Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
JEAN BELLEMIN-NOEL (ProfessordeLiteraturaFrancesadaUniversidade dePar~sVIII) , PSICANALISE E LITERATURA Traduçãode ÁlvaroLorencini e SandraNitrini Revisãocientíficade PhilippeWillemprt ~. '' ...••.'" ,~ EDITORA CULTRIX SãoPaulo Título do original: PSYCHANALYSE ET LITT~RATURE (Coleção"QueSais-Je?") Copyright© PressesUniversitairesdeFrance.1978 OBRAS DE FREUD (Abreviaçõesutilizadas- data - (re)ediçõesfrancesas- t(tulo e volumeda Standard Editionbrasileira,ed.lmago) IAP IDR EDP MDC MfT MVP EPA ISA DRG ADP' AbrégédepS)1chanalyse[1938]' PUF.1970. Esboçodepsicanálise.vaI.23. AVI L:Avenird'une illusion[1927],PUF (1932)1971. O futurodeuma ilusão,voI.21. CLP CinqleçonssurIaPsa [(1904),1909]' Payot(1950),1971. Cincoliçõesdepsicanálise,vaI. 11. CPS Cinqpsychanalyses[1905-1918],PUF (1954),1970. Fragmentodeumcasodehisteria,vaI.7. Análisedeumafobiaemummeninodecincoanos.vaI. 10. Notassobreumcasodeneuroseobsessiva,vaI. 10. Notas psicanalíticassobreum relatoautobiográficode um casode paranóia, vaI. 12. Dahistóriadeumaneuroseinfantil]vaI. 17. DélireetrévesdansIa "Gradiva"deJensen[1907]. NRF (1949).1971. Delíriose sonhosna"Gradiva"deJensen,vol.9. EssaisdePsychanalyse[1915-1923], Payot(1951),1971. Alémdo princípiodo prazer.vaI. 18. A psicologiadegrupoe aanálisedoego,vaI. 18. O egoe o id,vaI.19. Pensamentosparaostemposdeguerraemorte,vol. 14. Essaisdepsychanalyseappliquée[1906- 1923],NRF (1933),197J. Inhibition.symptôme.angoisse(1926),PUF (1951),1968. Inibições.sintomas.angústia,vaI.20. L 'interprétationdesrêve$[1900],PUF (1926),197/. A interpretaçãodossonhos,voI.4. Introdúctionà IaPsa [1915-1917], Payot(1951). 1973. Conferênciasintrodutóriasà psicanálise,vaI.15. MalaisedansIacivilisation[1929],PUF (1934),11Jfl1. O mal-estardacivilização,voI.21. Ma vieet IaPsa [1925],NRF (1950). 1970. Um estudoautobiográfico,vol.20. Métapsychologie[1915-1917], NRF (1952),1968. As pulsõesesuasvicissitudes.vaI. 14. Recalcamento,vaI.14. O mconsciente,vaI. 14. Um suplementometapsicológicoà teoriadossonhos,vol, 14. MCMLXXXIlI Direitos de traduçãopara a língua portuguesaadquiridoscom exclusividadepela EDITORA CULTRIX LTDA. RuaDr. MárioVicente,374,fone:63-3141,CEP 04270- SãoPaulo,SP Impressonasoficinasda EditoraPensamento 5 Luto emelancolia,vol.14. MMO Maiseet lemonothéisme[1939],NRF (1948),1971. Moisése o monoteísmo,vol.23. MRl Le motd'espritetsesrapportsavecjTcs.[1905],NRF (1930),1969. Chistese suarelaçãocomo inconsciente,vol.8. NPS La naissancedeIaprychanalyse[1950],PUF (1956);1973. As origensd!\psicanálise,VOI. 1. NPP Névrose,prychoseetperversion[1894-1924], PUF, 1973. NCP NouvellesconférencessurIaprychanalyse[1932],NRF (1936),1971. Novasconferênciasintrodutóriasàpsicanálise,voI.22. PVQ PsychopathologiedeIaviequotidienne [1901]' Payot(1948),1971. A psicopatologiadavidacotidiana,vol.6. REI Le Rêveet soninterprétation[1901],NRF (1925):1969. Sobreossonhos,vol.5. SLV Unsouvenvd'enfancedeLéonardda Vinci [1910],NRF (1927),1977. LeonardodaVinci eumalembrançadasuainf'ancia,vol. 11. TPS La techniquePsa [1904- 1918]'PUF (1953),1970. TOT Totemet Tabou[1912],Payot(1947),1971. TotemeTabu,vol. 13. TES Troismais surIa théoriedeIasexualité[1905],NRF, 1962. Trêsensaiossobreateoriadasexualidade,vol.7. VSX La Viesexuelle[1907-1931],PUF, 1970. N.B. Nas referênciasacima,a dataem itálicoé a da ediçãoa queremetea página que indicamosnestelivro. Sendoas traduçõesàsvezesantigas,pode acontecerque nossascitaçõesestejamum tanto modificadascom relaçãoao texto de referência. N. dos T. - Nestelivro,ascitaçõesdeFreudforamtraduzidasdiretamentedo francês. 6 ÍNDICE Advertência Introdução - Ler apartirdaPsicanálise CapituloI - Ler comFreud I. "Aplicar" apsicanálise lI. Umaliçl[Odeleitura m. Osescritosfreudianos Capitulo11 - Ler o Inconsciente I. O trabalhodo sonho lI. As artimanhasdalinguagem m. Jogarcomaspalavras CapituloIJI - Ler-seaSiMesmo I. Representaçõesinconscientesno textoliterário lI. Ganhodeprazere sublimação m. Daidentificação IV. A "paixão"deescrever V. O papeleo divã CapituloIV - Ler o Homem I. O humanoeo simbólico lI. Mitos,contose lendas m. Tiposemotivos IV. Gênerosliterários V. Outrosmodelos 9 11 16 17 18 21 23 24 27 31 34 34 38 41 44 47 52 53 57 59 61- 64 7 Capz'tuloV - Ler umHomem I. Estarimplicadoemque(m)selê 11. Psicanalisaro autor:osgrandesprecursores m. Os"psicobiógrafos" IV. Posiçõesdapsicobiografia V. O problemado autor VI. O casodaautobiografia VII. A psicocrítica,ou CharlesMauron,I Capz'tuloVI - Ler Texto I. "Gradiva": passodedançarinaou passoemfalso? lI. Intervirno texto m. Das"associações"às"superposições"(Mauron,11) IV. Realizaçõeseperspectivas Conclusão BibliografzaSumária 8 67 68 70 72 74 76 78 80 83 84 86 89 92 96 99 ADVERTENCIA A psicanálise(entendopor estetermo a doutrinafreudiana)maisdo queumaciênciaéa artede decifrarumaverdadeemtodosossetoreseIÚg- máticosda experiênciahumana,tal comoo homema vive,istoéa "fala" a um outro ou a si mesmo.Não distinguindoum sujeitodeumobjetodeco- nhecimento,ela negaque existaum sujeitodefinidoou definível,e obje- tos de pensamentoquejá não sejamhabitados,desviadospelasartimanhas, tentativas,desejosdeumapartedo sujeito. Ela apóia;senumateoriae numaprática,semtécIÚcasimperativas, semcódigostransparentes,semmodeloscertificados,sem conceitosmono- valentes,semreferênciasfixas.É Penélopequeteceedesteceseutecidotal comonósfazemosnossavida... Portanto,seria ilusório quererfalardissono aparelho"geométrico" queé habitualnestacoleção.O leitor nãoencontraráexposiçãosistemática dasnoçõessobreasquaisse fundaa psicanálise,nãosetomarámaiscrítico psicanalisantedo que analistaprático.Se adquirir,no decorrerda leitura, umavisãode conjuntodashipóteses,dosmétodos,dosresultadosemques- tão, e se pensarem aprofundarseu interesse,nem ele nem eu teremos padecidoemvão. 9 INTRODUÇÃO LERA PARTIR DA PSICANÁLISE "Poetase romancistassãonossospreciososaliados,e seuteste- munho deve ser altamenteestimado,pois eles conhecemmuitas coisasentreo céuea terra,comquenossasabedoriaesç:olarnãopode- ria aindasonhar.Nossosmestresconhecemapsiqueporqueseabebe- raramemfontesquenós,homenscomuns,aindanãotomamosaces- síveisà ciência." (8. Freud,DRG, 127.) A psicanáliseconta atualmentetrêsquartosde século,isto é, alguns anose maisdo quea físicaeinsteinianadaRelatividade.Temoso direitode esperarque a fecundidadede suashipótesespareçaincontestávela todos, quenão seencontremaisninguémquereproveestavelhasenhoraporusar roupasíntimas atraentes,com o fIm deprovocaros indecisosdeumaso- ciedadepuritana. Ela é aceitaou não de bom grado,masFreud infligiu ao serhumano o que em UneDiffü:ultéde Ia Psychanalyse[UmadifIculdadeno Caminho da Psicanálise(voI. XVII)], elechamade suaterceira"feridade amor-pró- prio". Copémicotinha-oforçadoa reconhecerqueseupequenoplanetanão .eramais o centrodo mundo;Darwin, queeleeraapenasum animalmais afortunadoqueosoutrosenãoumacriaturadeorigemmaravilhosa;elepró- prio demonstrouque"o eu não émaiso senhornasuaprópriacasa"(146). Tal é o poderdaspulsõesdeprazeremnós,queé impossívelconsiderarsua totaldomesticação,enãomaisqueavontade,nossainteligêncianãoésobera- na,já queumaboapartedasatividadesmentaisescapaaoolhardaconsciên- cia.Destituídosde nossolugarsupereminenteno cosmose nabiosfera,nós tambémo somosno quadrodestapsiquequeconstituíahápouconossagló- ria e nossaconsolação:algumacoisapensaemnóse dirigenossosatoscom nossasidéias,semquesaibamosmesmoquefenômenosocorrem.Queo ho- memsesintaatingidono seuorgulho- no seunarcisismo- nãoé o maisim- portantenestecaso;elejá passoupor outras.Foi precisovencermuitasresis- tências,asdatradiçãoe dasreligiõesparaacelerara cicatrizaçãodestaferida.O esforçode Freud a esterespeitoeo efeitodesuadescobertasãoin- comensuráveis.No início, o movimentopsicanalíticomostroucom expe- riênciasque eramais fácil penetrarnos mistériosdo neuróticodo quere- pelir os preconceitostriunfantesdosconventículoscientífIcosemundanos. As censurasdaideologiatinhammaisefIcáciaedeterminaçãodo queo recai- que no interiordecadaindivíduo.As pressõesdafaml1ia,daescola,dareli- gUIo,das instituições,o pesoda sociedadeorganizadanumaeconomia,o 11 peso de uma fJ1osofiadifusabatizadade "experiência"ou a empresado "bom senso",razoávele racionalmasnuncaraciocinante,de tudo issonós somosaomesmotempovítimase beneficiários,cegosporquesobrecarrega- dos e aproveitadoresporquecegos.Tudo isto seencontraalojadoemnós, no nossopensamento,nanossalinguagem. Eis o segundotermodenossobinômio:literatura.É porelaquetoma- mosconsciênciadenossahumanidade,quepensa,quefala.Poisalínguaque seaprendenasrelaçõesquotidianascomospaiseamigossÓserveparaagir: perguntar,responder,paraviver.Ernsuma,~sÓcomalgumacoisacomolite- ratura(mesmoquetenhasidooral naserasecivilizaçõessemescrita)queo homemseinterrogasobresimesmo,sobreseudestinocósmico,suahistória, seufuncionamentosociale mental.Suasconcepções"elevadas",suavisão do mundoafirmam-seemcontatocomaslendas- o queéprecisoler -, de- pois com os mitos religiosos,com asepopéiasprofanas,comasnarrativas exemplares,contos, teatro, romance,com asconfidênciasemocionantes, tantoemprosacomoemverso.A fala informa-nos,a escritaforma-nos.E deforma-nosnecessariamente,já que o quefoi escritonosvemdeoutrolu- gar,longeou pertona ausênciae de um outro tempo,de outroraou dehá pouco:nuncadaquie de agora,ondefalaréo suficiente. Mas a literaturatambémé algodiferentedo corpo maisou menos embalsamadode idéiasjá feitas,equesefizeramforado contextoimediato, ondecadaum sedebate:nãosomenteo conjuntodosdiscursosconsignados antesde nós e longede nós,mastambémum discursoparticular.Durante muito tempo,ela foi chamadae considerada''útil e agradável";a utilidade provinhado prazeroferecido;a satisfaçãodevia-seà suainutilidadeparaa vida. Dis'cursoliterário significadiscursodesequilibradosobrea realidade. Nistoestáo seuencanto,o seudramaesuasortemaravilhosa. Compreenderqueasobrasquefazemparteda literatura,quesesedi- mentarampoucoapoucoparaformarumdomíniosÓlido,deixandoapoei- rapassarcom o ventodo não-essencial,depoisa areiadesaparecerno decli- vedo utilitário - o quechamamosdefalacomumedeescritosdidáticos-, encontrarasrazõespelasquaisestasobrasultrapassamseuautor,suaépoca, seucírculo lingüístico,isto tambémnãosefaz numdia. Assimcomoo re- conhecimentodapsicanálise,e empartegraçasa ela,a apreciaçãodaorigi- nalidadedo literáriofoi laboriosa.Contentemo-nosem dizeraquiquefoi precisoaceitara idéia de umalinguagemdiferente,quenão diziaapenas, nemexatamentenemverdadeiramente,o quepareciadizer.Da mesmama- neiraque o psíquiconãoconstituíaumaespéciedeblocounitáriocomsuas simplessuperposiçõese repartiçõesdecompetências,a escrituradasgrandes obrasnãopoderiaserassimiladaà transmissãodeumamensagemdotadade um único sentidoevidente.As palavrasde todos os diasreunidasdeuma certamaneiraadquiremo poderde sugeriro imprevisível,o desconhecido; 12 e os escritoressãohomensque,escrevendo,falam,semo saberem,decoisas queliteralmente"elesnã'osabem".O poemasabemaisqueo poeta. Se o sentidoexcedeo texto, existefalta de consciênciaemalguma parte.O fato literáriosó vivede receptaremsiumapartedeinconsciência, ou de inconsciente.A tarefaquedesdesemprea críticaliteráriaseatribuiu consisteemrevelarestafaltaou esteexcesso.Em suma,já quea literatura carreganos seusflancoso nã'o-conscienteejá queapsicanálisetrazumateo- riadaquiloqueescapaaoconsciente,somostentadosa aproximá-Iasatécon- fundi-Ias.O conjuntodasobrasliteráriasofereceum ponto devistasobrea realidadedohomem,sobreo meio ondeeleexistetantoquantosobreama- neiracomoelecaptaao mesmotempoestemeioe asrelaçõesquemantém comele.Esteconjuntoé umasériede discursose umaconcepçãodo mun- do: os textose a culturaseminterrupçã'o.A doutrinapsicanalíticaapresen- ta-sedemaneiraquaseanáloga:umaparelhodeconceitosquereconstroemo psiquismoprofundo,emodelosdedecifraçã'o.Seo corpodostextoseo ins- trumentalteóricopertencema ordensdiferentesda realidade(um material contrainstrumentosde investigação),é precisonãoperderdevistaqueavi- sãodo mundodasbelas-letraseamarcaçã'odosefeitosdo inconscientefun- cionamdo mesmomodo: são duasespéciesde interpretação,maneirasde ler, digamosleituras.Literaturae psicanálise"lêem"o homemnasuavivên- cia quotidianatanto quantono seudestinohistórico.Elasseassemelham maisprofundamentepor excluíremqualquermetalinguagem:nãohá dife- rençaentre o discursoque se faz sobreelase os discursosqueasconsti- tuem.Sabe-sequenuncachegaremosanosdesligarverdadeiramentedaquilo de que falamos,e entretantofixamoscomo finalidadechegaraverdadeslã- landodo homemqueestáfalando. . A descobertado inconscientequestionao conhecimentoquetemosdo psiquismohumanQ,conhecimentodo qualvivemosacadaminuto.O quese escreveue seescreveainda,aquiloqueleio, tudo é trabalhado,semqueeu saiba,por energiasfabulosas(e fabuladoras):o que acontececom minha leiturahoje?Por outro lado, a psicanáliseoperasôbrealinguagem,fatorde verdadee alienàçãonasrelaçõesentrepessoase no própriointeriordapes- soa:o quemeensinaelasobreestelugardeexerCÍcioprivilegiadodalingua- gemqueé o conjuntodaliteratura,ondearealidadesecretado indivíduose exprimemelhorqueem outraparte?Eis aí perguntasverossímeis.A finali- dadedainvestigaçãotorna-seentãoesta:descreverosprincipioseo lequede meiosquea psicanálisecolocouà nossadisposiçãoparanospermitirlerme- lhora literatura. Teremos,pois,de explorarnão somentena suadiversificação,masna suahistÓria,asdiversasorientaçõesdo quesepodebatizarcomumaexpres- sãogeral: "a abordagempsicanalíticado campoda literatura".Pois cada uma delasse desenvolveunummomentodiferente,comdestinosdiversos, intcnsidadesvariáveis. 13 Umavezque astentativasde Freud serlfoapresen'tadassegundoa or- demqueapareceram,passaremosem revistaestaslinhaseosresultadosque deramatéhoje. Alcançaremosnossoobjetivose,numacoleçlfoqueatinge um público amplo, todos os espíritoscuriosbsadquiriremum sentimento maisou menoscircunstanciadodosmodosdeintervençãodoolh;Upsicana- lítico, em facedosmúltiplosaspectossobosquaisa literaturaestápresente, viva,ativaparaumapartedehomensque,esperamos;nãodeixarádeseam- pliar. Paraconcluir,evoquemosestafórmuladeFreud,donde o humornão estáausente: "O trabalhoanalíticoé delicadoe fatigante;elenãopodesertratado comoum pincenê,quepomosparaler e tiramosquandosaímoslipasseio." (NCP,201) . Saiamos,pois, embuscasenão do melhorpincenêparaler bem,pelo menosdeumbompincenêparalermelhor. 14 OBSERVAÇÕES A quemqueirainiciar-sena históriae naposiçãodosproblemasda psicanálise, no seudesenvolvimentorecentee nos seusprincipaisconceitos,remetemosrespecti- vamentepara: OctaveMANNONI, Freud,"EcrivainsdeToujours",Seuil,1968. DanielLAGACHE, La Pl)'chanalyse,"QueSais-je?",PUF, 1955,paracompletarcom CatherineCLÉMENT etai.,La Pl)'chanalyse,"Encyciopoche",Larousse,1976. J. LAPANCHE et J.-B. PONTALIS, Vocabulairede Ia psychanalyse(Vocabu/drloda Psicanálise,LivrariaMartinsFontesEd. Ltda., Trad. de PedroTamen,1975),PUF, 1967(aquidesignadopor VLP). SIGLAS E CONVENÇÕES RevistasfreqUentementecitadas: Litt. - Littérature(Larouse). NRP - NouvelleReVIUdePsychanalyse(Gallimard). PoÜ - Poétique(Seuil). RFI' - RevueFrançaisdePl)'chanalyse(PUF). Abreviaçõesusuais: Nas notas e paraasreferências,pareceu-noscômodoescrever:Psapara"psica- nálise";psapara"psicanalftico"; iCl para"inconsciente". 15 (5. Freud,CLP,lll-l12). CAPITULO PRIMEIRO LER COM FREUD "Da exploraçãodos sonhosfomoslevadosprimeiroà análisedas criaçõespoéticas;emseguida,dospoetase artistas[... ), osmaisfas- cinantesproblemasde todosaquelesqueseprestamàsaplicaçõesda psicanálise.•• Para começar,umahi~tória:falsaounlIo,ela traduza verdade.A alo guémquelhe perguntouquaistinhamsidoseusmestres,o fundadordapsi· canáliseteria respondidocom um gesto,apontandoparaasprateleirasde suabibliotecaonde figuravamos monumentosda literaturamundial ... Freud eraapaixonadopor todaespéciede literatura:grandeledoras- simcomofino leitor. Suaculturaé aquelaque hácemanoseraproporcio- nada no ensino secundário,na Áustria: clássica,mas mais variada,mais universal,maismodernaquesuahomóloganaFrança.A título deexemplo, osnomesqueaparecemcomfreqüênciasobsuapenas[o deautoresjá con- sagradospor volta de 1870:Aristófanes, Boccacio,Cervantes,Diderot, Goethe,Hebbel,Heine,Hesíodo,Hoffmann,Homero,Horácio,Tasso,Mil· ton, Moliêre, Rabelais,Schiller,Shakespeare,Sófocles,Swift; quantoaos escritorescontemporâneos:Dostoievsky,'Flaubert,Anatole France,Ibsen, Kipling, Thomas Mann, Nietzsche,lSchopenhauer,BernardShaw, Mark Twain, OscarWilde,Zola e StefanZweig.O queeleextraide suasleituras sãoprimeiro fórmulascomprovadasque marcaramsuamemóriae que lhe permitemenfeitarseu texto com citações,segundoo uso do bem-escrever própriode seutempo.E sobretudoum conhecimentodasmolasquefazem oshomensagir,primeiropor impregnação(estefundodesabedoriae deex- periênciaquenóstodosadquirimosemcontactocomobrasrepresentativas); depois,colocando-se,porprópriainiciativa,naescoladosgêniosqueo prece· deram,sem o saber,no caminho das grandesdescobertaspsicológicas. VemosFreud declararcomfreqüênciasuaconvicçãode queos textoscon· sideradosimortaispodemserguias,assim: "E revelou-se- o que,aliás,os romancistaseosconhecedoresdoco- raçãohumanosabiamhámuitotempo- queasimpressõesdetodoestepri· meiroperíododavidadeixavamtraçosindelévies[etc.)"(MVP,42). 1 Para dizer e repetirque há entreambostantospontos comunsqueele prefere nãofreqüentá-Ia"demais",a fim deconservarinteiraaoriginalidadedeseupróprio pensamento... 16 Fascinadopela extraordináriaartede adivinhardestesespíritosque não possuíamosmeiosde análise,ficavaimpressionadocomseusresumos, descriçõese narrativas,masnão maravilhadoatéa cegueira:pelocontrário, sentia-seincitadoa compreender.Daí o vigorde suaspesquisas,de seuses- forçospara- à medidaque o ia formulando- aplicarseumétodocientífi- co aoenigmaque,dealgummodo,ele já esclarecera. I. "Aplicar" a psicanálise? o termoaplicaçãonão deveprestar-sea contra-senso.Ele sugerenor- malmentequeseutilizam,numcertodomínio,princípiosemeiosdeinves- tigaçãopertencentesaumaesferaestranhado saber,denominada,segundoo caso,"ciênciafundamental"ou "ciênciaanexa". g destemodoque serecorreà matemáticaparatodasasciênciasexa- tase até(por exemplo,a estatística)paracertasciênciashumanas;ou apli- ca-sea químicadasradiaçOesà arqueologiae àpaleontologia,servindo-sedo carbono14paradatarumapedratalhadaou umacerâmicaantiga.Ora,no casoquenosocupa,não setratadeummododecálculoou umaparelhode medidapertencenteà ordemdo quantitativo,masdeumamesmagradede interpretaçãoquedeveriaservirparadecifrarfenômenoshumanosaparente- mentemuito distantesuns dosoutros(e é prticisodemonstrarpreviamente queelesnãosãoverdadeiramenteheterogêneos).A primeiraOriginalidadeda teoriado inconscienteé termostradoqueaseparaçãoentreasdiversasatitu- dese atividadesdo homemerasuperficial.Umavezestabelecidoquehácon- tinuidadeentrea criançae o adulto,o "primitivo" e o "civilizado",o ex- traordinárioe o ordinário,o patológicoe o normal,vemosdesaparecerde urnavezo fossoquemantinhaafastadas,umasdasoutras,produçõescomo o sintoma,asnarrativasfantásticas,os t~busdospovospolinésios,a organi- zaçã'oe o alcancedosbrinquedosparameninosemeninas.Existeumabase - a saber,o mecanismocomplexodaspulsões,osmodosderecalque,asar- timanhasdo desejosexual- queé comumaoscomportamentosestranhos c costumeirosdasdiversasespécie'sde indivíduos,defaixasdeidade,deco- letividadesqueencontramosna superfíciedo planeta.Um sonho,um brin· qucdo, um rito, umaassociaçãosecreta,um fiÚto,umalenda,umafábula, lima epopéia,umacançãoinfantil, um romance,umabrincadeira,a magia dc um poemaformamobjetosde estudosdistintosapenasparaespecialis- (asque pensavamtrabalharsobremateriaisheterogêneos.A partir do mo· mcntoem quetais fenômenoshumanossãoconsideradosemqualquergrau COlllO realizaçõesdeummesmoInconsciente(amaiúsculaprecisaquesetrata '\0 sistcmaenquantotalenãodeumaorganizaçãoindividual- nãoéumamar- ';1 lk sacralização),torna-selegítimoqueummesmointérpreteocupe·sede· Ir~. A plicara psicanáliseaumaclasSedeobjetospsíquicosparticularesé ob· 17 servara maneiracomo o desejose manifestaatravésdos materiais,dos contextos,dosórgãos,dasinstituições,dosdadosculturaisirredutíveis,mas queobedecemàsmesmasleis. A palavraaplicaçãonão temaquiumsentidoquesesobrepõeaosque ela recebeem outra parte;não se trata de fazer intercâmbiocom uma ciênciavizinha,nem afortiori dedeportarapsicanáliseparaqualquerlugar: queiramosou não, a análisedos processosinconscientestempor vocação interviremtodaparteem quesedesenvolveá "imaginação",istoé,afetos, uma obra de ficção, a representaçãode maneiramais ampla,e efeitos simbólicos.Ela podejulgar-seeficientecadavezqueo homemvolta-separa si mesmoe cadavezquesuaatividadede conhecimentosaidaaxiomática, da physis e da techné para interessar-sepelos aS{lectos"concretos"daexistênciae dahistória,dasociedadeedo indivíduo.E precisoinsistir sobre isto:o matemáticooperacomnúmerose combinações,o astrônomoobserva o quesepassano infmitamentegrande,e o físicono infmitamentepequeno; o engenheiropreocupa-secomaeficáciarentável,massaindodesuaespeciali- dadeeless[o, por assimdizer,apenashomens;Freud com seuinseparável pincenêpresono nariz,observa-ostrabalhando,estuda-ostambémfora do trabalhoe, não esqueçamos,observaa si próprio trabalhandoe não se perdedevistaquandoseuespíritorepousaouvagueia.Nãosearriscanunca a tirar o pincenê,já queconsagraseutempoadecifraro textodoHU11U1no: emsuma,elenãopáradeler! 11. Umaliçãodeleitura Commaiorrazão,quandolhe ocorreler um livro, não deixade agir comoanalista:prestaatençãoao queouveno textoescrito.Seria,entretan- to, um erro imaginá-Iolendo "entre linhas", sonhandovagamentecoma- quilo que a leitura lhe sugereou lembra.Nemprofeta,nemfabricadorde idéias- sobreissoverSarahKofman em L 'enfancede l'art -, Freud era um intérpretesempreatentoàspalavras,àsfrases,à linguagem.Dizemque gostavadecitar (atécitarcom freqüênciasuasprópriasfórmulas):alémde modada época,issoeraaprovadequeeledavaimportânciaao literalenão somenteaO"espírito" dosenunciadosqueabordava.Voltaremosafalarso- bre o caráterexemplardestaatitude,sobresuasrazõese conseqüências; por ora,digamosqueesteapegoao literalimpediu-odecairnametafísica, de mergulharnum misticismoimpossívelde sustentar teoricamente.Um Jung, por exemplo,nãoconservouesterespeitosorigore logo antesdaPri- meiraGuerraMundial foi necessáriofazê-Iocompreenderqueseestavades- viandoparaumanovaformadepsicologiaquenãomereciao título depsica- nálise. 18 Por formação,o mestrevienenseeramédicoesábio,esempreserecu- soua passare a seterpor fllósofo: ocupa-seprimeirocomos fatos,depois com asconstruçõesna medidaemqueestasdlrocontadosfatos,detodose somentedeles.Atençãoaosdetalheséconsubstancialaumacondutacientí- fica preocupadaem ouviraspalavrasexatasdeumpaciente,em saborearo discursoprecisodo escritor.Extrapolando,caímosno precipício,tornamo- nosexegetas,oráculos,adivinhosde aldeia.A queseassemelhariaa tragédia de Édipo-Rei, se terminassecom a revelaçãodo incestoe uma punição do herói? É importanteque Édipo, tendoconstatadoa gravidadeda falta cometida- "inconscientemente",pois,o oráculodosdeusesnão eramais claro queum sintoma!- nãovásuicidar-seou aprisionar-sepor todavida: comum brocheroubadodeJocasta,elefuraosprópriosolhos;parapunir-se "lá ondepecou",castra-semassimbolicamente,invertendoosprópriosges- tos do crime,já queé algumacoisadamãe-esposaquevai atingi-Iono que temdemaisvital, "a pupiladosolhos",e comosquaisprecisamenteeleti- nhacobiçadoseusatrativosdemulher;por issoÉdipo pagao verdadeiropre-ço, a mortedo desejo,a fun deviverdaí pordiantenadoreno luto, emvez de,como aliáseledesejanummomento,ir afogar-seno mar- ondeseteria beneficiadocoma duplabênçãodeunir-seàmãeeganharamorte... 2 Freud não estáaqui no lugarda Pítia quevaticinainspiradapor Apoio; eleestá na de seuassistente(oslatinosdirãointerpretes),domediadorqueintervém, do intermediárioqueseinterpõeentreafalaobscurado deuseo ouvidodo cOilS1.dente;coloca-seentreaquiloquedeclaraliteralmenteo autortrágicoe aquiloque somosautorizadosaperceber,aí levandoemcontaestruturasin- conscientesque aí semanifestam,impulsoslibidinaisqU€abremparasium caminhoapesardaoposiçãodacensura. Nossopropósitonãoé discutiragorasobreo valordeumadecifração, nem mesmosobrea legitimidadede "submeter"uma lendaem formade poemadramáticoa umaleiturainterpretativade estiloanalítico,de prefe- rênciaa uma exegeseanagógicaou umatransposiçãoideológica.Compete- nosassinalarqueler com os óculosdeFreudé lernumaobraliterária- co- mo atividadede um serhumanoti comoresultadodestaatividade- aquilo queeladiz semo revelar,porqueo ignora;lero queelacalaatravésdo que mostrae porqueo mostrapor estediscursomaisdo queporumoutro.Na- daé gratuito,tudoésignificante;eo queacenaparaFreud,sãoosrebentos do inconsciente.O textoé,semo sabernemquerer,umcriptogramaquepo- dee deveserdecifrado.Por quê?Primeiro,claro,paraajudaro psicanalistaa 2. Muito mais,Sófoclesfaz :&1ipofalarde modoadeixarplesuflÚlqueelesabeaver- dade:todomundoemTebasfalados malfeitolesassassinosdeLaios;opróprio~dipo diz "o ma1feitol";todomundoreclamaa cabeçados responsáveispelapeste,só:&1ipo plocma "o culpado";antecipaçãosignificativa,lapso leveladol (v. Driek Van DeI Stenen,Oedipe(1948),ed.fIanc.PUF, 1916,p.49). 19 dominarseusmétodosde"tradução"(quenadatêmavercomo trabalhode um tradutorno sentidocorrente,como aindaveremos)e'aassegurarseus postuladosteóricos,verificandoseuvaloruniversal;estebenefícioé realpa- ra o saberqueo homemtemde si mesmo.Massobretudo,no quenos diz respeito,paraquea psicanáliseajudea leituraarevelarumaverdadedo dis- cursoliterário,a dotarestesetordaestéticadeumadimensãonova,a fazer ouviruma fala diferentedemaneiraquea literaturanlIo nos falesomente dosoutros,masdo outroemnós. A interpretaçãolevaa um tipo deproveitototalmenteparticular.Co- mo se trata de um trabalho,gostamosde dizera nósmesmosqueeleserá recompensado.Primeiro,entraemlinhadecontaa satisfaçãodecompreen- der(mesmona ilusão,é precisoconfessá-Io),aalegriadeterpenetradonum segredo,de ter percebido,apesardasdificuldades,umsentidoqueserecUsa- vaà evidência:a psicanáliseverianissoum ecodas curiosidadesantigasda criançaa respeitodetudoo que,no silênciodospaisedoscorpos,temrela- çãocom a diferençadossexose dasgerações,como mistériodo nascimen- to, comos motivosdo prazerou dasproibiçCles.Regozijoque,pornlo ser inconsciente,mergulhasuas,:aízesem velhasimpressõesesquecidase que, provavelmente,interferenumaoutramenosvisívelainda,a quemantémo comérciodosinconscientesentresi. A sériedasproduçõesimagináriasemmeioàsquaiso desejomovimen- ta suasestruturasnãoé infuiitamenterica,já queseustemaslimitam-seàs organizaçõesarcaicas(oral,anal,fálicaeseussubstitutos)e àtriangulaçãoao mesmotemposimplese complicadadeÉdipo:pode-se,pois,imaginarqueo inconscientedo leitor exploraas facilidadesoferecidasparaevitaro reca/- que, por um lado,engrenando-senasfantasiasqueeleadivinha;por outro, reconhecendono outro astúcias,habilidadesqueo ajudarãoa mistificarme- lhor suaprópriacensura;talvez,umaespéciede conivênciaondesetrocam cenastípicase receitasde encenação.Terceirafonte de gozo,no prolonga- mentodasprecedentes,éaespéciedesituaçãotransferencia/quepareceins- taurar-seno momentodarelaçãocomumtexto,capazdeprovocaridentifi- cações,de mobilizar investimentosafetivosintensos,deexercerumaespé- cie de seduçãosobre o ego. Teremosoportunidadedevoltara tudo isso detalhadamente(com a vantagemde habituaro leitor a umalinguagem maistécnica).O apegoquesentimospor um livro, pelomenosdurantesua leitura, "absorvetodasasfaculdadesda alm:a",comodiria Pascal:é quase um ato deamor.Quersintamosclaramenteounão,oselosquesecriamper- mitemumaaçãonosdoissentidos:meupróprioinconscientemodificami- nhavisãodo queleioeo queo livrodelineianapenumbraalimentaemmim sonhosqueadquiremumacor inesperada.A leituranlfoconstitui,naverda- de,um tratamento;maspode-sepensarqueno tratamentoo analistaincita- me e ajuda-me silenciosamentea ler o textoqueminhaconfiançaescreve no divãe dedicaanósdois. 20 m.Osescritosfreudianos Freud conservoumuito de suasleiturasde homemcomum.Sentiu os prazeresde qualquerleitor, e atéosdo leitormaisavisadoquenumlivro ouve um inconsciente(revivesuasfantasiase apreciaseutrabalho),mas, alémdisso,lendo,ele colheuindicaçõespreciosasparasuapesquisa,assim como argumentosqueprovamavalidadee afecundidadedesuashipóteses.J Todos os que têmuma idéiade suaobrasabemqueeleescreveusobrear- tistas,sobreescritores,sobrefenômenosUterários,sobreobrasparticulares. Apresentamosabaixo- com a indicaçãodo volumedaediçãobrasileirano qual o textoé acessívele seguindoaordemcronológica- alistadosprinci- paislivrosou artigosqueeleconsagrouespecialmenteataisproblemas: 1907 - De/(rioseSonhosna "Gradiva"deJensen,(Vol. IX). 1908 - EscritoresCriativoseDevaneio,(Vol. IX). 1910 - Leonardo da Vinci e uma Recordaçãode sua Infância, (VaI. XI). 1913 - O TemaeJosTrêsEscrutfnios,(VaI. XIII). 1914 - OMoisésdeMichelângelo,(Vol. XIII). 1916 - Alguns Tipos CaracteristicosEncontradosno Trabalho PsicanaUtico.(Vol. XIV). 1917 - UmaLembrançadeInfânciade "Dichtungund Wahrheit", (Vol. XVII). 1919 - O Sobrenatural,ParteI, (Vol. XVII). 1928 - DostoievskyeoParriddio, (Vol. XXI, prefácioaO Irmãos KaramazovI, ec!.Folio). Num livro autobiográfico,apresentandoaspossibilidadesdesuateoria para o quehojechamaríamospesquisasinterdisciplinares,o autordeclara: "A maiorpartedestasaplicaçõesdaanáliseforaminauguradaspor meuspró- prios trabalhos"(MVP, 79). Esta fraseadquireuma ressonânciaespecial, quandoa restringimosao campodosestudosliterários,poisé evidenteque Freud abriuo caminhonestedomínioa todosostiposdeabordagem,desde o estudoda emoção'estéticae da criatividadeartz'sticaatéa leituradeum textoúnico, passandopelaanálisedos gêneros,dos motivos e dos escri- tores.Partiremosdesuaobra,todavezqueestudarmosseudesenvolvimento atravésdaquelesqueo invocaram:analistasou críticosliterários. Resta fazeralgumasobservaçõessobreestaobradeum leitor exem- plar.A primeiradizrespeitoàpreocupaçãopermanentenosseusescritosteó- ricose técnicQsemsereferiraosgrandesnomese aosgrandestítulosdalite- raturainternacional.O casode Édipo foi assimestudadoaolongodetOGaa vida de Freud, tanto na suarealidadeliteráriacomono seucomplexonu- clear,desdea cartaa Fliessde 15deoutubrode 1897atéo EsboçodePsi- canálise(1938). A segundaobservaçlfodestacaráque numadeterminada 3 Apreciemosestaobservação:"O interessepelaPsapartiu,naFrança,doshomensde letras... " (MVP, 78). 21 ocasição'Freudefetuoua análiseclínica deumparanóico,trabalhandoape- nassobreum livro autobiográficoescritopeloprópriopaciente:o célebre presidenteSchreber(em CPS). Terceiraobservação:provavelmente,é por- quetinhaumapredileçãodeclaradapelostextosde escritoresemquea es- crituraé trabàlhadae "trabalha"mais,queeleavançourelativamentepouco nassuaspesquisassobreasmitologiase o folclore(eledeixaissoaoscuida- dos de Otto Rank, de TheodorReik e GézaRoheim,MVP, 85-86).Por is- so, asanálisesde Toteme Tabupartemmenosdedocumentosetnográficos deprimeiramãodo quedeconstruçõesou exegesespropostaspeloantropó- logoFrazer. Enfun, a lista acimadeixoude ladoumacategoriade obrasquenão tratamdemodo explícitodosobjetos"literários",mascujascontribuições sãofundamentaisparaqualquerreflexãofreudianareferenteàsrelaçõesdo inconscientecoma linguagem.Três destasobrasque têmumaimportância maiorforamredigidase publicadasantesde qualquertentativadeaplicara psicanáliseà literatura;sãoaquelasqueabordamosonho,os lapsos e os chistes.Tudo sepassacomoseo autortivesseaprendidoa ler nelas,deter- minandoascondiçõesdeumaleituraprofunda.Nãopodemosdeixardenos colocarsobsuadireçãonamesmaescola. 22 CAPIIULO II LER O INCONSCIENTE "A arteé o únicodomínioemqueaonipotênciadasidéias semanteveaténossosdias.Só na arteaindaacontecequeum homem,atormentadopordesejos,realizealgoqueseassemelhe aumasatisfação;e,graçasà ilusãoartística,estejogoproduzos mesmosefeitosi1fetivos,comosefossealgoreal.:e comrazão que sefalada magiada artee queo artistaé comparadoa um mágico." (S.Freud,TOT, 106.) o sonhoé a "via régia"'queconduzao inconsciente.Isto constituiu verdadehistórica,ou quase,já queA InterpretaçãodosSonhos! foi o pri- meiro livro assinadosó com o nomede Freud - e é interessantequeeste livro tenha"aparecido"(tão pouco!) nasprateleirasdos livreirosdurante asúltimassemanasdo séculoXIX. Isto aindaé verdadepelo fato deterem os sonhosocupadoum lugarprimordialno desenvolvimentoda primeira análise,a auto-análisede Freud:umaboapartedosdocumentosutilizados provémdo sonhadorque Freudconheciamelhorequetinhasempreàmão. Isto continuaverdadeironos nossosdias,já que os analistasconvidamos analisandos2a retereme anotaremseussonhos(noturnos)tanto quanto seusdevaneios(diurnos)paracontá-Iosnassessões,e fazerdeleso material detrabalhoquedáacessoaseusdesejosrecalcados. Freud percebeurealmentemuito cedo que um sonhorepresentava a realizaçãodisfarçadade um desejoesquecido- ou pelomenosumaten- tativade realização- quevinhaseinserirna realizaçãodeum desejomais 1 Os primeirostradutoresfizeramde Die TraumdeutungLa Sciencedu Rêve [A Ciênciado Sonho].A palavra"ciência"erainaceitáveldopontodevistaepistemo- lógicoe nãorepresentavaDeutung;o novotítulo contéminterpretação,masemlugar do pluralsonhosteriasidomelhordeixaro singular,maisfiel equecaracterizamelhor o aspectoteóricodesteestudo. 2 Precisemos,pensandonaquelesa quemestetermosurpreenderia,queeleé o único aceitável:"analisado"podeserempregadosódepois,masduranteo "tratamento",é aqueleque estáno divãquedevefornecero essencialdo trabalho,queconvidamosa dizer tudo, inclusivea interpretaçãoqueeleprópriodá do materialquelhe oferecea vidaquotidiana.Aquelequeescutanapoltronajfora de suavista,é umatestemunha, nãoum examinadornemum professor:eleacolheo melhorquepodeafIXaçãoafetiva queseoperasobresuapessoae sobrepersonagensqueeledeveendossar(é a transfe- rência).Devemosa JacquesLacan,por ter sido o primeiroa utilizar,o termoanali- sando.hojecomumenteempregado. 23 atual,utilizandoelementose acontecimentosdo diaanterior.Ao interrogar- sesobreasrazõespelasquaisdesejossecretos(o pensamentolatente)trans- formavam-separaconstituirestahistóriasempénemcabeça,estaseqüência bizarrade imagens,de atose depalavrasquetodosnósconhecemos(o con- teúdomanifesto),elefoi levadoa colocaro sonhono mesmoplanoqueo sintoma,a procuraruma origemparaele,umvalor,umasignificaçãodife- renteda de assegurara salvaguardado sono(necessidadebiológica).Pouco a-pouco,toda a teoriado Inconscienteveioapoiar-senadescriçãodealguns mecanismosprecisos.Ora,o sonhode quetrataa análiseé a na"ativapro- duzidapelo sonhadorem estadode vigt1ia,a partir do momentoemque retomaconsciência;s6 sabemoso quevimose ouvimos,sofremose infligi- mos- àsvezesatépensamos- duranteo estadodemenorvigilância,quan- do nos lembramosao despertar,contamosparan6smesmos,podemoscon- tar para outros:é algumacoisaverbalizada,o que a lingüística-chamaria enunciadonarrativo. I. O trabalhodo sonho Um sonhoapresenta-secomoum texto:frasesencadeadasquedescre- vem uma sucessãode condutasde sensações,de idéiasconcretas(são as representações).Seqüênciacolorida de prazerou de desprazerou de uma proporçãovariáveldosdois(é o afeto).Entendamo-nosbem,nãosetratade umamensagemexpedidapor "alguém",escondidono fundo de n6s,vindo dos recônditosda infância,e destinadaa um "ego" queteriade recebê-Ia, decodificá-Iae eventualmenteresponderde maneiraadequada:tal visão simplistafalseariatudo. O sonhonão fala nempensa.Freud diz incisiva- mentequeé "um trabalho"(IDR, capoVI). Compara-oaum rébus:"Nossos predecessores,diz ele, cometeramo erro de querer interpretá-Iocomo desenho"(p. 242),3aopassoqueospequenosdesenhosrepresentam,"est!fo no lugar" das letras,s11abas,palavrasa seremidentificadase ressociadas numafrase. Não há ninguémpara enviaro telegrama,ninguémparadecifraro rébus- excetoquandoo analistaintervém.Hádesejo,quepoucotemaver coma necessidade,aliásseriapossívelsatisfazê-Ioe fazê-lo calar-se;ora,isso grita indefinidamenteno ponto de articulaçãode nossoorganismoe de nossopsiquismo,gritosde alegriaegritosdeaflição;há desejosemprepron- 3 V. asanálisesrigorosasde J.-F. Lyotard,Discours,Figure, pp. 239·270,e neste volume,infra, fim capo IV. 24 IiI paraaproveitara ocasiãode abrirum caminhoatéos lugaresemqueele leria chancede se fazerouvir,até a cenaonde se representanossotelJtro quotidiano, um teatro onde, logo que a consciênciavigilantedeixa de aplicar-sea um objeto ou um objetivodeterminado,animam-seperma- nentemente,num cenário, personagensque imitam e contamhistórias. Continuamocorrendoas lembrançasainda bem frescasda véspera,or- ganizadasvagamente,segundoas preocupaçõesdaqueleque dorme (im- portantesou secundárias,ninguémfaz a triagem),e um impulsodo in- consciente- daquilo que no sentidoestritonuncapoderáse apresentar tal qual a consciência- vemusurparo lugardo diretor de cena,impon- do neste palco fragmentosde seu próprio argumento.O maior defeito destacomparaçãoestáem que todo o espetáculosupõeum público;nem diante da cena dos sonhos, nem nos bastidorespoderíamosencontrar espectadoresou maquinistas;até o lugar do "ponto" estávazio,embo- rapareçadeixarescaparvapores,borborigmos,correntesdear. Se existisseum destinatáriopossívelpara tais narrativas,uma tes- temunhadestaatividadedesenfreada,elas não se realizariam;só possuí- mos reproduções;não há "passagemdireta", "gravações"seletivasdis- poníveisa posteriori. Literalmente,o desejodo sonho,no momentoem que se manifesta,falaparanãodizernada.O fato de falar(a enunciação) é considerado,depois,razão de ser; é tendo falado (representado)que ele realizouseudestinoe conheceusuaúnica formade satisfação:expri- miu-se,por assimdizer, exteriorizou-se,e - esvaziadode seusumo- não esperaque alguémvenha responder-lheou preenchê-Ia.O importante parao inconscienteresideno modocomqueele fazseusatoresrepresenta- rem, na intensidadeda dicçãoe degesticulaçãoquelhesimpõe,nasacro- baciasàs quaisos obriga,e numa certamaneirade embaralharo texto que aprenderamde cor tão modestamente.Deve-sever nele uma força e uma forma, nãoum discursode defesa,uma petição,uma declaração, uma admoestação,nem tampoucoumacoleçãode lembranças."Ele não constitui nem uma manifestaçãosocial nem um meio de se fazercom- preender",diz o próprio Freud (NCP, 14).A palavrasonhorecobrede- finitivamentetrês fenômenosdistintos:uma energiadesejante(que in- vadeo palco),umaseqüênciadescosturadade jogos de cena,e a narra- tiva destapantomima,que restabeleçoposteriormente,eu que era (é o que parece)ao mesmotempo.a sala,a cena,a ribalta,os atores,o dire- tor - ilusões,marionetes,caretas,sombras... Deixemosà doutrinapsicanalíticaa funçãodeinventariaraspulsões libidinais, e ao clínico a de extraira sintomatologia;o que nos interessa aqui e agoraé o trabalhodo sonho,de algumamaneiraentreseudesejo e suanarrativa- um desejoindizível,nuncaformulado,e que"sua" nar- 25 rativafinalmenteinventa~Poisnestepontoencontramosum funcionamento psíquico,cujosefeitosnão acabamosde tentarmedir.O texto(comoo en- tendemoshoje)éconstituídodeeporestetrabalho.Umaespécieoriginalde trabalho,como asmatérias-primasslloproduzidasà medidaqueafabricação as transformae reuneparaobter o produtoacabado(é isto quechamamos efeito "só-depois"); eumaespécieoriginaldetextoqueofereceà decifração um discurso,ou melhordiscurso,semendereço,semintençãoprévia,sem conteúdodeterminado.É precisopesarcadaumadestasexpressões:o vazioqueelascircuns- crevem,já quesãonegativas,é o própriovaziocujaleiturafaráaplenitude do discursoliterário,e não há aí nenhumjogo de palavras.Nãohádestina- tário preciso;um romancede Stendhal,quepretendiafalardosanos1820 e que confessavadeverser compreendidosó "cem anosdepois",nãovisa nemos contemporâneos,nem os francesesmaisespecialmentedo que os homensde hoje ou um esquimórecentementealfabetizado;ele tem por publico o Homemou quemquerquesaibaler. Não há mensagem:pode-se perguntarou ensinaro quequerquesejaa alguém,emparticular?A Fedra de Racinequerprovarquea paixãoé perigosa?Seráqueéistoquedevemos pedirdela?Sefossesóisso,elateriasofridoasortedostratadosparaaeduca- ção dasmoças.t:i:' háexpedidor:o próprioRacinepretenderiateroutrafi- nalidadequea de escreverumabelauagédiasobreum argumentofamoso? Um poemanão sereduznemaoque"sentia"o poeta,nemaoque"querem dizer" as imagens,nemà "impressão"quedeveriaexperimentartal indiví- duosubmetidoàsvicissitudesdahistória. Claro, Freudnão estabeleceucomotal a analogiaentresonhoetexto literário: falavaumaoutra linguagem,era prisioneiroem grandepartede umaoutra concepçãoda obrade arte(a saber,subspecieaetemitatis,uma idéia penetranteapresentadasob aparênciasharmoniosas).Mas ele abriu caminhoparaumareescriturado onírico emtermosde texto e reciproca- mente.Deduziuprincipalmenteregrasde transformaçãoàsquaisestãosub- metidaso queelechamade"conteudosinconscientes".Freudherdoudeseu séculoumavisãopositivistae coisificantedo quese cozinhalentamenteno "c;l1deirãoda feiticeira",enquantoa linguagemda modernidadetentare- construirumafaladiferentequeinsistano discursoqueobedeceà lógicado mesmos(isto é, no discursocomum).Evoquemosrapidamenteestasregras 4 Veja sobreisso a contribuiçãodecisivade Jacques DerribaL 'Ecritureet Ia diffé- rence,pp.293-340;nestevolume,e infra,fim capoIV. 5 Todo discursopertence,pordefinição,primeiroà ordemdo Mesmo,jáquealingua- gem(logos), com suasregulamentaçõesmaisou menosarbitrárias,constitui-sede modoa autorizaremelhoraracomunicação;intercâmbiodeinformações,manifestação dopensamento,descriçãodarealidadepercebida. 26 .) ,- 11allS 1'0rmaçãoou processosprimários. São em numero de quatro: I) SI) se formula o que pode ser figurado (percebido,e principalmente vl~lIalizado):o sonho, como um fIlme mudo, pode citar, repetirpalavras lealmentepronunciadas,masdevemostraro que conta;2) qualquerobje- to pessoa,lugar,coisa - pode condensarváriosoutrosnas duasextre- midadesda cadeiade transformação(um animalreunepai, irmão, rival, até mesmoum personagemfeminino;em outra parte,é precisotrês mu- lherespara encarnara figura maternal);3) o essencialé geralmentedes- locado para uma situaçãoacessóriae um detalheínflJUo traz a palavra- chave;4) a seqüênciaque reuneos elementosinconscientesapresenta-se elaboradasecundariamente,de maneiramais freqüentementerudimen- tar, num argumentonarrativoou dramático(que Freud chama"a facha- da do sonho"). Uma vez que o recalcado,submetidoà censura,não tem direito a uma fala clarae distinta - a estalíngua articuladasobrea rea- lidade que é a dosprocessossecundários,como Aristótelesdescreveucom o nome de princípios racionais-, ele devese formularatravésdasqua- tro serpentinasdestealambiqueque é o sonho.Na saída,temosde lidar com um discursoque parecedisformee lacunar,que está,de fato, trans- formadoe acentuadode outro modo: a fraselatente,em regrageralbas- tante breve,tornou-se(ou melhor só se apresentacomo) uma narrativa manifesta;às vezes,muito confusa mas sempreconsideradainterpretá- vel, exceto na pequeninamarcaondese nota sua origem,seu "umbigo" (Freud). Pois·na ordemdo psíquico,tudo é rigorosamentedeterminado, não há lugarparao acaso,basta(!) retransformaro dado- respeitando, entretanto,acicatrizquepertenceà conjectura. 11.As artimanhasdalinguagem Este modelo de funcionamentoencontra-senos argumentosdo devaneio(é a fantasia- -propriamentedita) tanto quantonas "fantasias inconscientes"queservemde "matriz" a todasasficções,emqueum su- jeito saciaseu desejono modo imagináriorepresentando-oa si mesmo. Alguns de seusefeitossão reconhecidosno trabalhopoético da lingua- geme podemosevocarnestemomentoamagníficaexpressãodeBaudelaire, falandode uma "retórica profunda". Num sentido,os processosprimá- rios operamdo mesmomodo que os tropos da tradiçãoretórica:metá- fora, metonímia,sinédoque etc. A menosque sejanecessáriodizer que a retórica clássica,decompondoas figurasdo discurso,reencontrouaté certo ponto os mecanismosda linguagemonírica? Em todo caso,asfór- mulasmaisutilizadas,a saber, os tropo'Sfundadosnumasubstituiçãopor semelhança,contigüidadee dependência,têm seu lugar nos pontos-cha- 27 ve de cada sistema,6e é assimque procedea condensação.Quantoao deslocamento,ele recobrebom númerodas astúciasa que recorremas [igurásde expressão(alusão,hipérbole,litotes,paradoxismo,ironia, pre- terição,etc). O fato de poder assimaproximarretóricae verbalizaçãoen- viesadado desejojustifica a tendênciamanifestana psicanálisefrancesa contemporâneade deixar na sombrao modelotermodinâmicode Freud (digamoscaricaturizando:à basede panelade pressão)emproveitode um tratamentolingüísticodos fenômenos."O Inconscienteé estruturadoco- mo umalinguagem":esseé um dosaxiomascélebrespropostospor Jacques Lacan;o segundoé: "o Inconscienteé o discursodo outro", o quepennite pensar·queo sujeito(Eu) seconstituicomodiscursoalterado. O lacanismo,comrazão,apresenta-secomoumareleituramodernada obra freudiana.Mas aspOliasestavamabertas7 paraumasemelliantereo- rientaçãopor causada insistênciado mestrevienenseemenraizarsuaprá- tica na consideraçãodo materialverbal.Não podemos,de fato, limitar-nos aosescritossobreo sonho,aindaquesejammaisnumerososdo quesepen- sa comumente[1901:Sobre os Sonhos,(VoI. V); 1911:O Manejoda In- terpretaçãodosSonhosnaPsicanálise,(VoI. XII); 1915:as.duzentaspáginas que formama segundapartedasConferênciasIntrodutóriasà Psicanálise, (VoI. XV); 1917:Um SuplementoMetapsicológicoà Teoriados Sonhos, (VoI. XIV)]. Existemdoisoutroslivros,8sempredo começodacarreirade Freud,quetratamdosefeitosdo inconscienteno discurso:A Psicopatologia da Vida Cotidiana, (VoI. VI), 1901,e Os Chistese suaRelaçãocom o Inconsciente,(VoI. VIII), 1905. A metadedo primeiroé dedicadaà 'análisede fenômenosque inte- ressamà linguagem.Encontramosaí duasreconstituiçõesfamosasdas ra- zõespelasquaiso próprio Freud não puderaacharde imediatoum nome próprio ("Signorelli", PVQ, 5-11),e um de seusinterlocutores,a palavra estrangeiraqueeleprocuravacitar ("aliquis", ibid., 13-16),assimcomoum capítulo sobreo esquecimentodos substantivose dasseqüênciasdepala- vras:todaselasanálisessugestivas. 6 Assimmesmoumadiferença:a retóricasupõe,emgeral,umaescolha,podemosex- primir-nos"diretamente"ou "figurativamente";o ics não temoutralinguagemà suadisposição.Sobreosprocessosda retórica,v. PierreFontanier,LesFiguresduDig· cours,Flammarion,1968. ' 7 Pelo menos,estavamentreabertas:coubea J. Lacanalargara passagemparaasdi- mensõesdeumagrandeestrada. 8 Aos quaispoderíamosacrescentaro breveensaio,consagradoaoestudodolingüis- ta Karl Abel, quetrazo mesmotítulo,A SignificaçãoAntitéticadasPalavrasPrimi- tivas(1911),vol. XI; voltaremosa issonasreflexõesde OctaveMannoni,Cle!spaur 11maginaire,pp.63-74. 28 De quesetrata?Em regrageral,dequeum significante~ no sentido lingüístico,a materialidadefonéticaou gráficade um signo,o som ou a letra - aceita,na suaformaexataou sobumaformaaproximada,um sig- nificado - um valor de denotação,de conotação,de designação- que, num momentodado, a consciêncianão aceitae que se achade chofre recalcado,emborao contextoou o restoda frasechame-oao seu lugar. Uma jovem austríaca,num círculo de homens,quer evocaro romance inglêsque acabade ler e que tem relaçãocom Jesus Cristo: não é Quo vadis?B de Lewis Wal1ace... chega-sea identificarBen-Hur;ora, o som Hur assemelha-semuito ao termoalemãoHure(prostituta);e pronunciá:lo poderiaparecerum convitesexual,o que era ao mesmotempoimpudico e violentamentedesejado.O casodos lapsosé maistípico ainda,semser muito diferente.Em vez de um buracono enunciado,é um intruso que aparecee que "traduz-trai"um desejo,um conflito, umaangústia,indizí- veis.Umasenhoraqueixa-sede queasmullieresdevemdespendertesouros dehabilidadesedecuidadosparaagradar,aopassoqueoshomens,contanto quenão sejammuito disformes,"desdeque,dizelaà assembléiaestupefata, tenhamcinco membrosdireitos... " (seo efeito fossedesejado,teríamos umabrincadeiraatrevida!).Lapsuslinguae,portanto;lapsuscalamitambém. Escrevendoa seuanalista,um inglêsatribuiseusmalesa umamalditaonda de frio, masemvezde "that damnedfrigidwave"sua.penaescrevemaldo- samente... "wife": o verdadeiroculpadoé a esposafrígida. Semelliantes sãoos errosde leitura.Um soldadolê um poemapatriótico:os outrosvão "morrer por mim" na primeiralinha, e eu ficaria atrás,aqui? "Por que não? - em lugarde "Por que eu?" (Warumdennnicht?" I "Warumdenn Ich? "). A cadavez,é realmenteo Outronomeudiscursointeriorouexpresso quediz averdadedemeudesejo,aproveitandoa possibilidadeoferecidapelo significantede cometerum deslize(é o primeirosentidode/apsus)eo fato dequeestesexemplossejamtomadosdoregistrodo pré-consciente- istoé; ao queestámomentaneamenteforado campodaconsciência,maspodendo voltar- nãomudao casoemnada.E a poesia,ébemsabido,nãodeixade seapoiarnestesjogosdesonoridadeparadizermaisdo queeladiz;por isso, as palavrascom rima aproximam-sepor umaidentidadeparcialdos sonse esteecoinduzaumcontactoouencontrodossentidos. A segundaobrade alcancegeraltemcomoobjetooschistes."Meuli- vro sobreo Witzconstituia primeiratentativadeaplicaçãodométodoana- lítico a questõesdeestética",diráFreudmaistarde(CLP, 113).Demaneira um poucoconfusae àsvezesaproximativa,comoTzvetanTodorov9assina- 9 Capítulojustamenteintitulado"La Rhétoriquede Freud",emTheóriesduSymbo· le, Seuil, 1977.RemeteremostambémaoartigodeJean-MichelRey,'.'Ledoubletde Iamétaphore",Litt., 18demaiode1975. 29 lou recentemente- porquenão tinhaà suadisposiçãonemasnoçõesnem os modosde classificaçãodosretóricosmodernos,enriquecidoscoma lin- güísticaestrutural- Freud acumulauma quantidadeimpressionantede boaspalavras,coma intençãodeclaradadeverificarse "aspropostassuge- ridaspelo estudodos.sonhossão realmenteconfirmadaspelo estudo do espírito"(MRI, 255). Esta coleçãode históriasengraçadas,sentimosqueo autorsealegra emcompô-Iae mostrá-Ia,mesmosemnenhumapreocupaçãodeexplicação; Freud oferece-nosum verdadeiroflorilégio, principalmentede histórias judias porque o tocam de perto. Entretanto,de fato, logo na primeira amostraoferecida,nasprimeiraspáginas,parecequetudoestáclaro.O poe- ta Heineevocanum saineteum pequenoburguêsque sevangloriade um dia ter-sesentadojunto do barãode Rothschild,queo "tratoudemaneira bemfamilionária",diz ele.Estapalavraé um produtoda condensaçãoque uneemvoltade umas11abacomum- mil - osadjetivosfamiliaremilioná- rio: a issochamamosmot valise,e o sistemaé tãoconhecidoquantofecun- do. Ondeestá,nestecaso,o trabalhodo inconsciente?Freudtomao cuida- do de nosexplicarcomoHeinenãofabricou,demodointeiramenteinocen- te, um chistedestaespécie,mesmoque conscientementequisesseapenas obterum efeitocômiconestapáginade Tableauxdevoyage.Ocorrecomo dito espirituOsoo mesmoquecomo sonhofict(cio imaginadopor um ro- mancistaou um dramaturgo,e é impossíveltratá-Iodiferentementede um sonhorealrecopiado"palavrapor palavra"num diário íntimo. Enganamo- nos ao crermosque podemoscomporcomtodasaspeçasum sonhoapro- priadoa umasituaçãodeficção,já que- aexperiênciao prova- estesonho reconstituídoparao usodeumpersonagemétãocarregadodesignificações inconscientesquantoumsonhorealou quantoo restodapeçae doromance (voltaremosa isso).Ou melhor, tratamosnestejogo de palavrascomum tipo de condensaçãoque se encontracommenosfreqüênciano sonhodo queos personagensembutidosou os objetoscompósitos(do tipo quimera), masque supõea irltervençãodo mesmoprocesso,no qual doiselementos puramenteverbaissão condensados.A abreviaçãoque se transportouna formaçãodapalavraentrecruzada(mostvalise)temdoisefeitos:fazecoaos problemasfrnanceirosdo poetaHeine (que sabemuito bem o que é ser tratadofamiliarmentepor um milionário),e por outro lado, provocaum sorriso naquele que compreendeo alcancesatírico destabrincadeira.lo 10Freud evocao casodas brincadeirasatrevidas,bementendido;masfoi Sandor Ferenczique analisoumaisespecialmenteo gostopelaspalavrasobscenas,no seu valoraomesmotempolúcido,compensador(fasedelatência)e sintomático.(V) "Les motsobscenes",emPsychanalyseI, Payot,1968.) 30 m.Jogarcomaspalavras Não insistamossobreas razõesde economialibidinal que, segundo h"\I(I,justificamo fenômenode descargapelo riso; a regulaçl10dasten- \,WS extrapolanossopropósito. Não entremosmais nas sutisvariedades '1\\epermitemcolocar,ao lado da palavracompósita,asintervenções,apro- \ I 11I a•.•:óes,equívocos,trocadilhose outras falhas de raciocínio.Todorov 1t'(l)lIsideroucom muita pertinênciaas distinçõesdo psicanalista,e atuali- 1.1)11 seuvocabulárioultrapassado.Entretanto,ele acusaum tanto apressa- damenteFreud de racismoe de elitismo(op. cit., 314), por ter notado qlle oS jOgoSde palavrassãoprópriosprincipalmentedos primitivos,das crianças,dospsicopatas,atédosbêbados.Defato,lemosisto: "Encontramoso caráteressencialdo chistepor analogiacoma elabo- raçãodo sonho,num compromissopreparadopelaelaboração'espiritual', elltreasexigênciasda critica racionale a pulsãoparanãorenunciaraopra- zerdo passadoqueseligavaao absurdoe aojogo depalavras"(MRI, 314). Ali:ís, Ffeud declaraque é"maisfácil "unir confusamenteelementos IlI'lI'lt"ll"Iitos","agruparaspalavraseasidéiassempreocupaçãocomseusen- IltI,," do que utilizá-Iasde modo lógico, ordenado,rigoroso(189). Como I·~;tavoltaa alegriasprimitivascorroboraumacertaconcepçãoda atividade "simbólica" e como, por outro lado, Freudjulga que a abundânciados símbolosé "atribuívela umaregressãoarcaicano aparelhopsíquico"(NCP, 21», Todorov- equivocando-sesobrea palavraregressãoe carregando-ade \\mvalordepreciativoll- concluiporumaespéciedemiopiaqueconduzo Icóricoaoegocentrismoeaoetnocentrismo. Na realidade,e é uma dasmaioresliçõesdessapesquisasobreasformas do dito espirituoso,seexisteum prazernosjogos depalavras,a expressão deveser tomadaliteralmente:o jogo com as palavrasproporcionaprazer. Porque, quandocrianças,tivemosa liberdadede brincare gozarcom as palavras.Um dos aspectosdo processoprimário- nós o vimospassando do sonho ao chiste- é confundir,ou melhor,não distinguiras palavras e as coisas,imagensverbaise imagensobjetais.As realidadesfísicas têm umapresença,muitasvezes,alucinatória,em todo casosuarepresentação imaginadanão é imagináriano sentidoilusório: paraa criança,a cadeira é um barco;o quarto,o oceano,etc.As entidadesverbaisnão sãoparaela antesde tudo o sentidoquetransparecefugitivamenteatravésdeum som convencionado,masverdadeirosobjetosmateriais,queentramno ouvido, 11Regredir é retornara estágiosanterioresde organizaçãopsíquica,ondea psique era diferentementeestruturadamasnão "inferior": ela era tão complexae rica; IIlenosracionalizada,éverdade,masmaissubmetidaaoprincípiodeprazer(IAP, cap.22). 31 escrevem-secomcubos,saemda bocaou dasmãos,concernemaatividades corporais,inserem-senum esquemaafetivo,enraízam-sena própria carne (vera análisedo "Fort/Da", EDP, pp. 15-19). Com coisasna cabeçae palavrasentreos dedos,umacriançacons- trói parasi mundosquenosconvém- ounãoconvém?- declararincoeren- tes e inúteis.Tudo isto é jogo, e é sagrado.O inconscientefala de cora- çãoabertoebocafechada. E tudo isto não custanada.Pelo contrário,traz prazer,aquelafeli- cidadeque consisteem reproduzirgozospré-históricos,anterioresà cons- ciênciae à medidado tempo.Isto sefaz naturalmente,mesmocomgrande esforço,no entusiasmodo ingênuo(nascidorecentemente)paraquemo so- frimentonão contajáque suavida materialé asseguradapor um Outro. É necessáriovoltarà dimensãolibidinal,portanto,sexualno sentidofreudia- no, detodosestesjogos. Eis o queTodorovesquecequando- depoisdeterprestadohomena- gem a Freud por ter escritocom Chistes"a obra de semânticamais im- portantede seutempo" - observaque ele "descreveuasformasde todo processosimbólico,e não de um simbolismoinconsciente"(op. cit., 316), antesde colocarno mesmoplano a interpretaçãoanalíticae hermenêutica cristã(ibid., 320). Gravedistorção.Pois, dara entenderqueo inconsciente freudianoseriaconstituídopor espéciesdeesquemasou arquétiposinstala- dosa priori no centrodohomemparairradiaremdiversasluzes,segundoos setoresda atividadehumana(percepção,motricidade,sentidointerno,etc., v. Gilbert Durand),é reinventarumatranscendência,é enterrarna "alma" as Idéiasque Platlloalojavano céu;e seperftlaa sombramísticade Jung, profetae metafísicoda bemchamada"psicologiadasprofundezas".A psi- canálise,o freudismo,nãoé precisoinsistir,é o Inconscientee asexualida- de - ou se quisermoso Desejo-, inseparáveisjá que nasceramjuntos e formampar, tantonahistóriadasidéiascomonadecadaserhumano.Qual- querleiturade Freud queesqueçaou negligencieumadasduaspalavrasou sualigaçãoé fraudulenta. Paraconfmnar,eisum longotrechoquenoslevaráà noçãodeatitude lúdica,fundamentalparanós: "Toda criançaque brinca comporta-secomo poeta [diríamoshoje: es- critor] enquantocriaparasi um mundoseuou, maisexatamente,transpõe ascoisasdo mundoemqueviveparaumaordemnovaquelheébemconve- niente.[... ] Ela levamuitoa sérioseujogo,empreganelegrandesquantida- desdeafeto.O contráriodojogo nãoéa seriedade,masarealidade[... ] So- menteestesapoios[fornecidospor brinquedospalpáveis]équediferenciam ojogo dacriançado "sonhoacordado[fantasia]"(EPA, 70). 32 Confirmação,já que a fantasiaevocadaatravésdo devaneiodiurno não tem outra origeme significaçõesverdadeirasa não sersexuais:sonho, jogo, obrade ficção,fantasiaconstituema realizaçãodeformadadeum de- sejorecalcado- e tododesejoinconsciente"tendearealizar-serestabelecen- do, segundoasleisdo processoprimário,os signosligadosàsprimeirasex- periênciasde satisfação"(VLP, 120),o quenos remeteàsrelaçõeserotiza- dasqueo infans(aquelêquenão falaainda)mantevecomamãeatravésde seucorpoerotizado.Em suma,jogaré re-jogarjogosesquecidoseproibidos, é "regozijar-se"em repetire disfarçaros prazeresperdidos... Jogar tanto comos órgãosdo corpocomo combrinquedos,amigos,estruturascomple- xasou palavras.E por seremparteumjogo é que sejulgaquea literatura, por um lado,não serveanada,por outro,9ferecesempreprazeresinefáveis. Mas a literaturaé um jogo elaborado:a seriedadequepresideà sua criaçãoexigemaislabor, suasconstruçõessãomaiscomplexas.Pois,trata-se (inconscientemente,claro) de apagaros traçosdo processoprimário,afo- gando-ono meiodosprocessossecundáriosqueseencontrammaisou me- noS subvertidos.O escritorproduz,em geral,numalíngua conformeaos usosda granlática,um discursode quase-racionalida~ee de quasemimetis- mo cm facedascondiçõesda realidade;seelesepermite"licenças"de ex- prcssão,se tem direito a uma visão"fantasista"dascoisas,etc.,sabemos bemque sãoexigênciasda "arte". Semo engajamentode todo o homem, sem a aplicaçãode sua inteligência,de suacultura,mastambémsemos "grãosde loucura" que, aosolhosdo público,fazemdo artistaumaespé- cie de criançagrandeou de perversoinofensivo,nãohá maisencantopos- sível.Para sereficaze reconhecido,um escritorliterárionãodeveparecer nem demasiadoconvencionalnem totalmentelúdico: ele precisa·deum coeficientede marginalidadeproporcionalàquelaque a maioriados lei- tores estãoprontos a concederà suaprópria infância,cujos errose ale- grias desejamosapreciarcom simpatia,livre de qualquerangústia.Todo mundo lembra-sedo tempo em que construíasua realidadecom dese- jos, em que o verbose fazia mundo;o tempoda varinhadecondãoe do tapetevoador,emresumo,damagia. A magia,tambémchamadaa "onipotênciadospensamentos".Com- pondo há muito com o princípio de realidade,o adultocivilizado,cujos próprios olhos são desprovidosde fantasiae de gratuidade,não conhece senãodois lugaresonde sopra ainda a liberdadedo não-senso,onde seu espíritocrítico toleraserneutralizado:o humore a arte. 33 CAP(TU LO '" LER-SE A SI MESMO "Quemavançana idadedeixade brincar,renunciaaparentemente aoprazerquesentianojogo [infantil].Masnãoexistecoisamaisdi- fícil parao homemdo querenunciara um prazerjá experimentado. A bemdizer,nãosabemosrenunciara nada,só sabemostrocaruma coisapor outra;ondeparecequehá renúncia,de fato há apenasfor- maçãosubstitutivar. .. ]. Em vezde jogar, elesecomprazdaí por diantea imaginar(fantasiarJ. Constróicastelosna Espanha,entrega- seaoquechamamosdevaneios[... dar]ahipótesesegundoaquala obra literária,assimcomo o sonhodiurno,seriaumacontinuaçãoe umsubstitutodojogo infantildeoutrora." (S.Freud,EPA, 71-79.) O título destenovo capítulo deixaráde parecerestranhotão logo enunciemosasduasperguntasseguintes:O queéqueeuleio quandoleio? O queum escritorlê quandoescreve?A respostaé amesma:lemosprimeiroa nósmesmos,sejaqual for aobraliterária,quera produzamos,queraconsu- mamos. I. Representaçõesinconscientes no textoliterário É precisosublinhareste"primeiro",pois é bemevidenteque aqui consideramosapenasum aspecto.dascoisas.Mastrata-sede um aspectoes. sencial,paraFreud e parao pontoa quechegamosemsuacompanhia.Com efeito,temosagoraumaidéiada maneiracomosãotratadas,pelosmecanis- mos queconstituemo inconsciente,as representaçõesinconscientes!que, comovimos,procuravammanifestar-se,fazer-sereconhecerapesarda cen. suranosdiscursos,oumelhor,comodiscurso:sintoma,sonho,jogo infantil, 1 Precisemosquea energiadesejante(libido) foi concebidapor Freudcomoumase- qüênciadeimpulsos(pulsões)quesesituamnaencruzilhadado corporal(soma)e do mental(psique);aspulsõessósãoperceptíveis,e,portanto,numsentidosóexistem atravésde dois efeitos:o afeto (prazer-desprazer)e as "representaçõesics", isto é, representantes(no sentidodedeputados)quetomama formade representaçõesps(- quicas(no sentidoemq,uefalamosde "representar-sealgumacoisa")e queficamfi- xadosno lugarde suaorigemcomotraçosmnésicos; o termoalemãoqueosdesigna, Vorste/lungs-repraesentans,provocariacontra-sensosefossecompreendidocomo"re- presentantede representação":émaisuma"representaçãorepresentante[dapulsão~'. Percebe-seaquia importânciad,oconceitodepulsãoparadesignaro pontodeencontro do somáticoe dÇlpsíquico:a,Ploçãoprimordialédefinidacomoumadelegaça-odo cor- po pulsional(quenãoéo corpoanátomo-fisiológico,masjá umsistemavivoarticulado sobrea existênciado mundoexteriore sobrea manutençãodesuaprópriaexistência) já providade umacertaformadepensamento(a"lógica"dosprocessosprimários,que ignoraa temporalidade,anegaçãoea identidade). 34 logo de palavrasdesejadoou nã'o.Estasrealidadespsíquicasinacessíveisa- presentamseussubstitutosocasionaisnumavertigemdemetamorfoses,que constituia atividadeprofundado espíritohumanoe que,emparterestrita, chegaaorganizar-se,aregulamentar-senumfluxo descontínuomascoerente, suscetívelde serassumidopelo sujeito,desersegmentado,reconhecido,de- poistrocadono quadrodaatividadeconscientequeautorizaacomunicação (processossecundários). Podemosimaginarum caos,violentamentetingidodeprazerou de desprazer,ondetentammostrar-see fazer-seentender"entidades"materiais (os aindamisteriososequivalentesnoscircuitoseletrônicosdo cérebro)que captamosora comoespéciesdeimagens,representaçõesdecoisas,oracomo signoslingüísticos,representaçõesde palavras;mas,coisasou palavras,a consciênciaque é fala (ou discurso)só sabeapreendê-Iasatravésda lingua- gem.Daí o nomede "significantes"2quelhesdão oslacanianos,já queos sons,e atéasletras(SergeLeclaire)quematerializamos signoslingüísticos são,se não desprovidosde seussignificadoslógiéoshabituais,.pelomenos desviadosparaum outro regimede significação:é este"acenara mais/em lugarde" queconstituio inconscientena linguagem.Insistamosainda:seé"estruturadocomo" a linguagem,não dispõede um idiomaespecial;ele tema capacidadede alterara linguagem,ou maisexatamenteeleé estaca- pacidade,consistenessaprópria alteração,enquantoé "discursodo Ou· tro".3 Portanto,eis-nosdiantede um materialverbalsutilmentetrabalhado por umaretóricaespecífica,materialquea patologiae asdefesasreduzidas do sonoou da"inocência"infantilpermitiramanalisarpara entreveraí uma expansão,umaefusãoimperialistados apelosda libido; maso queéque a- contececomummaterialverballiterário? 2 O empregodestapalavra- quenãoé umafantasiaverbaldapartede Lacan,mas um conceitoteórjcoessencialaoseusistema- causadificuldadenosnossosestudos literáriosque tratamcom freqüênciados"significanteslingüísticos"(v. Saussure)ao analisarefeitosdesignificância[jogosde sonoridade,porex.,queé impossívelapreen- derna qualidadede "signijicantesics"], mesmoquenesseprincípiopercebamosquea supostarelaçãoexistaentreosdois.Al~mde serincômoda,estanoçãofoi contestada de um ponto de vistateóricopor ftIósofoscontemporâneos,emboranãotenhamen- contradoressonânciasporpartedeLacan;paradarumaidéiadestedossiê,remetemosa Lyotard, Discours,Figure, pp. 250-260,para a utilizaçãolacanianada lingüística saussurianae jacobsiana,e maisamplamentea Derrida,notasdo '~FacteurdeIa Vé- rité", Poét., 21,,pp. 140-146,assimcomo ao livro de Jean-Luc Nancye Philippe Lacque-Labarthe,Le Titre de Ia Lettre, Ed. Galilée,1973(ver,sobreisso,J. Lacan, Le SéminaireXX, E,ncore,Seuil,1975, p. 62). 3 Entreveremosaquia concepçãolacanianado sujeito:nãoé m'aiso egoquemani- pulaos signos,mas"eu" assume(e resume-sea sersomente)a sucessãodasaltera- ções,doscortesqueseproduzemno "fio" quedesenvolveo encadeamentodossigni- ficantes- bolhade ausênciaquedeslizacontinuamenteno tubo,já quefalávamoshá poucode fluxo. Eu nãoexisto,"eu" nuncaestáondeo sentidoseproduz;"eu" desig- 35 A linguagemdeputacomunicaçãoutilitária- estadoidealdalingua-. gem,semprefrágil,comovimos,expostaà irrupçãodo lapsus- é suposta- mentesúbmetidaà predominânCiadalógica,donadosintercâmbiosregula- dos entreos homense portanto dassignificaçõesclaras:cadapalavratem um significado(emgeralumsó)eo interlocutordecodificaamensagemsem muitos problemas.A linguagemda criançaque brinca, do homem que sonha,do "louco", é umalinguagemobscura,queo inconscientehabitae distorcepermanentemente.A linguagempoética- estetermoé cômodo paradesignarqualquerlinguagemnão-pragmática,a daarte- deveriaofere. cer-nosumacombin~çãodasduas(o que,bementendidO,nãoé suficiente para caracterizara operaçãochamadaestética).É precisovoltarpara sua defmiçãoaproximadaantesde olhar como ela é produzidae "recepcio- nada" (trata-serealmentede um modo de receberparticular).Voltemos às manifestaçõesda pulsão,afetose representantesperceptivosou verbais. A afetividadepassana linguagem,primeirosoba formainarticuladae rigo- rosamentenão-lingüística:gritos,exclamações,etc., ou então,é retomada num vocabulárioadequado(estoucom dor, isto me agrada);ou ainda,ela pode apresentar-sede modo oblíquo emrelaçãoao eixo do discurso.Seja umadescriçãonumanarrativaqualquer:elanãoreproduzo realemnenhum caso,fabricaumaaproximaçãodo objetodomundo,dandodeviésumaim- pressão, ainda que fugitiva,um sentimentode satisfação,de mal-estar, mesmodeindiferença(calculada).A inscriçãodo afetivonasmargensdo dis- curso constitui por si só um problema.Encontram-serepresentaçõessob duas formasprincipaisou de plincípios: diretamente,a fantasia;lateral. mente,a "significância".A fantasiatalcomoaencontramosno devaneioéa narrativaatualdeum núcleofantasmáticoinconsciente;elaapresenta-seco- mo argumentoque desenvolveuma frasemaissimplesonde o sujeito fi. guraemrelaçãodinâmicacom os diversosobjetosparaos quaisseudesejo pode dirigir-se.Tais "histórias" constituemo alimento quotidianodos mitos, da tragédia,do romanescofantástico,por exemplo.A palavrasigni- ficância,por maisinsólitaque pareça,é cômodaparadesignaro conjunto dosefeitosde sentidoquenão sãoimediatamenteapreendidosnumaconfi- guraçãode tipo narrativo:pensemos,peJomenosprovisoriamente,no quea crítica observanum poemacomo ecos,·correspondênciasde posição,etc. . Esta divisãorecobririaaquelatradicionalentre"fundo" e "forma" se,por um lado, o conteúdode umafantasiasedeixasseapreenderforadeumaen. na o fato de que "isto fala",por minhaconta,a meurespeito,em "meu" lugarque é um vazio.O sujeitonão dominaa linguagem,a linguagemdominao sujeito:cat- rega-oe condiciona-o;meudiscursoinstitui'mecomo.sujeitoausente,semdomínio realdaquiloque"eu"digO/diz- e aí estáo les. 36 ccnação(não esqueçamosa elaboraçãosecundária)e se,por outro lado,o fUncionamentodos significanteslingüísticos(desdeos fonemasatéasfor- masvaziascomoo clichê,passandopelaescolhadeumasintaxee daescan- sãodeum ritmo)pudessediantedo olhardo analista-leitorserdispensadade seulastrodesignificação,deseuacenarinconsciente.4 O que se passaquandoos apelosdo desejo- ou os representantesda pulsão,ou os significantesdo inconsciente,pouco importaaq\Ji -' emvez desofreremumapassagemaumsintoma,aumSOI1hO,aumjogo(lúdico),co- nhecemumapassagemti arte (quaisquerquesejamasdeterminaçõesideo·lógicasdo quadrobatizadode estético)?E evidentequeo escritoliterário pode ser comparadoaqui a um objeto de arte,mesmoque a noção de "beleza", com todassuasincertezas,tenhasido importadadasartesplás- ticas.5O quesepassa,aosolhosde Freud,baseia-seem algumasfórmulas- chave;eisduasqueparecemdeterminantes: "É digno de nota que o inconscientedeum homempodereagirao in- conscientede um outro homem,contornandoo consciente."(MET. 107) "Parece-meindiscutívelque a idéia do 'belo' tem suasraízesna ex- citaçãosexuale que originariamentenão designaoutracoisasenãoaquilo queexcitasexualmente."(TES, 173) Voltaremosà primeira(fórmula), mas importa colocá·ladesdeagora. A segundatemum alcancegeraleapresenta-secomoumpostuladofreudia- no; diremosapenasumapalavrasobreela.A belezado corpoestáligadaao queexcitasexualmente:não "excitao queébelo", mas"ébeloo queexci- ta" - o queseduziuamaionadoshumanosnumtempoesquecido,cujarea- lidadeelesconfessame transpõematéosefeitos,por um lado ao saborde suacultura(ligada,por exemplo,a condiçõesclimáticas,raciais,dietéticas); por outro, em virtudedos condicionamentosindividuaisarcaicos(evoque- mos o bom Descartesquepercebeuqueeraatraídopor mulheres"vesgas" porquesua amaera estrábica.6Esta seduçãosuprimeasinibiçõe-s,produz uma excitaçãoperiféricae permitea buscadeum prazergenital;masum 4 Que nãopoderiaser,nuncaédemaislembrar,um "querer-dizer"obtidoporsimples decodificação.A buscado sentido,da verdadedescobertapeloOutrodo sujeito,é umaconstruçãb,nãoumatradução. 5 Não pareceousadosuporqueasrepresentaçõesartísticasprimordiaispartemdacon- sideração~dareproduçãomiméticado corpohumanOl- essencialmentefeminino, nãotantoporqueumasituaçãoideológicade fato privilegiaum pontodevistamascu- lino, masporqueo primeiroobjetode adoraçãoparatodosé amãe:presençadamor- fologiasobo olhar,davoz parao ouvido,dacarneedapeleparao tato.Desteprazer plástico,pudemostirarpor analogia eânonesdebelezalingüísticaou discursiva. 6 Sobreo fenômenogeralqueligao poderemocionaldo beloaumentalhodeimper- feição,ver"NotesurIabeauté",Scilicet6-7,Seuil,1976,pp. 337-42. 37 tabu continualigadoaosprópriosórgãosgenitais,marcadosde feiúrapara oscivilizadose de silêncioparaos povosqueos trazemcomumenteexpos- tos.Talvezsetratedeumaproibiçãodevidaaoexcessodeangústiaou auma superestima:o quedáno mesmo;o invisívelinquieta,o visívelestáexpos- .to a maiornúmerodeameaçasquantomaiorfor seupreço.É desenotarso- bretudoqueo poderdeseduçãopertenceaoscaracteressexuaisperiféricos, pordeslocamento: . "Os própriosórgãosgenitais[... ) quasenuncasãoconsideradosco- mo belos;emco~pensação,umcaráterdebelezaliga-se,parece,acertossig- nossexuaissecundários."(MDC, 29) lI. Ganhodeprazeresublimação Chegamosassimà hipótesefreudianabastanteconhecidadeganhode prazer,que se encontraformuladano fim dotexto EscritoresCriativose Devaneio(voI.IX): "O sonhadoracordadoescondecuidadosamentedosoutrossuasfanta- sias,pois temo sentimentodequeexisteo dequetervergonha.Mesmoque ascomunicasse,estarevelaçãonãonosproporcionarianenhumprazer.Se- melhantesfantasias,quandonos confrontamoscom elas,parecem-nosre- pugnantesou muitosimplesmente,deixam-nosfrios.Masquandoé umpoe- ta [ ... ] quenoscontao queestamosinclinadosa considerarcomoseus sonhosdiurnospessoais,sentimosum prazermuitograndedevidoprovavel- menteà convergênciadeváriasfontesdegozo.Comoelechegaaesteresul- tado? [ ... ] Atenuao queo sonhodiurnotemde egocêntrico,transfor- mando-oe dissimulando-o,e nos seduzpor um benefíciode prazerpura- menteformal [ ... ) como qualnosgratificapelamaneiracomoapresenta suasfantasias.Chamamosganhodesedução,ouprazerpreliminar,semelhante benefíciodeprazerquenosé oferecidoafun depermitiraliberaçãodeum gozo superior que emanade camadaspsíquicasmuito mais profundas [ ... ). O verdadeirogozod.ianteda obraliteráriaresultadequenossapsi- que, atravésdela,acha-sealiviadade certastensões.Talvezo próprio fato de queo poetanospermitagozar,daquipor diante,nossasprópriasfanta- siassemescrúpulonemvergonhacontribuaemgrandeparteparaesseresul- tado?'"(EPA, 80-81) Tudo sepassafinalmentecomosea oportunidadedeadivinharno ou- tro o reconhecimentocomplacentedeumafantasiaconsiderada"aberrante" nosautorizassea gozardelapor nossaprópriaconta,semremorso:apresen- tadamaisbela aqui,maisgastalá (o queimporta?),contantoqueo bene- 38 fício sejareal?Seriaprecisoaindaacedera isso- aessaefusãolivredequal- quervergonha.Por isso,"o interesse"deveserdespertado:umaatraçãopo- sitiva.E sãoeliminadasasresistênciascomo antese,paraquenosentregue- mos impetuosamenteao gozo erótico,abandonam-seasangústiasou frie- zas.É o papelda forma,da suposta"belaforma" - nãosomenteharmonia convencional,maseficáciasecreta.Estabelece-seuma deliciosaconivência entreo olhare o quadro:estescorpos,estasfrutas,estaspaisagensrevelam suaflexibilidadeacolhedora,os objetosredondos,o jogo cúmplicedasom- bra e da luz, dasfigurasconfundidas,uma delicadamanchaamarela.. . Quanto ao texto,sãoritmos,portantoumarespiração,retomadasde sons, consonânciasdevoz, o uso inabitualdeum vocábuloou deumaexpressão sintática,o prestígiodeuma"imagem"imprevista,a surpresade um adje- tivo que mudou de contexto, um cenárioou um personagem"justos" evpcadossobreum fundo de irrealidade,determinadaevocaçãode uma palavra,deumsímbolo por ondepassaa idéiade umaarquiteturacombi- nadae quefala,ou àsvezes,umamania,umtiquedeestilo,percebidocomo um piscarde olhos.O essencialéqueacorrentepasse;entendamos:o afeto. O pré-consciente(de ondetodo crítico experientetira motivaçõesparasua emoção)assumeamultidãodosfragmentosquenãosãoevidentesealegra-se comisso.Ocorreo mesmo,emoutraparte,como inconsciente. Pois, a seduçãoda formaqueFreud recusa-sea estudarenquantotal, negandoquesejade suacompetência,é preliminarparaele.Isto supõeque elaabraa portaa umaoutraespéciedeprazer,queexistaumaoutrafonte desatisfação,atrás,ou debaixo,ou bemno meio,masapresentadademanei- ra a permanecerdespercebida(comoo envelopetão habilmenteescondido bemà vistadeA Cartaroubada,dePoe).Esteprazersegundo,longedeser secundário,em termoseconômicos,estáligado a uma descargade libido sexual,por definiçãonão sentidacomotal,nemcomoalíviodeumatensão excessiva,nemporestarligadaàesferadasemoçõesoriginais. Podemossupor que estabaforadade gozo manifesta-seem diversos níveis. Primeiro, porque uma barreirafoi transpostana simplesalegria reencontrada,de poder fantasiarlivremente;seriao prazerlúdico mesmo, encontroscom a independênciada infânciaou submissãoao reinadodos processosprimários,enquantotaisreinossãoadministradospeloprincípio de nãcrUgação:emsuma,reinosdeanarquia.Há o poderreencontradodejo- garcom o não-senso,a dispensatemporáriada obrigaçãodecontarcomos processossecundáriosquegeramo princípio derealidade.Conteraenergia, isolar os afetos,encadearlogicamenteasrepresentações,contornaros obs- táculos do impossível,calcularem função do tempo,manterde pé as muralhasdo recalque,isto custasacrifício,demodoqueo acessoaoterritó- rio dojogolivretraduz-seporumaeconomia(ondereencontramoso chiste). Acrescentemosqueasinvestidurasafetivassãomenoscataclísmicasqueno 39 sintoma,menosintensasque no jogo infantil, paradoxalmentereforçadas por funcionaremno bom regimeou na boadistância,por seremregulamen- tadas,regularizadaspor uma satisfaçãonarcisistareconhecidapélo super- ego7 ~ instânciaencarregadade representarno inconscientetanto os im- perativosda realidadequantoasproibiçõesparentais("vocênãogozaráem lugardoparentedesexoidênticoaoseu",etc);e aí encontramosateoriado humorcomoeconomiadeum dispêndioafetivo(MRI, apêndice). É aqui queprecisamosconsiderarumoutromecanismo,o dasublima- ção.Sabe-sequeestaconsisteno fato dequeummovimentopulsional"deri- va-separaumafmalidadenão-sexual"e "paraobjetossocialmentevaloriza- dos."(VLP, 465) Tomemoso exemplodeváriossujeitosdotadosdeumafortepulsão sádica:Jack, o Estripador,no quadroda psicose,realizaseudelíriopelas sinistras"passagensao ato", que sabemos;um cirurgiãoencontrao meio perfeito de sublimar,salvandovidashumanas;atravésdaescritura,o mar- quêsdeSadecolocaemcenaasfigurasrefinadasdesuaorganizaçãofantas. mática;quemlêLes CentvingtJournéesseliberade certastensões,fanta- siandoa partir do texto de Sade.Podemosdizer que Sadeencontrouna Bastilhauma oportunidadede se satisfazerpela imaginação,escrevendo. Ser escritore decicar-sea descrevera almahumana,aindaque nassuas aberrações,eis um estatuto,que a sociedadeaceitae, àsvezes,atéinveja. E eu queleio? Projetarsóparamim meufilme de terrorfavorito- assim tenhocom que realizarmeu desejo;isso talvezmeevitaráde infligir meu sadismolatenteaos queme rodeiam:maspossoserprofessorespecialista em romancedo séculoXVIII, psiquiatra,criminologista,e "obrigado" profissionalmentea ler Sade,e encontrar·mepresoa estaleitura,semmoti- vaçãoreal ... Se, em princípio, a sublimaçãoestéticaestáasseguradano casodo artista,senhorde suacriação,é maisdelicadoesUibelecersuaefi· cáciano casodo amador.8 7 Ou maisexatamentepor esteaspectopositivo,não-repressivodo superegoquese denominao Idea/ do ego. A referênciaàs instânciaslacanianasparececômoda nestecaso.Como o Ideal do egotemrelaçãocom a ordem "simbólica",o engodo do prazerestético,graçasà Lei do Pai e à suainserçãonasredes(simbólicas)da lin· guagem,achar-se-iaprotegidodo risco de umacaptaçãoimaginária,pois o "Imagi- nário", em que se situa o absolutodo prazer,traz a duplaameaça,mortalparaa identidade,dadissociação(corpodividido)edafusão(relaçãodual). 8 OetaveMannoninotaquea sublimaçãoé raramentecompleta,que "algumacoisa de não-sublimadono desejoics tambémsemanifestanele" (C/eis pour 11magi- noire, p. 105). 40 III. Da identificação Sejacomofor, a realizaçãodo desejomediantea leituraseefetuade mim paramim,no quesechamaumaposiçãonarcisista.Meu objeto(meu objetode amor,por ex.) estáemmim,masnãocomoumcorpoestranho,e sim comoumapartedemeuego.9 Estepodesero efeitodaidentificação.O mecanismoé simples,todo mundotemumaidéiadele,apróprialiteratura, desdeD. QuixoteatéJean-PaulSartre(As Palavras)passandoporMadame Bovary,estácheiade exemplosde leitoresque"se tomampor" seusheróis familiarese se fixam como idealassemelhar-sea eles.No quadrode nossa análise,encontram-secasosmaisdiferençados.EscritoresCriativoseDeva- neio detém-senesteaspecto,distinguindoasnarrativaspopulares,cujoherói é bemtipificado,os romances"chamadospsicológicos"emqueaspectosdi- versosda psiquesãodistribuídosentreváriospersonagens-suportes,e mes- mo os romances"excêntricos",cujo heróinãoé senãoo narradordaquilo queeleobservaao seuredor.Digamosqueas formase osgrausdaidentifi- caçãosãoinfinitos.O essencial,convémlembrar,é queasaçõesrepresenta- dassejamfantasiasdisfarçadas,diríamosquasesuavizadaspor umahábil e agradáveltransposição.O problematorna-seentãoeste:comoe por
Compartilhar