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Introdução a física da Matéria Condensada

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Introdução a Física da Matéria
Condensada
Daniel A. Stariolo
Departamento de Física
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2009
i
Sumário
1 Estrutura da matéria condensada 1
1.1 A lei de Bragg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 O fator de estrutura e funções de correlação da densidade . . . . . 5
1.3 Líquidos e gases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.3.1 Esferas duras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4 Estruturas cristalinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.4.1 Redes cristalinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.4.2 A rede recíproca e a condição de von Laue . . . . . . . . 12
1.4.3 Simetria e estruturas cristalinas . . . . . . . . . . . . . . 16
1.5 Cristais líquidos e ordem orientacional . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.6 Estruturas incomensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
1.7 Frustração geométrica e materiais amorfos . . . . . . . . . . . . . 34
1.8 Ordem magnética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
1.9 Estruturas fractais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
1.10 Simetrias e parâmetros de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2 Teoria de Campo Médio 52
2.1 Aproximação de Bragg-Williams para o modelo de Ising . . . . . 52
2.2 A teoria de Landau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
2.2.1 Transições continuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
2.2.2 Transições de primeira ordem na teoria de Landau . . . . 61
2.3 Sistemas heterogêneos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
2.4 Funções de correlação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
2.4.1 Correlações na teoria de Landau . . . . . . . . . . . . . . 69
2.5 Sistemas com simetria O(n) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
2.6 A transição líquido-gás . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
2.6.1 A equação de van der Waals . . . . . . . . . . . . . . . . 76
2.6.2 A lei dos estados correspondentes . . . . . . . . . . . . . 78
ii
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 iii
2.6.3 Teoria de Landau da transição gás-líquido . . . . . . . . . 78
2.7 A transição isotrópico-nemática em d = 3 . . . . . . . . . . . . . 81
2.8 Pontos Multicríticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
2.8.1 Pontos tricríticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
2.8.2 Pontos bicríticos e tetracríticos . . . . . . . . . . . . . . . 88
2.8.3 Pontos de Lifshitz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
2.9 Teoria de campo médio variacional . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
2.9.1 A aproximação de campo médio . . . . . . . . . . . . . . 99
2.9.2 O modelo de Potts . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
2.9.3 O modelo de Heisenberg clássico . . . . . . . . . . . . . 101
3 Além da aproximação de campo médio 104
3.1 O critério de Ginzburg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
3.2 O modelo Gaussiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
3.3 A aproximação do campo autoconsistente . . . . . . . . . . . . . 113
3.4 O modelo XY bidimensional e o papel das flutuações . . . . . . . 115
3.4.1 Ordem de quase-longo-alcance . . . . . . . . . . . . . . . 118
Referências Bibliográficas 121
Capítulo 1
Estrutura da matéria condensada
1.1 A lei de Bragg
Nossa intenção é analizar a estrutura da matéria em escalas microscópicas e me-
soscópicas, digamos entre 1Å e 1µm, ou seja, abarcando 4 ou 5 ordens de mag-
nitude. Estamos na escala atómica ou molecular e uma das ferramentas mais
convenientes para sondar as estruturas nestas escalas são as “espectroscopias”.
Se fazemos incidir um feixe de ondas planas sobre uma estrutura formada por
uma série de planos paralelos, as ondas irão refletir nos sucessivos planos e um
padrão de interferência será produzido pelas ondas refletidas. Duas ondas sendo
refletidas em dois planos separados por uma distância d irão sofrer interferência
construtiva apenas se a diferença de caminho entre ambas for um número inteiro
de comprimentos de onda:
2 d sin θ = nλ (1.1)
Esta é a lei de Bragg (figura 1.1).
O padrão de interferência irá mostrar uma série de picos, chamados “picos de
Bragg” para valores do ângulo θ. O picos de Bragg detectam flutuações da densi-
dade com periodicidade λ/2 sin θ. A ausência de estrutura periódica no material
irá se refletir na ausência de picos ou estrutura no padrão de espalhamento. A
lei de Bragg nos diz que para sondar estruturas na escala espacial d devemos
utilizar ondas de comprimento específico, ou energias específicas.
Numa descrição um pouco mais detalhada, o fenômeno da difração nas es-
calas de interesse da matéria condensada tem origem na interação, descrita pela
mecânica quântica, entre a radiação incidente e as partículas do alvo. Sejam |~k〉
e |~k′〉 os autoestados das ondas incidente e refletidas. Se as partículas incidentes
1
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 2
Figura 1.1: A lei de Bragg
interagem com o alvo de forma suficientemente fraca através de um potencial U ,
a regra de ouro de Fermi permite calcular a taxa de transição entre os estados |~k〉
e |~k′〉:
M~k,~k′ = 〈~k|U |~k′〉 =
∫
ddx e−i
~k·~x U(~x) ei
~k′·~x (1.2)
onde U(~x) é o potencial de interação, responsável pelo espalhamento, e usamos
as funções de onde não normalizadas 〈~x|~k〉 = ei~k·~x. O módulo quadrado das taxas
de transição estão relacionadas à seção de choque ou seção de espalhamento
diferencial :
dσ
dΩ
∼ 2π
h¯
|M~k,~k′|2. (1.3)
Em um material o potencial de espalhamento é a soma dos potenciais individiuais
criados por cada partícula do mesmo:
U(~x) =
∑
α
Uα(~x− ~xα), (1.4)
onde ~xα é a posição da α-ésima partícula do material alvo. Definindo ~Rα = ~x−~xα,
o elemento de matriz do potencial pode ser escrito como:
〈~k|U |~k′〉 = ∑
α
∫
ddx e−i
~k·~x Uα(~x− ~xα) ei~k′·~x
=
∑
α
∫
dd ~Rα e
−i~k·(~xα+~Rα) Uα(~Rα) e
i~k′·(~xα+~Rα)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 3
=
∑
α
[∫
dd ~Rα e
−i~q·~Rα Uα(~Rα)
]
e−i~q·~xα
=
∑
α
Uα(~q) e
−i~q·~xα, (1.5)
onde ~q ≡ ~k − ~k′ e Uα(~q) é conhecido como fator de forma atómico e nada mais
é do que a transformada de Fourier do potencial.
Agora, se as partículas do material estivessem fixas nas suas posições, as rela-
ções anteriores dariam diretamente a seção de choque. No entanto, na realidade as
partículas dentro dos materiais não são estáticas, se deslocam a medida que passa
o tempo como efeito da temperatura finita. O aparato de medida tipicamente terá
um tempo de resolução muito maior que o tempo característico de relaxação tér-
mica das partículas. Então um evento de espalhamento detectado pelo aparato
corresponderá a uma média temporal sobre muitas posições das partículas. O
limite estático ou quase-elástico corresponde a assumir a validade da hipótese er-
gódica no sistema, ou seja, que podemos considerar como equivalentes as médias
temporais a as médias no ensemble de configurações.
Se os potenciais de interação são iguais para todas as partículas, o fator Uα
pode sair fora da soma em (1.5), e:
dσ
dΩ
∼ |Uα|2 I(~q) (1.6)
onde a função
I(~q) = 〈∑
α,α′
e−i~q·(~xα−~xα′)〉, (1.7)
onde a função de estrutura depende apenas das posições dos átomos no material.
Se N é o número de partículas, esta função é tipicamente de ordem N2. No
entanto se as posições forem aleatórias todos os termos terão médias nulas exceto
quando α = α′. Neste caso, válido para gases e também até certo ponto para
fluidos, a função de estrutura é extensiva, de ordem N . Uma versão intensiva da
grandeza se obtém dividindo por N , ou pelo volume do sistema V :
S(~q) = N−1I(~q) (1.8)
Esta função intensiva chama-se fator de estrutura, sendo uma das quantidades
mais comumente utilizadas para a análise da estrutura dos materiais.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 4As limitações na utilidade destas funções de estrutura reside na validade da
regra de ouro de Fermi, que corresponde a uma aproximação de ordem baixo
em teoria de perturbações do potencial. Fisicamente, isto quer dizer que a teo-
ria dará resultados válidos quando as partículas incidentes tenham uma interação
fraca com o potencial, ou quando o caminho livre médio seja muito maior que a
distância interpartícula do alvo.
Da lei de Bragg podemos inferir que o comprimento de onda das partículas
incidentes deve ser menor que o dobro da distância entre vizinhos próximos no
material. Nos materias mais comuns as distâncias interatómicas estão na escala
dos angstroms, e então devemos considerar qué energias devem ter as partículas
incidentes para que seus comprimentos de onda estejan dentro do intervalo válido,
e então, de quais materiais ou potenciais elas podem sofrer espalhamento.
Para fótons, a relação de dispersão que relaciona energia com comprimento de
onda é:
ǫ = h¯ ω = h¯ c k = h c/λ (1.9)
A luz visível, por exemplo, possui ǫ ∼ 1 eV e λ ≃ 0.4− 0.7× 104Å, que é apro-
priado para sondar estruturas na escala dos microns. O espalhamento nestes casos
é devido a variações no índice de refração do meio ou na constante dielétrica.
Para sondar estruturas na escala do angstrom são necessários fótons de energia
∼ 104 eV . Raios X desta energia podem penetrar até 1mm dentro do material e
proporcionar informação do interior (bulk).
Se quisermos usar espalhamento de elétrons, de massa me, temos que levar
em conta que a sua relação de dispersão é:
ǫ =
h¯2k2
2me
=
h2
2meλ2
(1.10)
Para um comprimento de λ ∼ 1Å, a energia correspondente é ǫ ∼ 100 eV . O
espalhamento neste caso acontece pelo potencial eletrostático, que normalmente
é grande. A menos que a espessura do material seja pequena (∼ 1µm) haverá
complicações com efeitos de espalhamento múltiplo.
Nêutrons, de massa mn, possuem uma relação de dispersão igual, só que a
massa é muito maior que a dos elétrons. Novamente, para λ ∼ 1Å, a energia
correspondente é ǫ ∼ 0.1 eV ∼ 400K. Então, a temperatura ambiente, nêutrons
têm a energia correta para produzir espalhamento na escala do Å. O espalhamento
neste caso acontece nos potenciais das forças nucleares ou também no spin ele-
trônico, já que o nêutron possui spin.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 5
Partículas mais pesadas, como íons por exemplo, podem apresentar espalha-
mento múltiplo, e então são mais utilizadas para sondar superfícies, onde os efei-
tos de espalhamento múltiplo são reduzidos. Devido a que os raios X tem ener-
gias muito altas na escala do Å, eles são mais utilizados para determinar a estru-
tura estática dos materiais. Já os nêutrons podem detetar mudanças de energias
pequenas, da ordem de 0.1 eV , e então são convenientes para estudar processos
dinâmicos. Atualmente estão sendo desenvolvidas espectroscopias de laser, que
permitem medir processos temporais em um amplo intervalo de escalas, entre 1
até 10−6 seg na escala do micron.
1.2 O fator de estrutura e funções de correlação da
densidade
Vimos que a função de estrutura depende apenas das posições das partículas no
material. Vamos ver que ela está intimamente relacionada com as correlações
da densidade. O operador densidade de partículas por unidade de volume na
posição ~x é dado por:
n(~x) ≡∑
α
δ(~x− ~xα). (1.11)
Tipicamente, ele é um operador para um sistema quântico, ou uma função do vetor
posição para um sistema clássico. A média de ensemble do operador densidade
da a densidade média do material 〈n(~x)〉 no ponto ~x. Em um fluido isotrópico
e homogêneo 〈n(~x)〉 é independente de ~x e da simplesmente a densidade média
n = N/V . A independência da direção, ou valor de ~x, no caso de um fluido é
conseqüência direta da invariância rotacional e translacional do estado fluido. No
caso de um cristal a situação muda, já que ambas invariâncias são quebradas.
Além da densidade média, que é uma função de um ponto, outra grandeza
muito importante para caracterizar o estado de um sistema é a função de correla-
ção de dois pontos, definida como:
Cnn(~x1, ~x2) = 〈n(~x1)n(~x2)〉
= 〈∑
α,α′
δ(~x1 − ~xα)δ(~x2 − ~xα′)〉 (1.12)
Se o sistema possui invariância translacional então Cnn(~x1, ~x2) ≡ Cnn(~x1 − ~x2),
e se pode mostrar que a função de estrutura é a transformada de Fourier da função
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 6
de correlação da densidade de dois pontos:
I(~q) =
∫
dd~x1 d
d~x2 e
−i~q·(~x1−~x2) 〈n(~x1)n(~x2)〉
= 〈n(~q)n(−~q)〉 (1.13)
onde
n(~q) =
∫
ddx e−i~q·~x n(~x) =
∑
α
e−i~q·~xα (1.14)
é a transformada de Fourier da densidade. Este resultado é muito interessante
pois nos diz que experimentos de espalhamento medem diretamente funções de
correlação.
Exercício: demonstrar a identidade (1.13).
Existem diversas outras funções de correlação úteis e utilizadas em diferen-
tes àreas ou contextos. Dentre as mais interessantes está a função de Ursell ou
correlação conectada, definida a partir da anterior como:
Snn(~x1, ~x2) = Cnn(~x1 − ~x2)− 〈n(~x1)〉〈n(~x2)〉
= 〈[n(~x1)− 〈n(~x1)〉] [n(~x2)− 〈n(~x2)〉]〉
≡ 〈δn(~x1) δn(~x2)〉. (1.15)
Como para distâncias suficientemente grandes Cnn(~x1, ~x2) → 〈n(~x1)〉〈n(~x2)〉, a
função conectada decai para zero com a distância, tipicamente acima de algumas
distâncias interpartícula. Da definição notamos que Snn(~x1, ~x1) mede o tamanho
das flutuações da densidade respeito ao seu valor médio. Então Snn(~x1, ~x2) mede
as correlações destas flutuações de densidade. Por extensão a função Cnn(~x1, ~x2)
é uma correlação não conectada.
Outra função muito usada no estudo de líquidos homogêneos é a função de
distribuição de pares, definida como:
〈n〉2 g(~x1, ~x2) = 1
V
∫
ddx2 〈
∑
α6=α′
δ(~x1 − ~xα)δ(~x2 − ~xα′)〉
=
1
V
〈∑
α6=α′
∫
ddx2 δ(~x+ ~x2 − ~xα)δ(~x2 − ~xα′)
〉
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 7
=
1
V
〈∑
α6=α′
δ(~x− ~xα + ~xα′),
〉
(1.16)
onde ~x = ~x1 − ~x2. Como a soma em α′ varre todos os valores para cada α, todos
os termos da soma em α são iguais, e então:
g(~x) =
1
〈n〉
〈∑
α6=0
δ(~x− ~xα + ~x0)
〉
. (1.17)
Assim definida, a função distribuição de pares representa a probabilidade de
achar uma partícula a uma distância ~x de outra que se encontra na posição ~x0,
normalizada pela densidade média do fluido (considerado homogêneo). A forma
típica de g(~x) nos casos de um gás, um líquido e um sólido, pode ser vista na
figura 1.2.
Figura 1.2: A função distribuição de pares nas fases gasosa, líquida e sólida
Da definição de g(~x) surge a identidade:∫
ddx〈n〉 g(~x) = N − 1 (1.18)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 8
válida para um fluido homogêneo. Se as partículas são independentes, como em
um gás ideal, a função de distribuição de pares é constante, não depende de ~x, e
da identidade anterior se obtém que g(~x) = 1− 1/N → 1 para N grande.
Para fluidos homogêneos a função g(~x) está diretamente relacionada com o
fator de estrutura na forma:
S(~q) = 〈n〉
[
1 + 〈n〉
∫
ddx e−i~q·~x g(~x)
]
(1.19)
Exercício: demonstrar a identidade (1.19).
Se o sistema é isotrópico g(~x) → g(r), com r = |~x|. Neste caso , g(r) se
conhece como função de distribuição radial.
1.3 Líquidos e gases
Os fluidos, líquidos e gases, são os sistemas que apresentam o maior número de
simetrias possível, no sentido que suas propriedades físicas não mudam frente a
uma série de transformações, especialmente de coordenadas.
Quando dizemos que um fluido é homogêneo e isotrópico, queremos dizer que
suas propriedades são invariantes frente a translações espaciais, rotações arbitrá-
rias e reflexões ou inversões respeito da origem de coordenadas (mirror symme-
try). O conjunto de transformações que deixam um sistema invariante formam um
grupo, o grupo de simetria. O grupo de simetria que inclui translações, rotações
e reflexões se chama Grupo Euclideano.Tipicamente os fluidos são invariantes
frente a operações do grupo euclideano. Fisicamente, isto quer dizer que o en-
torno ou a vizinhança de uma pequena região no interior de um fluido é a mesma
independentemente que a região seja transladada, rotada ou de que se faça uma
reflexão em torno de uma origem de coordenadas. Vamos ver que, de forma geral,
o mesmo não acontece com a matéria no estado sólido, os fluidos são os sistemas
com a maior simetria possível.
A homogeneidade de um fluido implica invariância translacional. Por exem-
plo, para a densidade espacial vale a relação:
〈n(~x)〉 = 〈n(~x+ ~R)〉, (1.20)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 9
onde ~R é um deslocamento arbitrário. Em particular, se ~R = −~x obtemos que
〈n(~x)〉 = 〈n(0)〉, ou seja, a densidade em qualquer ponto é igual à densidade na
origem. Logo a densidade não depende de ~x. Da mesma forma:
Cnn(~x1, ~x2) = Cnn(~x1 + ~R, ~x2 + ~R). (1.21)
Neste caso, escolhendo ~R = −~x2 e usando a invariância frente a rotações arbitrá-
rias obtemos Cnn(~x1, ~x2) = Cnn(~x1 − ~x2, 0) = Cnn(|~x1 − ~x2|). Isto por sua vez
implica que a função de estrutura depende somente do módulo do vetor de onda:
Cnn(~q) = Cnn(|~q|) =
∫
ddxe−i~q·~xCnn(|~x|) (1.22)
Então, para um fluido:
I(~q) = V Cnn(q). (1.23)
1.3.1 Esferas duras
O modelo tal vez mais simples de um líquido é um sistema formado por bolas
ou esferas perfeitamente rígidas e impenentráveis. Em um gás de esferas duras
as partículas não interagem entre si, exceto pela repulsão infinita que acontece
quando uma esfera tenta ocupar o espaço ocupado por outra. A energia potencial
do sistema então pode ser definida como
U(r) =
{
∞ if r < r0
0 if r > r0
(1.24)
sendo r0 o raio das esferas. O comportamento do sistema depende da fração de
volume ou razão entre o volume ocupado pelas esferas e o volume total acessível
ao sistema. Coisas interessantes acontecem a medida que a fração de volume
aumenta. Na figura 1.3 podemos ver o comportamento da função de distribuição
radial para um sistema de esferas duras e três frações de volume diferentes.
Se observam uma série de picos, tanto mais intensos quanto maior é a fração
de volume. O primeiro pico é o mais intenso, e reflete a presença de uma camada
de esferas que são vizinhas próximas da esfera central. As correlações com esta
primeira camada são fortes. Os sucessivos picos representam correlações com as
sucessivas camadas de vizinhos, e se percebe que a intensidade va decaindo até
atingir assintoticamente o valor 1, uma característica da função de distribuição ra-
dial. O fator de estrutura tem um comportamento semelhante no espaço recíproco.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 10
Figura 1.3: A função de distribuição radial de um sistema de esferas duras. Re-
sultados numéricos utilizando a aproximação de Percus-Yevick.
• O sistema de esferas duras em d = 3 sofre uma transição de fase líquido-
sólido como função da densidade. O líquido com fração de volume 0.495
coexiste em equilíbrio com o sólido, que forma uma estrutura FCC (face
centered cubic) a uma f.d.v. 0.545.
• Na fase sólida a estrutura FCC apresenta uma f.d.v. de 0.7405, igual à HCP
(hexagonal close packed). Se comprimido rapidamente as esferas não con-
seguem formar uma estrutura cristalina periódica e formam uma estrutura
amorfa com “empacotamente aleatório” (random close packing). A f.d.v.
do RCP é 0.638.
• O sistema de esferas duras não é um sistema térmico, a energia térmica é
irrelevante frente a energia repulsiva da superfície. A variável relevante é a
fração de volume.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 11
1.4 Estruturas cristalinas
1.4.1 Redes cristalinas
Figura 1.4: As redes de Bravais e conjuntos de vetores primitivos
A baixas temperaturas ou altas pressões os materias normalmente cristalizam
e os átomos se organizam espacialmente em estruturas periódicas, chamadas re-
des cristalinas. O tipo de estrutura cristalina na qual um elemente específico irá
cristalizar depende, essencialmente, do potencial interatômico.
Um conceito importante para o estudo das redes cristalinas é a definição de
uma rede de Bravais (segundo o Ascroft-Mermin [7]):
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 12
1. Uma rede de Bravais é uma arranjo infinito de pontos discretos, com uma
estrutura e orientação que aparece a mesma vista desde qualquer um dos
pontos da rede.
2. Uma rede de Bravais (tridimensional) consiste de todos os pontos cujos
vetores posição podem ser definidos como
~R = n1 ~a1 + n2 ~a2 + n3 ~a3 (1.25)
onde ~a1,~a2 e ~a3 são três vetores quaisquer não coplanares e n1, n2 e n3 são
inteiros.
Os vetores ~a1,~a2 e ~a3 são chamados vetores primitivos e permitem “desenvol-
ver” a rede completamente. As magnitudes dos vetores primitivos são conhecidas
como constantes de rede. Uma célula da rede determinada por um conjunto qual-
quer de vetores primitivos se chama célula primitiva (ver figura 1.4).
Uma célula primitiva também permite obter toda a rede por translações ao
longo dos vetores primitivos. Um vetor de translação, ou vetor da rede, conecta
pontos equivalentes da rede, ~T = ~Rl − ~Rl′ , para quaisquer ~l e ~l′. O conjunto
de vetores de translação ~T é um conjunto fechado sob as operações de adição e
multiplicação por±1, ou seja, se ~T1 e ~T2 são vetores da rede, logo os vetores±~T1,
±~T2, ~T1 ± ~T2 e ±~T1 + ~T2 também são vetores da rede.
Uma propriedade importante é que uma célula primitiva deve conter um e
somente um sítio da rede (a menos que possa haver sítios na sua borda). Na figura
1.4 também é evidente que a escolha de célula primitiva não é única. Uma escolha
muito popular é a célula de Wigner-Seitz, formada pela interseção das retas que
bisectam a todos os vetores da rede que emergem de um ponto particular da rede,
como mostra a figura 1.5.
As duas definições de rede de Bravais são equivalentes, embora isso não é
imediatamente óbvio. Por exemplo, numa rede “honeycomb” (favo de abelha),
nem todos os sítios são equivalentes, em alguns temos que fazer uma rotação de
180o para recuperar o mesmo padrão de vizinhos, como mostra a figura 1.6. Por
tanto, a rede favo de abelha não é uma rede de Bravais.
1.4.2 A rede recíproca e a condição de von Laue
A rede cristalina no espaço real se chama as vezes “rede direta”. É possível
definir uma “rede recíproca” da seguinte forma:
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 13
Figura 1.5: Construção de uma célula de Wigner-Seitz.
(Ashcroft-Mermin) Considere um conjunto de pontos ~R formando uma rede
de Bravais, e uma onda plana, ei~k·~r. Esta onda plana tem uma periodicidade dada
pelo comprimento de onda λ = k/2π. Para um ~k arbitrário esta onda não terá, em
geral, a periodicidade da rede de Bravais, mas para alguns conjuntos de vetores ~k
a terá.
O conjunto de todos os vetores de onda ~k que produzem ondas planas com a
periodicidade de uma rede de Bravais dada é conhecido como rede recíproca.
Analiticamente se deve satisfazer:
ei
~k·(~r+~R) = ei
~k·~r (1.26)
para qualquer ~r e para qualquer ~R da rede de Bravais. Pela identidade anterior,
podemos caracterizar a rede recíproca como o conjunto de vetores de onda ~k que
satisfacem
ei
~k·~R = 1, (1.27)
para todos os ~R da rede de Bravais.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 14
Figura 1.6: uma rede “favo de abelha” bidimensional. Este rede não é uma rede
de Bravais pois a estrutura espacial de vizinhos depende do ponto (ver texto)
É possível mostrar que a rede recíproca é ela mesma uma rede de Bravais.
Podemos também definir a rede recíproca da rede recíproca, que não é mais do
que a rede de Bravais original. A rede recíproca nem sempre possui a mesma
simetria da rede direta. Por exemplo, a rede recíproca de um rede fcc é uma rede
bcc.
A célula primitiva de Wigner-Seitz da rede recíproca é conhecida como pri-
meira zona de Brillouin.
Uma fórmula alternativa à de Bragg parao padrão de difração de raios X em
um material é devida a von Laue. Como vimos, para ter um pico no padrão de
difração é necessário que as ondas refletidas nos centros de espalhamento (partícu-
las) sofram interferência construtiva. Vamos analizar com mais detalhe como isso
acontece, analizando inicialmente o processo de espalhamento em dois átomos,
como mostra a figura 1.7.
Seja X um raio incidente na direção ~n, com comprimento de onda λ e vetor de
onda ~k = 2π~n/λ. Se o espalhamento é elástico, se observará uma onda refletida
na direção ~n′ com vetor de onda ~k′ = 2π~n′/λ, ou seja, com o mesmo compri-
mento de onda. Da figura 1.7 obtemos que a diferença de caminho entre os raios
incidentes nas duas partículas é dada por:
d cos θ + d cos θ′ = ~d · (~n− ~n′). (1.28)
Para que a interferência entre eles seja construtiva, esta diferença de caminho deve
ser igual a um número inteiro de comprimentos de onda:
~d · (~n− ~n′) = mλ (1.29)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 15
Figura 1.7: Diferença de caminho para dois raios espalhados por dois sítios a uma
distância d
Multiplicando por 2π/λ obtemos uma condição que devem satisfacer os vetores
de onda incidente e refletido:
~d · (~k − ~k′) = 2πm. (1.30)
Se em lugar de dois centros de espalhamento temos uma rede completa, a condi-
ção para interferência construtiva é que a equação anterior seja válida simultane-
amente para todos os vetores da rede de Bravais ~R:
~R · (~k − ~k′) = 2πm. (1.31)
ou, de forma equivalente
ei(
~k−~k′)·~R = 1, (1.32)
que é a definição (1.27) de vetores da rede recíproca. Logo, a condição de von
Laue para o espalhamento diz que
acontecerá interferência construtiva quando a variação entre os vetores de onda
incidente e refletido, ~K = ~k − ~k′, seja um vetor da rede recíproca.
Se pode expressar o resultado anterior apenas em função do vetor de onda inci-
dente. Como o espalhamento é elástico, os módulos dos vetores de onda incidente
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 16
e refletido são iguais: |~k| = |~k′|. Então |~k| = |~k − ~K|. Elevando ao quadrado
obtemos ~k · ~K = 1
2
| ~K|, ou seja, a componente do vetor incidente na direção do
vetor da rede recíproca ~K deve ter a metade do comprimento de ~K. Por tanto,
para satisfazer a condição de von Laue, o extremo do vetor incidente deve estar
sobre um plano perpendicular a ~K e que o corte pelo meio, como mostra a figura
1.8. Estes planos bisectores do espaço recíproco são chamados planos de Bragg.
Figura 1.8: A condição de von Laue
1.4.3 Simetria e estruturas cristalinas
A operação de translação de uma estrutura cristalina por vetores ~T é uma ope-
ração de simetria sobre o cristal, no sentido que a distribuição de densidade, ou
estrutura do cristal, permance a mesma quando observada desde um ponto inicial
ou desde outro ponto deslocado pelo vetor ~T . O conjunto de translações sobre a
rede cristalina formam um grupo, o grupo de translações. Os cristais também são
invariantes respeito de operações de grupos pontuais, que são rotações, inversões
ou reflexões respeito de pontos particulares de simetria.
Por exemplo, a rede triangular da figura 1.9 é invariante frente a rotações de
ângulo 2πp/6 respeito de qualquer ponto da rede. Por qualquer ponto da rede
passa um conjunto de 6 eixos de simetria. A rede também é invariante por refle-
xões respeito a 6 eixos que passam pelos vizinhos próximos e segundos vizinhos
de qualquer ponto da rede, como mostrado na figura 1.9b. No entanto, a rede
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 17
Figura 1.9: A rede triangular em 2d
decorada da figura 1.9c é invariante apenas por rotações de ângulo 2π/3 e não é
invariante por reflexões.
Redes de Bravais bidimensionais
A simetria por translações impõe restrições severas as possíveis simetrias rotacio-
nais. É importante lembrar que os vetores de translação possuem um comprimento
mínimo, correspondente a mínima distância entre pontos da rede. Por exemplo,
vamos mostrar que é impossível para uma rede cristalina bidimensional possuir
invariância rotacional de ordem 5, ou seja, ser invariante por rotações de ângulo
2π/5. Vamos assumir que o cristal possua essa simetria e definimos ~a0 = (1, 0)
como sendo o menor vetor da rede. Como a rede deve possuir simetria rotacional
de ordem 5, os vetores ~an = [cos (2πn/5), sin (2πn/5)], com n inteiro, também
devem ser vetores da rede direta. Mas a propriedade de clausura para os vetores
da rede impõe que:
~T = ~a4 + ~a1
= [cos (8π/5) + cos (2π/5), sin (8π/5) + sin (2π/5)]
= τ−1 (1, 0) = τ−1 ~a0 (1.33)
onde τ = (1 +
√
5)/2 = 2 cos (2π/10), deve ser também um vetor da rede.
O número τ é um número irracional chamado média dourada (golden mean) e
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 18
satisfaz τ 2 = τ + 1. O vetor ~T é menor que ~a0, o que contradiz a suposição que
~a0 era o menor vetor da rede. Por tanto é impossível uma rede em duas dimensões
ter simetria rotacional de ordem 5. De fato, aplicando argumentos similares, se
chega à conclusão que as únicas simetrias em duas dimensões são de ordem 2, 3,
4 e 6. Uma conseqüência disto é que existem somente 5 tipos de redes de Bravais
diferentes em duas dimensões como mostra a figura 1.10.
Figura 1.10: As 5 redes de Bravais em duas dimensões: a) quadrada, b) oblíqua,
c) retangular, d) retangular centrada, e) hexagonal.
Os grupos pontuais compatíveis com a simetria translacional periódica são
chamado grupos pontuais cristalográficos.
A rede triangular possui simetria rotacional de ordem 6. É a rede bidimensio-
nal com a maior simetria frente a rotações. Uma propriedade interessante é que o
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 19
empacotamento mais denso possível de círculos de raio R em 2d se obtém colo-
cando os círculos com os centros nos pontos de uma rede triangular de constante
de rede a = 2R. Cada círculo é tangente a 6 outros círculos. Uma rede em d
dimensões capaz de permitir o empacotamento mais denso possível de esferas du-
ras é chamada de rede compacta (close pack lattice). A rede triangular é a única
rede compacta em 2d. A fração de superfície ocupada pelos círculos compactos,
chamada fração de empacotamento, é igual a razão entre a área de um círculo e
a área de uma célula de Wigner-Seitz com lados de comprimento s = 2R/
√
3:
πR2/(3sR) = π
√
3/6 = 0.907.
Redes de Bravais em três dimensões
Em três dimensões existem 14 redes de Bravais, como mostrado na figura 1.11.
Algumas possuem alta simetria, como as redes cúbicas, que possuem 3 eixos de
simetria rotacional de ordem 4, 4 eixos de simetria rotacional de ordem 3 (verificar
!) e 3 planos de simetria de reflexão. No outro extremo está a estrutura triclínica,
cujo único grupo de simetria pontual é o de inversões. Vemos os três tipos de
redes cúbicas, a cúbica simples (SC), a centrada na face (FCC) e a centrada no
corpo (BCC).
A célula primitiva da rede SC é também um cubo, e as arestas são os vetores
primitivos. Já as células primitivas das estruturas FCC e BCC não são cubos
simples. A rede recíproca de uma rede FCC é uma rede BCC e viceversa.
Embora as células primitivas das redes BCC e FCC não são cubos, as células
convencionais para as três redes cúbicas são cubos. No entanto, redes com menor
simetria que a cúbica possuem células convencionais anisotrópicas, e nas quais os
ângulos entre as arestas podem ser diferentes de 90o. Os comprimentos das arestas
são indicados pelas letras a,b,c. Para as redes tetragonal, trigonal e hexagonal,
b=c. Então a razão c/a é uma medida do grau de anisotropia das redes.
Para obter estruturas compactas em 3d podemos pensar em empilhar planos
formados por esferas centradas nos pontos de uma rede triangular, que é a estru-
tura compacta em 2d. Os interstícios entre as esferas na rede triangular formam
uma rede favo de abelha, que possui dois tipos de sítios inequivalentes, como já
vimos. Para obter uma estruturacompacta empilhando estes planos temos que
colocar o segundo plano com os sítios da rede triangular (centros das esferas) di-
retamente acima dos sítios da rede favo de abelha formada pelos interstícios entre
as esferas no plano inferior. Os planos sucessivos podem ser empilhados tendo
como origem três tipos de sítios: a origem de coordenadas do primeiro plano ou
qualquer um dos dois tipos de sítios inequivalentes da rede favo de abelha formada
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 20
pelos interstícios no primeiro plano. Chamando A, B e C os três tipos de sítios
podemos formar estruturas compactas com qualquer seqüência na qual o tipo de
sítio mude de um plano para o seguinte.
Duas estruturas deste tipo são as mais comuns na natureza, as seqüências AB-
CABCABCA... formam estruturas FCC, e a seqüência ABABAB... formam uma
estrutura compacta hexagonal (HCP).
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 21
Figura 1.11: As 14 redes de Bravais em três dimensões
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 22
Grupos espaciais
O grupo de todas as translações e rotações que deixam um cristal invariante for-
mam o chamado grupo espacial. Comumente, o grupo espacial é formado por
operações de um grupo pontual respeito a pontos de simetria e por translações por
vetores da rede direta. Neste caso, chamado simórfico, o grupo espacial é for-
mado pelo produto direto do grupo pontual e do grupo de translações. No entanto,
podem haver operações do grupo espacial que não sejam uma combinação de uma
operação do grupo pontual com uma translação por vetores da rede. Neste caso
alguma das operações de simetria não estão no grupo espacial individualmente.
Considere a rede da figura 1.12.
Figura 1.12: Rede bidimensional com um plano de deslizamento AA’
Esta rede possui uma base “multi-atômica”, com vetores primitivos ~a1 =
(2, 0) e ~a2 = (0, 2). A rede não é invariante frente a reflexões em torno da li-
nha AA’. No entanto, é invariante frente a combinação de uma reflexão em torno
de AA’ seguida de uma translação pelo vetor ~a1/2, que não é um vetor da rede
direta. A linha AA’ é uma versão bidimensional de um plano de deslizamento
(glide plane).
Uma operação de simetria envolvendo uma rotação no entorno de um eixo de
simetria seguida de uma translação por um vetor que não está na rede direta ao
longo do eixo de simetria, da lugar a um eixo de parafuso (screw axis).
Grupos espaciais com planos de deslizamento ou eixos de parafuso são cha-
mados não-simórficos.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 23
1.5 Cristais líquidos e ordem orientacional
Os líquidos e os sólidos são dois casos extremos de ordem e simetria. Os líquidos
apresentam a máxima simetria possível do grupo espacial: translações e rotações
arbitrárias em R3. Os líquidos são maximamente desordenados, apresentam ape-
nas ordem de curto alcance, mas nenhum tipo de ordem de longo alcance. Já os
sólidos cristalinos apresentam um grupo de operações de simetria muito reduzido
respeito dos líquidos: são invariantes frente um conjunto discreto de translações
compatíveis com a periodicidade da rede, e possivelmente frente a um conjunto
discreto de rotações. Apresentam ordem de longo alcance, originado na estrutura
cristalina periódica. Daqui em diante vamos definir a ordem determinada pela in-
variância frente a translações espaciais como sendo uma ordem posicional, e a
ordem por invariância frente a rotações como ordem orientacional.
Entre estes dois extremos existem materiais que apresentam todo um espectro
de simetrias e ordem intermediários. O exemplo paradigmático são os cristais
líquidos, substâncias formadas por moléculas anisométricas (sem simetria esfé-
rica). Moléculas típicas que formam cristais líquidos são de dois tipos básicos:
alongadas (moléculas calamíticas) ou com forma de disco (moléculas discóticas).
Em geral, a parte interna destas moléculas é rígida e a parte externa, fluida. Este
caráter duplo da estrutura das moléculas dá origem a interações chamadas estéri-
cas, que levam a diversos tipos de ordem orientacional, juntamente com o caráter
fluido das fases dos cristais líquidos.
• A altas temperaturas, as moléculas em um cristal líquidos (que podemos
representar esquematicamente como elipsoides alongados, como na figura
1.14), estão desordenadas. A desordem diz respeito tanto aos seus centros
de massa (desordem posicional) quanto as orientações dos eixos de sime-
tria das moléculas (desordem orientacional). Neste regime, o cristal líquido
apresenta uma estrutura idêntica à de um fluido isotrópico. O fator de estru-
tura (em função de ~k1, ~k2, ~k3) apresentará tipicamente duas cascas esféricas
com raios correspondentes aos dois comprimentos característicos das mo-
léculas: o comprimento l e o diâmetro a. Em uma projeção bidimensional,
como na figura 1.15, as esferas serão círculos.
• Quando o líquido é resfriado abaixo de uma temperatura característica, apa-
rece uma primeira fase ordenada conhecida como fase nemática (N). Neste
fase as moléculas apontam preferencialmente ao longo de uma direção, es-
pecificada por um vetor unitário ~n chamado diretor. Seus centros de massa
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 24
Figura 1.13: Algumas moléculas que produzem fases de cristais líquidos e as
transições de fases em função da temperatura.
permanecem desordenados. Por tanto, a fase nemática quebra a simetria
orientacional mas não a translacional. È um exemplo típico de ordem ori-
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 25
Figura 1.14: Ilustração esquemáticas das fases em cristais líquidos
entacional. O sistema ainda apresenta invariância rotacional em um plano
perpendicular ao diretor. Mas em qualquer plano que contenha o diretor
a simetria é reduzida a rotações discretas de ângulo 180o. Na realidade o
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 26
diretor não é propriamente um vetor, mas um pseudo-vetor, já que os dois
extremos são identificados. Vamos ver que a ordem nemática, a diferença
da ordem magnética por exemplo, não é vetorial, mas tensorial. Na fase
nemática o fator de estrutura (ou sua projeção em 2d) reflete a quebra de
simetria orientacional: ele preserva a simetria frente a rotações arbitrárias
em um plano perpendicular ao diretor (círculo de raio maior na figura 1.15)
e apresenta invariância de rotação por π apenas na direção de ~n.
• Uma possibilidade mais complexa de fase nemática é produzida por molé-
culas quirais, como o colesterol , que não apresentam simetria frente a refle-
xões. Estas moléculas produzem uma fase nemática quiral ou colestérica,
(N∗). Nesta fase, as moléculas na direção de alinhamento rotam formando
uma hélice, com um passo que é de alguns milhares de angstroms. Por tanto
as moléculas colestéricas espalham luz visível.
• Diminuindo mais a temperatura se pode passar de uma fase nemática para
uma nova fase chamamda fase esmética-A (Sm− A). Nesta fase as molé-
culas se organizam em camadas bem diferenciadas. Os planos das camadas
são perpendiculares aos eixos maiores das moléculas, e a espessura des-
tas camadas corresponde tipicamente ao comprimento l das moléculas. Em
cada camada as moléculas se encontram desordenadas posicionalmente e
podem fluir nos planos. As camadas correspondem à presença de uma onda
de densidade na direção perpendicular as mesmas. Por tanto existe ordem
translacional ou posicional na direção perpendicular as camadas, ao longo
dos eixos l, ou paralelo ao diretor ~n. A onda de densidade de massa pode
ser definida como:
〈n(~x)〉 = n0 + 2nq0 cos (q0 z), (1.34)
onde q0 = 2π/l, e o eixo z é perpendicular aos planos. Esta onda de den-
sidade produz um fator de estrutura caracterizado por dois picos de Bragg
simétricos em ±q0:
S(~q) = |〈nq0〉|2 (2π)3 [δ(q − q0 eˆz) + δ(q + q0 eˆz)] . (1.35)
Na realidade, flutuações térmicas destroem a ordem posicional de longo
alcance das camadas, e o fator estrutura em lugar de apresentar duasdeltas
apresenta dois picos com leis de potências. Estes são chamados quase-picos
de Bragg, em lugar de picos de Bragg, e a ordem esmética correspondente
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 27
Figura 1.15: O fator de estrutura nos cristais líquidos
se chama ordem de quase-longo alcance (OQLA), em lugar da ordem de
longo alcance (OLA) dos cristais.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 28
• Em alguns cristais líquidos a fase esmética apresenta um projeção finita
do diretor sobre o plano das camadas, o diretor está inclinado respeito da
normal as camadas. Ainda mais, a projeção apresenta uma direção definida,
como mostra a figura 1.14d. Esta fase é chamada fase esmética C (Sm−C).
A fase esmética C possui uma simetria inferior a da fase esmética A. A
direção da projeção de ~n no plano das camadas define um eixo c ou diretor-
c. Pode haver uma transição entre as fases esmética A e esmética C. O fator
de estrutura nestas fases tem a forma genérica descrita na figura 1.15c e d.
• Quando um cristal líquido na fase esmética A é resfriado, ele pode con-
sensar em uma fase cristalina, com ordem posicional de longo alcance, ou
então pode condensar na chamada fase esmética B. Na fase esmética B o
cristal líquido apresenta ordem orientacional de longo alcance no plano das
camadas, com simetria rotacional de ordem 6. Uma fase com esta simetria
frente a rotações se chama fase hexática. No fator de estrutura, esta sime-
tria se manisfesta pela presença de arcos difusos no entorno dos valores de
q = 2π/a, separados por ângulos de 2π/6, como mostra a figura 1.16. No-
tar a difereça entre os picos de Bragg de uma fase cristalina com simetria
hexagonal, na qual as moléculas se encontram sobre os vértices de uma rede
triangular no plano, e os picos difusos, ou quase-picos de Bragg de uma fase
com ordem orientacional hexática, onde as moléculas não ocupam os sítios
de uma rede cristalina perfeita. O fator de estrutura de uma fase hexática no
plano pode ser expandido em série de Fourier:
S(θ) =
∑
n
S6n cos (6nθ) (1.36)
onde θ corresponde a um ângulo no plano a partir do máximo mais intenso
do fator de estrutura, por exemplo. De forma semelhante, se pode definir o
grau de ordem em uma fase hexática através da parâmetro de ordem com-
plexo:
Ψ6 = e
6iθ (1.37)
onde θ representa o ângulo entre a linha que une dois átomos e o eixo x, por
exemplo.
• Nos exemplos anteriores as diferentes fases surgem em resposta a varia-
ções de temperatura. Nestes casos os cristais líquidos se chamam termo-
trópicos. Em outros casos as fases podem surgir por variações de outros
parâmetros, como concentração de água, óleo ou surfactantes. Estes são
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 29
Figura 1.16: a) Estrutura cristalina hexagonal e fator de estrutura, b) Ordem ori-
entacional na fase hexática e fator de estrutura
chamados cristais líquidos liotrópicos. Os mais comuns dentre os c.l. lio-
trópicos são formados por lípidos, que são moléculas que apresentam uma
parte hidrofilica, ou que gosta de água, e uma parte hidrofóbica, que não
gosta de água. Quando são postas em contato com a água, os lípidos ten-
dem a formar estruturas que “blindam” a parte hidrofóbica do contato com
a água. Exemplos de estas estruturas são as miscelas esféricas, cilíndricas,
miscelas invertidas, estruturas bicamadas (como as membranas celulares) e
vesículas, como exemplificado na figura 1.17.
As diferentes estruturas as vezes estão relacionadas ao empacotamento de
moléculas de formas diversas, como mostra a figura. Estas estruturas podem
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 30
Figura 1.17: Diferentes estruturas formadas por moléculas de lípidos
se apresentar numa grande variedade de fases, como nemáticas, esméticas,
colunares (ver figura 1.18). Um exemplo destas estruturas é o chamado
“pesadelo do encanador” (plumber’s nightmare), no qual uma bicamada de
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 31
moléculas lipídicas separa duas regiões idênticas cheias de agua, como se
mostra na figura 1.18.
Figura 1.18: Acima: diagrama de fases em soluções miscelares. Abaixo: a fase
“pesadelo do encanador”.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 32
As caudas hidrocarbonadas das moléculas anfifílicas são hidrofóbicas e so-
lúveis em óleo, e as cabeças carregadas são hidrofílicas e dissolvem em
água. Isto permite formar estados de equilíbrio entre água e óleo com a adi-
ção de interfaces anfifílicas: estas mesclas são chamadas microemulsões,
como a espuma de sabão. Exemplos de fases formadas por microemulsões
são mostrados na figura 1.19.
Figura 1.19: (a)Uma fase lamelar de microemulsões. (b) Uma fase bicontinua.
1.6 Estruturas incomensuráveis
É possível observar estruturas que não obedecem a periodicidade da rede crista-
lina, porém não são completamente aleatórias. Estas estruturas podem apresentar
dois ou mais períodos irracionais. Uma causa comum deste fenômeno é a com-
petição entre diferentes escalas de comprimento em um mesmo sistema.
Um exemplo típico deste comporamento é apresentado por átomos de gases
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 33
nobres (Ar, Kr, Xe) adsorvidos, depositados, sobre um substrato de grafite, por
exemplo. O substrato possui uma rede cristalina com simetria hexagonal. Os
átomos do gas ao ser adsorvidos e resfriados iriam condensar em uma estrutura
critalina própria, se a interação com o potencial periódico do substrato fosse nula.
Se o potencial cristalino for forte, os átomos adsorvidos irão formar uma rede
hexagonal, com uma constante de rede que será um número inteiro de vezes a
constante de rede do grafite. Neste caso ambas redes se chamam comensuráveis.
No entanto, uma pequena interação com o substrato faz com que os átomos
do gás adsorvido apresentem uma simetria orientacional hexática, induzida pelo
potencial da rede cristalina do grafite. Mas ambas redes agora não se superpõem
exatamente, como no caso do potencial forte. Neste caso as redes são incomen-
suráveis.
A forma mais fácil de visualizar estruturas incomensuráveis é em uma dimen-
são. Consideremos um metal unidimensional formado por átomos separados por
uma distância a. A baixas temperaturas o sistema tende a ser um isolante pela
formação de uma modulação na densidade eletrônica. Isto é, em lugar de reduzir
de forma homogênea a densidade de elétrons, o sistema prefere formar uma onda
de densidade de carga (charge density wave) eletrônica, que pode ser representada
na forma:
δρ(~x) = A cos (2πx/λ) (1.38)
com periodicidade λ. Se a/λ for um número racional P/Q, com P e Q inteiros
primos, se pode formar uma nova célula unitária tomando Q átomos do sistema
original. Esta estrutura é comensurável (ver figura 1.20). No entanto, se a/λ for
irracional, a estrutura resultante é incomensurável.
No espaço recíproco, a evidência de uma estrutura incomensurável é a pre-
sença de uma série de picos secundários, ou picos “satélite”, junto com os picos
de Bragg originais. Os picos secundários aparecem para vetores com comprimen-
tos que são múltiplos irracionais dos vetores de onda da rede original. Podemos
descreverlos como ~q = ~G ± s(2π/λ)~b, onde ~G é um vetor de onda da rede recí-
proca, e s é um inteiro. Em d = 1 os picos de intensidade do padrão de difração
de raios X irão aparecer para valores:
G = ±p b1 ± q b2 (1.39)
onde p e q são inteiros, b1 = 2π/a, b2 = 2π/λ e a/λ é irracional. Por tanto, a
rede recíproca para uma estrutura incomensurável em d = 1 requer dois vetores
primitivos b1 e b2, e a especificação da posição dos picos de Bragg requer de dois
números inteiros, em lugar de apenas um para estruturas comensuráveis.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 34
Figura 1.20: Exemplo de estruturas comensuráveis em d=1.
Em dimensão arbitrária, uma rede incomensurável genérica consiste em um
conjunto de vetores fechado sobre adição e substração, que podem ser expressos
como umacombinação linear a coeficientes inteiros de r vetores de translação
primitivos, com r maior que a dimensionalidade da rede.
1.7 Frustração geométrica e materiais amorfos
O problema da incomensurabilidade se manifesta em toda sua força no espaçõ
tridimensional. Um ponto importante é reconhecer que as estruturas mais estáveis
locais, ou seja, as células unitarias mais estáveis de um ponto de vista energético,
nem sempre conseguem “percolar” o espaço de forma compacta. Por exemplo,
a estrutura local mais estável para um conjunto pequeno de átomos de gases no-
bres é a tetragonal. No entanto, a geometria de um tetraedro não permite recobrir
todo o espaço com tetraedros, no caso de ter um condensado de muitos átomos de
Ar, por exemplo. Se juntamos tetraedros regulares com uma aresta em comum,
veremos que não podemos completar a rotação, irá sobrar uma pequena fenda en-
tre os tetraedros dos extremos. Esta incapacidade geométrica de formar estruturas
compactas se chama frustração geométrica. A frustração geométrica leva ao sur-
gimento de defeitos e buracos nas estruturas, o que se reflete numa componente
elástica adicional na energia do sistema. Juntando tetraedros com um vértice em
comum podemos formar um icosaedro, um poliedro com 20 faces. Poderiamos
esperar então que um condensado de argônio tenha a simetria local do icosaedro.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 35
Um icosaedro tem 6 eixos de simetria de ordem 5, 10 eixos de simetria de ordem
3 e 15 eixos de simetria de ordem 2, como mostrado na figura 1.21.
Figura 1.21: O icosaedro
No entanto, um empacotamento tridimensional de icosaedros ainda não é um
empacotamento compacto, no sentido que todas as esferas do empacotamento se
toquem. Num icosaedro a esfera central, correspondente ao vértice comum dos
tetraedros, não se encontra na mesma distância até as outras esferas que os pares
de esferas das faces externas. Isto gera uma tensão elástica adicional, aumentando
a energia. Por outra parte, a elasticidade adicional aumenta a entropia, o que
produz uma estrutura localmente estável.
A frustração geométrica pode estar por trás da existência de estruturas frustra-
das, como os vidros. A frustração neste contexto se entende como a incapacidade
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 36
das estruturas locais em satisfacer a condição de mínima energia dos potenciais
de pares, como no caso do icosaedro. Os vidros na realidade são estruturalmente
metastáveis, e por tanto não são estruturas de equilíbrio. Em um sistema com
um número grande de partículas ou átomos pode ser muito difícil determinar se
uma estrutura é metastável ou não. Os vidros são produzidos por um resfriamento
rápido do material desde o estado líquido. A taxa de resfriamento alto impede
que o material cristalize normalmente, e então os graus de liberdade são “quase-
congelados” em estruturas frustradas, com um grande número de defeitos. Es-
tes defeitos no entanto podem ir sendo eliminados gradativamente a medida que
o vidro “relaxa” para o equilíbrio termodinâmico. O problema é que os tempos
de relaxação característicos do estado vítreo são imensos, o que lhes confere o
aspecto de um sólido cristalino.
Algumas característica marcantes dos vidros são:
• Alto número de estados metastáveis de energia próxima. Estes estados são
localmente estáveis e de vida longa. Por isso não se pode falar de uma única
fase vítrea, não existe uma estrutura única que caracterize um vidro. Um
diagrama esquemático desta multiplicidade de mínimos de energia pode ser
visto na figura 1.22.
• Estruturalmente a disposição das moléculas em um vidro é semelhante as
de um líquido. Não tem como distinguir um líquido de um vidro desde uma
perspectiva da estrutura molecular.
• O vidro responde mecanicamente como um cristal elástico. No entanto as
moléculas do vidro possuem uma difusividade residual não nula, que per-
mite em princípio que a estrutura relaxe continuamente.
• Um vidro é produzido por resfriamento rápido a partir da fase líquida su-
peresfriada. Existe uma janela de temperaturas muito estreita no qual a
difusividade do líquido superesfriado cai rapidamente, e a viscosidade au-
menta. Uma relação muito utilizada para o comportamento da viscosidade
com a temperatura é a “lei de Vogel-Fulcher”:
η(T ) = Ae
F
T−T0 (1.40)
A temperatura T0 marca uma divergência e se obtém usualmente como ex-
trapolação dos dados experimentais, já que na região próxima a T0 a re-
laxação é tão lenta que é praticamente impossível medir a viscosidade de
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 37
Figura 1.22: Respresentação esquemática da superfície de energia de um vidro e
os dois exemplos de vidros fortes e frágeis.
equilíbrio do sistema. Existem vidros nos quais T0 6= 0, são chamados vi-
dros frágeis. Quando T0 = 0 a equação anterior se reduz ao caso Arrenhius,
ou de vidros fortes. A classificação dos vidros como fortes ou frágeis pode
ser feita através de um gráfico semi-logarítmico, como o da figura 1.23. A
origem do comportamento forte ou frágil nos vidros ainda não é bem enten-
dida.
• Os vidros não são estruturas em equilíbrio termodinâmico. No entanto a
natureza da chamada transição vítrea, que leva a uma série de singularida-
des no comportamento de diversas grandezas, como a viscosidade, é ainda
objeto de intenso estudo e a resposta está em aberto.
• As propriedades mais interessantes dos vidros dizem respeito ao comporta-
mento dinâmico na vizinhança da transição vítrea. Correlações temporais
ou funções de relaxação caracterizam a existência de apenas duas escalas de
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 38
Figura 1.23: Gráfico semi-logarítmico da viscosidade versus temperatura para
diferentes substâncias formadoras de vidros.
tempos de relaxação relevantes: um tempo curto, da ordem dos picosegun-
dos, associado à dinâmica rápida das moléculas dentro de gaiolas formadas
pelas vizinhas próximas, e uma escala muito maior, que pode ser geológica,
de relaxação estrutural.
1.8 Ordem magnética
Os spins em sistemas magnéticos podem apresentar uma grande variedade de es-
truturas ordenadas, tão diversas quanto as encontradas na ordem atômica crista-
lina.
Os spins associados aos elétrons atômicos interagem entre si através de diver-
sas forças de interação. Uma das mais importantes, que se origina nas interações
eletrostáticas dos elétrons, é a interação de troca, que para uma par de spins ~S se
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 39
escreve na forma:
−J ~S1 · ~S2. (1.41)
~S representa o operador de spin em sistemas quânticos ou o vetor de momento
dipolar magnético em sistemas clássicos. Detalhes importantes desta interação é
que não depende da orientação relativa dos spins com respeito à rede cristalina.
Depende apenas da orientação relativa dos vetores de spin. Ela é isotrópica. A
interação de troca é a responsável principal pelo surgimento de ferromagnetismo
em algumas substâncias como os metais de transição Fe, Ni e Co. Em um sis-
tema com N spins em interação, o modelo mais bem sucedido para descrever
uma série de propriedades dos materiais ferromagnéticos, como a transição entre
fases paramagnética e ferromagnética, correlações entre spins, susceptibilidades
magnéticas, calor específico, etc. é o modelo de Heisenberg:
H = −J∑
i,j
~Si · ~Sj (1.42)
onde os pares {i, j} correspondem a todos os pares de vizinhos próximos. O mo-
delo de Heisenberg pode ser analizado na versão quântica, na qual as variáveis
~Si são operadores de spin, ou na versão clássica, na qual os ~Si são vetores. A
constante de troca J pode ser positiva ou negativa. Quando é positiva, a intera-
ção tende a alinhar spins vizinhos, o que leva ao estado ferromagnético. Quando
J < 0 a energia de troca é minimizada quando um spin fica antiparalelo aos seus
vizinhos próximos, isto leva ao estado antiferromagnético, como mostrado esque-
maticamente na figura 1.24.Uma outra interação entre momentos magnéticos importante é a interação di-
polar, de origem clássica, que tem a forma:
g
∑
i<j
~Si · ~Sj − 3(~Si · eˆij)(eˆij · ~Sj)
r3ij
, (1.43)
onde eˆij = ~rij/rij são vetores unitários na direção que une os sítios i e j. Notamos
que esta interação é de longo alcance, decaindo com a inversa do cubo da distân-
cia entre pares de spins. Ela também é anisotrópica, dependendo da orientação
relativa dos spins com os vetores da rede ~rij . A interação dipolar é tipicamente 4
ordens de grandeza menor que a interação de troca, e por tanto não é o fator prin-
cipal que leva ao alinhamento dos spins na fase ferromagnética. No entanto, seu
caráter de longo alcance produz campos magnéticos locais fortes, sendo respon-
sável pela origem dos domínios magnéticos. Uma substância ferromagnética em
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 40
Figura 1.24: Algumas estruturas magnéticas .
ausência de campo externo não apresenta, pelo geral, um alinhamento global dos
spins, mas um mosaico de domínios onde os spins apontam em diferentes dire-
ções, como mostra a figura 1.25. Estas configurações são escolhidas pelo sistema
para minimizar a energia magnética global.
Em alguns cristais o efeito do potencial cristalino é forte o suficiente para
ser sentido pelos elétrons, produzindo a interação spin-órbita. Uma manifestação
deste tipo de interação é a presença de uma campo de anisotropia sobre os spins,
chamada anistropia magnetocristalina. No caso de anisotropia uniaxial de eixo
fácil z, a forma mais elementar de representar sua contribuição energética é:
−D∑
i
S2iz (1.44)
Notamos que esta anisotropia depende quadraticamente da componente z do spin,
e por tanto não distingue sentidos, apenas uma direção no espaço. Esta contribui-
ção energética contribui para o alinhamento dos spins na direção z.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 41
Figura 1.25: Domínios magnéticos
Quando estas três formas de interação magnética estão presentes simultane-
amente em um sistema, podem dar lugar a uma variedade enorme de estruturas
magnéticas no estado fundamental, dependendo das intensidades relativas de J ,
g e D. A temperatura finita transições de fases entre diferentes tipos de ordem
magnética podem surgir. Em filmes magnéticos ultrafinos com anisotropia per-
pendicular, a competição entre estas interações produz transições de fase a tempe-
raturas finitas entre estruturas semelhantes as fases dos cristais líquidos, somente
que neste caso as estruturas correspondem a ordem de spin e não a ordem posici-
onal das moléculas, como se ve na figura 1.26.
Existem diversas técnicas experimentais para detetar e medir ordem magné-
tica. Uma técnica clássica é difração de nêutrons, já que o nêutron possui spin
que interage com o spin eletrônico. No entanto para poder distinguir picos cor-
respondentes a estrutura de spin de picos correspondentes à estrutura cristalina, é
necessário que o tamanho das células unitárias magnética e cristalinas sejam di-
ferentes. Outras técnicas amplamente utilizadas na atualidade são microscopia de
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 42
Figura 1.26: Domínios em filmes ultrafinos de Fe/Cu(001) com magnetização
perpendicular.
força atômica (AFM), microscopia de força magnética (MFM), e uma variedade
de espectrometrias de espalhamento de elétrons, como a microscopia de varredura
de elétrons, que permitem obter diretamente imagens da estrutura magnética dos
átomos, como por exemplo SEMPA (Scanning electron microscopy with polari-
zation analysis), utilizada para obter as imagnes da figura 1.26.
1.9 Estruturas fractais
Até agora a análise geométrica das estruturas encontradas na matéria condensada
foi ancorada fortemente na geometria euclideana. Fizemos uso extensivo dos con-
ceitos de ponto, linha reta, plano, e a partir deles descrevemos as estruturas ob-
servadas. No entanto a natureza é mais rica e a descrição em termos da geometria
euclideana aparece muitas vezes como uma severa limitação: “nuvens não são es-
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 43
feras, montanhas não são cones, linhas costeiras não são círculos, latidos não são
suaves e raios não se propagam em linha reta”, citando a B. Mandelbrot quem
cunhou o nome de estruturas fractais para descrever objetos como aglomerados
de partículas, que apresentam invariância de escala.
Quando observamos um objeto fractal em uma escala diferente da original
r → λr, uma grandeza dada M(r) se comporta tipicamente como :
M(λr) = λDM(r) (1.45)
onde λ é o fator de escala aplicado. O expoente D é uma dimensão fractal. Ela
independe de r o que evidencia a invariância de escala da grandeza, por exemplo,
a massa de um objeto. Para objetos compactos D será um inteiro, em correspon-
dência com a dimensão do espaço euclideano. Mas para algumas estruturas D
pode ser fracionário, o que caracteriza um objeto fractal.
Um exemplo de sistema fractal é um modelo simples de polímero linear, for-
mado por N monômeros de comprimento a. Uma configuração do polímero pode
ser descrita como uma caminhada aleatória deN passos de comprimento a, como
mostrado na figura (1.27). Como cada passo é dado em uma direção arbitrária, de-
pois de muitos passos a distância relativa entre o último monômero e o primeiro
será nula: 〈~R〉 = 0. No entanto, o deslocamento quadrático médio é não nulo e
proporcional ao número de passos:
〈R2〉 = N a2. (1.46)
Por tanto, a raíz quadrada desta quantidade representa a dimensão linear caracte-
rística do polímero, chamada raio de giração:
RG ∼
√
〈R2〉 = a
√
N (1.47)
O raio de giração cresce com o número de monômeros com uma potência igual a
1/2. O expoente 1/2 é um exemplo de dimensão fractal. Então, para distâncias
maiores que a e menores que RG o polímero terá uma estrutura auto semelhante,
ou seja ele é invariante de escala nesse intervalo.
Em um modelo um pouco mais sofisticado de polímero se pode levar em conta
que a cadeia não se pode cortar a si mesma, por um efeito de volume excluido. Isto
leva ao modelo conhecido como “self-avoiding random walk” (SAW). O expoente
muda na forma RG = aNν , com
ν =
3
d+ 2
, (1.48)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 44
Figura 1.27: Caminhada aleatória e C. A. auto-excludente (self-avoiding random
walk), em um rede bidimensional.
onde d é a dimensão do espaço. Este resultado é obtido pela teoria de campo
médio de Flory para polímeros e aproxima muito bem os resultados observados.
Estas propriedades se refletem no comportamento das correlações de densi-
dade e no fator de estrutura. Vamos considerar as correlações de densidade no
agregado da figura (1.28):
C(~r) =
1
N
∑
i
ρ(~r + ~ri)ρ(~ri) (1.49)
Esta função de correlação representa a probabilidade de encontrar uma partícula a
uma distância ~r de uma outra na posição ~ri. Se as correlações dependem somente
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 45
Figura 1.28: Aglomerado fractal de partículas de ouro.
da distância e não da direção, então ~r → r. Vamos normalizar a correlação fa-
zendo ρ(r) = 1 se a posição r está ocupada por uma partícula, e ρ(r) = 0 caso
contrário. Então a massa em um volume de raio r será proporcional a integral da
correlação:
M(r) ∝
∫ r
0
C(x) ddx (1.50)
Se o aglomerado for fractal, então M(r) ∝ rD, e derivando na expressão acima
obtemos:
C(r) ∝ r−α, (1.51)
onde α = d−D, sendo d a dimensão do espaço euclideano onde o aglomerado está
embutido e D a dimensão fractal do objeto. Novamente, a lei de potências implica
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 46
que o sistema é invariante de escala, não apresenta um comprimento característico.
O fator de estrutura é a transformada de Fourier da função de correlação espa-
cial:
S(~q) =
∫
ddx e−i~q·~xC(~x). (1.52)
Para um sistema isotrópico em três dimensões:
S(q) =
∫ 2π
0
dφ
∫ π
−π
sin θ dθ e−iq r cos θ
∫ ∞
0
r2dr C(r)
= 4π
∫ ∞
0
r2 dr C(r)
sin qr
qr
(1.53)
Como o comportamento algébrico de C(r) é válido no intervalo a ≪ r ≪ RG,
temos que acrescentar um corte ou “cutoff” no comportamento da correlação,
na forma C(r) ∝ r−α f(r/RG). O fator de corte pode ser escolhido na forma
f(x) = e−x, que satisfaz aproximadamente os limites impostos acima. Resol-
vendo a integral para o fator de estrutura obtemos:
S(q) ∝ q−D. (1.54)
Por tanto, podemos obter a dimensão fractal D a partir de um experimento de
difração, graficando os dados da intensidade do padrão de difração em escala
log-log. Temos que comparar este resultado com os picos de Bragg no caso de
estruturas cristalinas puras, ou o comportamento aproximadamente constante no
caso de sistemas amorfos isotrópicos.
Na figura (1.28) se observa um aglomerado fractal de partícula de ouro, cres-
cido pelo processo conhecido como difusão limitada por agregação (Diffusion
Limited Aggregation), ou DLA. Na figura (1.29) se mostra a função de correlação
de densidade do aglomerado e o fator de estrutura do mesmo, em escala log-log.
A correlação é obtida contando simplesmente o número de partículas que se en-
contram a uma certa distância de uma dada partícula considerada como origem,
e depois mediando sobre diferentes partículas na origem. O fator de estrutura foi
obtido por experimentos de espalhamento de luz visível e por difração de nêu-
trons. Notar as diferentes escalas amostradas por ambas técnicas experimentais.
1.10 Simetrias e parâmetros de ordem
Como se pode concluir do visto até aqui, considerações de simetria têm um papel
central na matéria condensada. Os fenômenos mais dramáticos da matéria con-
densada, as transições de fase, muitas vezes podem ser analizadas e entendidas
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 47
Figura 1.29: Funcão de correlação e fator de
estrutura para o aglomerado fractal da figura
anterior.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 48
a partir de transformações das condições de simetria do sistema frente a variação
de parâmetros externos, como temperatura, pressão ou campos elétricos e magné-
ticos.
Um sistema físico é descrito analíticamente pelo Hamiltoniano do mesmo. O
Hamiltoniano apresenta invariância frente a algumas operações de simetria, que
permitem tirar conclusões sobre o comportamento e a estrutura do sistema sob
diferentes condições. Em um gás ideal por exemplo, o Hamiltoniano é invariante
frente ao grupo espacial composto por translações, rotações e reflexões arbitrárias
do espaço, além de translações e reversão temporal. O Hamiltoniano de Heisen-
berg (1.42) é invariante frente a translações e reversão temporal além de rotações
globais dos spins respeito de um eixo arbitrário. Tipicamente, a altas tempera-
turas ou em sistemas diluidos, o sistema se encontra em uma fase desordenada a
qual é invariante frente a operações do mesmo grupo G de invariância do Hamil-
toniano. Em uma transição de fase alguma invariância é quebrada. Operadores
que não permanecem invariantes através de uma transição de fases são chamados
parâmetros de ordem. No modelo de Heisenberg, a magnetização:
~M =
1
N
∑
i
~Si (1.55)
é o parâmetro de ordem. A invariância frente ao grupo de rotação simultânea
de todos os spins em R3 existente no Hamiltoniano do modelo de Heisenberg, é
quebrada para T < Tc, onde Tc é a temperatura crítica do modelo. Acima de Tc,
〈 ~M〉 = 0, e abaixo de Tc, 〈 ~M〉 6= 0. O grupo de simetria original é reduzido
ao subgrupo de rotações respeito a eixos paralelos a ~M . O sistema não é mais
invariante frente a rotações dos spins respeito de eixos perpendiculares a ~M . A
fase ordenada do modelo de Heisenberg é uma fase com simetria quebrada.
Para especificar completamente o comportamento de uma fase ordenada, te-
mos que saber como o parâmetro de ordem se transforma frente a uma operação
do grupo de simetria. No caso do modelo de Heisenberg, o grupo de simetria é
o grupo das rotações. Uma rotação específica g ∈ G pode ser representada por
uma matriz 3× 3, Uij(g), de forma que Mi → Uij(g)Mj frente a uma rotação g.
No caso geral de um parâmetro de ordem φa, a = 1 . . . n, éste irá se transformar
frente a uma representação n-dimensional do grupo G: para cada operação g no
grupo, existirá uma matriz Tab(g) tal que φa → Tab(g)φb. A forma mais econô-
mica de representar um grupo de simetria é usar uma respresentação irredutível
com a menor dimensão possível.
A quebra de simetria em uma transição de fase se reflete na estrutura termo-
dinâmica do sistema: o número de mínimos na energia livre é igual ao número de
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 49
elementos do grupo de simetria associado ao parâmetro de ordem. Para explorar
esta interpretação é essencial distinguir grupos de simetria discretos e continuos.
Se o grupo de simetria for discreto então existirão um número discreto de fa-
ses termodinâmicas equivalentes, enquanto que no caso do grupo ser continuo
haverá uma variedade continua onde cada ponto representa uma possível fase ter-
modinâmica. O modelo de Ising é um exemplo do primeiro caso e o modelo de
Heisenberg pertence ao último grupo.
Outra distinção importante é entre simetrias locais ou globais. Um sistema
possui uma simetria local se é invariante frente a operações do grupo de simetria
aplicadas localmente, a uma parte do sistema. Este caso é o menos comum. O Ha-
miltoniano do modelo de Heisenberg possui uma simetria global, que corresponde
à rotação simultânea dos spins por um ângulo fixo respeito de qualquer eixo. O
grupo de simetria correspondente é o O3, o grupo de rotações em três dimensões.
• O modelo de Ising representa um material ferromagnético com um eixo de
anisotropia que força os spins a apontar em um única direção. O Hamilto-
niano é:
H = −J∑
〈ij〉
σi σj (1.56)
onde σi = ±1. O grupo de simetria do parâmetro de ordem, a magnetização,
é o grupo discreto Z2.
• Uma generalização do modelo de Heisenberg onde o parâmetro de ordem
tem n componentes é o modelo O(n), cujo grupo de simetria continua é o
On. Este modelo é interessante porque se reduz ao modelo de Ising no caso
n = 1, ao modelo chamado XY para n = 2, ao modelo de Heisenberg para
n = 3, e é exatamente solúvel no limite n→∞.
• O modelo XY corresponde a um ferromagneto com um “plano fácil”. O
vetor de magentização é forçado a estar sobre o plano. Possui um grupo de
simetria continua, que é o O2. Outra realização desta simetria é na transição
líquido normal- superfluido. Neste caso, o parâmetro de ordem é a função
de onda do líquido quântico:
Ψ = |Ψ| eiθ (1.57)
que é um número complexo e por tanto pode ser representado como um
vetor em duas dimensões, com módulo igual a |Ψ| e fase igual a θ. Na
representação complexa o grupo de simetria é o U(1) que é isomorfo com
o O2.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 50
Problemas
1. Mostrar que a transformada de Fourier da função de correlação de dois pon-
tos da densidade é igual à função de estrutura I(~q) = 〈n(~q)n(−~q)〉 quando
o sistema apresenta invariância translacional, ou seja, se
Cnn(~x1, ~x2) = Cnn(~x1 − ~x2).
2. (Ashcroft-Mermin)
(a) Mostre que a razão ideal c/a do arranjo compacto (close-packed) he-
xagonal é
√
8/3 = 1.633.
(b) O sódio sofre uma transformação de bcc para hcp a aproximadamente
23K ( a transformação chamada “martensítica”). Assumindo que a
densidade permanece constante durante a transformação, encontre a
constante de rede a da fase hexagonal, sendo que a = 4, 23Å na fase
cúbica e que a razão c/a é indistinguível do seu valor ideal.
3. (Ashcroft-Mermin) A rede fcc é a mais densa e a cúbica simples a menos
densa das três redes de Bravais cúbicas. A rede do diamante é menos densa
do que qualquer uma destas. Uma medida disso é que os números de co-
ordenação são: fcc, 12; bcc, 8; sc, 6; diamante, 4. Outra é a seguinte:
imagine que esferas rígidas idênticas são distribuidas no espaço,de forma
que os centros destas coicidam com os vértices de cada uma das redes de
Bravais anteriores, e tal que esferas em pontos vizinhos próximos apenas se
toquem, sem se superpor. Um tal arranjo de esferas é chamado de “arranjo
compacto” (close-packed arrangement). Assumindo que as esferas têm den-
sidade unitária, mostre que a densidade de um arranjo compacto em cada
uma das quatro estruturas cristalinas (a “fração de empacotamento”) é:
fcc:
√
2π/6 = 0.74
bcc:
√
3π/8 = 0.68
sc: π/6 = 0.52
diamante:
√
3π/16 = 0.34
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 51
4. (Ashcroft-Mermin)
(a) Uma estrutura hexagonal compacta forma uma rede de Bravais hexa-
gonal simples, que se forma empilhando redes triangulares planares
diretamente uma acima da outra. A direção de empilhamento se co-
nhece como eixo c. Três possíveis vetores primitivos são
~a1 = axˆ, ~a2 =
a
2
xˆ+
√
3a
2
yˆ, ~a3 = czˆ. (1.58)
Os primeiros dois geram uma rede triangular no plano xy, e o terceiro
empilha os planos um acima do outro a uma distância mútua c.
Use este conjunto de vetores primitivos e mostre que a rede recíproca
de uma rede de Bravais hexagonal simples é também uma rede hexa-
gonal simples, com constantes de rede 2π/c e 4π/
√
3a, rotada de 30o
no entorno do eixo c respeito da rede direta.
(b) Para que valor de c/a esta razão toma o mesmo valor nas redes direta
e recíproca ? Se c/a toma o valor ideal na rede direta, qual o seu valor
correspondente na rede recíproca ?
Capítulo 2
Teoria de Campo Médio
Historicamente, a teoria de campo médio, que consiste em uma aproximação para
somar a função de partição de um sistema e então poder obter as suas propriedades
termodinâmicas, começou com a aproximação da equação de estado de um líquido
clássico por de van der Waals (1873). Em 1906, Pierre Weiss desenvolveu uma
aproximação equivalente para estudar a transição de fase em materiais ferromag-
néticos. Em 1934, W. L. Bragg e E. J. Williams desenvolveram uma aproximação
de campo médio para a transição ferromagnética um pouco mais elaborada que a
de Weiss.
2.1 Aproximação de Bragg-Williams para o modelo
de Ising
Bragg-Williams desenvolveram uma aproximação para o modelo de Ising
H = −J∑
〈ij〉
σi σj (2.1)
onde σi = ±1. No modelo de Ising o parâmetro de ordem é a magnetização
m = 〈σ〉. A magnetização é igual a m = (N+ − N−)/N , onde N+ é o número
de spins para cima, N− é o número de spins para baixo e N é o número total de
spins no sistema.
Para um dado valor de m existe um número grande de configurações possíveis
de spins para cima (+) ou para baixo (-). O logaritmo desse número é exatamente
52
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 53
a entropia do sistema:
S = ln
(
N
N+
)
= ln
(
N
N(1 +m)/2
)
= ln
(
N !
(N(1 +m)/2)!(N(1−m)/2)!
)
(2.2)
Usando a aproximação de Stirling para N grande:
N ! ≈
√
2πN
(
N
e
)N
, (2.3)
obtemos
S
N
≡ s(m) = ln 2− 1
2
(1 +m) ln (1 +m)− 1
2
(1−m) ln (1−m) (2.4)
Para obter o potencial termodinâmico de interesse, que neste caso é a energia livre
F = U − TS, temos que calcular também a energia interna, U = 〈H〉:
U = Z−1m Trm H e
−βH (2.5)
onde Trm é um traço restrito a configurações com magnetização m e Zm =
Trme
−βH
, β = 1/kBT e kB é a constante de Boltzmann. O cálculo de Zm é
complexo e equivale a obter a solução exata para o modelo. Em seu lugar realiza-
mos um cálculo aproximado. A aproximação mais simples é a de campo médio.
No caso da aproximação de Bragg-Williams se substitui o valor local do spin σi
por seu valor médio m independente da posição :
U = −J ∑
〈i,j〉
m2 = −1
2
JNzm2, (2.6)
onde z é o número de vizinhos próximos dos sítios da rede. Na rede quadrada em
d dimensões z = 2d. A energia livre de Bragg-Williams fica na forma:
f(T,m) = (U − TS)/N
= −1
2
Jzm2 +
1
2
T [(1 +m) ln (1 +m) + (1−m) ln (1−m)]
−T ln 2 (2.7)
O comportamento da função f(T,m) está representado graficamente para diversas
temperaturas na figura 2.1.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 54
Figura 2.1: A energia livre na aproximação de Bragg-Williams.
Na figura da esquerda, para campo externo nulo, vemos que a altas temperatu-
ras a função apresenta um único mínimo, param = 0. Esta é a fase paramagnética.
A uma temperatura bem definida Tc a função passa a ter dois mínimos simétricos
±m. O valor absoluto destes mínimos, |m|, cresce a medida que a temperatura
baixa com |m| → 1 quando T → 0. No entorno de Tc o valor de m é muito
pequeno, en então podemos expandir as funções termodinâmicas em potências de
m:
s(m) = ln 2− 1
2
m2 − 1
12
m4 + . . . (2.8)
e
f(T,m) =
1
2
(T − Tc)m2 + 1
12
T m4 − T ln 2 + . . . (2.9)
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 55
onde
Tc = zJ (2.10)
é a temperatura da transição na aproximação de campo médio.
Em presença de um campo magnético externo h, a energia livre f − mh é
assimétrica, como mostra a figura da direita em 2.1. Para temperaturas altas T >
Tc a energia livre apresenta um único mínimo m > 0, e para uma T < Tc aparece
um segundo mínimo local. O mínimo com m > 0 continua sendo o mínimo
absoluto, e por tanto o comportamento do parâmetro de ordem não muda neste
caso em T = Tc. A equação de estado em presença de um campo externo é dada
por:
∂f
∂m
= −zJm + 1
2
T ln [(1 +m)/(1−m)]
= −zJm + T tanh−1m = h (2.11)
Então
m = tanh [(h+ Tcm)/T ]. (2.12)
A quantidade h+ Tcm é o campo local ou campo molecular médio. Ele tem uma
contribuição do campo externo h e uma contribuição proveniente do campo local
produzido pelos vizinhos próximos de um sítio, zJm = Tcm. O comportamento
da equação de estado pode ser visualizado na figura 2.2.
Expandindo a equação de estado para temperaturas baixas e campo nulo obte-
mos:
m = tanh
Tcm
T
≈ 1− 2 e−2zJ/T (2.13)
e por tanto m → 1 exponencialmente rápido com T . Perto da temperatura de
transição m≪ 1 e podemos expandir para m pequeno:
m ≈ (Tc/T )m− 1
3
(Tc/T )
3m3 ≈ (Tc/T )m− 1
3
m3 (2.14)
Resolvendo para m obtemos:
m = ±[3(Tc − T )/T ]1/2 (2.15)
Vemos que m va a zero de forma continua. A transição de fase ferromagnética-
paramagnética é uma transição de segunda ordem na aproximação de campo
médio. O expoente 1/2 é um exemplo de expoente crítico. Este comportamento
da magnetização do modelo de Ising, decaimento continuo para zero com uma lei
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 56
Figura 2.2: A equação de estado na aproximação de Bragg-Williams.
de potências e o correspondente expoente crítico, é uma manifestação genérica de
transições de fase de segunda ordem, ou continuas. Todos os sistemas/modelos
cujo parâmetro de ordem apresenta o mesmo comportamento crítico, no sentido
do parâmetro de ordem ir a zero com uma lei de potências caracterizada por um
mesmo expoente, se diz estarem na mesma classe de universalidade.
Na aproximação de Bragg-Williams, como desenvolvida acima, assumimos
que o parâmetro de ordem é espacialmente uniforme 〈σi〉 = m. Esta condição
pode ser relaxada para permitir um parâmetro espacialmente variável 〈σi〉 = mi.
Daniel A. Stariolo - IF-UFRGS - 2009 57
Neste caso a energia livre é escrita na forma:
F = −1
2
∑
〈i,j〉
Jij mimj − T
∑
i
s(mi) (2.16)
Esta forma é preferível para tratar casos nos quais o parâmetro de ordem não é
uniforme, como é o caso de fases moduladas em cristais líquidos, ou diferentes
tipos de ordem antiferromagnética.
2.2 A teoria de Landau
A teoria de Landau é uma teoria de campo médio de caráter muito geral, baseada
nas propriedades de simetria do potencial termodinâmico F (T,N, V, 〈φ(~x)〉).
2.2.1 Transições continuas
Landau propôs que a forma do potencial F podia ser deduzida, de forma fenome-
nológica, essencialmente através da seguinte premisa:
• O potencial F (T,N, V, 〈φ(~x)〉) deve ser uma função invariante respeito

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