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Copérnico Trechos de “As sete maiores descobertas científicas da história” de D.E. Brody e A.R. Brody Na época da Peste Negra, o universo físico era definido segundo os princípios apregoados pelo filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) e pelo astrônomo egípcio Cláudio Ptolomeu (100-170 d.C.). Ao longo dos séculos, esses princípios haviam sido mesclados à interpretação medieval adotada pela Igreja: Deus criara o céu em movimento circular perfeito e eterno. Nosso mundo, composto dos quatro elementos (terra, ar, fogo e água), encontrava-se no centro. Oito esferas cristalinas concêntricas feitas de urna substância imutável, e os demais corpos celestes que eram carregados ou sustentados por essas esferas, compunham o céu. Uma esfera continha o Sol, outra, a Lua, cinco esferas distintas continham, cada uma, um dos planetas (exceto a Terra) conhecidos na época (Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus e Saturno), e a oitava esfera continha todas as estrelas. Na Terra a matéria se deteriorava e morria, enquanto o resto do universo era perfeito e imutável.As idéias de Aristóteles e Ptolomeu sobre o universo acabaram por ter um impacto que extrapolou imensamente a mera descrição física do mundo natural. Desenvolveu-se um conjunto complexo e arraigado de crenças culturais, fundamentadas diretamente nessa visão da realidade. Sol Sunday dimanche domenica domingo Lua Monday lundi lunedi lunes Marte Tuesday mardi martedi martes Mercú-rio Wednesday mercredi mercoledi miércoles júpiter Thursday jeudi giovedi jueves Vênus Fríday vendredi venerdi viernes Saturno Saturday samedí sabato sábado Até mesmo a arbitrária divisão do tempo em grupos de sete dias é resultado direto dessa concepção antiga sobre os corpos celestes. A começar do Império Romano há 2 mil anos, cada dia foi dedicado a um dos sete "planetas", entre os quais se incluíam o Sol e a Lua e dos quais se excluía a Terra. A ordem específica dos dias da semana se baseava na "influência" de cada planeta sobre os assuntos mundanos, e não em sua distância da Terra. Assim institucionalizados pela astrologia, nossos dias da semana devem seus nomes aos "planetas", prática essa que remonta ao Império Romano. Como é mostrado acima, essa associação continua óbvia em inglês, e ainda mais em outras línguas. Esse agrupamento artificial de sete dias, desvinculado de qualquer movimento regular dos corpos celestes, foi um produto da imaginação. Embora se constituísse em uma tentativa de encontrar regularidade e incluísse a idéia de que os humanos são influenciados por forças invisíveis que atuam de grandes distâncias, toda a abordagem da concepção do universo carecia de fundamento em fatos. Reinavam a superstição e a astrologia. Magia, feitiçaria e alquimia eram populares. Não existia ciência. ............................................ Com o emprego da matemática na vida cotidiana e o reconhecimento de que a Terra é redonda, começaram a mudar as idéias sobre o universo, inclusive o movimento da Lua, da Terra e dos outros planetas. Se é que podemos identificar um ponto de partida para essa mudança, ele é o ano de 1463, não na Itália, mas na Alemanha, onde um astrônomo de nome Joharin Müller (1436-76) escreveu um livro intitulado Epitome (publicado postumamente em 1496), no qual assinalou pontos fracos nas teorias geocêntricas de Ptolomeu expressas no Almagesto. Müller criticou particularmente os "epiciclos" espiralados de Ptolomeu, pequenos laços dentro da órbita de cada planeta, necessários para explicar os movimentos desses planetas em um universo no qual a Terra permanecia imóvel no centro. Embora o Almagesto houvesse sido escrito mais de 1300 anos antes, continuava a ser a autoridade sobre o modo como funcionava o universo - um dos grandes símbolos da irredutível reverência pelas idéias defendidas por Aristóteles e Ptolomeu. A obra de Müller foi o primeiro passo em direção à renúncia da crença de que a Terra era imóvel, imutável e centro do universo, e preparou o terreno para uma revolução na astronomia. COPÉRNICO DERRUBA 0 GEOCENTRISMO E DESTRONA A HUMANIDADE Mas onde está o vento? Sabemos agora que a Terra demora 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos para fazer uma viagem completa ao redor do Sol. Os egípcios antigos calcularam um ano de 365 dias e um quarto, ou seja, 11 minutos e 14 segundos mais longo. Assim, a adoção do calendário egípcio por Júlio César no século I d.C. acarretou uma disparidade gradual entre as datas do calendário e as estações, de modo que, em meados do século XV, o calendário juliano estava com um atraso de dez dias. Agricultores e navegantes notaram o problema. Além disso, a Igreja marcara a Páscoa segundo o equinócio da primavera, que originalmente fora fixado em 21 de março, mas na época estava ocorrendo em 11 de março devido à imprecisão acumulada. Em 1475, o papa Sisto pedira a Johann Müller que realizasse um estudo para determinar a causa exata da disparidade. Mas Müller fracassou em seus esforços, pois faltavam-lhe os dados, e era praticamente impossível reuni-los sob o sistema astronômico prevalecente de Aristóteles e Ptolomeu, com a Lua e o Sol circundando a Terra imóvel e as oito esferas cristalinas eternamente girando ao redor da Terra. A adesão contínua ao pensamento de Aristóteles e Ptolomeu era o alicerce da estabilidade social, mas também constituía um impedimento a uma Páscoa precisa e ao próprio nascimento da ciência. Nesse ínterim, Nicolau Copérnico (1473-1543) crescia em Torun, na Polônia, o mais novo de quatro filhos de um próspero comerciante. Copérnico tinha uma ampla gama de interesses e talentos, e estudou em várias escolas da Itália astronomia em Bolonha, medicina em Pádua e direito na Universidade de Ferrara. Mais tarde lecionou matemática, astronomia e medicina em diversas universidades de toda a Europa, mas passou a maior parte da vida como cônego em Frauenburg, Polônia, com sua educação e sua carreira patrocinadas pela Igreja católica, como ocorreu com a maioria dos eruditos daquele período. Em 1506 ele começou a desenvolver um sistema astronômico baseado em suas próprias observações e cálculos sobre o movimento de corpos celestes. Assim como Müller, Copérnico logo se deu conta de que as teorias de Ptolomeu sobre um universo geocêntrico não condiziam com essas observações. Por outro lado, Copérnico sabia que os escritos de Ptolomeu eram condizentes com a Bíblia e que a Terra não parece girar sobre seu eixo ou ao redor do Sol. 0 conceito de gravidade era ainda desconhecido, e Copérnico não dispunha de um argumento convincente para contradizer a explicação aristotélica universalmente aceita de que a razão de um objeto cair em direção à Terra é ser a matéria "naturalmente atraída" na direção do centro do universo, isto é, da Terra. Copérnico não tentou explicar por que os objetos não "caíam" da Terra e na direção do Sol se este era de fato o centro do universo. Ademais, poucos estavam dispostos a levar em consideração uma teoria que desalojava a Terra e a humanidade do eixo do universo. A verdade incontestável era que Deus nos pusera no centro e no maior dos objetos, pois a vaidade, o medo e a Bíblia requeriam essa correlação de localização e tamanho com importância. Quando recrutado pelo secretário do papa em 1514 para investigar o mesmo problema desconcertante do calendário impreciso que escapou a Müller, Copérnico viu- se diante do dilema de tentar explicar suas observações sem refutar as idéias populares e sagradas de sua época. A dissensão entre católicos e protestantes tornou a Igreja mais vigilante com respeito à manutenção de seus ensinamentos, aumentando assim a probabilidade de Copérnico ser acusado de contestar a autoridade religiosa. Em conseqüência, ele recusou o convite da Igreja, alegando não poder explicar a razão da discrepância atéque a relação entre Terra, Sol e Lua fosse mais plenamente compreendida. Em segredo, continuou a desenvolver sua teoria enquanto ocupava diversos cargos governamentais e eclesiásticos - de 1519 a 1521 ele ajudou na reconstrução de Ermland (atual região de Warmia) no norte da Polônia, serviu como comissário da diocese de Ermland, forneceu assistência médica à comunidade e em 1522 apresentou um plano para reformar a moeda local. Convencido da correção de suas observações e encorajado por amigos, Copérnico finalmente veio a público em 1530, apresentando um breve esboço de sua teoria heliocêntrica em um artigo publicado, provocando no público uma reação mista. Ao longo de vários anos subseqüentes, ele proferiu conferências sobre suas descobertas enquanto seus colegas o incentivaram veementemente a publicar a plena afirmação do sistema heliocêntrico. Apesar desse apoio e da aprovação informal da teoria pelo papa Clemente VII, Copérnico hesitou em publicá-la na íntegra, pois relutava ainda em desafiar totalmente a visão aceita do universo. Por fim, em 1540, após muito esforço persuasivo de seus amigos, Copérnico deu a permissão para a publicação de sua obra completa e monumental, De Revolutionibus Orbium Coelestium - Sobre as revoluções das órbitas celestes, comumente chamada As revoluções. Preso ao leito com apoplexia e paralisia, Copérnico recebeu uma cópia prévia da obra em 24 de maio de 1543. E morreu. Dividida em seis longas partes, As revoluções fornecia uma explicação e uma justificativa minuciosas do sistema heliocêntrico. Primeiramente, demonstrava que a Terra é esférica, algo de que muitos ainda duvidavam, e discorria sobre a imensidão do céu. Em seguida, Copérnico descrevia um sistema no qual os seis planetas conhecidos na época tinham como centro o Sol em vez da Terra, enquanto esta fazia o movimento de rotação e girava em torno desse "Deus visível". No sistema de Copérnico, as órbitas dos planetas permaneciam em círculos perfeitos nas esferas cristalinas, e não em suas verdadeiras órbitas elípticas, pois as medidas eram grosseiras, e as verdadeiras velocidades, tamanhos e distâncias no espaço eram totalmente desconhecidos. Copérnico forneceu a primeira explicação lógica para o fato de cada "planeta" (palavra derivada do grego, que significa "errante") fazer uma revolução em torno do Sol, e fez isso sem os numerosos e desnecessários epiciclos de Ptolomeu, que nem sequer condiziam com o conceito de esferas cristalinas. 0 modelo copernicano do universo também explicava por que, vistos da Terra, os planetas mudam de posição enquanto as estrelas parecem fixas em sua localização. As revoluções ajudou a resolver o problema do calendário e mostrou por que as teorias de Ptolomeu pareciam estar erradas. Contudo, poucas pessoas, inclusive astrônomos, adotaram a teoria de Copérnico. Afinal de contas, ele não explicou por que não existia um vento forte devido a esse movimento, porque não se podia detectar uma mudança na posição das estrelas e por que todos os objetos (inclusive as pessoas) não eram lançados para fora da superfície terrestre. Além disso, sua teoria entrava em conflito com a Bíblia. Embora a Igreja não denunciasse oficialmente Copérnico quando se publicou As Revoluções, houve uma reação negativa por parte de muitos líderes religiosos. 0 teólogo alemão Philipp Melanclitori (1497-1560), ferrenho crente em astrologia e demonologia, tentou impedir a publicação da obra. 0 reformador protestante João Calvino (1509,-64) salientou que a Bíblia afirma que o mundo não pode ser movido, e o pregador e erudito bíblico alemão Martinho Lutero (1483-1546) condenou Copérnico, declarando: "Esse tolo quer virar de cabeça para baixo toda a ciência da astronomia". Nem mesmo os homens mais sábios podiam justificar o destronamento da humanidade e da Terra do centro do universo em favor de um mero planeta desprovido de importância especial. Assim, a despeito de Copérnico e de As revoluções, a Terra permaneceu como centro do universo naquele período, e na Renascença caberia a,outros astrônomos e matemáticos independentes, adotar sua teoria, refiná-la e expandi-la ao nível da irrefutabilidade. A proposta copernicana do heliocentrismo, aliada à observações específicas dos movimentos dos planetas, foi um esforço ousado para separar a astronomia da filosofia e fazer dela uma verdadeira ciência. Copérnico rejeitou os ensinamentos aristotélicos/ptolemaicos sobre a razão de os corpos assumirem seu lugar natural", destronou a humanidade e a Terra, e sua obra acabou levando à revisão da concepção de universo acalentada pela humanidade - uma mudança fundamental no pensamento conhecida como Revolução Copernicana. Essa visão profunda também resultou em uma nova conotação para o termo "revolução" - até Copérnico, ele significava apenas o movimento físico de corpos celestes. Talvez o mais importante seja que, pela primeira vez na história, ele introduziu a idéia de que o sistema solar pode ser visto e estudado como uma estrutura independente das estrelas. Em 1953, no discurso comemorativo do aniversário da morte de Copérnico, Albert Einstein declarou: “Copérnico não só preparou o terreno para a astronomia moderna, mas também ajudou a ocasionar uma mudança decisiva na atitude do homem perante o cosmo. Tão logo se reconheceu que a Terra não era o centro do mundo, mas apenas um dos planetas menores, as ilusões sobre a importância central do homem tornaram-se insustentáveis. Portanto, Copérnico, com sua obra e com a grandeza de sua personalidade, ensinou o homem a ser modesto.” De fato, como previra Martinho Lutero, Copérnico virou a astronomia de cabeça para baixo. Mas de tolo ele não tinha nada.
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