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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO JANAINA SOUZA CARNEIRO JOÃO PAULO MARTINS MOVIMENTOS DE MASSA E PLANEJAMENTO URBANO OURO PRETO/MG 2014 2 LISTA DE QUADROS QUADRO 1: Características dos principais grandes grupos de processos de escorregamento________________________________________________7 QUADRO 2: Níveis de cartas geotécnicas no planejamento urbano – escalas e processos mapeáveis___________________________________________14 QUADRO 3: Avaliação de vulnerabilidade___________________________17 3 SUMÁRIO Introdução _________________________________________________________4 Conceitos __________________________________________________________5 Rastejo ____________________________________________________________5 Escorregamento _____________________________________________________5 Queda ____________________________________________________________6 Corrida ____________________________________________________________6 Fatores condicionantes _______________________________________________7 Tipos de obras de contenção e prevenção de movimentos ____________________8 Obras sem estrutura de contenção ______________________________________9 Obras com estrutura de contenção ______________________________________9 Planejamento urbano e os riscos geológicos ______________________________11 Planejamento urbano e os riscos “não planejados” _________________________15 Conclusão ________________________________________________________19 Bibliografia ________________________________________________________20 4 INTRODUÇÃO Desastres urbanos provocados por movimentos de massa, mais comumente tratados pelo nome genérico de “deslizamentos de terra”, povoam os noticiários, principalmente nos períodos de chuva mais intensa, que, no caso do regime tropical brasileiro, acontece no verão. Por serem fenômenos de grande amplitude em seus efeitos, as causas “naturais” costumam atenuar problemas de planejamento urbano, fiscalização de construções, infraestrutura urbana e outros que poderiam evitar as tragédias ou mesmo garantir a previsibilidade necessária para se salvar vidas. O objetivo desse trabalho é, pois, apresentar os tipos de movimentos de massa existentes e mais comuns no Brasil, mediante conceituação e exemplos, discutir como os estudos geotécnicos devem caminhar lado a lado ao planejamento urbano, na busca de uma vida agradável e segura nas cidades. Com isso, poder-se-á perceber que, existem sim, componentes naturais com um alto grau de imprevisibilidade e potência destrutiva, porém, em sua maioria, há maneiras de se controlar tais fenômenos seja pela correta escolha das áreas de ocupação das cidades, pelo tipo de ocupação de cada setor e pela promoção de infraestrutura adequada para se garantir a estabilidade das construções em áreas de risco geológico. 5 CONCEITOS Movimento de massa é o termo que define o movimento descendente de solo e rocha induzidos por meio gravitacional. É um fenômeno natural, mas a ação humana tem o poder de retardar, conter ou acelerar esse processo. Dentre as suas subdivisões, a mais comum no território brasileiro é o escorregamento. As classificações existentes usam como critérios básicos a relação entre a massa em movimento e o terreno estável, velocidade, direção, recorrências, tipo de material e geometria. Augusto Filho, a partir das classificações existentes, criou uma que melhor se adaptava à realidade brasileira. Rastejo Os rastejos consistem em movimento descendente, lento e contínuo da massa de solo ou rocha de um talude. Corresponde a uma deformação de caráter plástico, cuja geometria não é muito bem definida. Os rastejos afetam horizontes superficiais do solo, horizontes de transição entre solo e rocha, e até mesmo de rocha alterada e fraturada, em profundidades maiores. Esses processos são identificados através de indícios indiretos, como “embarrigamento” de árvores, deslocamentos de muros e outras estruturas, pequenos abatimentos ou degraus nas encostas (Agusto Filho, 1992). Escorregamento Os escorregamentos são movimentos rápidos de solo ou rocha, com volume bem definido, fazendo com que seu centro de gravidade se desloque para baixo formando um novo talude. Sua causa pode ser aumento das tensões ou diminuição da resistência, causando ruptura por cisalhamento. Escorregamento translacional ou planar: considerado por alguns autores como escorregamentos rasos, onde afeta o solo superficial até seu contato com a rocha. Sua profundidade em relação ao comprimento gera valores mínimos, abaixo de 15%. 6 Escorregamento circular: a superfície de deslizamento é curva, gerada por uma série de rupturas sucessivas. Está relacionada a depósito de solos mais espessos e rochas cristalinas ou sedimentares muito fraturadas. Escorregamento em cunha: para a ocorrência de escorregamentos em cunha deve haver duas estruturas planares desfavoráveis à estabilidade, de forma que se desloque uma massa em forma de prisma no eixo de intersecção dos planos. Queda Ocorre quando há queda, tombamento ou rolamento de bloco de material rochoso. Geralmente estes blocos estão parcialmente imersos em matriz rochosa ou são partes de uma rocha fraturada. Corrida As corridas ou fluxos são movimentos gravitacionais de massas de grandes dimensões, que se deslocam na forma de escoamento rápido. As corridas de massa recebem diferentes denominações dependendo das características do material mobilizado e das velocidades de deslocamento do processo. Na literatura nacional e internacional utilizam-se termos como: corrida de lama (mud flow), consistindo de solo com alto teor de água; corrida de terra (earth flow), cujo material predominante também é o solo mas com teor menor de água; e corrida de detritos (debris flow), cujo material predominante é grosseiro, envolvendo fragmentos de rocha de vários tamanhos (Augusto Filho, 1992). 7 QUADRO 1: CARACTERÍSTICAS DOS PRINCIPAIS GRANDES GRUPOS DE PROCESSOS DE ESCORREGAMENTO (AUGUSTO FILHO, 1992) Fatores condicionantes As definições das causas que levam ao colapso de uma massa são complexas, pois os agentes podem se combinar de diversas formas. De ordem natural ou antropológica, os agentes podem ser internos ou externos. Os agentes internos são aqueles que diminuem a resistência do maciço e os agentes externos aumentam a carga aplicada. A UNESCO adota o seguinte método: Efeito preparatório: torna a encosta ou o talude susceptível ao processo, deixando-a em um estado superficialmente estável. Efeito desencadeador: fator que inicia o movimento e muda o estado da encosta e superficialmente estável para ativamente instável. 8 Embora o movimento de massa possa ter várias condicionantes, há somente um desencadeador, uma ação específica que fará com que o evento aconteça. Embora os estudiosos da área não tenham um consenso sobre a sistematização desses fatores, quatro temas principais são amplamente abordados como principais condicionantes. São eles os condicionantes geológicos (maciço de rocha, solo residual), os processos físicos (chuva, intemperismo), os processos geomorfológicos (morfologia da encosta, dinâmica superficial) e os processos antrópicos (atividade humana). Tipos de obras de contençãoe prevenção de movimentos A prevenção contra movimentos de massa em perímetro urbano deve ser feita em três frentes. A primeira é a educação sobre os possíveis riscos. Nesse caso, as associações de moradores são de grande valia, pois é o lugar propício para palestras sobre o assunto. Panfletos informativos entregues na prefeitura são úteis, mas devemos levar em consideração que as áreas de maior risco geralmente são as menos valorizadas, onde muitas vezes a construção informal predomina. Uma característica interessante de comunidades informais é que, embora não tenham um bom contato com os órgãos regulamentadores, possuem uma boa organização interna, o que gera uma associação de moradores bem estruturada. Deve-se apontar que comunidades informais também são um assunto muito importante a ser levado em consideração na articulação do planejamento urbano, mas não convém discuti-lo neste trabalho. Com os próprios moradores cientes dos riscos, tanto a forma de construção como o registro de indícios de movimento tornam-se mais eficazes na prevenção de tais eventos. Assim, uma segunda frente deve recolher dados sobre as regiões susceptíveis edificadas e manter um banco de dados atualizado, assim como fazer um monitoramento eficaz. Embora o controle dos moradores seja um grande passo, o governo deve estar ciente do andamento das áreas, para regularização das obras construídas e construção de obras de contenção antes de possíveis desastres. Assim, entramos na terceira frente, que é a construção efetiva das obras de contenção. O tipo de obra a ser construída leva em consideração a magnitude do risco, a necessidade da área e a viabilidade econômica. 9 Estruturas de contenção ou de arrimo são obras civis construídas com a finalidade de prover estabilidade contra a ruptura de maciços de terra ou rocha. São estruturas que fornecem suporte a estes maciços e evitam o escorregamento causado pelo seu peso próprio ou por carregamentos externos (Almeida Barros). Obras sem estrutura de contenção Retaludamento: modificação de um talude existente para que se torne mais estável, geralmente com a diminuição do seu ângulo com o plano horizontal. Proteção superficial: a erosão e excesso de água são muitas vezes fatores deflagrantes a um movimento de terra. Sua cobertura superficial, por vegetação ou materiais sintéticos impermeáveis evita esses danos. Estabilização de blocos: este tipo de proteção deve ser adotado em taludes de maciços rochosos, passíveis de quedas de blocos. Pode ser feita pela fixação de telas sobre o talude ou, no caso de blocos desestabilizados maiores, fixação direta do bloco sobre maciço estável. Drenagem: necessária em associação com todos os outros tipos de obra de contenção, pois o aumento de água aumenta a carga do maciço e pode diminuir a sua resistência aparente. Além disso, a água correndo pelo talude aumenta sua erosão, desgastando-o. Obras com estrutura de contenção Muro de arrimo ou de gravidade: tem a finalidade de restabelecer o equilíbrio da encosta através de seu peso próprio. O atrito da sua base contra o solo deve ser suficiente para assegurar a estabilidade da obra, e sua geometria trapezoidal destina-se a evitar o tombamento por rotação. É indicado para solicitações pequenas ou médias, pois quanto maior a solicitação, maior será a dimensão da sua base. 10 Cortina atirantada: uma camada de concreto armado presa por tirantes fixados no maciço estável. É uma obra de grande porte e de custo alto, usada quando há grandes esforços e grandes riscos. Muro de espera: pode ser feito com várias técnicas de construção, sendo comum o uso de gaiolas de gabião, é projetado, geralmente na base do talude, de tal forma que sustende caso haja algum movimento de terra para que não cause danos ao entorno. É uma estrutura de proteção, não de contenção do movimento. 11 Planejamento urbano e os riscos geológicos No Brasil, desde a aprovação legal do Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001), toda cidade com mais de 20.000 habitantes deve, obrigatoriamente, possuir um Plano Diretor Municipal (PDM). Os PDM’s devem orientar, além dos parâmetros construtivos de cada área (como coeficientes de aproveitamento, taxa de permeabilidade, afastamentos, etc.)1, as áreas de expansão urbana e o planejamento da ocupação tanto de novas áreas urbanizadas quanto das já ocupadas. O planejamento urbano, de fato, é algo que vai além dos Planos Diretores, até porque, infelizmente, a existência de um código legal, como o PDM não significa, necessariamente, o seu cumprimento. A despeito dessa ressalva, é fato que a obrigatoriedade da existência dos PDM’s os torna um objeto privilegiado para estudarmos a forma como os movimentos de massa participam do planejamento urbano. Conforme os conceitos de movimentos de massa previamente apresentados, o prévio conhecimento dos riscos e suscetibilidades de acidentes devem fornecer orientações para projetos de parcelamento de solo, ou seja, definição das áreas de expansão urbana, bem como planejar a forma dessa ocupação e prever as obras de estabilização adequadas. Em termos de planejamento urbano, deve-se ter em conta que toda ação antrópica no meio físico implica em alterações de sua condição de estabilidade, ou seja, trazendo a discussão para nosso tema, toda edificação, obra viária, saneamento, etc. deve ser antecipada pode um estudo de seu impacto na área de intervenção e seu entorno, até mesmo uma simples edificação pode produzir importantes impactos no seu local de implantação e entornos. Nesse caso, ainda não estamos falando de áreas de risco iminente, ou daquelas que tem o seu agente deflagrador com causas naturais, sendo a chuva a principal, mas dos movimentos que podem advir tendo como causa uma ação construtiva humana2. Daí que um dos pontos a serem 1Tais parâmetros são estabelecidos de forma diferenciada para cada município em suas especificidades. O PDM de Ouro Preto, por exemplo, por suas características de cidade tombada como patrimônio cultural nacional e internacionalmente (UNESCO), tem um grande foco em diretrizes construtivas da ZPE (Zona de Proteção Especial) que abarca as áreas e construções de especial interesse de proteção cultural. 2 A título de exemplo, embora se aguarde um laudo técnico definitivo, houve em dezembro de 2013 um deslizamento de terra na rua Cabo Verde, bairro Cruzeiro, em Belo Horizonte em função das obras de fundação de novo prédio na parte inferior da rua, que fez com que cedesse um muro de arrimo existente. Antes mesmo da movimentação de terra, construções vizinhas já sofriam com rachaduras após o início das obras. Caso comum de necessário estudo de impacto de vizinha (EIV). O evento foi amplamente noticiado, como em 12 regulamentados no planejamento urbano para se evitar acidentes por movimentos de massa é o Código de Obras para se garantir que os proprietários, mesmo atuando em seus espaços particulares, garantam a segurança do público e da coletividade. Garantia essa que deve ser protegida pelo poder público. Problemas desse tipo, advindo a partir da execução de obras, acabam por gerar, na maioria dos casos, apenas danos materiais, embora possam também levar a desastres maiores, com perda de vidas. Entretanto, há os casos de movimentos de massa em que os danos materiais acabam ficando em segundo plano diante da magnitude da perda de vidas humanas, como temos verificado com infeliz frequência no Brasil. Voltamos então a pensar na maneira como o planejamento urbanoe os planos diretores devem contribuir para se evitar tragédias desse tipo. O primeiro passo é, pois, a confecção de cartas geotécnicas que informem a aptidão ou não à urbanização. As cartas geotécnicas são documentos cartográficos que possuem variadas informações sobre o meio físico estudado, nesse caso, torna-se fundamental a correta indicação das chamadas áreas de risco, e a definição do tipos de risco a que a região está sujeita. A definição das áreas de risco devem também esclarecer quais zonas não podem ser ocupadas de maneira alguma e aquelas que o risco pode ser superado mediante intervenções técnicas. Assim, as Cartas Geotécnicas são documentos obrigatórios que se conectam diretamente à elaboração de Planos Diretores e Códigos de Obras dos Municípios. Outro documento fundamental nessa questão são as chamadas Cartas de Riscos. Diferentemente das Geotécnicas, as Cartas de Riscos apontam áreas já ocupadas do território que possam estar sujeitas a determinado risco. As Cartas de Riscos devem apontar o tipo de risco a que a região está sujeita (deslizamento, corrida, etc.), medidas preventivas, obras de intervenção ou mesmo retiradas de moradores. Tratam-se de documentos fundamentais para a atuação dos órgãos de defesa civil. Os documentos de informação sobre riscos geológicos tornaram-se legalmente obrigatórios desde 2012, com a Lei 12.608, que institui a Política, o Sistema e Conselho Nacionais de Proteção e Defesa Civil. Os documentos fazem parte da <http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/12/27/interna_gerais,482649/ha-riscos-de-novos- desmoronamentos-diz-defesa-civil-sobre-rua-do-bairro-cruzeiro.shtml>. 13 obrigação do Estado em realizar o monitoramento de áreas de riscos, disponibilização de informação concernente e promoção de medidas mitigadoras e/ou de solução de problemas. A lei prevê ainda que, nesses estudos, a unidade de análise deve a bacia hidrográfica pelo fato de que, em sua grande maioria, os desastres por movimentos de massa serem de causa hidrológica. A se seguir a Lei 12.608/2012, Estados e Municípios tem obrigação de “identificar e mapear áreas de risco e realizar estudos de identificação de ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades”3. Em termos de gestão urbana, isso significa uma importância ainda maior dada à questão dos movimentos de massa, pois se tornam subsídios obrigatórios aos instrumentos de regulação urbana, sejam os já mencionados Plano Diretor e Código de Obras, seja às leis de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo Urbano. Dentro dessa perspectiva, a informação da carta geotécnica que mais interessa é o conhecimento acerca das suscetibilidades que ela proporciona, sendo, por vezes classificada especificamente como carta de suscetibilidade dentro das categorias dentre as cartas geotécnicas. A suscetibilidade diferencia-se do risco, pois entende- se suscetibilidade como: a potencialidade de processos geológicos (movimentos gravitacionais de massa, inundações/enchentes/alagamentos, corridas, erosões, assoreamento, subsidência e colapsos, processos costeiros, sismos induzidos, etc.) causarem transformações do meio físico, independentemente de suas consequências para as atividades humanas. Neste caso, a possibilidade de ocorrência de processos geodinâmicos está condicionada pela predisponência natural do meio físico ao seu desenvolvimento, podendo em alguns casos ter como um elemento adicional as práticas de uso e ocupação4. O estudo de suscetibilidade é, pois, um conhecimento que indica a predisposição de ocorrência de determinado processo geológico quando o meio físico esteja submetido a determinadas condições. Ou seja, a carta de suscetibilidade é um instrumento que indica o tipo de solicitação que é segura em um terreno e a partir de qual nível torna-se perigoso. Considera-se, sempre, a existência de soluções técnicas 3MINISTÉRIO DAS CIDADES; UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO. Elaboração de Cartas Geotécnicas de aptidão à urbanização frente aos desastres naturais no Município de Ouro Preto, MG – Relatório 1. Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto – Dezembro de 2013, p.3. 4Ibidem, p.7. 14 adequadas à solicitação pretendida, porém, nesse caso, torna-se também importante a consideração do custo econômico envolvido. Atualmente entende-se o planejamento urbano a partir de vários eixos de análise, como preservação e sustentabilidade ambiental, concentração/ desconcentração de tráfego, preservação patrimonial, etc. Porém, toda intervenção urbana planejada deve seguir antecipadamente a aptidão à urbanização. A aptidão à urbanização, “pode ser definida como a capacidade dos terrenos para suportar os diferentes usos e práticas da engenharia e do urbanismo, com o mínimo de impacto possível e com o maior nível de segurança”5. Dessa forma, a definição da aptidão à urbanização é o dado primordial que se pode obter da carta geotécnica de suscetibilidades, quando se trata de planejamento urbano. Importante que tais informações, para uma adequada gestão urbana, estejam sempre disponíveis para o público/cidadãos que previamente possam conhecer as potencialidades e restrições de cada área. Em termos técnicos, a partir da carta de suscetibilidades pode-se produzir uma carta de aptidão à urbanização em escala maior e que embasem, inclusive instrumentos legais, para o planejamento urbano, como planos diretores, zoneamentos ambientais, leis de uso e ocupação de solos, gestão de bacias hidrográficas, zoneamentos ecológico econômicos, etc6. Assim, citamos o quadro que detalha os níveis de escala e informações acerca de movimentos de massa em cada carta geotécnica que aborda a questão: Produto Escalas de Mapeamento Processos Geodinâmicos passíveis de identificação Cartas de Suscetibilidade 1:25.000 ou maiores Movimentos gravitacionais de massa, inundações/enchentes, corridas, erosões, assoreamento, processos costeiros, sismos induzidos. Carta de aptidão à Urbanização 1:10.000, 1:5.000 ou maiores Movimentos gravitacionais de massa translacionais, inundações/enchentes/alagamentos, corridas, erosões lineares de grande porte (ravinas), 5Ibidem, p.8. 6Ibidem, p.11. 15 assoreamento, subsidências e colapsos, queda e rolamento de blocos rochosos, processos costeiros. Cartas de Riscos Geológicos 1:2.000 ou maiores Movimentos gravitacionais de massa - translacionais, rotacionais, em cunha, inundações/enchentes/alagamentos, corridas de lama e detritos,rastejos, erosões lineares (sulcos, ravinas e voçorocas), solapamentos de margem, assoreamento, subsidências e colapsos, expansão de terrenos, queda e rolamento de blocos rochosos, processos costeiros. Quadro 2 – Níveis de cartas geotécnicas no planejamento urbano – escalas e processos mapeáveis. Fonte: MINISTÉRIO DAS CIDADES; UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO. Elaboração de Cartas Geotécnicas de aptidão à urbanização frente aos desastres naturais no Município de Ouro Preto, MG – Relatório 1. Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto – Dezembro de 2013, p.10. Planejamento urbano e os riscos “não planejados” Sendo as cidades organismos vivos, os seus “sentidos de crescimento” são muitas vezes difíceis de se controlar ou mesmo determinar de forma exclusiva pelo critério do risco geológico ou aptidão à urbanização. Esse fato tem algumas implicações como a necessidade de se promover condições técnicas para se manter um sentido deexpansão urbana adequado à vida, interesse e identidades locais dos cidadãos, sem a necessidade de criação de “ilhas” urbanas sem conexão com a vida da cidade. Além disso, o crescimento urbano sofre forte pressão econômica – mercado imobiliário – e mesmo política, em sentidos que nem sempre se coadunam com áreas de maior estabilidade física e, para essa implementação, o conhecimento das cartas geotécnicas é primordial tanto para tentar direcionar a expansão para áreas mais estáveis quanto para a implementação das medidas de estabilidade de terrenos. Em situações em que essa expansão pode ser acompanhada e estudada, o planejamento urbano pode vir ao lado e, por assim dizer, “preparar o terreno” para a ocupação, respeitando, ordenando e mantendo o crescimento vivo das cidades. Por outro lado, grande parte das ocupações autônomas, ou autoconstruções nos centros 16 urbanos brasileiros refere-se exatamente à tomada desordenada das áreas de risco, principalmente morros, encostas, margens de rios/córregos, etc. Para esses casos, as cartas de risco são primordiais, por se tratarem de áreas já ocupadas e, invariavelmente, de maior risco geotécnico. Além de razões físicas, esse maior risco possui causas históricas e sociais. Em poucas palavras, a implantação dos centros urbanos privilegiou a ocupação de áreas mais estáveis e, devido à fraternidade entre poder econômico e político, recebeu também maiores investimentos em termo de infraestrutura urbana, seja em serviços (como água, luz, esgoto, etc.), seja exatamente nas obras necessárias de estabilidade dos terrenos. Restou à população mais carente a ocupação de áreas periféricas, não urbanizadas, não fiscalizadas e, durante muitos anos, até invisíveis ao órgãos de planejamento urbano. Com algumas exceções, atualmente as ações de políticas públicas sobre desastres em áreas periféricas, favelas, ocupações irregulares, etc. ainda tem acontecido como repostas a desastres já ocorridos, ou seja, faltam ações de planejamento e prevenção, conforme determina o Estatuto das Cidades. É impossível desassociar os desastres provocados por movimentos de massa da exclusão social a que também estão sujeitos as vítimas desses fenômenos. Embora tratados pelo termo de desastres naturais,o fenômenos do movimento de massa só atinge o estado de tragédia quando acompanhado do elemento humano, tanto por sua ação na natureza, que muitas vezes participa da causa do movimento, quanto por suas consequências de perdas materiais e de vidas. Em outras palavras: Portanto, tratar de áreas de risco exige a atenção para a presença do elemento humano. A ocorrência de movimentos de massa e/ou enchentes em sítios não habitados é interpretada como uma eventualidade da dinâmica da natureza, mas as perdas materiais e humanas decorrentes destes mesmos processos, nas cidades, devem ser reconhecidas enquanto um problema político-social7. Assim, o planejamento urbano para tratar de áreas de risco deve ser mais complexo do que a interpretação de características físicas de suscetibilidades 7COSTA, Everaldo Batista da; FERREIRA, Tatiane Araújo. Planejamento Urbano e Gestão de Riscos: vida e morte nas cidades brasileiras. OLAM – Ciência & Tecnologia – ISSN 1982‐7784 – Rio Claro / SP, Brasil Ano X, Vol. 10, n. 2, Agosto‐Dezembro / 2010, p. 185. 17 elencadas anteriormente e incluir o que se pode chamar de vulnerabilidades de áreas com nítidas características de exclusão social/espacial. vulnerabilidade é medida pela estimativa dos danos potenciais que podem afetar uma área, principalmente no que diz respeito à população e ao seu patrimônio construído. Refere-se, portanto, às perdas possíveis, e permite exprimir, por exemplo, a capacidade de resistência das construções diante de um fenômeno físico8. A vulnerabilidade associa, pois, elementos geofísico/naturais a questões socioeconômicas da produção o espaço, que devem ser consideradas na gestão do espaço e prevenção de desastres. A análise de vulnerabilidades pode ser pensada a partir do quadro abaixo: Fatores físicos ou ambientais de avaliação da vulnerabilidade. Conhecimento e percepção do risco. Fatores socioeconômicos de avaliação de vulnerabilidade. Conhecimento de crises e desastres passados. Grau de aceitação do risco em função do nível de conhecimento e instrução, nível econômico e existência de educação para preparação para a crise. Intensidade do ultimo acontecimento registrado. Organização do espaço urbano, densidade da ocupação, tipo de ocupação. Zonas de impacto do risco, extensão do risco. Infraestrutura urbana: presença de hospitais, corpo de bombeiros, edifícios públicos para acolhimento da população. Zonas onde o trabalho de organização do território, como contenção de encostas, foi feito. Densidade da população. Estrutura etária (modifica a mobilização) Natureza dos processos naturais, antrópicos. Redes de água, eletricidade e gás. Acesso às redes de comunicação, telefone e informações disponíveis. Meios e terminais de transporte. Estado da malha rodoviária. Quadro 3 – Avaliação de vulnerabilidades. Fonte: COSTA, Everaldo Batista da; FERREIRA, Tatiane Araújo. Planejamento Urbano e Gestão de Riscos: vida e morte nas cidades brasileiras. OLAM – Ciência & Tecnologia – ISSN 1982‐7784 – Rio Claro / SP, Brasil Ano X, Vol. 10, n. 2, Agosto‐ Dezembro / 2010, p.185., p.188. 8Ibidem, p. 187. 18 Infelizmente, muitas vezes as ações diante de desastre provocados por movimentos de massa simplesmente omitem questões sociais focando a análise em aspectos físicos, tomando, muitas vezes, os terrenos como “condenados” e resolvendo o problema por meio da trasladação das pessoas e residências para outro local da cidade que, costumeiramente, apresenta as mesmas características. Também são comuns políticas como “aluguel social”, o “cheque-despejo”, que não permite que o desabrigado ocupe uma área com segurança maior que o local de onde foi desabrigado. As soluções de construções novas áreas das chamadas “habitações de interesse social” podem ser interessantes, desde que não se desconsiderem os aspectos de identidade cultural que as pessoas constroem com seus espaços, principalmente naqueles de edificações autoconstruídas. Ou seja, o processo de retirada de pessoas de seus espaços de construção social é mais complexo, pois deve promover meios de readaptação e possibilidade de intervenção pessoal no novo espaço. Construções fechadas a alterações e sem vínculo com a origem dos novos moradores são condenadas a conflitos e outros problemas que transcendem a segurança física/material da habitação. Assim, as ações de gestão e monitoramento de riscos, a partir de cartas de suscetibilidade e vulnerabilidade dos espaços urbanos devem, por um lado prever meios de intervenção e mobilização sobre riscos iminentes, principalmente em períodos chuvosos, e, por outro empreender ações de urbanização de áreas de risco. A urbanização é entendida, aqui, como o tratamento não pontual dos problemas, mas, sim, o cuidado qualitativo, valorizando os próprios espaços em que as pessoas já ocupam, respeitando suas referências culturais locais, mas provendo segurança, estabilidade, e serviços de infraestrutura urbana que garantam direito à vida e à cidadania de pessoas historicamente excluídas desses direitos fundamentais. 19 Conclusão Cada vez mais os estudos de todas as áreas caminham para a interdisciplinidade. Um planejamento urbano efetivo necessita desde um bom conhecimentogeológico da região até da cultura local. Como estudado aqui, o estudo de movimento de massas auxilia no planejamento urbano em diversos pontos, a partir da sua função direta – criação das cartas geotécnicas e de risco –, permite a articulação do plano diretor e suas ramificações, que vão da construção de obras de contenção à palestras educativas de prevenção a tal evento. A falta de preocupação com o tema na realidade brasileira se mostra no número incomodantemente alto de acidentes de deslizamento de acontecem anualmente. O estudo de movimentos de massa mostra que não só é possível encontrar novas áreas para os moradores de áreas de risco como também a construção de obras de contenção nas áreas populadas. O que não pode é permanecer o descaso anual com a situação, mascarado com meios compensativos ineficientes, como aluguéis temporários em outras áreas. A função do arquiteto na sociedade mostra-se cada vez mais ampla. Foi-se o tempo em que sua obrigação era apenas o projeto formal de edificações. O planejamento urbano é de responsabilidade do arquiteto, pois embora não seja o maior conhecedor das diversas áreas necessárias, ele é o mais apto para articular a malha de profissionais que o planejamento urbano anseia, pois sabe da importância do campo das artes, do campo social, do campo da engenharia, da importância do meio ambiente e do campo tecnológico. 20 Bibliografia BARROS, Pérsio Leister de Almeida. Obras de contenção: manual técnico. Jundiaí: Maccaferri, [200-]. CARVALHO, Edézio Teixeira de. Geologia urbana para todos: uma visão de Belo Horizonte. Belo Horizonte, 1999. COSTA, Everaldo Batista da; FERREIRA, Tatiane Araújo. Planejamento Urbano e Gestão de Riscos: vida e morte nas cidades brasileiras. OLAM – Ciência & Tecnologia – ISSN 1982‐7784 – Rio Claro / SP, Brasil http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/olam/index Ano X, Vol. 10, n. 2, Agosto‐Dezembro / 2010. CUNHA, Márcio Angeliere (Coord.). Ocupação de encostas. São Paulo: Instituto de Pesquisas tecnológicas, 1991. LEMOS, Maria Fernanda. Planejamento urbano para enfrentamento de riscos ambientais, redução de vulnerabilidade sócio-climática e adaptação de cidades. Disponível em <http://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/161/161-800-1- SP.pdf> Acesso em 07 jan. 2014. MINISTÉRIO DAS CIDADES; UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO. Elaboração de Cartas Geotécnicas de aptidão à urbanização frente aos desastres naturais no Município de Ouro Preto, MG – Relatório 1. Universidade Federal de Ouro Preto. Ouro Preto – Dezembro de 2013. PARIZZI. Condicionantes e Mecanismos de Ruptura em Taludes da Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2004. 211p. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2004. 21 PERNAMBUCO. Agência Estadual de Planejamento e Pesquisa. Programa Viva o Morro. Disponível em: <http://www2.condepefidem.pe.gov.br/web/condepe- fidem/biblioteca-virtual-download1> Acesso em: 8 fev. 2014.
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