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Pré relatividade de Einstein

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Cap´ıtulo 1
F´ısica Pre´-Einsteiniana – Revisa˜o
Este cap´ıtulo apresenta uma revisa˜o de alguns aspectos da f´ısica pre-einsteiniana, relevantes para o
desenvolvimento da relatividade de Einstein. A primeira sec¸a˜o resume os pontos essenciais da mecaˆnica
de part´ıculas,1 desenvolvida principalmente por Galileu e Newton. A segunda sec¸a˜o traz uma discussa˜o de
alguns aspectos da o´tica, com enfoque especial na propagac¸a˜o da luz nos meios materiais em movimento e
na observac¸a˜o do assim chamado “vento de e´ter”. A terceira sec¸a˜o lida, no mesmo esp´ırito, com fenoˆmenos
eletromagne´ticos e a sua unificac¸a˜o com fenoˆmenos o´ticos na teoria de Maxwell.
1.1 Mecaˆnica de part´ıculas
1.1.1 Relatividade galileana - Lei da ine´rcia
Galileu notou que a observac¸a˜o de fenoˆmenos mecaˆnicos ocorrendo dentro de um navio em movimento
uniforme na˜o permite perceber o movimento do navio: tudo acontece como num laborato´rio terrestre.
Generalizada, esta constatac¸a˜o leva a` afirmac¸a˜o da relatividade Galileana: as leis da mecaˆnica sa˜o as
mesmas em todos os referenciais inerciais, ou seja, em todos os sistemas de refereˆncia que esta˜o em
movimento retil´ıneo uniforme.
Galileu tambe´m observou que, na auseˆncia de influeˆncia externa, um corpo mante´m o seu estado de
movimento, ou seja, a sua velocidade. Estabeleceu assim a lei da ine´rcia. Influeˆncias externas – forc¸as –
produzem modificac¸o˜es de velocidade – acelerac¸o˜es.
1.1.2 Leis de Newton
A dinaˆmica “cla´ssica”de part´ıculas desenvolvida por Newton e´ usualmente apresentada na sua esseˆncia
na forma de treˆs leis.
A primeira lei de Newton reafirma a lei da ine´rcia. Ela serve para definir a classe de referenciais nos
quais as demais leis sa˜o va´lidas: sa˜o os referenciais inerciais mencionados acima, para os quais pode-se
adotar a seguinte definic¸a˜o: um referencial inercial e´ um referencial no qual todas as part´ıculas livres
esta˜o em movimento retil´ıneo uniforme (ou em repouso).
A segunda lei de Newton,
~f = m~a , (1.1)
afirma que a influeˆncia – a forc¸a – exercida por outras part´ıculas sobre uma part´ıcula dada resulta
numa acelerac¸a˜o que e´ inversamente proporcional a` massa da part´ıcula, quantidade esta que caracteriza
portanto a ine´rcia, ou “resisteˆncia a` acelerac¸a˜o”, da part´ıcula.
A massa de uma part´ıcula e´ uma quantidade conservada (independente do tempo) e invariante (in-
dependente do referencial). E´ tambe´m uma grandeza simplesmente aditiva: a massa total de um sistema
composto e´ igual a` soma das massas dos constituintes.
1A palavra “part´ıcula”no presente contexto refere-se a um ponto geomeˆtrico dotado de massa, possivelmente o centro
de massa de um corpo extenso.
1
2 CAPI´TULO 1. FI´SICA PRE´-EINSTEINIANA – REVISA˜O
A terceira lei de Newton afirma que se, num dado instante, uma part´ıcula A aplica sobre outra part´ıcula
B uma forc¸a ~fBA, enta˜o a part´ıcula B por sua vez aplica sobre a part´ıcula A, no mesmo instante, uma
forc¸a ~fAB de mesmo mo´dulo e direc¸a˜o, mas de sentido oposto,
~fAB = −~fBA . (1.2)
Diz-se que tais forc¸as constituem um par ac¸a˜o-reac¸a˜o.
1.1.3 Quantidades conservadas
O trabalho realizado por uma forc¸a ~f no movimento de uma part´ıcula da posic¸a˜o ~rI ate´ a posic¸a˜o ~rF ,
seguindo o caminho C, e´ definido como
W =
∫ ~rF
~rI
[ ~f · d~r ]C . (1.3)
Se ~f for a forc¸a resultante atuando sobre a part´ıcula, segue desta definic¸a˜o e da equac¸a˜o fundamental
de movimento (1.1) que
W = KF −KI , (1.4)
onde
K =
mu2
2
, (1.5)
sendo ~u a velocidade. A quantidade K e´ a energia cine´tica, e o resultado (1.4) e´ conhecido como teorema
trabalho-energia.
As forc¸as conservativas sa˜o aquelas para as quais o trabalho e´ independente do caminho seguido,
dependendo enta˜o apenas dos pontos iniciais e finais escolhidos. Neste caso, pode-se associar a` forc¸a uma
energia potencial, definida como
U(~r) = −
∫ ~r
~r0
~f · d~r ′ , (1.6)
onde ~r0 e´ um ponto de refereˆncia escolhido arbitrariamente.
Quando somente forc¸as conservativas realizam trabalho, o resultado (1.4) pode ser re-escrito na forma
da lei de conservac¸a˜o da energia mecaˆnica:
K + U ≡ E conservada . (1.7)
Em especial, para um sistema isolado2 no qual as forc¸as internas sa˜o conservativas,3 ha´ conservac¸a˜o
da energia mecaˆnica total4
E¯ =
∑
i
Ki +
∑
i<j
Uij , (1.8)
onde Ki e´ a energia cine´tica da part´ıcula i e Uij a energia potencial associada a` forc¸a interna entre as
part´ıculas i e j.
Na auseˆncia de forc¸as externas, outras quantidades conservadas podem ser identificadas utilizando-se
a terceira lei de Newton. Sem necessidade de outra condic¸a˜o, esta lei leva a` conservac¸a˜o do momentum
linear total, dado por
~¯p =
∑
i
mi~ui , (1.9)
onde mi e´ a massa da part´ıcula i e ~ui a sua velocidade. Caso as forc¸as internas, ale´m de satisfazer a
condic¸a˜o (1.2), forem forc¸as de contato ou forc¸as centrais,5 a terceira lei tambe´m implica na conservac¸a˜o
do momentum angular total de um sistema isolado, dado por
~¯l =
∑
i
~ri ×mi~ui , (1.10)
2Por “sistema isolado”, entende-se um sistema sobre o qual na˜o atua nenhuma forc¸a externa.
3Forc¸as de contato permanente ou coesa˜o, que na˜o contribuem para o trabalho resultante, podem tambe´m estar presentes.
4Neste texto, uma barra acima de um s´ımbolo representando uma quantidade f´ısica associada a um sistema indica uma
soma sobre os componentes do sistema.
5Por “forc¸a central”, entende-se uma forc¸a que atua na direc¸a˜o do vetor posic¸a˜o relativa das duas part´ıculas envolvidas.
1.1. MECAˆNICA DE PARTI´CULAS 3
onde ~ri e´ o vetor posic¸a˜o da part´ıcula i.
Por ser insuficiente para garantir a conservac¸a˜o do momentum angular total, a condic¸a˜o (1.2) e´ algumas
vezes chamada “terceira lei fraca”. Acompanhada das condic¸o˜es adicionais necessa´rias para garantir essa
conservac¸a˜o, ela se torna enta˜o a “terceira lei forte”.
Vale frisar que, na perspectiva moderna da dinaˆmica de part´ıculas e campos, as leis de conservac¸a˜o
esta˜o associadas a`s transformac¸o˜es de simetria. A conservac¸a˜o da energia esta´ associada a` invariaˆncia
frente a`s translac¸o˜es no tempo. A conservac¸a˜o do momentum linear esta´ associada a` invariaˆncia frente
a`s translac¸o˜es no espac¸o e a conservac¸a˜o do momentum angular esta´ associada a` invariaˆncia frente a`s
rotac¸o˜es no espac¸o. Assim, estas leis de conservac¸a˜o sa˜o consequ¨eˆncias das propriedades fundamentais
de homogeneidade do tempo e de homgeneidade e isotropia do espac¸o. Qualquer teoria fundamental que
incorpore estas propriedades deve portanto levar a` conservac¸a˜o das quantidades em questa˜o. Caso uma
delas na˜o seja conservada por um dado modelo mecaˆnico, esta na˜o-conservac¸a˜o sera´ enta˜o atribuida a`
sua transfereˆncia para graus de liberdade na˜o contemplados pelo modelo. Por exemplo, uma forc¸a na˜o-
conservativa indicara´ a possibilidade de transformac¸a˜o de parte da energia mecaˆnica em outras formas
de energia (calor, energia ele´trica, etc.) ou vice-versa. Semelhantemente, uma forc¸a que na˜o satisfac¸a
a terceira fraca e/ou a terceira lei forte podera´ estar presente num modelo mecaˆnico caso houver no
sistema f´ısico modelado transfereˆncia de momentum angular e/ou linear mecaˆnicos em outras formas,
por exemplo momenta carregados por campos.
1.1.4 Tempo e espac¸o
O desenvolvimento da cinema´tica – e mais ainda da dinaˆmica – implica na especificac¸a˜o dos conceitos de
tempo e espac¸o.
Para Newton, o tempo era uniforme, universal, absoluto e – pelo menos conceitualmente – inde-
pendente da ocorreˆncia de qualquer fenoˆmeno. Por “universal”, entende-se que o mesmo tempo rege a
evoluc¸a˜o de todos os processos f´ısicos, sejam eles de natureza mecaˆnica, o´tica, ele´trica, ou outra. Por
“absoluto”, entende-se que o mesmo tempo especifica a evoluc¸a˜o, independentemente do referencialuti-
lizado.
De acordo com a teoria cla´ssica, o espac¸o no qual se desenrolam os processos f´ısicos satisfaz os axiomas
da Geometria Euclidiana.
A transformac¸a˜o de Galileu relaciona as coordenadas de uma part´ıcula, medidas em dois referenciais
inerciais. Sejam S e S′ os dois referenciais, cujos eixos supomos paralelos. Supomos tambe´m6 que as
origens dos dois referenciais coincidem em t = 0. Seja ~v a velocidade da origem O′ de S′ em relac¸a˜o a`
origem O de S e ~r, ~r ′ os vetores posic¸a˜o da part´ıcula P em S e S′, respectivamente. Temos enta˜o
~r ′ = ~r − ~v t . (1.11)
Ja´ que o tempo e´ absoluto (t′ = t), a derivada temporal desta transformac¸a˜o leva imediatamente a`
combinac¸a˜o vetorial das velocidades,7
~u ′ = ~u− ~v . (1.12)
Como os dois referenciais inerciais esta˜o em movimento relativo uniforme, a derivada temporal de (1.12)
fornece simplesmente
~a ′ = ~a , (1.13)
ou seja, a acelerac¸a˜o e´ invariante numa mudanc¸a de referencial inercial. A invariaˆncia Galileana esta´
enta˜o garantida pela invariaˆncia da forc¸a.
Embora experimentos de mecaˆnica permitam observar apenas movimentos relativos de translac¸a˜o, o
mesmo na˜o e´ verdade para movimentos de rotac¸a˜o. Como ilustrac¸a˜o, consideramos um balde de a´gua
colocado sobre uma mesa girato´ria de oleiro. Inicialmente a mesa, o balde e a a´gua esta˜o em repouso
na olaria. Na˜o ha´ movimento da a´gua em relac¸a˜o ao balde e a superf´ıcie da a´gua e´ horizontal. O oleiro
comunica a` mesa um movimento ra´pido de rotac¸a˜o. Em raza˜o da sua viscosidade, a a´gua entra em
movimento tambe´m e apo´s algum tempo balde e a´gua giram com a mesma velocidade angular. Neste
6A transformac¸a˜o mais geral pode ser facilmente obtida combinando a transformac¸a˜o com rotac¸o˜es e translac¸o˜es
7Denotamos por ~u = d~r
dt
a velocidade de uma part´ıcula num referencial dado, reservando a letra ~v para a velocidade
relativa de dois referenciais.
4 CAPI´TULO 1. FI´SICA PRE´-EINSTEINIANA – REVISA˜O
O
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... O
′
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P
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~vt
~r ~r ′
Figura 1.1: Ilustrac¸a˜o da transformac¸a˜o de Galileu
momento, como na situac¸a˜o inicial, na˜o ha´ movimento relativo interno no sistema constituido pela a´gua
e o balde. Pore´m, a superf´ıcie da a´gua na˜o e´ mais horizontal e esta observac¸a˜o permite distinguir
“internamente”as duas situac¸o˜es. Para Newton, este exemplo demonstra a necessidade da existeˆncia de
um espac¸o absoluto. Movimentos de rotac¸a˜o, assim como outros movimentos acelerados em relac¸a˜o a este
espac¸o, sa˜o distingu´ıveis do repouso pelos efeitos inerciais que eles induzem, tal como a deformac¸a˜o da
superf´ıcie da a´gua no exemplo do balde.
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(a)
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(b)
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(c)
Figura 1.2: O balde de Newton
Ernst Mach argumentou que os efeitos inerciais poderiam ser atribuidos ao movimento do sistema
considerado em relac¸a˜o ao resto do universo, assim dispensando o conceito de espac¸o absoluto e afirmando
o cara´ter relativo de todos os movimentos.
1.2 O´tica
A primeira o´tica razoavelmente completa foi desenvolvida por Descartes, que imaginava a propagac¸a˜o da
luz como a transmissa˜o de uma pressa˜o entre part´ıculas vizinhas preenchendo o espac¸o. Ja´ para Hooke, a
luz era uma vibrac¸a˜o se propagando num “e´ter”homogeˆneo. Outros pesquisadores, entre os quais Newton,
preferiam interpretar a luz em termos de corpu´sculos propagando-se em alta velocidade a partir da fonte.
A visa˜o ondulato´ria foi geralmente considerada correta a partir das experieˆncias de Young, no comec¸o
do se´culo XIX. Estudos dos fenoˆmenos de polarizac¸a˜o permitiram estabelecer o cara´ter transversal das
ondas luminosas, embora era dif´ıcil explicar a auseˆncia de vibrac¸o˜es longitudinais do e´ter.
Discutimos a seguir algumas observac¸o˜es e experieˆncias de o´tica e as suas interpretac¸o˜es pre-einstei-
nianas.
1.2.1 Velocidade da luz
As primeiras determinac¸o˜es da velocidade da luz foram baseadas em observac¸o˜es astronoˆmicas. Ro¨mer,
em 1676, utilizou as eclipses dos satelites de Ju´piter. Quando a Terra esta´ se afastando de Ju´piter, o
tempo que a luz leva para chegar do satelite ate´ no´s aumenta. Portanto, o intervalo aparente entre duas
1.2. O´TICA 5
eclipses sucessivas tambe´m aumenta. O efeito oposto ocorre quando a Terra esta´ se aproximando de
Ju´piter.
O per´ıodo do movimento orbital de Ju´piter em torno do Sol e´ de mais de 11 anos. Portanto, para uma
primeira estimativa, podemos desprezar o deslocamento de Ju´piter na sua o´rbita durante uma revoluc¸a˜o
da Terra em torno do Sol.
Seja T o per´ıodo de movimento do satelite em torno de Ju´piter. Utilizamos um ı´ndice n para contar
as eclipses observadas durante um ano, comec¸ando a contagem (n = 0) quando a distaˆncia entre Ju´piter
e a Terra e´ mı´nima. Sejam Ln e Ln+1 as distaˆncias entre Ju´piter e a Terra nos instantes tn e tn+1 de
observac¸a˜o de duas eclipses sucessivas [veja a figura (1.3)]. Temos
tn+1 − tn = T + Ln+1 − Ln
c
, (1.14)
onde c e´ a velocidade de propagac¸a˜o da luz. Seja N+ o nu´mero de eclipses observadas ate´ que a Terra
alcance a posic¸a˜o de maior afastamento em relac¸a˜o a Ju´piter, e t+ o instante de observac¸a˜o da eclipse
nu´mero N+ (pro´ximo a meio ano). Enta˜o,
t+ =
N+−1∑
n=0
(tn+1 − tn) = N+T +
LN+ − L0
c
= N+T +
D
c
, (1.15)
onde D e´ o diaˆmetro da o´rbita da Terra. Obviamente, para o meio ano durante o qual a Terra aproxima-se
de Ju´piter, obtemos analogamente
t− = N−T − D
c
. (1.16)
Como t+ + t− = 1 ano e N+ + N− ≡ N e´ o nu´mero de eclipses por ano terrestre, podemos deduzir
das observac¸o˜es o per´ıodo T = 1 ano/N . Da medida de t+, podemos enta˜o obter o retarde t+ − N+T
acumulado no meio ano de afastamento da Terra em relac¸a˜o a Ju´piter. O valor obtido e´ cerca de
17 minutos ou 103 segundos. Como o diaˆmetro da o´rbita da Terra e´ aproximadamente 3 108 km, obtemos
de (1.15)
c =
3108 km
103 s
= 3108m/s . (1.17)
Obviamente, um valor mais preciso pode ser obtido com um tratamento mais elaborado.
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Ln
Ln+1
Sol
Terra
Jupiter
e seu satelite
Figura 1.3: Determinaa˜o da velocidade da luz pela observac¸a˜o das eclipses de um satelite de Ju´piter. A
figura mostra a posic¸a˜o da Terra nos comec¸os de duas eclipses sucessivas (entrada do satelite na sombra
de Ju´piter). A construc¸a˜o ilustra as equac¸o˜es (1.14) e (1.15).
6 CAPI´TULO 1. FI´SICA PRE´-EINSTEINIANA – REVISA˜O
1.2.2 Aberrac¸a˜o estelar
Observac¸o˜es e interpretac¸a˜o
Em 1728, Bradley notou que a posic¸a˜o aparente de uma estrela, observada diaramente no mesmo hora´rio,
descreve no decorrer do ano uma pequena elipse no ceu.
Este efeito esta´ presente mesmo para estrelas muito distantes e na˜o deve ser confundido com a paralaxe,
que permite determinar as distaˆncias em que encontram-se as estrelas mais pro´ximas.
Para uma estrela cuja posic¸a˜o real no ceu esta´ na direc¸a˜o perpendicular ao plano da o´rbita terrestre,
o movimento aparente e´ circular. Dito de outra maneira, para observar tal estrela, sempre na mesma
hora do dia, devemos girar o nosso telesco´piode maneira que o seu eixo varra no ano a superf´ıcie de um
cone. Bradley mostrou que o meio-aˆngulo δ de abertura deste cone e´ independente da estrela particular
observada e vale 20, 5”.
A aberrac¸a˜o possui uma explicac¸a˜o elementar na teoria corpuscular da luz, como consequeˆncia da lei
de combinac¸a˜o das velocidades. Essencialmente a mesma explicac¸a˜o e´ va´lida na aproximac¸a˜o geome´trica
da teoria ondulato´ria.
Sejam ~vLS a velocidade da luz em relac¸a˜o a` estrela emissora, ~vTS a velocidade da Terra em relac¸a˜o a`
estrela, e ~vLT a velocidade da luz em relac¸a˜o a` Terra. Enta˜o,
~vLT = ~vLS − ~vTS . (1.18)
Se denotarmos por θ o aˆngulo de observac¸a˜o, medido em relac¸a˜o a` ecl´ıptica, e por δ o aˆngulo de aberrac¸a˜o
[veja a Fig. 1.4], a lei dos senos fornece
sin δ =
vTS
vLS
sin θ . (1.19)
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−~vTS
~vLS
~vLT
δ
θ ϕ
Figura 1.4: Ana´lise da aberrac¸a˜o pela combinac¸a˜o das velocidades.
Se supormos a estrela “fixa”(em relac¸a˜o ao Sol), podemos identificar ~vTS com a velocidade da Terra
no seu movimento em torno do Sol, ou seja vTS ' 30 km/s. Para observar durante um ano uma estrela
cuja posic¸a˜o angular verdadeira e´ perpendicular a` orbita terrestre [ϕ = 90o e portanto sin θ = cos δ],
precisaremos girar o nosso telesco´pio de maneira que ele descreva um cone de meia-abertura dada por
tan δ =
vTS
vLS
. (1.20)
Com o valor de δ mencionado acima, obtem-se vLS = 3, 04 108m/s, compat´ıvel com a velocidade da
luz medida por Ro¨mer.
A mesma ana´lise pode ser feita numa visa˜o ondulato´ria, bastando substituir vLS pela velocidade de
propagac¸a˜o da luz no e´ter vLE ≡ c, e supor que o Sol esta´ em repouso no e´ter. Enta˜o, vTS pode tambe´m
ser substituida por vTE , a velocidade da Terra em relac¸a˜o ao e´ter, e o resultado (1.20) e´ substituido por
tan δ =
vTE
c
. (1.21)
1.2. O´TICA 7
E´ fa´cil convencer-se de que a velocidade de propagac¸a˜o da luz relevante para a explicac¸a˜o da aberrac¸a˜o
e´ na verdade a velocidade da luz no telesco´pio. O argumento esta´ ilustrado na Fig. 1.5, que se refere ao
caso ϕ = 90o.
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δ
L
h
∆x
~vTE
Figura 1.5: Ana´lise da aberrac¸a˜o pela propagac¸a˜o da luz no telesco´pio.
Sendo L o comprimento do telesco´pio e vLE a velocidade da luz no e´ter que preenche o mesmo, o
tempo ∆t que a luz leva para ir da entrada do telesco´pio ate´ o fundo e´ dado por
∆t =
h
vLE
=
L cos δ
vLE
. (1.22)
Para que o feixe chegue ao fundo do telesco´pio, o mesmo deve deslocar-se de ∆x = L sin δ durante o este
intervalo, ou seja
∆t =
∆x
vTE
=
L sin δ
vTE
. (1.23)
Igualando estas duas expresso˜es, reobtem-se o resultado anterior.
Efeito do meio de propagac¸a˜o: experimento de Airy
Embora a luz se propaga na auseˆncia de mate´ria, supostamente no hipote´tico e´ter, a sua propagac¸a˜o –
valor e direc¸a˜o da velocidade – e´ afetada pela presenc¸a de mate´ria. Em outras palavras: a mate´ria influi
nas propriedades do e´ter. Surge enta˜o inevitavelmente a questa˜o da influeˆncia do movimento da mate´ria
sobre o e´ter.
Arrago ja´ tinha apontado que o movimento das lentes de um telesco´pio em relac¸a˜o ao e´ter poderia
influenciar a propagac¸a˜o da luz nas mesmas e exigir uma refocalizac¸a˜o do instrumento na observac¸a˜o de
uma estrela no decorrer do ano. Pore´m, nenhum efeito deste tipo era observado.
Pelo mesmo argumento, era de se esperar que a aberrac¸a˜o observada fosse diferente caso o tubo do
telesco´pio fosse preenchido por um meio material transparente, tal como vidro ou a´gua. Este experimento
foi realizado em 1871 por Airy.
Lembramos que, de acordo com a o´tica cla´ssica, se denotarmos por c a velocidade (acima denotada
vLE) da luz se propagando no e´ter “vazio”,8 enta˜o a velocidade da luz propagando-se numa regia˜o
do espac¸o enchida por um meio material de ı´ndice de refrac¸a˜o n e´ c/n. Vale lembrar que o meio de
propagac¸a˜o e´ o e´ter, na˜o o meiomaterial. Se o meio material estiver en repouso no referencial do e´ter
vazio, a velocidade de propagac¸a˜o e´ c/n neste referencial. Mas se o meio material estiver em movimento
em relac¸a˜o ao e´ter vazio, o referencial do e´ter “preenchido”pela mate´ria pode ser diferente do referencial
8Utilizaremos esta expressa˜o para indicar o estado do e´ter numa regia˜o do espac¸o onde na˜o ha´ mate´ria.
8 CAPI´TULO 1. FI´SICA PRE´-EINSTEINIANA – REVISA˜O
do e´ter vazio, pois o e´ter pode ser arrastado, parcial ou totalmente, pela mate´ria. Assim, a questa˜o do
arraste do e´ter pelo meio material em movimento e´ incontorna´vel na o´tica cla´ssica.
Consideraremos sucessivemente as implicac¸o˜es para o experimento de Airy das duas suposic¸o˜es ex-
tremas poss´ıveis a respeito desta questa˜o.
a) Nenhum arraste do e´ter
Neste caso, denotando por vˆ′LE a direc¸a˜o de propagac¸a˜o da luz no meio material, temos dentro do
mesmo
~vLE =
c
n
vˆ′LE (1.24)
e
~vLT = ~vLE − ~vTE = c
n
vˆ′LE − ~vTE . (1.25)
Devido a` difrac¸a˜o na entrada do telesco´pio, a direc¸a˜o de propagac¸a˜o vˆ′LE difere em geral da direc¸a˜o
vˆLE no espac¸o intersideral. Este efeito deve ser levado em conta na ana´lise da aberrac¸a˜o, como
mostrado na Fig. 1.6(b). A lei dos senos fornece
sin δ′
vTE
=
sin(pi/2− δ)
c/n
=
cos δ
c/n
.
Ja´ a lei de Snell fornece
sin δ = n sin δ′ . (1.26)
Combinando estas duas equac¸o˜es, obtemos
tan δ = n2
vTE
c
. (1.27)
Comparando a aberrac¸a˜o (1.27) prevista para o telesco´pio cheio com a aberrac¸a˜o (1.21) calculada
para o telesco´pio vazio, teriamos enta˜o
tan δcheio = n2 tan δvazio , (1.28)
ou seja, a aberrac¸a˜o seria maior no caso de um telesco´pio cheio de vidro ou a´gua (n > 1).
b) Arraste total do e´ter
Neste caso, e´ fa´cil convencer-se de que na˜o haveria aberrac¸a˜o, pois uma vez dentro do telesco´pio,
o feixe de luz seria arrastado lateralmente [veja a Fig. 1.6(c)9], acompanhando o movimento do
telesco´pio. Portanto, para que a luz chegue ao fundo do telesco´pio, este deveria ser orientado
verticalmente. Tambe´m na˜o haveria difrac¸a˜o, ja´ que a luz incidiria perpendicularmente a` superf´ıcie
do meio. A hipo´tese de arraste total, que foi defendida principalmente por Stokes, obviamente traz
se´rios problemas conceituais. Certamente na˜o poderia ter validade para um meio pouco denso como
o ar, ja´ que a aberrac¸a˜o e´ um fato observado.
Ao realizar o experimento, Airy descobriu que a aberrac¸a˜o na˜o e´ modificada pelo preenchimento do
telesco´pio por um meio material, ou seja
tan δcheio = tan δvazio . (1.29)
Este resultado e´ intermedia´rio em relac¸a˜o a`s expectativas baseadas nas hipo´teses extremas que acabamos
de considerar. Ele indica portanto que o e´ter e´ parcialmente arrastado pelo meio material.
1.2.3 Fo´rmula de Fresnel
Uma fo´rmula que especifica o quanto o e´ter e´ arrastado por um meio material em movimento foi proposta
por Fresnel na base de argumentos um tanto especulativos. Subsequentemente, esta fo´rmula revelou-se
capaz de explicar os feno´menos observados. Seguiremos aqui o caminho contra´rio. Utilizaremos o resul-
tado nulo do experimento de Airy para estabelecer empiricamente a fo´rmula. Discutiremos brevemente a
interpretac¸a˜o da mesma em termos de uma modificac¸a˜o da densidade de e´ter devida a` presenc¸a do meio.
Mais importantemente, descreveremos nas pro´ximas sec¸o˜es dois outros experimentos que corroboram a
dita fo´rmula.
9Nesta figura, ~v ′LE denota a velocidade da luz no telesco´pio, medida no referencial do “e´ter vazio”.
1.2. O´TICA 9
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δ
cvˆLE
cvˆLE
−~vTE
~vLT
(a)
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δ
δ′
cvˆLE
c
n vˆ
′
LE
−~vTE
~vLT
(b)
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cvˆLE
~v′LE
−~vTE
c
n vˆLT
(c)
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δ
δ′
cvˆLE
c
n vˆLE′
~vE′E=−(1−κ)~vTE
~vLT
(d)
Figura 1.6: Diagramas de composic¸a˜o das velocidades para o experimento de Airy: (a) telesco´pio vazio;
(b) telesco´pio cheio, nenhum arraste do e´ter; (c) idem, arraste total; (d) idem, arraste parcial: seguindo
Fresnel, o coeficiente κ foi escolhido de maneira a obter a mesma aberrac¸a˜o de que no caso (a).
Arraste parcial
Seja ~vME a velocidade de um meio material M em relac¸a˜o ao e´ter vazio E. Denotamos por E′ o e´ter
no meio material. Por suposic¸a˜o, este e´ter e´ parcialmente arrastado pelo meio, na direc¸a˜o de movimento
deste. A velocidade do e´ter arrastado E′ em relac¸a˜o ao e´ter vazio E pode ser escrita na forma
~vE′E = κ~vME , (1.30)
com κ um nu´mero entre 0 e 1 que denominamos coeficiente de arraste.
Sendo n o ı´ndice de refrac¸a˜o do meio, a velocidade, medida em relac¸a˜o ao e´ter arrastado, da luz
propagando-se no meio material em movimento e´
~vLE′ =
c
n
vˆLE′ . (1.31)
onde vˆLE′ e´ a direc¸a˜o da velocidade da luz em relac¸a˜o ao e´ter arrastado. A velocidade daluz em relac¸a˜o
ao e´ter vazio e´ enta˜o
~vLE = ~vLE′ + ~vE′E =
c
n
vˆLE′ + κ~vME . (1.32)
A velocidade da luz no meio material, medida em relac¸a˜o ao mesmo, e´ portanto
~vLM = ~vLE − ~vME = c
n
vˆLE′ − (1− κ)~vME . (1.33)
Determinac¸a˜o do coeficiente de arraste
A aplicac¸a˜o da fo´rmula de arraste parcial (1.32) a` ana´lise da aberrac¸a˜o esta´ ilustrada na Fig. 1.6. A lei
dos senos da´ agora
sin δ′
(1− κ) vTE =
sin(pi/2− δ)
c/n
=
cos δ
c/n
,
e combinando esta equac¸a˜o com a lei de Snell, obtem-se
tan δ = (1− κ)n2 vTE
c
, (1.34)
ou
tan δcheio = (1− κ)n2 tan δvazio . (1.35)
10 CAPI´TULO 1. FI´SICA PRE´-EINSTEINIANA – REVISA˜O
Para reproduzir o resultado de Airy, precisamos escolher
κ = 1− 1
n2
, (1.36)
que vem a ser a hipo´tese de Fresnel para o coeficiente de arraste do e´ter por um meio material em
movimento.
Embora a fo´rmula de Fresnel seja essencialmente ad hoc, ele sugeriu interpreta´-la com indicando um
aumento da “densidade de e´ter”no meio material. Especificamente, ele postulou que a densidade de e´ter
num meio material e´ proporcional ao quadrado do ı´ndice de refrac¸a˜o. Ou seja, sendo ρ a densidade do
e´ter vazio e ρ′ a densidade do e´ter na presenc¸a de mate´ria, temos
ρ′ = n2ρ (1.37)
e a densidade de “excesso de e´ter”e´ (n2− 1)ρ. Fresnel supus ainda que somente este excesso e´ arrastado,
com velocidade igual a` velocidade v do meio. Enta˜o o “centro de massa do e´ter”e´ arrastado com velocidade
vE′E =
ρ× 0 + (n2 − 1)ρ× v
n2ρ
= (1− 1
n2
)v .
Uma interpretac¸a˜o um tanto diferente foi proposta mais tarde por Stokes. Ele tambe´m postulava a
relac¸a˜o (1.37), mas para ele, todo o e´ter dentro do meio movia-se com velocidade vE′E e havia “conservac¸a˜o
do e´ter”, de maneira que a equac¸a˜o de continuidade (para o e´ter), escrita no referencial do meio, dava
ρv = ρ′(v − vE′E) = n2ρ(v − vE′E) ,
o que leva tambe´m a` expressa˜o de Fresnel para vE′E .
Como veremos, a relatividade restrita fornece uma explicac¸a˜o puramente cinema´tica da fo´rmula de
Fresnel, dispensando inteiramente o e´ter.
Como a fo´rmula de Fresnel foi essencialmente montada para reproduzir o resultado do experimento de
Airy, e´ importante verificar que ela e´ capaz de reproduzir tambe´m os resultados de outros experimentos.
Dois exemplos sa˜o discutidos abaixo.
1.2.4 Experimento de Hoeck (1868)
Um feixe de luz monocroma´tica e´ dividido em duas componentes que descrevem em sentidos opostos um
percurso retaˆngulo e sa˜o enta˜o recombinadas para formar uma figura de interfereˆncia. Sobre um dos
lados do retaˆngulo, orientado paralelamente ao movimento da Terra, ha´ um trecho constituido por um
tubo de comprimento, L cheio de a´gua. O experimento consiste em observar o deslocamento da figura
de interfere˜ncia induzido por uma rotac¸a˜o de 180o do aparato.
Para a ana´lise da diferenc¸a de tempos de percurso, precisamos considerar somente o trecho percorrido
na a´gua e o trecho correspondente sobre o lado oposto do retaˆngulo. Supomos que a velocidade da Terra
em relac¸a˜o ao e´ter esta´ orientada para a direita na Fig. 1.7. Usando de novo a relac¸a˜o (1.32), temos para
o tempo de percurso da componente 1:
t1 =
L
c+ v
+
L
c/n+ κv − v ,
e para a componente 2:
t2 =
L
c− v +
L
c/n− κv + v .
A diferenc¸a e´
δt = t1 − t2 = − 2Lv
c2 − v2 +
2(1− κ)Lv
(c/n)2 − (1− κ)2v2 ' −
2Lv
c2
[1− (1− κ)n2] ,
onde termos de ordem (v/c)2 foram desprezados. Quando o aparato e´ girado de 180o, os papeis das
componentes 1 e 2 sa˜o trocados, de maneira que a diferenc¸a de tempo de percurso passa a ser −δt. Isto
produz um delocamento da figura de interfere˜ncia (em porc¸a˜o de franja) de
∆Φ = −2ν δt .
1.2. O´TICA 11
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L
1
2
a´gua
F
D
~v
Figura 1.7: Esquema do experimento de Hoeck.
Nenhum deslocamento da figura de interfereˆncia foi observado por Hoeck, o que implica em δt = 0 e
portanto
κ = 1− 1
n2
,
confirmando a hipo´tese de Fresnel.
1.2.5 Experimento de Fizeau (1851)
Este experimento estuda a propagac¸a˜o da luz na a´gua emmovimento no labora´torio. Um feixe monocroma´tico
e´ dividido em duas componentes, uma das quais percorre uma distaˆncia 2L na a´gua em movimento com
velocidade v no sentido da propagac¸a˜o, ao passo que a outra componente percorre a mesma distaˆncia 2L
na a´gua em movimento com a mesma velocidade v, mas no sentido oposto ao da luz. [veja a Fig. 1.8] As
duas componentes sa˜o enta˜o recombinadas e compara-se as figuras de interfereˆncia obtidas com a a´gua
em movimento e parada.
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L
F
D
Figura 1.8: Esquema do experimento de Fizeau.
Utilizando a relac¸a˜o (1.32), a diferenc¸a entre os tempos de percurso dos dois caminhos o´ticos e´
∆t = 2L(
1
c/n− κv −
1
c/n+ κv
) =
4Lκv
(c/n)2 − κ2v2 '
4Lκvn2
c2
,
onde termos de ordem (v/c)2 foram desprezados. O deslocamento da figura de interfereˆncia provocado
12 CAPI´TULO 1. FI´SICA PRE´-EINSTEINIANA – REVISA˜O
pelo movimento da a´gua e´ enta˜o (em frac¸a˜o de franja):
∆Φ = ν∆t =
c
λ
∆t = 4n2
L
λ
v
c
κ . (1.38)
Fizeau utilizou luz de comprimento de onda λ ' 5, 3 10−7m e canos de comprimento L ' 1, 5m, o que
da´ L/λ ' 2, 8 106. A velocidade da a´gua era v ' 7m/s, de maneira que v/c ' 2, 3 10−8. Com n ' 1, 33
e portanto (usando a fo´rmula de Fresnel) κ ' 0, 435, obtem-se
∆Φ ' 4× 1, 77× 2, 8 106 × 2, 3 10−8 × 0, 435 ' 0, 20 .
O valor observado por Fizeau foi
∆Φobs ' 0, 23 ,
o que ele considerou “quase igual”ao valor calculado.
1.2.6 Experimento de Michelson e Morley (1887)
A discussa˜o acima mostra que os fenoˆmenos o´ticos observados num referencial em movimento com ve-
locidade v em relac¸a˜o ao e´ter podem ser explicados, na ordem v/c, supondo que o meio de propagac¸a˜o
e´ o e´ter e usando a lei usual de combinac¸a˜o vetorial das velocidades. Isto inclui propagac¸a˜o num meio
material, desde que seja levado em conta o arraste do e´ter seguindo a prescric¸a˜o de Fresnel.
O experimento de Michelson e Morley mostrou que isto na˜o e´ verdade para efeitos de ordem (v/c)2.
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L
L′
F
D
A B
C
~v
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......
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.....................
.....................
v tAC v tCA
c tAC c tCA
L′
(a) (b)
AI AF
CR
Figura 1.9: Experimento de Michelson e Morley; (a): esquema do aparato; (b) diagrama para o ca´lculo
do tempo de propagac¸a˜o na direc¸a˜o transversal.
Um feixe de luz monocroma´tica e´ dividido em duas componentes que se propagam em direc¸o˜es per-
pendiculares, uma das quais coincide com a direc¸a˜o do movimento da Terra. As componentes do feixe
sa˜o refletidas por espelhos e propagam-se de volta ate´ o ponto de separac¸a˜o inicial, onde se recombinam
para formar uma figura de interfereˆncia [veja a Fig. 1.9(a)]. Gira-se o aparato de maneira a inverter os
papeis do brac¸o paralelo e do brac¸o perpendicular a` Terra. Observa-se o deslocamento da figura de inter-
fereˆncia induzido por esta rotac¸a˜o. Calcularemos os tempos de percurso, supondo que a luz propaga-se
com velocidade c em relac¸a˜o ao e´ter, no qual a Terra esta´ em movimento com velocidade v. O tempo de
propagac¸a˜o do pontode separac¸a˜o A ate´ o espelho B e´ dado por
c tAB = L+ v tAB → tAB = L
c− v .
1.3. TEORIA ELETROMAGNE´TICA 13
Semelhantemente, o tempo de propagac¸a˜o de volta do espelho B ate´ o ponto A e´ dado por
c tBA = L− v tBA → tBA = L
c+ v
.
Somando, o tempo de percurso, ida e volta, do brac¸o do interferoˆmetro paralelo ao movimento da Terra
e´
tABA =
2Lc
c2 − v2 .
A Fig. 1.9(b) ilustra a situac¸a˜o pertinente para o ca´lculo do tempo de percurso ao longo do brac¸o
perpendicular a` linha de movimento da Terra. AI representa a posic¸a˜o (em relac¸a˜o ao e´ter) da laˆmina de
separac¸a˜o no instante da separac¸a˜o, AF a posic¸a˜o da laˆmina no instante da reunia˜o, e CR a posic¸a˜o do
espelho C no instante da reflexa˜o. Pelo teorema de Pita´goras
(c tAC)2 = (v tAC)2 + L′2 ,
e portanto
tACA = 2tAC =
2L′√
c2 − v2 .
A diferenc¸a de tempo de propagac¸a˜o e´
δt = tABA − tACA = 2
c
√
1− (v/c)2 (
L√
1− (v/c)2 − L
′) , (1.39)
Quando o aparato e´ girado por 90o, os papeis dos brac¸os invertem-se, o que obviamente leva a` diferenc¸a
de tempos de propagac¸a˜o
δt′ = t′ABA − t′ACA =
2
c
√
1− (v/c)2 (L−
L′√
1− (v/c)2 ) . (1.40)
O deslocamento da figura de interfereˆncia e´ enta˜o dado por
∆Φ = ν(δt′ − δt) = ν 2
c
√
1− (v/c)2 (L+ L
′)(1− 1√
1− (v/c)2 )
' − c
λ
L+ L′
c
(
v
c
)2 ' −L+ L
′
λ
(
v
c
)2 , (1.41)
em frac¸a˜o de franja.
Michelson e Morley utilizaram luz de comprimento de onda λ ' 5, 9 10−7m e os brac¸os do inter-
feroˆmetro tinham 11m de comprimento. Isto leva a (L+L′)/λ ' 3, 7 107. Como v/c ' 10−4, esperava-se
enta˜o
∆Φ ' −0, 37 .
Apesar de o aparato possuir precisa˜o suficiente para observar um deslocamento no mı´nimo 20 vezes
menor de que isto, nenhum deslocamento foi observado.
1.3 Teoria eletromagne´tica
1.3.1 Ate´ 1870
Ac¸a˜o a distaˆncia
• Teorias inspiradas pela teoria da gravitac¸a˜o de Newton.
• Forc¸a eletromagne´tica deriva de um potencial instantaˆneo (vetorial).
• Teorias desenvolvidas principalmente por Franz Ernst Neumann (1845) e Wilhelm Weber (1848)
14 CAPI´TULO 1. FI´SICA PRE´-EINSTEINIANA – REVISA˜O
Propagac¸a˜o de campos no e´ter
• Teorias inspiradas pela mecaˆnica dos meios cont´ınuos.
• Teoria de James Clerck Maxwell (1873), interpretada por ele como descrevendo tenso˜es propagando-
se num hipote´tico meio diele´trico.
• As equac¸o˜es de Maxwell preve´m a propagac¸a˜o de ondas eletromagne´ticas, cuja velocidade e´ dada em
termos das unidades ele´tricas e magne´ticas. [Previsa˜o teo´rica de Hermann von Helmholtz, verificada
experimentalmente por Hertz (1888)].
• A velocidade das ondas eletromagne´ticas e´ numericamente muito pro´xima da conhecida veloci-
dade da luz no va´cuo, o que leva a` interpretac¸a˜o da luz como um fenoˆmeno eletromagne´tico e a`
identificac¸a˜o do meio diele´trico de Maxwell com o e´ter, meio hipote´tico de propagac¸a˜o das ondas
luminosas.
1.3.2 Eletromagnetismo em meios materiais em movimento
Interpretac¸a˜o de Hertz das equac¸o˜es de Maxwell
• Num meio material em repouso – presumivelmente em relac¸a˜o ao eter – os fenoˆmenos eletro-
magne´ticos sa˜o supostos descritos pelas equac¸o˜es de Maxwell envolvendo os campos ~E, ~D, ~B,
~H, com termos de fontes, junto com as equac¸o˜es constitutivas nas quais aparecem a constante
diele´trica e a permeabilidade magne´tica do meio.
• Hertz generalizou as equac¸o˜es, supondo-as va´lidas na mesma forma no referencial de repouso do
meio, mesmo se este estiver em movimento. Para dar consisteˆncia matema´tica a esta suposic¸a˜o,
interpretou as derivadas temporais que aparecem nas equac¸o˜es como derivadas convectivas. Lem-
bramos que a derivada convectiva e´ dada, em termos das derivadas parciais temporal e espaciais
calculadas num referencial no qual a velocidade do meio e´ ~v, por
d
dt
=
∂
∂t
+ ~v · ∇ .
• Quando formuladas num referencial no qual o meio material esta´ em movimento, as equac¸o˜es do
eletromagnetismo conteriam portanto termos adicionais, que dependem da velocidade do meio. Este
termos implicariam em novos efeitos f´ısicos, um dos quais Ro¨ntgen alegou ter observado em 1888.
Esta observac¸a˜o na˜o foi confirmada por outro experimento, realizado em 1903 por Eichenwald, o
que levou a descartar a teoria de Hertz.
• A hipo´tese de Hertz pode ser interpretada como equivalente a supor que o eter e´ inteiramente
arrastado por um meio material em movimento. Vale lembrar que havia evideˆncias contra´rias em
fenoˆmenos o´ticos, que indicavam apenas um arraste parcial.
Teoria de Lorentz
• Lorentz desenvolveu uma interpretac¸a˜o da teoria de Maxwell baseada nas ideias seguintes:
– Os campos eletromagne´ticos descrevem o estado do e´ter num dado ponto e instante.
– O estado do e´ter e´ afetado pela presenc¸a e pelo movimento da mate´ria.
Atrave´s de manipulac¸o˜es das equac¸o˜es de Maxwell norteadas por estas ideias, ele chegou a`s con-
cluso˜es seguintes:
– A fo´rmula de Fresnel pode ser obtida imtroduzindo um “tempo local”, sem interpretac¸a˜o f´ısica.
1.3. TEORIA ELETROMAGNE´TICA 15
– Um corpo material em movimento em relac¸a˜o ao e´ter e´ contraido na direc¸a˜o do movimento
por um fator
γ =
1√
1− (v/c)2 . (1.42)
Notamos que isto pode explicar o resultado nulo do experimento de Michelson-Morley, pois
se L e L′ sa˜o os comprimentos em repouso (em relac¸a˜o ao e´ter) dos brac¸os do interferoˆmetro,
enta˜o temos que substituir
L→ L
√
1− (v/c)2
em (1.39) e
L′ → L′
√
1− (v/c)2
em (1.40), o que leva obviamente a um resultado nulo no lugar de (1.41). Esta interpretac¸a˜o
do resultado de Michelson e Morley tinha sido proposta independentemente pot FitzGerald;
por isto e´ a referida contrac¸a˜o e´ conhecida como contrac¸a˜o de FitzGerald-Lorentz.
– A partir dos resultados de Lorentz, Poincare´ demonstrou que a eletrodinaˆmica e´ completamente
invariante frente a uma transformac¸a˜o conjunta do tempo e do espac¸o, que ele nomeou trans-
formac¸a˜o de Lorentz. [Como veremos, esta transformac¸a˜o surge naturalmente na cinema´tica
einsteiniana.]
16 CAPI´TULO 1. FI´SICA PRE´-EINSTEINIANA – REVISA˜O
Cap´ıtulo 2
Princ´ıpios da Relatividade Restrita
Neste cap´ıtulo, definimos a classe de sistemas de refereˆncia – denominados referenciais inerciais – que
desempenham um papel central na formulac¸a˜o dos princ´ıpios da relatividade restrita. Enunciamos os
dois postulados que sa˜o comumente adotados como fundamentos da teoria. Demonstramos que a adoc¸a˜o
simultaˆnea destes postulados requer uma modificac¸a˜o profunda do conceito de tempo: o tempo absoluto
de Newton e´ substituido por um tempo relativo, que depende do referencial considerado. Discutimos em
seguida algumas propriedades ba´sicas das transformac¸o˜es de coordenadas entre referenciais inerciais. A
partir do segundo postulado, identificamos uma quantidade invariante frente a estas transformac¸o˜es, o
invariante fundamental, que caracteriza a geometria do espac¸o-tempo da relatividade restrita.
2.1 Referenciais inerciais
2.1.1 Axiomas
Comec¸aremos por enunciar um conjunto de suposic¸o˜es a respeito dos referenciais inerciais e de pro-
priedades a eles atribuidas. Embora sejam bastante naturais, deve-se admitir que elas poderiam even-
tualmente revelar-se incompat´ıveis entre si ou com os postulados fundamentais. Ale´m disto, mesmo
consistente, a teoria resultante poderia mostrar-se inadequada para a descric¸a˜o dos fenoˆmenos. Eviden-
temente, apenas atrave´s de experimentos poderemos estabelecer a validade da teoria.
• As relac¸o˜es espaciais (distaˆncias e direc¸o˜es), medidas por re´guas r´ıgidas em repouso, satisfazem os
axiomas da geometria Euclideana.
• Existe um tempo universal, no sentido de aplica´vel a todos os fenoˆmenos. Podemos imaginar que
este tempo e´ medido por relo´gios ideais, em repouo no referencial em questa˜o. Vale notar quena˜o
esta´ atribuido ao tempo um cara´ter absoluto. Ele pode depender do referencial considerado.
• Quando medidas em termos deste tempo e destas distaˆncias e direc¸o˜es, as velocidades de todas as
part´ıculas livres permanecem constantes em mo´dulo e direc¸a˜o.
• Para definir completamente um referencial inercial, e´ necessa´rio escolher a origem do sistema de
coordenadas espaciais, as direc¸o˜es e os sentidos dos eixos espaciais,1 a origem e o sentido do eixo
temporal. Evidentemente, para a especificac¸a˜o de valores nume´ricos, ainda e´ preciso definir as
escalas, ou seja, especificar as unidades.
• Em consequeˆncia das propriedades enunciadas acima, podemos imaginar um referencial inercial
como definido por uma rede de part´ıculas livres em repouso relativo. Podemos imaginar que sobre
cada uma destas part´ıculas esta˜o gravados os valores das suas coordenadas espaciais. Podemos
imaginar ainda que cada part´ıcula carrega um relo´gio que indica o tempo universal associado ao
referencial em questa˜o. Assim, poderemos considerar a determinac¸a˜o da posic¸a˜o e do tempo de
1Afora aviso contra´rio, utilizaremos coordenadas cartesianas.
17
18 CAPI´TULO 2. PRINCI´PIOS DA RELATIVIDADE RESTRITA
ocorreˆncia de um evento como uma operac¸a˜o local, qual seja a leitura dos valores indicados pela
“part´ıcula-relo´gio”mais pro´xima.
• Um referencial em movimento retil´ıneo uniforme em relac¸a˜o a um referencial inercial tambe´m e´
inercial. Inversamente, um referencial em movimento acelerado em relac¸a˜o a um referencial inercial
na˜o e´ inercial. Assim os referenciais inerciais formam uma classe cujos membros esta˜o em movimento
relativo uniforme.
• Um referencial inercial e´ espacialmente homogeˆneo e isotro´pico, na˜o somente nas suas propriedades
geome´tricas, mas tambe´m no que diz respeito aos resultados de qualquer experimento. Mais explici-
tamente, um experimento definido por uma translac¸a˜o ou uma rotac¸a˜o de um experimento dado
produzira´ um resultado obtido, a partir do resultado do experimento dado, pela mesma translac¸a˜o
ou rotac¸a˜o.
• Um referencial inercial e´ temporalmente homogeˆneo, ou seja experimentos ideˆnticos realizados em
e´pocas diferentes produzem resultados ideˆnticos.
A definic¸a˜o de referencial inercial apresentada acima utiliza o conceito de “part´ıcula livre”. Na
mecaˆnica de Newton, esta idealizac¸a˜o seria aproximada por uma part´ıcula muito afastada de qualquer
outra, de maneira que as interac¸o˜es, inclusive a forc¸a gravitacional, possam ser desprezadas. Na luz
da teoria da relatividade geral de Einstein, este conceito deve ser modificado, pois na˜o e´ mais poss´ıvel
remover a gravitac¸a˜o, que passa a fazer parte da pro´pria estrutura do espac¸o-tempo. Assim, o conceito de
part´ıcula livre deve ser substituido pelo conceito de part´ıcula caindo livremente no campo gravitacional,
ou seja, submetida somente a` gravitac¸a˜o. Como a acelerac¸a˜o gravitacional e´ independente da massa, se
considerarmos part´ıculas caindo livremente numa regia˜o do espac¸o-tempo suficientemente limitada para
que o campo gravitacional nela presente possa ser aproximado por um campo uniforme, estas part´ıculas
estara˜o em movimento relativo uniforme. Assim, poderemos associar a este conjunto de part´ıculas uma
classe de referenciais inerciais, quais sejam, os referenciais acompanhando o movimento de queda livre das
part´ıculas naquela regia˜o. Embora os referenciais inerciais possuam extensa˜o infinita, a sua relevaˆncia
f´ısica e´ limitada a` regia˜o em questa˜o. Geometricamente, a relatividade restrita consiste na aproximac¸a˜o
local do espac¸o-tempo curvo da relatividade geral por um espac¸o-tempo plano, cujos sistemas de coorde-
nadas sa˜o os referenciais inerciais.
2.2 Postulados fundamentais
Enunciamos a seguir os dois postulados que conjuntamente formam o alicerce da relatividade restrita.
2.2.1 Princ´ıpio de relatividade
Todas as leis da f´ısica sa˜o ideˆnticas em todos os referenciais inerciais. Ou ainda, dois experimentos
ideˆnticos realizados em referenciais inerciais diferentes produzem resultados ide˜nticos.
Pode-se considerar que este postulado generaliza para toda a f´ısica o princ´ıpio Galileano de relatividade
que fundamenta a mecaˆnica de Newton.
A rigor, este primeiro postulado ja´ esta´ impl´ıcito nos axiomas adotados acima para os referenciais
inerciais. Para demonstrar esta afirmac¸a˜o, consideremos um referencial S no qual esta´ sendo realizado
um experimento E, e outro referencial S′ o qual esta´ sendo realizado um experimento E′, intrinsicamente
ideˆntico a E. Primeiro, argumentamos que necessariamente existe um terceiro referencial S′′ no qual
as velocidades de S e S′ sa˜o iguais e opostas. Para tanto, consideramos em S uma famı´lia S′′(α) de
referenciais em movimento colinear com S′, e tal que S′′(0) esta´ em repouso em S e S′′(1) acompanha
S′. Enta˜o, quando α varia de 0 a 1, o mo´dulo da velocidade de S em relac¸a˜o a S′′(α) cresce a partir
de 0, enquanto que o mo´dulo da velocidade de S′ em relac¸a˜o a S′′(α) decresce ate´ 0. Ha´ portanto
necessariamente um valor de α para o qual estes mo´dulos de velocidades sa˜o iguais. E´ facil enta˜o
convencer-se de que e´ poss´ıvel, por translac¸a˜o, rotac¸a˜o, e translac¸a˜o temporal em S′, transformar o
experimento E′ num experimento que difere de E apenas por uma rotac¸a˜o de 180o em S′′. Portanto,
pelos axiomas de homogeneidade e isotropia dos referenciais inerciais, os resultados de E e E′ devem ser
ideˆnticos.
2.3. RELATIVIDADE DA SIMULTANEIDADE 19
2.2.2 Princ´ıpio de invariaˆncia da velocidade da luz
Existe um referencial inercial no qual a velocidade da luz no va´cuo e´ uma constante c, independente da
direc¸a˜o de propagac¸a˜o e das propriedades da fonte, inclusive da velocidade da mesma.
Considerado isoladamente, este postulado poderia ser interpretado como definindo o referencial do
e´ter, que a visa˜o pre-einsteiniana imaginava ser o meio de propagac¸a˜o da luz. Pore´m, aceito em conjunc¸a˜o
com o primeiro postulado, ele pode ser reformulado como:
a velocidade da luz no va´cuo e´ a mesma constante c em todos os referenciais inerciais.
Uma vez colocado nesta forma, fica claro que este postulado e´ incompat´ıvel com a lei Galileana (1.12)
de transformac¸a˜o das velocidades e exige portanto uma revisa˜o profunda dos conceitos fundamentais de
tempo e de espac¸o.
O segundo postulado fornece um me´todo pra´tico para a determinac¸a˜o, por um observador localizado
na origem de um referencial inercial, da posic¸a˜o e do instante de ocorreˆncia de um evento. Basta o
observador medir os tempos de emissa˜o e recepc¸a˜o de um pulso de luz refletido “pelo evento”, e observar
a direc¸a˜o do pulso refletido. Este procedimento, conhecido como “me´todo do radar”, sera´ discutido
adiante.
Embora a velocidade da luz desempenhe um papel destacado nos princ´ıpios assim apresentados, e´
preciso enfatizar que a conceitualizac¸a˜o da relatividade restrita na˜o requer a existeˆncia do fenoˆmeno
particular chamado “luz”. O segundo postulado poderia ser substituido pela seguinte afirmac¸a˜o:
existe um limite finito para a velocidade de propagac¸a˜o de qualquer sinal.
Do primeiro postulado, segue enta˜o que o valor do limite em questa˜o e´ independente do referencial inercial
considerado. Na˜o e´ necessa´rio que exista um sinal f´ısico real que alcance este limite.
Tambe´m demonstraremos adiante que e´ poss´ıvel estabelecer as equac¸o˜es de transformac¸a˜o das coor-
denadas de posic¸a˜o e tempo numa mudanc¸a de referencial inercial, apenas utilizando as propriedades
de grupo destas transfomac¸o˜es. As transformac¸o˜es admiss´ıveis dependem de um paraˆmetro que possui
dimensa˜o de velocidade, mas na˜o precisa ser associado a` propagac¸a˜o de um sinal.
2.3 Relatividade da simultaneidade
Uma consequ¨eˆncia direta da adoc¸a˜o conjunta dos dois postulados e´ a inexisteˆncia de um tempo absoluto

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