, a intensificação da vida urbana, da economia e do comércio, o enriquecimento da burguesia e o fortalecimento do poder dos monarcas, com a centralização do poder político. Esse foi também o período das grandes navegações, da elaboração das novas técnicas de exploração agrícola e mineral, da difusão do uso da arma de fogo, da imprensa, de novos tipos de papel e de tintas, do desenvolvimento da matemática, da geometria, da cartografia e da medicina. Essas mudanças despertaram, como não poderia deixar de ser, novas ideias a respeito da natureza e do ser humano. Pensadores, denominados humanistas, acreditavam que o homem, com a educação adequada, seria capaz de dominar o seu destino, controlar e transformar a natureza. Essa nova concepção de mundo, chamada de Antropocêntrica, se opunha aos valores medievais, atribuindo ao homem, e não mais à vontade de Deus, a responsabilidade por suas conquistas e fracassos. Os pensadores desse período não se limitaram em fazer renascer os textos greco-romanos, buscaram também melhorar a sociedade em que viviam, o inglês Thomas Morus, por exemplo, imaginou, em sua obra Utopia (1516), uma sociedade ideal baseada na igualdade e na tolerância. O holandês Erasmo de Rotterdam criticou os costumes e os abusos da Igreja Católica em seu livro Elogio da Loucura (1511). O italiano Nicolau Maquiavel, na sua obra O Príncipe (1513), estudou como se toma, se conserva e se perde o poder. O francês Rabelais, em seus livros Pantagruel (1532) e Gargântua (1534), defendeu a ideia de que os homens deviam se guiar apenas pelas leis da natureza. O que devemos ressaltar, ainda, é que os humanistas, mesmo discordando e criticando a Igreja Católica, não eram ateus, mas cristãos que desejavam reinterpretar as mensagens bíblicas, porém, muitos deles foram perseguidos ou condenados por suas ideias. Renascimento Cultural – Capítulo 1 11 Humanista: erudito dos séculos XV e XVI, conhecedor das línguas e literaturas antigas, consideradas, então, fundamentais para o conhecimento do ser humano. 1.1 Renascimento e Educação Erroneamente, alguns estudiosos negligenciam a importânciadada pelo Renascimento à educação. Durante esse período ocorreu também uma virada na história da educação e da pedagogia, graças aos ideais antropológicos, dos quais a educação se tornou expressão, e às novas exigências didáticas que colocou em circulação. Deve ser concedido a ele o método de atribuir grande importância no plano didático aos jogos e à educação física, no âmbito de uma revalorização, depois de decidida negação medieval do mundo físico e natural, e mais ainda de descobrir a infância, o valor da vida infantil, da sua especificidade e de assegurar-lhe um lugar não secundário no quadro do mais amplo contexto social. (CAMBI, 1999, p. 226). O homem renascentista tinha muita vontade de romper com as contradições do passado religioso, e essa vontade também pode ser observada na educação. A educação buscava bases não religiosas, a fim de se tornar instrumento adequado para a transmissão dos valores burgueses. Essa educação leiga conduziria o aluno na busca de sua verdade através do uso da razão. A formação intelectual começou a ser valorizada e a burguesia, a mais nova camada social, exigia uma ligação do ensino com as práticas cotidianas. Na região das atuais Itália e Alemanha, surgiram escolas com o objetivo específico de formar os futuros criadores das artes e da ciência. O conhecimento religioso imposto durante a Idade Média perdera parte de sua força e fora superado pelo racionalismo. As universidades, que conservavam suas características medievais e que tardaram a ser penetradas pelo espírito humanista, foram substituídas pelas Academias, que permitiam um estudo livre e desinteressado. Todavia, ainda que fosse grande produção intelectual no Renascimento, não havia propriamente uma filosofia específica da educação, mas sim fragmentos de reflexão pedagógica como parte de uma reflexão filosófica mais ampla. Os teóricos renascentistas apresentaram algumas ponderações pedagógicas que merecem a nossa atenção por mostrarem os caminhos que eram propostos para a educação das crianças. Com o Renascimento, ao contrário do que ocorria durante a Idade Média, há uma maior preocupação dos adultos com as crianças, História da Educação no Brasil 12 preocupação essa que se refletirá na elaboração de concepções analíticas, de teorias sobre o desenvolvimento infantil, o fortalecimento do colégio, lugar social que presencia essa transformação, o mundo da infância separa- se, definitivamente, do mundo adulto. Os colégios que na Idade Média, eram apenas alojamentos para jovens estudantes das universidades européias, passarão a significar, no mundo moderno, uma racionalidade institucional extremamente sincronizada a uma dada concepção especificamente moderna de infância e de adolescência, de tempo e de espaço escolar. ( BOTO, 2002, p. 25). O Renascimento Cultural, além disso, foi responsável pelo surgimento de expressões para designar a infância, mas sem distinção entre as maiores e as menores. Nos colégios, expressões como puer e adolescens eram empregadas indistintamente, pois se, por um lado, já havia uma preocupação e um vocabulário para a primeira infância, por outro, não havia a ideia do que hoje chamamos de adolescência, só se saía da infância quando se saía da dependência. (ARIÈS, 1981). A longa duração da infância, tal como aparecia na língua comum, provinha da indiferença que se sentia então pelos fenômenos propriamente biológicos: ninguém teria a ideia de limitar a infância pela puberdade. A ideia de infância estava ligada a ideia de dependência: as palavras fils, valets e garçons eram também palavras do vocabulário das relações feudais e senhoriais de dependência. Só se saía da infância ao se sair da dependência, ou ao menos, dos graus mais baixos de dependência. (ARIÈS, 1981, p. 42). Renascimento Cultural – Capítulo 1 13 1.1.1 Juan Luis Vives (1492-1540) Apesar dos pensadores desse período não desenvolverem tratados que podemos denominar exatamente pedagógicos, como já destacado anteriormente, o espanhol Juan Luís Vives (1392-1540), contrariando essa tendência, desenvolveu uma obra mais sistemática sobre a transmissão do conhecimento, cujo principal produto é o Tratado do ensino. Nessa vasta obra, recomendava o cuidado com o corpo e a atenção com o aspecto psicológico no ensino. Reconhecia a importância da observação dos fatos e a ação como meio de aprendizagem. Além disso, ao lado do latim, insistia na necessidade do adequado estudo da língua materna. Para esse autor renascentista o objetivo da educação deveria ser conduzir o homem à claridade intelectual. Esse propósito seria alcançado quando o homem se preocupasse com a busca da sabedoria. Somente a razão poderia proporcionar o conhecimento, ou seja, a razão deveria dirigir e orientar a observação através dos sentidos. Vives, sustentava, ainda, que o conhecimento é propriedade comum, do qual todos os homens compartilham livremente, e que devem utilizar para o bem de todos, contrariando o ideal burguês de propriedade privada. O pensador espanhol valorizava o que hoje chamamos de Psicologia da educação, pois destacava a necessidade de estudar a mente das crianças para adaptar a ela os conteúdos culturais a serem aprendidos. “No terreno da organização da escola, entretanto, Vives é bem menos original e se inspira fundamentalmente em Quintiliano e na tradição humanística”. ( CAMBI, 1999, p. 265). História da Educação no Brasil 14 1.1.2 Erasmo De Rotterdam (1466-1536) O holandês Erasmo de Rotterdam foi, sem dúvida, uma figura bastante influente na reforma do processo educacional no século XVI. O príncipe dos humanistas afirmava, primeiramente, que seu objetivo era retirar os jovens da estagnação da ignorância, opondo-se tanto ao método da escolástica, seguido em todas as escolas da Europa, e a esterilidade das aulas, como também, e de maneira especial, à brutalidade da disciplina coercitiva. O humanista voltou suas atenções para as crianças especialmente na obra Sobre o ensino de boas maneiras para crianças, apresentando soluções para problemas do cotidiano infantil que ainda era misterioso para os adultos, problemas para os quais todos os jovens deveriam estar preparados para educados. poder viver humanisticamente. Para Erasmo de Rotterdam o mestre deveria levar o aluno a ler e não limitá-lo a decorar regras de gramática, levá-lo a gostar de literatura clássica, exercitá-lo pelo ditado e pela composição. O bom mestre deveria estar aberto para as aptidões dos educandos e temperar os esforços pedagógicos. O processo educativo é compreendido de maneira positiva, pois, segundo Erasmo, cultiva a razão e afirma a humanidade do homem, para tanto, os métodos deveriam estar de acordo com esses objetivos. Erasmo defendia o respeito ao amadurecimento da criança e por isso criticava a educação vigente, excessivamente severa. Recomendava o cuidado com a graduação do ensino e o abandono das práticas de castigos corporais. Ao contrário, seria bom mesmo que as crianças aprendessem se divertindo, sem a preocupação com resultados imediatos. (ARANHA, 2006, p. 133). Os homens não são gerados, e sim Renascimento Cultural – Capítulo 1 15 1.1.3 François Rabelais (1495-1553) Um dos principais pensadores do humanismo e crítico das tradições medievais, o francês François Rabelais também direcionou suas críticas ao processo educativo, algo muito significativo em um período de reestruturação da compreensão do mundo pelos homens. Apesar de não escrever uma obra detidamente pedagógica, seu monumental livro Gargantae Pantacruel apresenta uma clara sátira à escolástica, forma ainda predominante em seu tempo. A ênfase das críticas estava em combater a prática de centrar o processo educativo na memorização e a explicação de textos considerados ortodoxos, O riso é próprio do homem. saberes abstratos e, até mesmo, dogmáticos que deveriam ser substituídos por conhecimentos livres e articulados com atividades físicas, quase uma reaproximação da Paideia grega. Propõe, portanto, uma educação humanista caracterizada pelos estudos clássicos e pelos jogos e atividades físicas, contrária ao saber abstrato. Ao iniciar a sua educação, o preceptor de Gargantua deu-lhe de beber o liquido de uma planta chamada heléboro para que esquecesse tudo o quanto havia aprendido com os seus antigos preceptores. Nessa passagem, Rabelais quer simbolizar a necessidade de expurgar toda a lembrança da tradição para o ensino ser mais bem aproveitado. (ARANHA, 2006, p. 133). Para esse pensador renascentista, as atividades lúdicas e as relações livres com as crianças possibilitariam as trocas de conhecimentos descomprometidos com a obrigatoriedade escolástica. A influência de Gargantua e Pantacruel foi imediata e duradoura sobre as práticas educacionais vigentes. François Rebelais representa a corrente enciclopédica do Renascimento que buscava resgatar o saber greco-romano com igual cuidado pelos recentes estudos da ciência que então nascia. Em quase todos os seus trabalhos deixa clara a necessidade de se eliminar toda a lembrança da tradição para o novo ensino ser mais bem aproveitado História da Educação no Brasil 16 criticando o ensino livresco e estimulando a educação do corpo e do espírito. Ao contrário dos que o acusam de imoralidade, defendia uma ética de acordo com as exigências da natureza e da vida, por isso mesmo devia-se aprender com alegria, porque “o riso é próprio do homem”. Embora tivesse uma sede insaciável de conhecimentos e recomendasse uma aprendizagem enciclopédica, criticava o ensino livresco e estimulava a educação do corpo e do espírito. Ao contrário dos que o acusavam de imoralidade, defendia uma ética de acordo com as exigências da natureza e da vida, por isso mesmo devia-se aprender com alegria. (ARANHA, 2006, p. 133). 1.1.4 Montaigne (1533-1592) Assim como seus contemporâneos, o francês Michel de Montaigne criticava tanto as escolas, os mestres e os métodos de ensino como o programa de estudos. Montaigne também não produziu uma obra especificamente pedagógica, todavia em seu Ensaio dedicou algumas passagens à educação. Criticava o ensino livresco e o pedantismo dos sábios, valorizando a educação integral e elogiando o pai por ter sabido escolher preceptores para educá-lo com docilidade e sem castigos. Em suas obras insistia na inutilidade dos castigos físicos, o ensino deveria centrar-se no cultivo do caráter para o qual a melhor escola é a própria vida. As atividades físicas seriam igualmente importantes para o desenvolvimento físico e intelectual das crianças. O processo educativo incluiria elementos literários buscados na tradição grego-latina. Para Montaigne, a vida seria uma procura a partir da ignorância. Ao contrário do que muitos imaginam, esse pensador do renascentista voltou seu olhar para as crianças, polemizando contra as imposições que eram feitas as crianças, que impediam o desenvolvimento da razão e da consciência (MARZ, 1987, p.58). Criticava, portanto, o brutal estilo de educação que existira até então exigindo cuidado e bondade para com as crianças para despertar o amor e o prazer pela escola e pelos estudos. No conjunto, ainda que Montaigne não elabore – como foi dito – um verdadeiro sistema de pensamento pedagógico, apresenta algumas felizes intuições que antecipam elementos próprios da pedagogia Renascimento Cultural – Capítulo 1 17 moderna e contemporânea. O seu reconhecimento dos limites da onipotência cognoscitiva do homem inaugura a segunda fase do humanismo renascentista, abrindo caminho para o racionalismo de Descartes, e suas intuições sobre o método educativo são hoje patrimônio da mais avançada pesquisa psicopedagógica sobre o ensino/aprendizagem. Não se deve todavia esquecer que do conjunto de sua obra emerge uma proposta para a qual a cultura é aristocraticamente entendida como patrimônio privilegiado de uma elite intelectual. (CAMBI, 1999, p. 270). 1.1.5 O Nascimento dos Colégios Durante o período renascentista assistimos a um importante passo para a educação da criança e a organização do sistema educacional, o nascimento do colégio. O interesse pela educação é manifestado principalmente pela proliferação de colégios e manuais para alunos e professores. Educar torna-se uma exigência devido à nova concepção de ser humano. Enquanto os nobres continuavam a educar seus filhos em casa com preceptores, a burguesia, também querendo educar seus filhos, os encaminhavam para a escola com o objetivo de melhor prepará-los para a liderança e administração da política e dos negócios. Já os interesses pela educação da maioria da população, não eram levados em conta, restringindo-se à aprendizagem de ofícios. O aparecimento dos colégios, do século XVI até o XVIII, foi um fenômeno correlato ao surgimento da nova imagem da família e da infância. Na Idade Média misturavam-se adultos e crianças de várias idades na mesma classe, sem uma organização maior que os separasse em graus de aprendizagem. Foi a partir do Renascimento que esses cuidados começaram a ser tomados, assumindo contornos mais nítidos apenas no século XVII. (ARIÈS, 1981): a escola se racionaliza e se laiciza, torna-se um instrumento cada vez mais central na vida do Estado (e também da sociedade civil) e, portanto, cada vez mais submetida ao controle e à planificação por Conexão: Shakespeare apai xonado (John Madden, 1998) História da Educação no Brasil 18 parte do poder público; processo que exalta sua função e difunde sua ideologia, ligada à produtividade social da educação-instrução. (CAMBI, 1999, p.308). A revolução copernicana e as ciências no renascimento: Nas universidades medievais, era ensinada a ideia tradicional do grego Ptolomeu, que dizia que a Terra está no centro do universo. Acreditava-se que o Sol, a Lua, os planetas e as estrelas giravam em torno da Terra. A Igreja apoiava essa teoria geocêntrica, afirmando que ela se baseava em passagens da Bíblia. Mas o astrônomo polonês Nicolau Copérnico observou o céu noturno a olho nu, executou cálculos e chegou à conclusão de que a Terra era um humilde planeta girando em torno do Sol. A teoria heliocêntrica de Copérnico representou uma revolução extraordinária no conhecimento humano. A Europa descobria que a Terra não estava no centro do universo e que a Igreja Católica não era infalível na hora de falar sobre a natureza. A obra de Copérnico foi um sucesso total entre os astrônomos renascentistas. Mas a Igreja sentiu sua autoridade intelectual desafiada e proibiu que se apoiassem as teorias heliocêntricas. As novas ideias sobre a natureza e as necessidades econômicas da burguesia deram partida para a grande era de descobertas e invenções. Na Matemática, o italiano Cardano criou os números negativos, ou seja, menores do que zero. O holandês Stevin mostrou que as frações podem ser escritas com números decimais. Na Física a grande revolução iria acontecer no finas do Renascimento, graças às grandiosas obras, como já destacamos, do polonês Copérnico e do italiano Galileu. A Química ainda não existia como ciência. O que havia era a alquimia, que misturavacuriosidade científica com misticismo. Os alquimistas descobriram coisas importantes como fazer alguns ácidos e tipos de álcool. Mas também perderam muito tempo procurando a pedra filosofal, que será capaz de transformar qualquer metal em ouro. No século XV foram inventadas máquinas importantes, como a alavanca de rosca. Outras invenções foram também a máquina de fabricar parafusos de metal e o torno mecânico movido com o pé por um sistema de correias de transmissão, que permitia fazer peças e objetos cilíndricos. Renascimento Cultural – Capítulo 1 19 1.2 Reforma e Contra-Reforma Entre 1526 e 1529, Martinho Lutero organizou sua nova doutrina religiosa: o luteranismo. Apoiou-se na frase de São Paulo: “pela fé sereis salvo”, para disseminar a ideia de que a salvação não dependia das indulgências nem das confissões. Ao traduzir a bíblia, Lutero e seus seguidores pretendiam que o povo tivesse acesso direto aos ensinamentos bíblicos sem o intermédio da Igreja Católica. Rejeitou, dessa forma, o clero católico e negou a infalibilidade do papa. Conservou apenas dois sacramentos: o batismo e a eucaristia. Estabeleceu a simplicidade na cerimônia religiosa, que poderia ser dirigida por um pastor e limitar-se à leitura da bíblia, às orações, aos sermões e aos hinos. O luteranismo se difundiu para a Suíça, França, Dinamarca, Noruega e Hungria. Na Suíça o luteranismo foi defendido pelo francês João Calvino, que, acrescentando-lhe suas ideias, deu origem a uma outra doutrina protestante, o Calvinismo. Calvino defendia a predestinação, acreditava que algumas pessoas já estavam escolhidas por Deus para serem salvas. Na Inglaterra, em 1534, o rei Henrique VIII rompeu com a Igreja Católica, fundando o Anglicanismo. Essa ruptura aconteceu em represália à recusa do papa ao pedido de divórcio que o rei lhe fizera. O monarca inglês passou a ser também a autoridade suprema da Igreja Anglicana. O catolicismo não era mais o único representante da doutrina cristã na Europa Ocidental. No momento em que a Reforma Protestante mostrou que realmente era capaz de ameaçar o poder estabelecido pela Igreja católica e que além de religioso o movimento também era político e cultural, a Igreja movimentou-se buscando maneiras de perpetuar sua força. Como destaca franco Cambi, o movimento protestante, bem como a reação da Igreja Católica, assumiu desde o início importante significado educativo. Podemos afirmar que, com a Reforma Protestante e a vontade de livre interpretação das Sagradas Escrituras, ganhou destaque o direito de todas as pessoas ao estudo, a pelo menos no seu grau elementar, lançandose as bases da construção do conceito de formação, não estando mais o indivíduo condicionado por uma relação mediata de qualquer autoridade com a verdade e com Deus. O modelo educacional efetivamente proposto pelos reformadores era semelhante ao modelo História da Educação no Brasil 20 humanístico, baseado na prioridade das línguas, as antigas e a nacional, e na centralidade da educação gramatical. A escola deveria ser organizada em quatro setores: o das línguas, o das obras literárias, o das ciências e das artes e o da jurisprudência e da medicina. O aprendizado de um ofício não era deixado de lado, unindo estudo e trabalho. Os colégios deveriam ser locais agradáveis e dotados de boas e bem organizadas bibliotecas. O mestre deveria equilibrar amor e severidade, sem punições excessivas para que o estudo tivesse uma finalidade e uma motivação precisa. Graças à estrita colaboração entre a nova Igreja reformada e as autoridades civis, sobretudo as da Saxônia, efetuou-se primeiro uma reorganização das escolas municipais e, sucessivamente, chega-se a fundar algumas escolas secundárias financiadas e controladas pelo Estado. Nascem assim os ginásios, que são o primeiro e mais duradouro núcleo da escola nacional alemã. Mais lento, porém, é o desenvolvimento das escolas populares, o que não dá razão àqueles que atribuem a Lutero o mérito de haver dado início à moderna escola popular. (CAMBI, 1999, p. 250). Os reformadores conseguiram, assim, fundir-se à obra de renovação cultural que naquele momento interessava a maioria, pois não podemos esquecer que os ideais propostos pelo Renascimento estavam em ebulição. Diante das propostas apresentadas pelos reformadores, os membros da Igreja Católica, no Concílio de Tentro, também buscaram soluções para os problemas enfrentados naquele momento. Apesar de não abordarem efetivamente a questão educacional, a Igreja, ao estimular a criação de ordens religiosas para formação de seus novos quadros, favorecia o caminho pedagógico, pois essas novas ordens deveriam repensar seus métodos de instrução e atingir um número maior de alunos, pois a Igreja Católica necessitava ampliar seu número de fiéis. A ordem religiosa fundada nesse contexto histórico que maior destaque alcançou no campo educacional, como veremos, foi a Companhia de Jesus e os princípios organizados por Inácio de Loyola nortearam boa parte da educação Européia e do Novo Mundo por mais de dois séculos. 1.2.1 Martinho Lutero (1483-1546) Além de propor a criação de uma nova religião, mais livre e menos dogmática, Martinho Lutero (1483-1546) também voltou suas atenções para a educação das crianças e jovens, que seriam os responsáveis pela propagação e manutenção de sua Igreja. Para Lutero a estabilidade da Renascimento Cultural – Capítulo 1 21 nova Igreja e da nova ordem espiritual dependia da capacidade das crianças compreenderem as sagradas Escrituras, o que se conseguiria através de uma boa educação. Dessa forma, a Igreja, juntamente com o Estado, deveria assumir a obra educativa. O reformador propunha um plano de ensino que englobasse o estudo da língua materna, História, canto, música, matemática, ressaltando sempre a eficácia dos professores bem formados. As escolas, para atingirem os objetivos propostos, seriam mantidas por patrimônios e dotadas, sempre, de boas bibliotecas. O aluno deveria passar parte do dia na escola e o restante trabalhando em casa ou aprendendo uma profissão, os estudos precisariam, segundo Lutero, ser completados pelo trabalho. O reformado não aprovava, em nenhum caso, o uso dos castigos físicos e a memorização de conteúdos, práticas comuns nesse período histórico. 1.2.2 O Nascimento da Companhia de Jesus Em meio às transformações históricas acarretadas pela Renascimento Cultural, pela Reforma Protestante e pela Contra-reforma Católica, vemos surgir inúmeras ordens religiosas, com maior destaque para a Companhia de Jesus, fundada em 1540 pelo ex-militar espanhol Inácio de Loyola. A Companhia de Jesus tinha como objetivos iniciais a propagação missionária da fé católica, pois os jesuítas não viveriam na clausura e a luta contra os infiéis e os heréticos. Com a expansão territorial ibérica e a necessidade da propagação da fé católica entre os que a desconheciam rapidamente os jesuítas, organizados como verdadeiro exército, espalharam-se pelo mundo desde a Europa até á Ásia, a África e a América. Ao fundarem a Companhia de Jesus Inácio de Loyola e seus companheiros não cogitavam trabalhar em colégios, imaginavam-se peregrinos missionando em regiões onde o Papa os enviasse. Foi a preocupação em dar uma formação sólida e de acordo com os preceitos da Conexão: http://www.scielo. br/pdf/ep/v33n1/ a11v33n1.pdf Conexão: http://www.histedbr. fae.unicamp.br/revista/ edicoes/30/art18_30. pdf História da Educação no Brasil 22 Ordem que fez os jesuítas enveredarem para o caminho educacional. Ospadres e irmãos da Ordem sabiam que os novos membros deveriam receber uma formação em que os conteúdos fossem rigorosamente selecionados, para serem capazes de trabalhar pela expansão da fé aos hereges e pagãos do Novo Mundo. Assim, fundaram colégios e seminários que rapidamente foram abertos para àqueles que desejavam uma boa educação e não apenas o caminho religioso. O Ratio Studiorum Com a rápida expansão dos colégios pelas mais diversas localidades, os jesuítas perceberam que seria prudente organizar um meio de fazer com que todas as unidades de ensino atuassem de uma forma semelhante, que adotassem os mesmos critérios de administração, organização do conteúdo a ser trabalhado, a maneira de atuar do corpo docente e a disciplina dos estudantes. Para a organização desse plano de trabalho, os jesuítas, a partir de observações diretas em seus colégios, começaram a redigir o plano de ensino que nortearia todo o trabalho pedagógico da Companhia de Jesus. O resultado das experiências regularmente analisadas adquiriu forma definitiva no documento Ratio Studiorum, publicado em 1599. Assim, nasceu o sistema educacional que seria implantado no Brasil no século XVI e que permaneceria forte e centralizador até o século XVIII em todo o mundo. Os padres e irmãos jesuítas viram nas crianças um instrumento importante para a expansão da Fe católica, tão importante naquele momento histórico de luta por fiéis. Dessa forma, nos colégios, para os meninos filhos da nobreza ou da burguesia, ou nas missões no Novo Mundo, foram responsáveis, através de uma educação rígida e repressora, pela formação intelectual e religiosa de muitas gerações. As crianças, desde os sete anos, os jesuítas impunham um cotidiano militarmente estruturado com muitas orações, estudos e variados castigos físicos. Conexão: http://www.histedbr.fae. unicamp.br/navegando/ fontes_escritas/1_Jesuitico/ ratio%20studiorum.htm Renascimento Cultural – Capítulo 1 23 Os Colégios dos Jesuítas A base comum da educação ministrada nos colégios da Companhia de Jesus, o suporte de toda ação educacional dos jesuítas, era o Ratio Studiorum. A metodologia proposta por esse manual é bastante pormenorizada, com sugestões didáticas para a aquisição do conhecimento e incentivo pedagógico para assegurar e consolidar a formação dos alunos. O programa educacional era dividido em três períodos ou cursos, oferecidos aos meninos a partir dos sete anos de idade: Curso de Letras ou Humanidades; Curso de Filosofia ou Ciências e o Curso de Teologia (esse destinado aos estudantes que seguiriam a vida religiosa). Para reger todos esses cursos o método proposto pelos jesuítas partia do princípio da educação através do estudo das línguas e autores clássico. Os clássicos, para esses educadores, eram depositários de uma cultura que deveria ser conservada, como observamos no renascimento, porem através do olhar católico. As aulas eram totalmente expositivas e os alunos meros expectadores. Como método de estudo, recomendavam a repetição de todos os exercícios a fim de facilitar a memorização. A disciplina era sempre muito rígida e lançava mão até mesmo de castigos físicos, aplicado por pessoas designadas pelos padres apenas para esse fim. O único momento de descontração dos meninos eram as competições intelectuais entre os alunos que aconteciam aos sábados, as sabatinas. 1.3 Brasil: Colonização e Catequese A história do Brasil no início do período colonial (século XVI) não deve, de forma nenhuma, ser dissociada dos acontecimentos europeus, já que a colonização resultou da necessidade de expansão comercial da burguesia mercantilista. Por ser um país de formação católica, que resistiu ao protestantismo com apoio à ContraReforma Católica e o fortalecimento da Inquisição, Portugal, contraditoriamente, condenava os juros, o que restringiu a acumulação de capital e retardou a implantação do capitalismo. Dessa forma, a colônia estruturou-se economicamente a partir do modelo Conexão: Indicação de filme: Anchieta, José do Brasil (Paulo César Saraceni, 1978) História da Educação no Brasil 24 agrário-exportador dependente. A educação, por sua vez, não era prioridade, pois a agricultura não exige formação especial e o trabalho escravo estava incorporado à sociedade portuguesa. Todavia, o pequeno país ibérico enviou religiosos, com destaque para os jesuítas, para o trabalho missionário e pedagógico, com a finalidade de converter os indígenas à fé católica, conforme as orientações da Contra-Reforma. Apesar de muitos considerarem os ibéricos afetuosos para com seus pequenos, característica dita típica dos povos latinos, o quadro das sensibilidades no início da epopéia marítima era bem diferente. Na verdade, entre os portugueses ou outros povos da Europa, a alta taxas de mortalidade infantil verificada no decorrer de toda a Idade Média e mesmo em períodos posteriores, interferia na relação dos adultos com as crianças. A expectativa de vida das crianças portuguesas entre os séculos XIV e XVIII, rondava os 14 anos, enquanto cerca de metade dos nascidos vivos morria antes de completar sete anos. Isto fazia com que, principalmente entre os estamentos mais baixos, as crianças fossem consideradas como pouco mais que animais, cuja força de trabalho deveria ser aproveitada ao máximo enquanto durassem suas curtas vidas. Um conto infantil português do século XVI, recolhido da tradição oral, classifica os dois filhos de recém- nascidos de um rei como um macho e outro fêmea. Essa forma de referir-se ás crianças aproxima-se da categorização que os homens de Quinhentos davam aos negros escravizados, vistos então como meros “instrumentos vocais”, ou seja, em instrumento de trabalho capaz de falar. É, provavelmente, esse sentimento de desvalorização da vida infantil que incentiva a Coroa recrutar mão-de-obra entre as famílias pobres das áreas urbanas. RAMOS, F.P. A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI In: PRIORE, M. Del. (org.) História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. 1.4 A Participação da Igreja na Ordem Colonial Durante o século XVI, a Contra Reforma Católica resultou na criação de mais seminários e levou a Igreja a se envolver com mais intensidade no processo de expansão territorial ao unir-se com os monarcas ibéricos com intuito de catequizar os pagãos do Novo Mundo. Renascimento Cultural – Capítulo 1 25 Para os referidos monarcas, a expansão não se traduzia apenas em exploração econômica em seus domínios coloniais. Paralelamente a escravidão e à produção agrícola, os europeus impuseram também valores morais, a religião e a língua, uma série de regras justificadas como “civilizatórias”. O cristianismo, de acordo com o pensamento de então, seria o responsável por esse processo de “civilização”, de conversão dos pagãos. Devemos, assim, compreender essa imposição de valores cristãos também como uma estratégia de fortalecimento da autoridade monárquica, que, de acordo com a necessidade, utilizava-se dos processos inquisitórios, das perseguições religiosas e da “guerra justa”. Os objetivos da esfera religiosa eram zelar pela obediência aos preceitos cristãos entre os colonos e catequizar os nativos. Para a Igreja, os índios não deveriam ser escravizados, pois, só eram passíveis de escravidão os que se negavam ao cristianismo, como no caso, os muçulmanos africanos. Os índios eram puros e estariam muito próximos dos princípios cristãos. Com o aparecimento das missões jesuítas, entre os séculosXVI e XVII, logo surgiram também os primeiros conflitos entre os jesuítas e os colonos que capturavam e escravizavam os índios. Religião e cotidiano No Brasil colonial, seguindo o costume português, desde o despertar o cristão se via rodeado de lembranças do reino dos céus. Na parede contígua a cama, havia sempre algum símbolo visível da fé cristã: um quadrinho ou caixilho com gravura do anjinho da guarda ou do santo; uma pequena concha com água benta; o rosário dependurado na cabeceira da cama. Antes de levantar-se da cama, da esteira ou da rede, todo cristão deveria fazer imediatamente o sinal-da-cruz completo, recitando a jacularia: pelo sinal da santa cruz, livrai nos Deus Nosso Senhor, dos nossos inimigos. Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo, amém. Os mais devotos, ajoelhados no chão, quando menos recitavam o bê-a-bá do devocionário popular: a ave-maria, o pai-nosso, o credo e a salve-rainha. Orações que via de regra todos sabiam de cor. (...) Conexão: Indicação de filme: Desmundo (Sabina Anzuategui e Alain Fresnot, baseado em livro de Ana Miranda, 2003) História da Educação no Brasil 26 Na parede da sala de muitas casas coloniais, saindo do quarto, lá estavam para ser venerados e saudados os quadros dos santos. (...)As famílias um pouco mais abastadas possuíam um quarto especial, o quarto dos santos. MOTT, Luiz. Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. In: SOUZA, L.de M. (org.) História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, v1, p. 164 – 166 1.5 A Educação Jesuítica No Brasil Renascimento Cultural – Capítulo 1 27 Como observamos anteriormente a ordem religiosa idealizada por Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus, rapidamente conquistou o apoio do monarca português e cresceu quase na mesma proporção da expansão territorial portuguesa. Para melhor compreendermos o papel histórico alcançado pela Companhia de Jesus, especialmente no Brasil é significativo compreendermos que essa ordem atendia simultaneamente a dois interesses que se entrecruzaram nesse momento, a saber, a expansão da fé católica por parte da Igreja e a expansão territorial por parte dos monarcas Ibéricos. O papel da Companhia de Jesus no Brasil deve, por sua vez, ser destacado não apenas por aderirem ao ideal missionário da catequese dos nativos, mas por serem os responsáveis pela organização dos primórdios do sistema educacional brasileiro. Apenas alguns dias após a chegada dos missionários jesuítas no Brasil, esses padres já implantaram uma escola de “ler e escrever” na cidade de Salvador. Os jesuítas chegaram à colônia portuguesa na América, o Brasil, em 1549, juntamente com o primeiro governador geral e liderados por Manuel da Nóbrega. Embora os homens da Companhia de Jesus recebessem formação religiosa e orientação segura do Ratio Studiorum, enfrentaram sérios desafios para se adaptarem às exigências locais. Nesse ponto, é bom recordar quanto lhes valia, no Brasil a sua tão reconhecida flexibilidade. O padre Manuel da Nóbrega organizou as estruturas do ensino, atento às condições novíssimas aqui encontradas. O período inicial do trabalho dos jesuítas no Brasil é caracterizado pelo que chamamos missionarismo heróico, que significava para os jesuítas viver e trabalhar nas aldeias para alcançar mais diretamente os catecúmenos. De acordo com essa missão, os indígenas eram vistos como “iguais” todos eram compreendidos como gentios e homogêneos. Essa representação os convencia que os índios eram como gostava de frisar Nóbrega “papel em branco”, pois aprendiam sem resistência tudo que fosse “ensinado” pelos jesuítas, a cultura portuguesa e a fé católica. Quando os jesuítas perceberam que os indígenas não aceitariam tão fácil e passivamente as imposições culturas e religiosas, alteraram então suas práticas. Começaram a ser experimentados os aldeamentos de adultos e os recolhimentos de crianças, ou seja, as missões começaram a ser organizadas segundo formas institucionais, por iniciativa de Manuel Conexão: http://www.anpuh. org/revistahistoria/ view?ID_REVISTA_ HISTORIA=3 História da Educação no Brasil 28 da Nóbrega e com o apoio da coroa. A propósito dos jesuítas para os aldeamentos previa um rígido programa de atividade que englobava o ensino do português do catecismo e da doutrina cristã, seguidas pelo aprendizado de ler e escrever o português e sua gramática latina para os postulantes à Companhia além do ensino profissional em artesanato e agricultura para os demais. Essa programação é que continuou sendo praticado nos séculos seguintes tanto com as crianças quanto com os adultos. Quando o trabalho de catequese se reestruturou, os jesuítas optaram pela abertura de uma “outra” frente de atuação: os colégios para os filhos dos colonos. a partir dessa, os jesuítas, em troca do financiamento da ações missionárias, abraçaram a tarefa de educar os meninos brancos. Os colégios fundados nas principais vilas da colônia ofereciam ensino secundário de humanidades, como na Europa para os letrados. Esses colégios, que teoricamente também deveriam ter um caráter missionário, na prática aceitavam apenas os alunos brancos, recusando os mestiços, mamelucos e índios com justificativa de que seu principal objetivo era formar os futuros padres da Companhia de Jesus. Esses colégios de Ensino Secundário ofereciam o plano de estudos definido no Radio Studiorum de 1599. Seguindo a programação dos outros estabelecimentos de ensino da Companhia de Jesus em outras localidades. Um colégio abrangia, de maneira geral aulas de gramática latina, humanidades, retórica e filosofia, em uma gradação de estudos que depois de nove anos levaria a formação letrado. Todavia, esse currículo sofria alterações dependendo das condições encontradas em cada local, por exemplo, se os alunos não reconheciam os caracteres latinos, abria-se uma aula ou classe de ensino de escrita e de contas em português. A disciplina nos colégios, como nos demais segmentos da ordem , era rígido , para educar e aculturar os alunos, os padres e irmãos usando formas tradicionais rigorosas de repetição, castigos físicos, reclusão repressão e exclusão.Os jesuítas eram apoiados oficialmente pela Coroa, que também os auxiliava com doações de terras. O governo português sabia o quanto a educação proporcionada pelos jesuítas era importante como instrumento de domínio político e cultural, não intervindo, portanto, nos planos dos homens da Companhia de Jesus. Conexão: Indicação de filme: A missão (Roland Joffe, 1986) Renascimento Cultural – Capítulo 1 29 Durante o século XVII, o ensino das crianças no Brasil não apresentou diferenças significativas com relação ao século anterior. O ensino ministrado pelos jesuítas aos meninos manteve a escola conservadora, alheia à revolução a implantação do ensino superior foi proibida na colônia. O colégio dos jesuítas estava, com efeito, situado numa sociedade religiosa, que se concretizava em hábitos e valores, práticas e devoções, instituições e organização. (...) Assim, toda a vida social era permeada de simbolismos cristãos, desde o nascimento de uma criança, com o batizado, até a morte, com o viático, com confissões, unção dos enfermos, bênção do corpo na igreja, enterro acompanhado do clero, com cânticos orações, cemitério religioso etc. as repartições públicas traziam o crucifixo ou imagens de santos. Às ruas se encontravam oratórios. O calendário era balizado pela liturgia. O clero tinha destaque em qualquer cerimônia. As festas do lugartinham marca religiosa, a Pontos negativos da atuação dos jesuítas no Brasil • Desintegração da cultura indígena. • Imposição cultural. • Homogeneização. intelectual que ocorria no Velho Mundo ( Europa). A educação jesuítica, centra da no nível secundário visava à for mação humanística, privilegiando muito o latim, o estudo dos clássicos e da religião mantinha as crianças pequenas em casa aos cuidados das escravas destinadas ama amas, à mentação e zelo das crianças. estava já que do Ao contrário acontecendo na Europa, no Brasil os jesu ítas não incorporaram ao currículo as ciências físicas ou naturais, bem como a formação técnica ou as artes. Enquanto na Europa se estabelecia a contradição entre o ideal da pedagogia realista e a educação conservadora, no Brasil a atuação da Igreja Católica permaneceu muito mais forte e duradoura. O ensino interessava apenas a poucos elementos da classe dirigente, e, além disso, como ornamento e erudição. Era extremamente literária, abstrata, afastada dos interesses materiais, utilitários. A única saída para os brasileiros que desejassem seguir profissões liberais, era o estudo na metrópole ou em universidades européias, pois História da Educação no Brasil 30 procissão se fazendo o ato de exibição social por excelência. O público e estava impregnado de sagrado e a “Igreja” estava por toda parte presente. José Maria de Paiva Apud ARANHA, M. L. de A. História da educação e da pedagogia. Geral e do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2006, p. 145 1.6 Atividades 01. Por que os protestantes e católicos, no século XVI, passaram a se interessar pela ação pedagógica? Compare as duas orientações em suas linhas principais, buscando as coincidências e as diferenças. 02. Reflita acerca dos pontos comuns da educação entre Vives, Erasmo, Rabelais e Montaigne. 03. Pense um pouco sobre a seguinte afirmação: O homem pode e deve ser o criador, o aventureiro, o sonhador, o dominador da natureza. 04. Reflita e procure responder por que era mais interessante para os religiosos da Companhia de Jesus desenvolver o trabalho de catequese com as crianças indígenas e, posteriormente, em missões. Renascimento Cultural – Capítulo 1 31 05. Por que podemos afirmar que a educação não era assunto prioritário no Brasil colônia? Reflexão Quando se fala em Renascimento, geralmente as pessoas pensam numa época de grandes obras literárias e artísticas. Mas o Renascimento, como observamos nesta capítulo, não foi apenas uma explosão maravilhosa de pintores, poetas, arquitetos e escultores criando obras com formas totalmente novas. O Renascimento significou também o aparecimento de novas maneiras de ver a política, a ciência, a moral, a religião, a educação e a criança. O modo de compreender o ser humano e o Universo foi transformado com o aparecimento da filosofia humanista. O Renascimento foi um período de contradições típico das épocas de transição, pois a burguesia, enriquecida, assumia padrões aristocráticos e aspirava a uma educação que permitisse formar o homem de negócios, simultaneamente capaz de conhecer as letras greco-romanas e de dedicarse aos luxos e prazeres da vida. A sociedade, embora rejeitasse a autoridade dogmática da cultura eclesiástica medieval, mantinha-se ainda fortemente hierarquizada: excluía dos propósitos educacionais a grande massa popular. No Renascimento já se tinha a percepção mais aguda de problemas que, hoje, chamaríamos de existenciais numa recusa à submissão aos valores eternos e aos dogmas tradicionais. Leitura Recomendada ARIÉS, P. História da vida privada: da Renascença ao século das luzes: São Paulo: Companhia das Letras, 1991. História da Educação no Brasil 32 ARIÈS, P. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981. PETITAT, A. Produção da escola, produção da sociedade: analise sócio-histórica de alguns momentos decisivos para a evolução escolar. Porto Alegra: Artes Médicas, 1994. Referências bibliográficas ARANHA, M. L. de A. História da educação e da pedagogia. Geral e do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2006. BOTO, C. O desencantamento da criança: entre a renascença e o século das Luzes. In: FREITAS, M.C. de; KUHLMANN JR, M. (orgs.) Os intelectuais na História da Infância. São Paulo Cortez, 2002. CAMBI, F. História da Pedagogia. São Paulo: Editora Unesp, 1999. COMENIUS, J. A. A Didática Magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. São Paulo: Martins Fontes, 2002. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006 FRANCA, L. O Método Pedagógico Jesuítico. O “Ratio Studiorum”: Introdução e Tradução. Rio de Janeiro: Agir, 1952. JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4. ed. São Paulo, Zahar, 2006. MANCORDA, M.A. História da educação. Da antiguidade aos nossos dias. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1992. MÄRZ, F. Grandes Educadores. São Paulo: EPU, 1987. PRIORE, M. Del. (org.) História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. Renascimento Cultural – Capítulo 1 33 SOUZA, L.de M. (org.) História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, v1. No próximo capítulo No próximo capítulo veremos as grandes alterações que ocorreram na Europa em decorrência da ascensão da burguesia, camada social que já almejava o poder político, desejo esboçado nas teorias política e econômica do liberalismo, na filosofia das luzes. Inaugura-se, com a busca de métodos, um novo paradigma para o pensamento e a ação da modernidade. A criança vai ocupar outro lugar, delineando definitivamente o que hoje classificamos como infância. Século XVIII: O Século das Luzes O século XVIII foi denominado o de “século das luzes” em virtude da grande agitação inte- lectual por conta da fértil produção dos pensadores iluministas. Esse período histórico também foi caracte- rizado pelos abalos políticos ocasionados pela burguesia desejosa em assumir o lugar ocupado pela nobreza. No tocante à educação, assistimos ao fortalecimento da tendência liberal e laica, que buscava a novos caminhos para a aprendizagem e a autonomia do educando. ‘O Iluminismo valori- zava o conhecimento como instrumento de libertação e progresso da humanidade, levando o homem à sua autonomia e a sociedade à democracia, ou seja, ao fim da opressão” (MARCONDES, 2007, p. 210). Objetivos da sua aprendizagem • Compreender a influência da filosofia iluminista na educação. • Conhecer o pensamento pedagógico de Rousseau. • Refletir sobre como o despotismo esclarecido influenciou a educação brasileira • Analisar as consequências da expulsão dos jesuítas do Brasil. Você se lembra? Você se lembra a origem do lema “Liberdade, igualdade e fraternidade”? E qual a importância desse período para a consolidação da ideia que temos hoje de infância? Lembra que Rousseau, apesar de ter abandonado os filhos, deixou importante contribuição para a atual concepção de infância? Século XVIII: O Século das Luzes – Capítulo 2 35 Nesse século nasce a figura do intelectual, que será o encarregado da articulação da nova forma de Estado. Caberá a ele, ainda, o papel de mediador, de articulador entre o esse poder a ser constituído e a sociedade. O intelectual será o criador das luzes e o seu veiculador para as massas. A enciclopédia irá representar os ideais iluministas e o papel pedagógico e emancipadordo saber. No contexto do século XVIII, as figuras de proa são facilmente reconhecíveis: Diderot, D’Alambert, Voltaire, Kant e, como voz dissonante, Rousseau. Cada um deles, ao seu modo e no seu momento, refletiu sobre a sociedade da época. A emergência da Revolução Francesa coloca em destaque o pensamento pedagógico de Rousseau e Poe em marcha, no con- tinente europeu, a Visão Liberal de Educacao, orientação que engloba: a) A vertente religiosa, proveniente da Pedagogia da Reforma (com Lutero, Calvino, Zwinglio, Melanchton etc.) b) A vertente laica “escolanovista” e seus desdobramentos a partir de meados do século XIX, em contraposição à Pedagogia Tradicional. c) A vertente positivista de orientação materialista, que, indiretamente, tratou a Educação, como Nietzsche e Comte. d) A vertente emoirista de orientação inglesa, cuja origem remota está em Bacon e Locke e que, desde o final do século XIX, chega ao pragmatismo de Dewey. (VALE, José Misael Ferreira do. A educação contemporânea. In: SOUZA, Neusa Maria Marques (org.) História da educação. São Paulo: Avercamp, 2006) 2.1 As Ideias Iluministas O iluminismo foi uma das marcas mais importantes do século XVIII, também conhecido como século das luzes. Luzes significavam, nesse momento, o poder da razão humana de interpretar e reorganizar o mundo. Conexão: http://www. fortium.com.br/facul dadefortium.com.br/ maria_amelia/mate rial/2199.pdf História da Educação no Brasil 36 Na economia, o liberalismo representava as aspirações da burguesia desejosa de gerenciar seus negócios sem a intervenção do Estado mercantilista. Na política, as ideias liberais opunham-se ao Século XVIII: O Século das Luzes – Capítulo 2 absolutismo. Rousseau retomou a discussão do contrato social numa perspectiva menos elitista e mais democrática. Na moral também se buscavam novas formas laicas, que possibilitassem a naturalização do comportamento humano. Na religião vemos o abandono dos dogmas e fanatismos e a busca de uma religião natural. 2.1.1 O Despotismo Esclarecido O iluminismo esteve presente inclusive em países como a Prússia, a Áustria, Rússia, Espanha e Portugal, nos quais persistia o absolutismo, então chamado de despotismo esclarecido, pois os monarcas se faziam cercar por pensadores e adotavam o discurso dos filósofos iluministas, criando a imagem de racionalidade e tolerância, o que dissimulava o caráter absoluto do poder que exerciam. Os déspotas esclarecidos mantiveram o absolutismo, como destacamos, mas despidos de seu fundamento religioso. Pregava-se a modernização do país através do progresso científico e pela difusão do saber dos pensadores modernos.Para mascarar suas reais intenções, os déspotas esclarecido realizaram reformas importantes como: • Eliminação de alguns privilégios da nobreza e do clero; • Aboliram as torturas práticas nas prisões; • Estabeleceram certa tolerância religiosa; • Incentivaram a educação pública; • Aperfeiçoaram o sistema de impostos, tornando-o menos opressivo ao povo. Conexão: http://www.historia domundo.com.br/idade moderna/despotismo esclarecido.htm Século XVIII: O Século das Luzes – Capítulo 2 37 2.2 Iluminismo e Educação Conexão: Os séculos XVII e XVIII foram cenários do www.pedagogiaedesenvolvimento do capitalismo e da consolidação mfoco.pro.br/hrsxvii da burguesia como classe social dominante. O pensamento burguês se colocou como pensamento dominante favorecendo e se desenvolve uma importante Despotismo Esclarecido: união do absolutismo com as ideiaideias iluministas atividade econômica: o comércio, pautado na igualdade jurídica, na tolerância religiosa, na liberdade pessoal e social e na propriedade privada. O que devemos destacar desse período, em primeiro lugar, é a preocupação de homens e mulheres em resgatar o conhecimento até então acumulado pela humanidade revelada na elaboração Enciclopédia, idealizada por Diderot e D’alambert. A escola defendida nesse período histórico deveria ser leiga e livre, independente de privilégios de classe. Esses pressupostos sugeriam a defesa de algumas ideias, que nem sempre foram colocadas em prática: • Educação ao encargo do Estado; • Obrigatoriedade e gratuidade do ensino elementar (instrução pública); • Nacionalismo; • Ênfase nas línguas vernáculas, em detrimento ao latim; • Orientação pratica voltada para as ciências, técnicas e ofícios, não mais privilegiando o estudo exclusivamente humanístico. Apesar das discussões avançadas sobre o ideal liberal de educação, era crítica a situação do ensino na Europa. As escolas eram insuficientes e os mestres pouco qualificados. As escolas elementares quase inexistiam e as de nível secundário eram antiquadas e serviam às classes privilegiadas. Apesar dos projetos de estender a educação a todos os cidadãos, prevaleceu o dualismo escolar, ou seja, uma educação para o povo e outra para a camada mais abastada. As universidades, por mais estranho que pareça, permaneciam alheias ao movimento iluminista. História da Educação no Brasil 38 Século XVIII: O século das luzes O século XVIII foi denominado o século das luzes em virtude da grande agitação intelectual por conta da fértil produção dos pensado- res iluministas. Esse período histórico também foi caracterizado pelos abalos políticos ocasionados pela burguesia desejosa em assumir o lugar ocupado pela nobreza, foi o século da revolução Inglesa e da Revolução Francesa. No tocante à educação, assistimos ao fortalecimento da tendência liberal e laica, que buscava a novos caminhos para a aprendizagem e a autonomia do educando. Nesse século nasce a figura do intelectual, que será o encarregado da articulação da nova forma de Estado. Caberá a ele, ainda, o papel de mediador, de articulador entre o esse poder a ser constituído e a sociedade. O intelectual será o criador das luzes e o seu veiculador para as massas. No contexto do século XVIII, as figuras de proa são facilmente reconhecíveis: Diderot, D’Alambert, Voltaire, Kant e, como voz dissonante, Rousseau. Cada um deles, ao seu modo e no seu momento, refletiu sobre a sociedade da época. 2.2.1 Rousseau (1712–1778) O filósofo suíço Jean Jacques Rousseau (1712–1778) abandonou sua terra natal para viver em Paris, onde levou uma vida bastante agitada e pode conviver diretamente com as movimentações de seu tempo. O traço dominante da vida e obra do filósofo foi a contradição, podemos dizer que Rousseau nunca conseguiu se libertar da idade da rebeldia. Rousseau apelou para o afastamento da civilização e o retorno a um modo de vida natural, ligado à natureza, defendendo uma educação natural. Deu ênfase no valor da infância e da juventude, contribuindo para a criação da psicologia do desenvolvimento e a criatividade, a espontaneidade e ao trabalho manual. Em sua obra Emílio, obra que levou cerca de oito anos para concluir, Rousseau critica a artificialidade da educação, o autoritarismo e o excesso de intelectualidade tradicional, Século XVIII: O Século das Luzes – Capítulo 2 39 característico dos colégios jesuítas, bem como o desrespeito pela infância que fazia da criança um adulto em miniatura. No romance Emílio, a infância é compreendida como um longo processo, em que o pequeno é educado pela natureza, sem lições verbais, sem horários fixos e principalmente, sem castigo. Emílio, personagem centra de Rousseau, aprende pela sua própria iniciativa, sob o olhar atento do preceptor. Afinal, a criança deveria aprender a lidar com os próprios desejos e conheceros limites para se tornar um indivíduo adulto dono de si mesmo. Semelhante ao processo de construção da cidadania, em que o cidadão se submete à vontade geral, a criança descobrirá por si próprio as leis das coisas e das relações interpessoais. O papel do professor, ou preceptor como preferia Rousseau, passa a ocupar um segundo plano no processo de ensino aprendizagem, pois o interesse pedagógico deveria estar centrado totalmente no educando, que deveria ser compreendido em sua especificidade e não mais, como já destacamos, como um “adulto em miniatura”. Essa educação idealizada por Rousseau é denominada naturalista, mas também podemos chamá-la de negativa, por desconfiar da sociedade constituída. Rousseau temia a educação que põe a criança em contato com vícios e a hipocrisia, daí pregar que deveriam ser ensinadas por preceptores longe dos colégios, que não ensinavam a virtude e a verdade. Passos da Educação Propostos por Rousseau • A educação de um a cinco anos: Condena das restrições impostas a criança, propondo a liberdade que tornará a criança forte. • A educação de cinco a doze anos: neste período a educação deve ser negativa e a educação moral deve ser consequência natural do desenvolvimento da criança; • A educação de doze a quinze anos: É a fase de aquisição de conhecimentos. Mas esses conhecimentos devem estar de acordo com a curiosidade, com a ânsia de conhecer que vem dos desejos naturais. A prova do conhecimento é o emprego prático. A aprendizagem de um ofício tem muitas vantagens sociais e ajuda na educação. História da Educação no Brasil 40 • A educação de quinze a vinte anos: É o período em que se educa o coração, para a vida em comum e as relações sociais, É também o período em que se desenvolvem as noções de bem e de mal. A primeira educação deve ser puramente negativa, ela consiste não em ensinar a virtude e a verdade, mas em proteger o coração do vício e a mente do erro. Se puderdes não fazer nada e não deixar fazer nada; se puderdes levar vosso aluno sadio e robusto até a idade de doze anos (...) sem preconceitos, sem hábitos (...) muito logo terei entre as mãos o mais sensato dos homens; e, começando com não fazer nada, tereis feito um prodígio de educação. (ROUSSEAU, 1968). As duas pedagogias de Rousseau Os estudos mais recentes sobre a pedagogia de Rousseau puseram em destaque a existência, na obra de maturidade, de dois modelos educativos, bem diferenciados entre si e, às vezes, até mesmo opostos. De um lado, coloca-se o modelo de educação natural e libertaria que privilegia a formação do homem, típica do Emilio; de outro o modelo de uma educação social e política, desenvolvida pelo Estado e ligada mais ao principio da “conformação social” do que ao de liberdade, e que encontramos desenvolvida, em particular, nas Considerações sobre o governo da Polônia, obra póstuma de 1782. Educação do homem e educação do cidadão são contrapostas por Rousseau já no inicio do Emílio, onde a segunda vem desvalorizada[...]. Todavia, foi o Rousseau do Emílio, e não o outro, que influenciou profundamente o pensamento pedagógico moderno, oferecendo à tradição pedagógica alguns novos “mitos’(a bondade da infância, a não- intervenção educativa,etc) que tiveram ampla e prolongada fortuna. Rousseau pode ser visto quase como o “pai”da pedagogia moderna, seja pelo papel de “revolução”que o seu tratado romântico exercei no fim do século XVIII, propondo uma nova concepção da infância e a nova atitude pedagógica, seja pelos temas profundamente inovadores que veio introduzir no debate educativo. Depois de Rousseau, a pedagogia tomou decididamente outro curso: tornou-se sensível a toda uma serie de problemas antes considerados marginais e substancialmente ignorados; além disso, ligar- se a Rousseau era uma referencia obrigatória de todo pedagogo posterior, seja para associar-se às teses do genebrino (como ocorre com Século XVIII: O Século das Luzes – Capítulo 2 41 o grande Pestalozzi, em parte com Dewey, com Claparède), seja por oporse frontalmente ao seu libertarismo e ao seu radical antinocionismo (como ocorre com Herbart e Gramsci). A visão da infância, o papel do educador, a própria consciência por parte do pedagogo das estruturas e da função (até social e política) do próprio discurso mudaram profundamente através das lições de Rousseau, enquanto a pedagogia no seu conjunto adquiriu uma dimensão mais francamente antropológica e filosófica, distanciando-se de um tradicional vinculo quase subalterno em relação à instituições pedagógicas e às práticas didáticas. Ao lado de Comenius, mas com posições nitidamente diferentes, Rousseau é de fato uma chave mestra do pensamento pedagógico e, além disso, é o primeiro artífice do seu mais inquieto e contraditório percurso contemporâneo. CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 354-355 Afora as críticas, muitas vezes pertinentes, o que não podemos esquecer sobre a Rousseau é sua ênfase no valor da infância e da juventude, sua significativa contribuição para a elaboração da psicologia do desenvolvimento, seus princípios de contato com a vida, a referência ao presente, a importância dada á criatividade, à espontaneidade e ao trabalho manual. O respeito à criança O que pensar então dessa educação bárbara que sacrifica o presente a um futuro incerto, que cumula a criança de cadeias de toda espécie e começa por torná-la miserável a fim de preparar-lhe, ao longe, não sei que pretensa felicidade de que provavelmente não gozará nunca? Ainda que supusesse essa educação razoável em seu objetivo, como ver sem indignação pobres desgraçados condenados a trabalhos contínuos, como forçados, sem ter certeza de que tantos cuidados lhes serão úteis algum dia! A idade da alegria passa em meio a choros, aos castigos, às ameaças, à escravidão. Atormenta-se o infeliz para seu bem; e não se vê a morte que se chama e que vai alcançá-lo em meio a essas tristes precauções. Quem sabe quantas crianças morrem vítimas da extravagante sabedoria de um pai ou de um mestre? Felizes por escaparem à crueldade destes, à única vantagem que tiram dos males a História da Educação no Brasil 42 elas impostos é a de morrerem sem saudade da vida, da qual só conheceram os tormentos. Homens, sejais humanos, é vosso primeiro dever: e o sejais em relação a todas as situações sociais, a todas as idades, a tudo o que não seja estranho ao homem. Que sabedoria haverá para nós fora da humanidade? Amai a infância: favorecei seus jogos, seus prazeres, seu amável instinto. Quem de vós não se sentiu saudoso, às vezes, dessa idade em que o riso está sempre nos lábios e a alma sempre em paz? Por que arrancar desses pequenos inocentes o gozo de um tempo tão curto que lhes escapa, de um bem to precioso de que não podem abusar? Por que encher de amarguras e de dores esses primeiros anos tão rápidos, que não voltarão nem para vós nem para eles? Pais, sabeis a que momento a morte espera vossos filhos? Não vos prepareis desgostos suprimindo-lhes os poucos instantes que a natureza lhes dá; desde o momento em que possam sentir o prazer de serem, fazei com que dele gozem; fazei com que, a qualquer hora que Deus os chame, não morram sem ter gozado a vida. Quantas vozes se vão erguer contra mim! Ouço de longe os clamores dessa falsa sabedoria que nos bota incessantemente fora de nós, menospreza sempre e que, visando sempre a um futuro que de nós se afasta na medida em que avançamos, à força de nos transportar para onde não estamos nos transporta para onde nunca estaremos. É, responder-nos-eis,
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