Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PEQUENOS GRANDES ATOSpE HEROISMO empre que pensamos na 2' Guerra imediatamente associamos o conflito ao sofrimento do povo judeu, aos lideres que inventaram e aos que deram fim ao conflito, aos generais habilidosos que liquidaram divisões inimigas. Não por acaso ela é conhecida como 2' Grande Guerra. Não se pretende aqui reduzir a importância de líderes como Winston Churchill, que conduziu urna Inglaterra isolada e aparentemente frágil contra o poderio nazista à base de "sangue, suor e lágrimas", para usar suas próprias palavras, ou a bravura de George Patton, que liderou as forças aliadas na Europa na libertação de 12 mil cidades. Ou Oskar Schindler, o empresário austro- húngaro que salvou mil judeus poloneses da morte certa no campo de concentração de Plaszow os empregando em sua fábrica. Mas guerras são vencidas e perdidas por homens. A vida - e a lista - de Schindler chegou ao cinema pelas mãos de Steven Spielberg. Uma frase da Torá, o livro sagrado judaico, reproduzida no filme, é um dos motes desta edição, "Quem salva uma vida salva O mundo inteiro". Nas próximas páginas, você vai encontrar, provavelmente pela primeira vez, uma galeria de heróis da 2' Guerra. São heróis humanitários que colocaram a própria vida em risco para salvar inocentes, co mo diplomatas que concederam vistos a judeus para que deixassem a Europa. Mas há também heróis guerreiros que ao combater o inimigo contribuíram para que a guerra terminasse mais depressa. Há espaço inclusive para os derrotados. Um deles, o japonês Takashi Morita, que vive no Brasil , estava entre os primeiros a socorrer as vit imas da bomba atómica em Hiroshima. Outro herói do lado dos maus é o general Dietrich von Choltitz. Ele recebeu ordens di retas de Hitler para explodir Paris antes da chegada dos Aliados. Foi tal vez a única ordem que esse militar que participou de duas guerras deixou de cumprir e legou à humanidade uma cidade intacta. Aproveite a leitura . Os editores -,:-.=-~W1 eam.hI~ PocIbo'Il (""na fPresidenlt~ S-Caci2 , ... P1tsideruel. EldaMiill<o. G_a..... ~ ~ Usd. ~ Rotmo Guu.o. Victor 0\113 t:IIna'ót~ Fernando Costa 0Ia!D' Digitat: ManoeI Lemos Onmr~e t wscaó.o; Fãbio d'Avila Can'31bo :-.-:.&QI •• ±firid d ThaisChedeSoares OftIDre.:lli di. P\Z6:id.tde.Acfiun=. ~ Gabriel Compnde ~ ____ HlmYnos;Pau1aTraldi o..r_SowYIÇOS &:Iitorbis: AJiredo Ogawa ~ SOO4A>w.::endentt: Brenda Fucuta ~!Se Nudeo: Alda Palma fjl!;j;1 DioeI7~~5agIoG'Ilo'MmiUI DIreton de.t.ne:~ 1* ~~ ~ BlIsno GanIIooi. lolanJal c.acs-l..JriII;ls-s&. FIipe_[/IQ:a ~t..Hod: Edmno de AlUo: limas.&. ~r...IftI~&op;o:~GIbstQ'~.o t.iII;r. ~1,ks: g! n: Jawdr:;w:;~~nesQecIçio: WfcntrG.8am:ira(~~Wto.\blla.~\ .... laa:t~(~~OI.Ja (R.'I'IsIIo)Coon:lenadota~dt~~~AaiAemt~:F3gncr RmoCf1· UN I:AI\'iIIOZei(a.p:n'i!l:4AtlkIilal):. &i::I~ FA1tiISJo.a.Juam:~bado. 1~1'Q~larrinari.àcIFtarw;a.ImFtmira.~~,..s.mt\~~ NUdeoJowm:Echor: Fftdm:oc!iGi.:JmrmEclb· · _~~~~bnn NatW.OIivioCMeno.signers;F.tIiBrZmb.:rltDillld~WIbr!-.BruooXIIYl' ~1'ic:.;AIlaPt.D:l.(bIo) , GuiJlumeDearo{t:m)tl.ias~ www.superintl!l.I!Ssantl!.<om.br SERVIÇOS EDITORIAIS: Apoio EdilOfial: Carlos Gru6tUi (Arv~ Lai: IrV (1lIfoplrll.l D.doc • Abril PTe$t: Gratt de SooLI ~iM • Inleliptnda ele Mefudg: ADllm CoJII TrelnarMnto Ed1toriil1: &tward Pirntnlil PUBUClDADE CENTltAUZADA; DIOlIIOffl: Marril &ik'r, Mariane Ortit. Rob!;on MOnlt healli'/05 de Ne9OCios; Ana ~ul~ Tcixcira, Ana Polua,. Vk'gas. Caio SoUl.a, Camib Folhu. CIImUb Dcll CuJa Andr.ldc, Cidinha (.asIro, Clivdill G.ldino. C1dde Gomes. Crl:s&no I'mona. Daniel. Snahm. FJilIllt Pinho. Emiliano Ibn~III, Fabio Santos. Iu)' GuiJlwães. Juliana VIadominl, Karine Thomu. MarceUo Alrntida. ~lart'do Ca\"alheiro. Mama Btum. Maml!; Vinidus, MD.ria Luci;! SIro4bck. Nilo Basll)S. RtP'Ia MauF~tw). Renata Miolli. Rodrígo Toledo. Selma Cosia. Su$.1.1\a VIclra. Thti Mtndlos, VI .. "in~l ",'y PUBUOOAOE OtGITAL Oinolor. Andd Almdda <K..,n~ Ludaoo Almrida Ext(ll\ivos de negOdos: AJldd 8or10\ai, AlKld M.Kbada. BIUOO Fabrip Guem, Dunili .BartdlD$, EIaine CoIlaçu, Fabiola G11Ipp. lõ\nia Kru!nriIky, Guilhmnt Bruoo de Luta. Gllil~ 061m IIcrorn FttnandC$, Laura Assis, I.ucL1na Mtntzes, Ralad dc (amargo Mon:I11I, Renata CanralhO). Renata SlmÕC5 PUBUO· DADE REGIONAl; D"-tores; Marcos I't!"",ina Goml"l. P:1ultl ~nato Shn(oes Gt.renIU; And rea \'cip. Cristiano Rn.a~rd, Edson MrIo. FraBdStt 1\arbciro NI'f!J. Ivan Rizl'lllal. JoiO Paulo PiUlno. RIcudo Mlrial~ So.\I, i';Jub, \ \JnÍl h <.SOlongo Ext(utivos de N~; Adriano r'l"ri~ Aiht Omh.t, Bmlriz Ottino, CaroIilX PLalilhi. (dia Pyrdma. CIc3 o.ics. Daniel Emllln04ll Gabôcl SouIO). Htnri ~lBrqua (talo Railllundo,}05t C~slilbo,}I»i Radia, ~ l.DjX'$, Juliana ErthaL I.eda Ulsla, lAIcirnc Uma. Maribd r-ank.l\IlI1da Rem M/ln;ta, Vaola OomdlfS, R1C1rdo Mo:ui n, Rodrigo Srolaro. Samarn. Samp;llo de o. Rcilnd~r.; PUBlICIDADE NUCLEO JOVEM; Diretor. Albcno Simões de Faria GeNonte" Fern.Jndo Sabadill tSandra FM\anM:s &ecud_ de Neg6cio.; Alasandra Calis5i. Alict \'tdura, Ana OIroUna Kan~ Ana liitii Bcrtoli. 8i;I MadnelL Onlhia CUlI)', EdUilnlo Chedid. f-:avia ~Ihães..IOOo Eduardo Diu. Juliall8 CompagnonL Leila Raso. lAI is Cak!as. l.tlis Fmundo 1.optS. Mnra Marques. Reinaldo Mu rlllO, Shirll'lll' l'inhtifO, Thalra I'erro, VCI3 Reis AJ,slsten lts; Ullal\ll Moura. Monilt 6arbosa DESENVOLVIMENTO COMERCAl: Dirttor: Jlcques Bais; Rlt3l00 INTEGRAÇÃO CONERCAl: Oinoto..: Sand", Sampm MAJlKETIHG E OROJtAÇÃO: DiretOfa de Maril:ning: l.ouÍSl' Faldll)$ Gerenle de Marbting: Ancrllci Garcia Gerente de Núdeo: Edsoo Booura AIIiII~s: Thles Esparla, Thays I':Inlw Ge.ltntrl dt EvenlOS: Mônica Romano AÇOIillnbo Analistas: Adrl,ula 1':101101, C3rolill8 Fi~resl ES!.lgijria: Mariano Cama.go GelltnU! Marlteting Publidtário; Cezar AlnK'ida Analista: ~ukl Vll10r GOUlia Gerenl . d. Clr<ulaçio AvuiJM; MlgoIli Suprrlll ~te de Cin;ulaçJo MsõnaturM: GllIól Tr~OOKO PlANEJAMENTO. COHTROU E Of'f1lAC;OES; G. ..... ,.; Aod", \'MaI..Mo$ (onsul\Or. Ecbon Marques Olh"dra ProceHos; Fa\!i;mo Valllo ASSINATURAS; Atendimento ao Oimlr. Clay10n Oid: RECURSOS HUMANOS <onwllora; Radlcl Siwa RedaçJ.o e Correspondência: Av. das Natiit$ Unida. 722 1. 14' alldar, Pinheiros. Slo Paulo. SP. CEP 05425·902. Ill. (II ) 3037·2000. Publicidade !>ão Pau lo * infonn .... óei sobre ~lMItes de publiddade no 8rfli1 . no Exterior. lI'ww,publiabril.wlP.br PU8uu.çOESDAEorrORAA8AIl:AUa.Afm~AbriI,AIU. ~Iaril.Anp.úldura&~ AI'e!1!utilSlliI HisiórIa, Roa r..,rma. Bons FIuIeb. ll ra\II!.Ctpricho, Casa Claudi.:l. C1audia. ConllgOl, DtIicJ.1S dlI Caiu. Dicas lruo. f.!1e. Estilo, &anil'. r\lamc PM E. GIoss. Gu .. 00 Estudanle. Gulas Qualro Roda!;, lnlo.LoI&. loI'tftn.. Malltqui n~ Mixima. M01·~ IlcaJlh.Minba CIsa, Minha NINN. MuIlCloEil!õlllho. N.uionalGqraphic, NOI'õI, Pbrar, 1'ub.'II;ao;ic$ ~.I'brboY, QII'!1'II1tOOas, II«ma.RcvisCaA. RullneôWorId.SaWt,Sou M3isEuI ,SuptrirUttS&lnle. nl~t Vtj.t, Veja Rio. Vej.1Sk1 Paulo. Vcj.ll "RtaÍl)Oais. Viagml t TurisnlO. VldlI Slmpk Vip. Vi .... ! Mal5. V~ RIt. Vo« SlA. WII",en'~ Ilealth FundaçJo victor CMIa ; G~tio [ S(()br. NIMI 8rob ESPECIAL HERÓiS QUASE ANÓNIMOS cdi~ o' ?92·A i! 11m" publiraçJo esptdal da SUPERlHTERESSANTC,da Edilool Abril s.A. I987G+J~a &A. "Muy 10Itrt$ante" ( MullO lntertssantel. ~nlla. Edil;õts itIlleliorH: \'nlda tulusil"a tm banca$. ptIo PrtVI da últilna rdlçio cm baoc.I. SoIiciIe ao!lCll jomaleira. OIsIribuid.l tm IOdo II par; pfta Oi..ap s.A. OisIriI.midora Narlonal de Publicações. SOO Paulo. SUPERIHTERE5SAUTE nio admi~ pullllddad~ mJacional. ~rvil;o ao Assinanlr. Grande ~o 'aulo: (11) 5087-2112 Dflnais localidades; 0800-77S·2112 _.;obril~(om , .... a assinar: G.-de São P.lIulo: (11 11147·2121 Demais loa~dadH: 0800-775-282B .... ww.assi pl!<lbril .com.br tMPRESSA NA DIVISÃO GRAfICA DA EDITORA ABRtL S.A. Av. Otavian(lAlves dr Uma. 4400. Frq:tlcsia do 0, CBP 02909-900. Sio P:iulo. SI' Pre$idente doConselho deAdmrnistr~: Roberto Civilll Presidente El!t(ut ivo; Giancarlo Civita Vice-P'n5identu: Arnaldo TIbyriçá. Douglas Ouran, Marcio Ogliara _.abril.a)m.br 8 iIIH 1?i3 i'hljl-! Li 34 'ii#-' '("!l'mA ... ii Li 50 Uh ! JLjm",,,"!!.r !,II .. BRAVOS E LOUCOS AS PRINCIPAIS RESGATE DO TREM CONTRA O RElCH ROTAS DE roGA DAS ARTES A nata das forças Como judeus e outras Eles se dedicaram aliadas. na terra. minOrias circularam a recuperar obras no mar eno ar em busca de refúgio pilhadas por nazistas 'iii !mia"! i 'M ~i 111!'!oI~I:I'I:! IIIUHI ~J InHI~i·IIUI·ml·I.II'1 16 ESPIÃOPEZ o DIAD 36 o EXTERMÍNlO DOS 54 OINIMIGO~UE DAR CERTO DIPERENTES SALVOUP. 5 Agentes mudaram Quem se opôs ao T4. O general Choltitz o rumo da guerra. programa que matou recusou-se a cumprir Saiba quem eles são 200 mil pessoas ordem de Hitler 1!!J-f,]4Jdi1 j· j,jiIHi IlIa'll~i:III=!I,liH IHJ nll,ll~i.j-'lilnIHi 20 APORÇ~DA 38 os ANJOS DE SAIA 58 PO~A RESISTENCIA Enfermeiras. VE E-AMARELA Os exércitos estudantes. pilotos: NOPRONT improvisados que as maiores heroínas Pracinhas. diplomatas fizeram a diferença e a postura de Vargas 1:IHI~tll'I=!'! III·!·IHJ 1U1·II~ill'I:~!.1I11IHi Ui !ii@4,un 28 ~UANDOAARMA 44 DOIS HOMENS 66 A DEVIDA RA DE PAPEL CONTRA A BOMBA HOMENAGEM Vistos concedidos Eles socorreram as Em tempos de guerra. por diplomatas vítimas de Hiroshima apenas viver já salvaram milhares e Nagasaki é ato de heroísmo ----------- ---~ graveamea- seguidores do Deutsche ~A1:pejiferp"gj~tei (Partido Nacional dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista) mo- viam sua máquina de guerra para estender os domínios do 3° Reich pela Europa - e além dela. Ao mesmo tempo conduziam o infame expurgo das "raças infe- riores" matando em massa, nos campos de concentração e nas câmaras de gás, judeus, polone- ses, homossexuais, comunistas, deficientes ... Itália, Japão e algu- mas nações menores uniram-se ao Führer no chamado Eixo. Cerca de 50 países, capitaneados por Reino Unido, União Soviéti- ca e Estados Unidos, aliaram-se contra eles. Este capítulo é dedi- cado aos líderes militares, aos guerreiros solitários, aos ousa- dos espiões e aos cidadãos co- muns que foram às armas e de- ram sua contribuição - por vezes a própria vida - em nome do bem maior: a liberdade. 10. HERÓiS (QUASE) ANON IMaS o MAIS CONDECORADO DA HISTÓRIA. DOS EUA Primeiro ele tentou ser fuzileiro naval. Mas, com apen'" 1,65 m de altura e magro, acharam-no pequeno demais De fato, quem olhava para Audie Leon Murphy dificil· mente adivinharia que ali estava o futuro soldado mai! condecorado da história dos Estados Unidos. Seriam 3; medalhas por bravura em combate (e outras homena- gens) nos 3 anos em que esteve no front. Nascido em 1924 em uma numerosa , pobre família do Texas, Murphy traba- lhava na colheita de algodão ao lado de>; nove irmãos. Ao chegar aos 17 anos, mentiu que já era maior de idade par:l: ser aceito no Exército - queria se alistaI de qualquer jeito depois do ataque japo- nês a Pearl Harbor. Não convenceu f teve de esperar os 18. No treinamento. no qual o chamavam de "bebê", era vi- tima constante das brincadeiras dos co- legas. Até que chegou seu grande dia. Primeiro foi destacado para a África do Norte. Em 1943, chegou à Sicília (Itália) com a 3' Divisão de Infantaria. E logo mostrou aos "grandões" do que era capaz. O feito mais notável do peque- no soldado - agora segundo- tenente - se deu na gélida bata- lha de Holtzwi hr (França), em janeiro de 1945. Seu pelotão fo ra quase todo dizimado. De 128 ho- mens, restavam apenas 19. Murphy mandou seus companheiros para trás. E começou a atirar. Quando acabou a munição, subiu em um tanque em chamas e acionou a metra- lhadora na direção da infantaria alemã. Foi ferido na perna, mas continuou sua luta so- litária por mais 1 hora até o recuo do inimi- go. Estima-se que, nos combates dos quais participou na Itália, na França e na Alema- nha, tenha matado 240 nazistas. Voltou para casa sofrendo de estresse pós-traumático, com crises de depressão e insônia. Seus atas de heroísmo ficaram conhecidos do público. O astro James Cagney, famoso por interpretar gângsteres violentos no cinema, viu a foto dele na capa da revista Life e o con- vidou para ser ator em Hollywood. Murphy aceitou e novamente se deu bem: fez 44 filmes em 25 anos, além de uma série de Tv. Também escreveu poemas e canções. Morreu quando o pequeno avião em que viajava a traballlO ba- teu em uma montanha na Virgínia, em 1971. Okamikaze • americano As tropas do general de divisão Edward King tinham se rendido ao general ja- ponês Masaharu Homma em 9 de abril de 1942. Os prisioneiros ficaram detidos em um lugar infernal chamado Caba- natuan, nas Filipinas, onde sofriam torturas e mutilações. Um soldado foi decapitado por sair da fila para beber água em um riacho. Todos, inclusive os japoneses, passavam fome. O número de mortes chegou a 700 por mês - provocadas por desnutri- ção, doenças tropicais e maus-tratos. Só três anos depois os 121 fuzileiros comandados pelo tenente-coronel Henry Mucciforam enviados para libertar os 500 prisioneiros sobreviventes, ajudados por guerrilheiros filipinos. Os americanos imaginaram que, naquele canto do Pacífico, enfren- tariam um pequeno número de in imigos, tão cansados de luta r quanto eles. Encontraram 8 mil japoneses pela frente. Os primeiros "olheiros" viram tantos tanques e soldados que compararam a estra- dinha do acampamento a uma avenida central de Tóquio. Era tudo ou nada. Os guerrilheiros tomaram uma ponte de acesso, e os fuzileiros abriram fogo intenso. Um sentinela japonês levou tantos tiros que parte de seu corpo desapareceu. Até os prisioneiros demoraram para entender o que acontecia. Quase 300 resgatados foram levados de navio aos EUA e ainda enfrentaram submarinos japoneses no caminho. Em Cabanatuan, um muro de mármore lista o nome dos 2656 americanos que lá morreram. HERÓ iS (QUASE) ANÓNIMOS-lI GUERREIROS INIMIGOS: OS JAPONESES EORACISMO Para um negro americano, a vida na Ma- rinha não era muito diferente daquela que conhecia nas ruas de seu pais: a se- gregação racial dava o tom das relações sociais e profissionais. Doris Miller, aos 22 anos, não havia conseguido nada além de um posto de cozinheiro no navio USS Pyro . Em janeiro de 1940, foi transferido para o navio USS West Virgínia, onde se tornou "campeão" de boxe. Encarrega- do de preparar a comida e de pequenos serviços, recolh ia a roupa suja para a la- vanderia na base de Pearl Barba r, no Havai, quando o alarme soou na manhã de 7 de dezembro de 1941. Era o início do ataque japonês. Miller não recebeu treinamento militar formal e não sabia atirar. Mesmo assim , COf- reu para o tombadilho . Por seu tamanho, foi desig- nado para ajudar no resgate de vários feridos. Na confusão, assumiu uma das metralhadoras antiaé- reas Browning calibre 50 e começou a disparar con- tra os nipónicos. Teria derrubado cinco aviões japo- neses até ficar sem munição. Durante o ataque, aviões japoneses lançaram duas bombas blindadas que perfuraram o convés do navio. Miller só aban - danou o West Virginia quando ele começou a afun - dar. Dos 1541 homens a bordo, 130 fo ram mortos e 52 ficaram feridos. Tempos depois Miller declararia 12. HEROIS (QUASE) ANONIMOS que não teve problemas em derrubar os aviões. "Não foi difícil. Eu puxei o gatilho, e a metralhadora func ionou muito bem. Eu tinha visto outros soldados usando essas armas. Atirei por cer- ca de IS minutos. Peguei alguns desses aviões japoneses. Eles mergulhavam muito perto de nós." Miller recebeu a Cruz da Marinha em1942 - foi o primeiro negro da frota do Pacifico a ganhar a honraria. Na ocasião , ele também foi elogiado pelo secretário da Marinha Frank Knox e pelo comandante Chester Ni mitz. Na máquina de criar ídolos que movia a propaganda de guer- ra) o mais comum seria poupá- lo de novos combates. Mas a Marinha insistiu em mandá- lo de volta ao front. Estava nova - mente servindo mesas, agora a bordo cio Liscome Bay, quando o navio foi atingido por um torpedo japonês na Batalha de Ta- ra\Va, em 24 de novembro de 1943. Apenas 272 marinheiros sobreviveram ao naufrágio; 646 morreram - Miller era um de- les. Scu corpo nunca foi encontrado. Não recebeu a Medalha de Honra , a luais alta condecoração militar americana , nem mesmo quando ela foi concedida postumamente a IS homens - todos brancos - que lutaram na defesa de Pearl Barbar. Nenhum negro recebeu a honraria durante todo o conflito. Após a guerra, a história de Doris Miller se tornou um símbo- lo contra a segregação. Ele foi retratado (como coadjuvante) nos filmes Tora! Tora! Tora! (1970) e Pearl Harbor (2001). o Memphis Belle era um bombardeiro B-17 sem nome quando Robert K. Morgan batizou-o com o apelido da namorada (Margaret Polk). Nos primeiros três meses na base inglesa de Bassingbourn, as perdas de bombardeiros chegaram a 80%. O moral estava baixo. Como incentivo, a Força Aérea Americana estabeleceu que, após 25 missões, os sobreviventes poderiam voltar para casa. Em uma das missões. Morgan pousou só com metade da cauda, destruída pelo fogo alemão. Foram 128 horas de voo despejando 60 toneladas de bombas. Em maio de 1943, a tripulação se tornou a primeira a completar, sem baixas, as 25 missões. No ano seguinte, Morgan estava de volta à guerra para bater a mesma meta, agora no Japão. Ele e Beile não se casaram. o maior duelo o cenário eram os escombros de Stalin- grado. De um lado, o major Heintz Thor- vald, tido como o melhor atirador alemão e enviado ao front especialmente para matar "o exterminador de nazistas". Do outro lado, o taJ exterminador, o russo Vasili "Zaitsev" Crigorievitch, que só na Batalha de Stal ingrado tin ha aniquilado, com seu rifle e sua pontaria extraordiná- ria , 242 alemães. Thorvald , também co- nhecido como Erwin Konig, tinha unla va ntagem: estudou todos os passos e mé- todos do adversário. A batalha entre os dois não era total- mente sol itár ia : homens dos dois lados da trincheira procuravam pistas da locali - zação exata dos dois atiradores. No ter- ceiro dia, O comissá rio Igor Danilov, que estava com Zaitsev, levantou- se ao achar que viu oalemão ao longe. Foi alvejado no ombro. Segundo o pesquisador William 14· HERÓiS (QUASE) ANONIMaS Craig, no livro Ini.migo nos Portões, "Zaitsev pôs uma luva em um pedaço de madeira e a exibiu , ten- do esta imediatamente recebido um tiro, quando Zaitsev percebeu que Konig estava aba ixo de uma chapa de ferro". O rtLSSO seguiu entrincheirado. Ko- nig a~ertou seu outro ajudante: Ni kolay Kulikov. Achando que tinha matado o inimigo, o nazista saiu do esconderijo. O russo puxou o gatilho de seu rifle Mosin-Nagant modelo M91/30 ca libre 7.62 com mira telescópica. Acertou o alemão em seu alvo preferido: a testa. Ele levou o rifle K-98 de Konig como troféu do duelo, considerado o mais épico de toda a guerra por muitos historiadores (outros colocam em dúvida até mesmo a existência desse confronto). Zaitsev (que significa "lebre", em russo) era neto de caçador e aprendeu a atirar aos 5 anos de idade em sua cidade nata l, Eli niski , no sul da Rússia. Foi pastor de ovelhas antes de ser incorporado à infan- taria da Marinha soviética. Chegou a Stalingrado em 20 de setembro de 1942 integrando a 284' Divi- são de Fuzileiros. O gcneral Vassili Chuikov, encar- regado da defesa da cidade, passou a estimular a ação dos franco -atiradores para combater o 6" Exército alemão, que sitiava a cidade. Suas ba las penetravam nos capacetes dos inimigos. Estatísti- cas da época davam conta da morte de mais de mil alemães pelas mãos dos franco-atiradores em Stalin- grado. Em toda a guerra , Zaitsev teria matado 468 soldados e oficia is alemães que invadiram sua terra. Ele saiu do Exé rcito depois do conflito e foi tra- balhar em um a fábrica na Uc rânia . Morreu em Kiev, em IS de dezembro de 1991, aos 76 anos de idade. Recebeu o título de Herói da União Soviéti- ca, o da Ordem de Lênin e a medalha Ordem do Grande Patriota , além do título de cidadão hono- rário de Volgogrado (ex-Sta lingrado). Lá ex iste um monumento em sua homenagem. Seu infalível rifle está ex posto no museu da cidade. , PERSTS'1'ÊNCIA DE MEI-'I:AL Douglas Bader era um exímio piloto da eronáutica britânica, com carreira brilhante pela frente, quando em 1931 seu avião caiu fazendo acrobacias e ele teve as duas pernas amputadas. Com duas próteses experi- mentais de metal. foi aprovado no exame médico, e passou a integrara 19° Esquadrão da Royal Air Force britânica e assumiu o comando do 242° Esquadrão: foi uma forte injeção moral no debilitado grupo. Em agosto de 1941, tinha abatido 22 aviões inimigos e era o quinto piloto com maior n úmero de vitórias na RAF. Em outro acidente, Bader perdeu uma das pernas de metal e foi capturado na França pelos nazistas, que permitiram que os ingleses lhe enviassem outra perna. Prisioneiro problemático, não cansava de irritar os guardas a lemães, até q ue foi libertado do castelo de Colditz em 1945. Bader voltou para a RAF até 1946 e no pós-guerra dedicou-se a campanhas favoráveis aos incapacitados, pelas quais foi consagrado Cavaleiro Britânico em 1976. Morreu em 1982, vítima de ataque cardíaco. TROCOU SUCATA POR LUGAR ENTRE OS ASES Witold Urbanowicz, de família polonesa, tentou por 4 anos combater os nazistas com aviões velhos e antiquados. Quando derrubou um avião soviético em 1936 em uma missão de rotina com um velhíssimo PZL P.llA, foi repreendido e transferido para uma escola de treinamento da Força Aérea em Deblin, a leste da·Polônia. Sua vontade de participar do front o fez liderar três anos mais tarde uma resistência polonesa ao nazismo junto de seus alun...os e instrutores - equipados. nova,mente, com aviões antiquados. A missão foi um fiasco e, sem nenhuma baixa inimiga. a escola foi desativada. Witold foi integrado à Força Aérea do Reino Unido depois da queda da Polônia, quando já estava na França. Não desperdiçou a oportunidade de mostrar seu talento pilotando um, potente modelo inglês Hawker Hurricane: diante da Luftwaffe. abateu IS aviões, o que fez dele um dos 10 maiores ases dos Aliados na batalha. Ao todo. estima-se que ele tenha derrubado durante a guerra 28 9viões alemães e japoneses. Com o fim da guerra. Witold trabalhou em companhias aéreas até 1994. Foi promovido a general em 1995. um ano antes de sua morte. HERÓIS (QUAS E) ANONIMOs -15 o AT,F:lJlAO QUE ODIAVA W'1'1 aER o diplomata alemão Fritz Kolbe linha aversão ao nazismo. Procurou a embaixada americana em Berna, na Suíça (um país neutro no conflito), para oferecer seus serviços. Foi aceito após ser entrevistado por Allan W. Du lles, que, no pós-guerra, seria o primeiro diretor da CIA. Revelou segredos nazistas , como os planos de deportação de judeus italianos e a construção dos temíveis foguetes VI e V2 - dados sobre a localização das fábricas permitiram o bombardeio das instalações. Kolbe voltou a Berna 6 vezes durante a guerra. Repassou aos americanos mais de 1600 documentos. Um antigo diretor da CIA, Richard Helm s, lembrou em sua biografia, "As informações de Kolbe foram as melllores que um agente aliado conseguiu obter durante toda a 2" Guerra". Kolbe tentou ser reintegrado ao serviço diplomático da Alemanha Ocidental, mas muitos de seus colegas, alguns ex-nazistas, o acusaram de traição. Foi então para a Suíça, onde trabalhou como representante comercial. Morreu esquecido em 1971. Nunca recebeu nada pelo trabalho de espião. Só foi "descoberto" em 2000, graças a uma reportagem da revista Der Sl'iegel que revirou os arquivos da Biblioteca do Congresso americano. o AGENTE "D" Juan Pujol Garcia, que durante a guerra usava os codinomes Garbo (para os Aliados) e Arabal ou Alaric (para os alemães), foi um dos espiões mais bem-sucedidos do conflito. O agente duplo, nascido em Barcelona, em 1912, e morto em Caracas, em 1988, convenceu os oficiais nazistas de que a Operação Overlord, o desembarque na Normandia, era apenas uma tática diversionista. Na verdade, dizia ele, os Aliados lançariam suas tropas em Pas-de-Calais, na França. Diante da informação, o próprio Hitler retirou 4 divisões do Exército a caminho da Normandia e as deslocou para a outra região. O general Dwight Eisenhower, comandante supremo das forças aliadas, destacou em seu relatório sobre a operação a importância da participação do agente duplo catalão na derrota nazista: "Se o 150 Exército alemão tivesse entrado na batalha em junho ou julho, provavelmente nos derrotaria unicamente pela quantidade e pela Inglês inspirou 007 e escapou da corte marcial qualidade dos seus efetivos". Pujai queria espionar para os britânicos, mas foi recusado. Ofereceu então seus serviços aos alemães, que buscavam alguém que pudesse entrar (e espionar) no Reino Unido. Nessa época, chegou a procurar o consulado brasileiro em Madri para pedir asilo para sua família. Depois de várias recusas. conseguiu ser ouvido por espiões ingleses. Trabalhava sob a fachada de tradutor da BBC. Sua história foi contada nos livros Garbo - O Espião que Derrotou Hit ler, de Javier Juárez (Relume Dumará),. e Garbo - The Spy who Saved D-Day, de Tomás Harris (inédito no Brasil). Ganhou a medalha de membro do Império Britânico (ao qual. aparentemente, de fato servia) e a Cruz de Ferro dos nazistas. Sua maior qualidade era o encanto pessoal. apesar de ser feio. baixo e calvo. Acabou seus dias falido na Venezuela. Orgulhava-se de ter sobrevivido a dois grandes conflitos - a 2' Guerra e a Guerra Civil Espanhola - sem disparar um tiro. Ao noticiar a morte de Patrick Dalzel-Job, em 2003. os jornais ingleses afirmaram que ele era o mais provável modelo do escritor lan Fleming para criar o agente James Bond (outras inspirações teriam sido David Scherr, líder do MIS, o serviço de inteligência britânico, e o sérvio Dusan "Dusko" Popov). Fleming e Job fizeram parte do Comando 3D, grupo que coletava segredos da inteligência alemã. Nasceu em Londres em 1916. Aos 24 anos, alistou-se na Marinha inglesa e foi encarregado de organizar o desembarque aliado na Noruega, país onde morava até o início da guerra. Além das múltiplas habilidades (era velejador. mergulhador e paraquedista). seu nome é associado a 007 também por esse feito. Em 1940, os alemães resolveram bombardear a cidade de Boden, no país nórdico. Sabendo desse plano, Job montou uma operação de salvamento por conta própria, à revelia do almirantado britânico. Levou os 2500 habitantes de Boden de barco para outra cidade. Salvou a população local, mas sua insubordinação o levou à corte marcial. O rei norueguês Haakon 7°, no exílio em Londres, intercedeu por ele e o condecorou por heroísmo. HERÓIS (QUASE) ANONIMaS 019 :1; (; ~1 ~ ~ ~J GUERREIROS A seu modo, milhares de pessoas, em seus países, travaram uma luta paralela à de seus Exércitos contra a dominação nazista '~Wito§; pegaram em armas pela gregos sabotaram suprimentos PlilI!~!ij:'avez, outros combateram nazistas rumo ao norte da África, .!!!!fq\l~scomcoquetéismolotov comprometendo a capacidade .@!~e!,~s,imprimiram panfletos de luta dos Afrika Korps. Na eIIJ"~im,eól~afos de porão e até Dinamarca, salvaram quase toda ~~~~naI:am exércitos com a população judia,levando-a para algum conhecimento de táticas a neutra Suécia em outubro de de combate. Eram os partisans 1943. A reação dos nazistas era - agentes não militares da resis- brutal. Cidades como Lidice, na tência ao domínio nazista em República Tcheca, ou a capital da seuspaises.Oiugoslavofoiomais Polônia, Varsóvia, foram arra- forte desses movimentos, com sadas. Os partisans poloneses quase 500 mil guerreiros em 1944. foram os que mais salvaram ReconquistaraIll o que se tomaria judeus (50 mil, metade dos que a Iugoslávia; seu líder, JosipTito, sobreviveram no país). Muitos seria o presidente do país. Em 25 desses soldados, porém acabaram de novembro de 1942, partisans nos gulags soviéticos. ~t 20' HERÓIS (QUASE) ANÓNIMOS , Abrigada do "Tio Misha" Em 21 de maio de 1942, os Einsarzgruppen (esquadrões da morte nazistas) mataram 2 mil judeus do gueto de Korets, na Ucrânia. Só pouparam alguns homens porque eles poderiam ser úteis em tra- balhos forçados. Naquela noite os sobreviventes se reuniram na si- nagoga para rezar o kadis lt (a oração dos mortos). Entre eles estava o engenheiro Misha Gildenman , que havia perdido a mulher e a filha de 13 anos. "Ao contrário dos demais, Misha não tinha o coração cheio de medo, mas de vingança", diz o historiador Allan Levine. Em 23 de setembro, quando os nazistas rodearam o gueto para liqui- dá-lo, Misha escapou com o filho e outros judeus para a floresta. Eram 16 no total, divididos em grupos de 3 ou 4. Seu arsenal se res- tringia a uma pistola, 5 balas e wna faca de açougueiro. Foi assim que O "TIo Misha" fundou uma brigada judaka 'lue ga - nhou fama e respeito entre os fugitivos das fl orestas. Soldados soviéticos se aliaram ao grupo, mas Misha manteve a liderança dos ataques. Um deles foi em Ro- zvazhev, onde havia uma guarnição de 200 alemães . Divididos em 5 grupos, os partisans renderam os vigias, roubaram armas e avançaram sobre a casa do coman- dante' onde 9 oficiais bebiam para espantar o frio. "En- t rei na casa pela janela. Os olhos dos oficiais bêbados miravam uma linda mulher cantando músicas em rus- so", relatou Misha. "Empurramosa porta e começamos a disparar. Foi tudo tão repentino que apenas um sol- dado sacou a pistola e atirou , ferindo um dos nossos. Mas logo caiu no chão com uma bala na testa." HERÓiS (QUASE) ANONIMOS . Zl "F:BR,IGA "É melhor salvar um judeu do que matar 20 alemães." Seguindo esse princípio após o massacre de seus familiares na ci- dade de Novogrudek (Polónia) , o campo- nes Thvia Bielski montou a maior opera- ção de resgate de judeus por judeus durante a guerra. Ao lado dos irmãos Zus e Asnel, salvou 1230 pessoas na Bielorrú - sia. Apenas 50 membros desse grupo morreram. Em outras guerrilhas judai- cas, nem a metade sobrevivia: a maioria era gente da cidade escapando dos gue- tos. Ao chegarem à fl oresta, enfrentavam novos perigos. "Muitos eram roubados e assassinados , e as mulheres, estupra- das", diza sobrevivente Nechama Tec no livro Um Ato de Liberdade, que inspirou o filme homónimo com Daniel Craig. Com a cabeça a prêmio (por alguns mi - lhares de reichmarks, moeda corrente no regime nazista), Tuvia tinha dois trunfos: havia sido cabo do Exército polonês e conhecia cada palmo da fl o- resta de Lipiczanska, onde montou os primeiros acam- pamentos em 1943, com apenas 13 pessoas . Divulgaram então a mensagem entre judeus escondidos e presos: "Salvem-se juntando-se a nós na floresta" . Pouco tem- po depois a comunidade já tinha mais de 100 pessoas. Um ano depois passariam de mil . Ali a ordem era evitar confrontos com russos e alemães. "Quando atacados, os Bielski preferiam dispersar e se reagrupar depois" , dIZ Tec. A guerrilha queimava plantações, fazia embos- cadas, explodia pontes e eliminava informantes. Para se mover com mais facilidade, usava unidades de 25integrantes. Do total, 75% eram . velhos, mulheres e crianças. Os 20% armados faziam tarefas de proteção, inteligência, sabotagem, saque de comida e busca de fugitivos dos guetos. O grupo virou comunidade com sinagoga , escola, teatro, enfermaria, sapataria e fábrica de sabão - esforços para manter intacta sua identidade cultural e religiosa mesmo diante de massacres e con- flitos sangrentos. Em 1944, após a contraofensiva sovi- ética, 1230 pessoas formaram uma fila de quase I km caminhando de volta a Novogrudek, com os irmãos Bielski na frente. Depois da guerra, Tuvia se mudou para Israel e de lá para os EUA, onde trabalhou dirigin - do caminhão até morrer , em 1988. ZZ. HEROIS (QUASE) ANONIMOS SAPATEIROS TREINADOS Em agosto de 1942. os nazistas começaram a eliminar a população judaica de Lublin, no sudeste da Polónia. A maioria acabou no campo de concentração de Belzek. Yehiel "Chi!" Grynszpan foi dos poucos que se salvaram. Aos 24 anos. organizou uma das guerrilhas mais eficientes da Europa Oriental. ':Além de contar com treinamento militar, ele se tornou um grande lider porque tinha bons julgamentos sobre pessoas e situações. Ele inspirava confiança sobre o melhor curso da ação", diz Harold Werner. que integrou a unidade. no livro Fighting Back (inédito no Brasil). Resultado: o que era um grupinho de sapateiros, comerciantes e lavradores se transformou em destacamento militar com 200 judeus na floresta de Parczew. O grupo se uniu à Gwardia Ludowa. a organização clandestina de comunistas poloneses. aliada dos soviéticos, e integrou a maior e mais bem treinada rede de partisans russo-polonesa. Após o conflito, ele emigrou para o Brasil. Coragem e loucura Witold Pilecki era um veterano da l ' Guerra que ha- via sido promovido a comandante de cavalaria. Quando os nazistas invadiram a Polônia, em l ' de setembro de 1939, a unidade de Pi lecki conseguiu destruir 7 tanques alemães e três aviões. Em 17 de setembro, a União Soviética também invadiu a Po- lônia, e a tropa nacional jogou a toa lha. Mas Pilecki não se deu por vencido e ajudou a fundar o Exército Secreto Polonês, que se destacava entre os partisans do país. Em 1940, ele apresentou a seus superiores um plano aparentemente suicida , entraria no cam- po de extermínio de Auschwitz para or- ganizar a resistência interna e passar in- formações sobre o que acontecia lá. Como? Pela porta da frente. Os alemães detinham civis a esmo para ser usados como escravos. Pilecki se misturou a um grupo que estava sendo preso e foi des- pachado para o campo de concentração. Conseguiu enviar a autoridades dos Aliados relatórios sobre as atrocidades cometidas ali , mas o testemunho fo i considerado exagerado. Em 20 de junho de 1942, um ucraniano e três poloneses se vestiram de soldados da SS, roubaram o carro do chefe do campo, Rudolph Hoss, e saíram ... novamente pela porta de frente . O próprio Pilecki só não fo i junto porque acreditava que os partisans fariam um ataque ao complexo e pretendia ajudá- los. Em 27 de abril de 1943, outro episódio bizarro, ao chegar à padaria onde seria obrigado a trabalhar , fora do campo de concentra - ção' dominou os guardas e fugiu. Livre, Pilecki foi um dos organizadores da Insur- reição de Varsóvia, em l ' de agosto de 1944. Enca- beçou, mais tarde, um movimento antissoviético. Encerrada a guerra, foi preso, julgado sem direito a defesa real e executado por um pelotão de fuzila - mento do governo comunista da Polónia em 25 de maio de 1948. Tinha acabado de completar 47 anos. O governo polonês se retratou por esse julgamento em 1990, e hoje ele é um grande herói nacional. HERÓiS (QUASE) ANONIMOS. 23 - -- GUERREIROS o POETA E A GUEREIrlL:HA Os livros do poeta russo Abba Kovner relatam a dura realidade da ocupação alemã. Kovner tinha 23 anos ao fugir do gueto de Vilna, na Lituânia, para um convento. Mas não suportou a ideia de se salvar sozinho e voltou para organizar uma revolta MNão nos deixemos levar como ovelhas ao matadouro~, disse ele em uma reunião em 1941. Naquela altura. dois terços dos 60 mil judeus de Vilna estavam mortos. Kovner fundou a FPO (iniciais em ildiche de Organização Partisan Unida). Chefes judaicos convidaram o grupo a sejuntar a eles nas florestas. Kovner recusou. Achava que o combate tinha de ser feito dentro do gueto - até que. em 1943, os nazistas liquidaram o local. A FPO fugiu para a floresta. aliou-se aos partisans e lutou durante toda a guerra. Depois dela. Kovner e sua mulher, Vitka, caçaram nazistas no esquadrão Dam Yehudi Nakam CO Sangue Judeu Será Vingado·). Em sua ação mais radical. pincelaram arsênico no pão de prisioneiros alemães. Z4. HERÓIS (QUASE) ANÓNIMOS , ! ..... .. .. . - '.:.' ... ;r. I'~ ." _, . :~' :PRISIONElROS REAGEM A MASSACRE , .. EMLACHVA " ~.'iÍ .: '_. VlV.EI.A RESISTANCEl Em 18 de junho de 1940, os franceses receberam uma transmissão insólita pelo rádio. Quatro dias antes, os nazistas haviam marchado sobre Paris, e, na véspera, o chefe do Exército, o marechal Philippe Pétain , anunciara sua intenção de se render. Naque- la quarta- feira, porém, os poucos que sintonizaram seus rádios na BBC britânica notaram uma mensa- gem em sua língua: "A última palavra foi dita? Deve a esperança desaparecer? A derrota é fina l? Não!" Era o general Charles de Gaulle, até então pouco conhecido dos franceses, que havia liderado uma das raras contraofensivas bem -sucedidas da malfa- dada Batalha da Fra nça. Exilado na Inglaterra, ele organiza ria as forças da resistência nacional. Até o fim da guerra, mu itos franceses fizeram de tudo para sabotar os nazistas e o governo marionete do marechal Pétain. Foram atos de espionagem, assas- sinatos, destruição de fábricas, sabotagem de linhas férreas, envenenamento de suprimentos e embos- cadas em que os membros da Resistance seguiam sempre uma instrução: não fazer prisioneiros. Chuck Yeager, o primeiro ser humano a quebrar a barreira do som (e sobreviver) , em 1946. Incluiu ainda o brasileiro Apo- lónio de Carvalho. E deixou alguns heróis famosos - como Jean Moulin, que unifi- cou as forças do movimento, foi traído e morreu sob tortura em junho de 1943. A Resistência Francesa reuniu muitos intelectuais, artistas, gente que já era ou seria conhecida no pós- guerra: o pintor Pablo Picasso, o filósofo Jean-Paul Sartre, O escritor Albert Ca mus e o piloto americano O movimento teve também uma líder, Marie-Madeleine Fourcade (leia sobre as heroínas na pág. 38), entre seus esti- mados 220 mil membros. UIR príncipe selR ceriDl6Dia o nome não deixava dúvida: Louis Napoleón Bonaparte era o prlncipe herdeiro da coroa francesa. que havia sido dissolvida com Napoleão 3° em 1870. Ninguém esperava que ele fosse se tomar imperador, menos ainda que fosse se tomar herói da Resistência Quando a guerra fui declarada, mandou uma carta ao prirneiro-ministro Édouard Daladier dizendo que queria se alistar. Como a República, evidentemente, não simpatizava com ele, foi recusado. Louis assumiu um nome falso e se alistou assim mesmo, como um soldado qualquer, na Legião Estrangeira Napoleão 4° (seu titulo oficial) lutou no norte da Africa até o armisticlo. Ao ser dispensado, imediatamente uniu-se à Resistência Francesa Em 1942. acabou preso enquanto tentava cruzar a fronteira rumo à Espanha Recusou tratamento especial dos alemães. Foi para a prisão domiciliar, fugiu e voltou à guerrilha. A patrulha em que atuava foi dizimada no dia 28 de agosto de 1944. Só ele sobreviveu. Ganhou várias condecorações e só então passou a se concentrar em postular o (inexistente) trono francês. HERÓIS (OUASE) ANÓNIMOS . 25 - - ~u"-l"célebre herói humanitário da 2a Guerrafoi Oskar Schindler. que ins- ,",uv",um premiado filme de Steven Spielberg. O empresário usou suas fábri- na Polônia como pretexto para empregar o maior número possível de íuc1eLlS considerados cruciais para o esforço de guerra alemão - mesmo que velhos. crianças e doentes. Na iminência da "solução final". preparou uma lista com mil pessoas. poupadas das câmaras de gás. Outros civis pouco co- nhecidos. porém. foram tão ou mais importantes. Entre eles se destacam. até pela natureza de sua profissão. os diplomatas. o Schindler Rortuguês salvou 30 md pessoas o feito de Aristides de Sousa Mendes supera e muito o daquele com o qual costuma ser comparado - o austro- húngaro Oskar Schindler. Nada menos que 30 mil pessoas, entre elas cerca de 10 mil judeus, não foram enviadas aos campos de concentração graças a seus salvo-condutos. Vindo de uma família aristocrática portuguesa, Aristides era funcionário do governo de Antonio Salazar, ditador alinhado com Adolf Hitler. Como cônsul em Bordeaux, na França ocupada, ele desobedeceu à ordem de não conceder vistos de entrada em Portugal a "estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas, aos judeus expulsos dos países de sua nacionali- dade ou daqueles de onde provêm". Em 1940, declarou que assinaria vistos e passa- portes de todos os que os 30. HERÓIS (QUASE) ANON IMOS pedissem: "Já não há nacionalidade, raça ou reli- gião. Se há que desobedecer. prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus". E assim o fez, aos milhares, entre os dias 17 e 20 de junho. Salazar ordenou que outros funcionários o expulsassem da chancelaria. Aristides então liderou uma coluna de refugiados em direção à Espanha. Apesar do fechamento da fronteira, conseguiu fazer o grupo chegar a Portugal ao enganar os guardas. Foi punido com a perda das funçôes e dos rendimentos, teve cassado o direito de exercer sua profissão de advogado e até de dirigir. Ele e seus filhos (teve 14) passaram a viver com a ajuda da comunidade judaica de Lisboa. Recebeu o título de Justo entre as Naçôes em 1966, e 20 árvores foram plantadas em sua homenagem no Museu do Holocausto em Jerusalém. Dois de seus filhos partici- param do Dia D. Morreu pobre, em 1954. ABRIGOU 15 MIL E DESAPARECEU o diplomata sueco Raoul Wallenberg estava na Hungria em 1944, quando os nazistas, em fuga por causa da invasão sovi- ética, se preparavam para levar aos campos de concentração milhares de judeus húngaros do gueto de Budapeste. Na luta para libertar prisioneiros dos alemães, Wallenberg chegou a seguir, de automóvel. comboios de refugiados alegando que eles estavam sob a proteção da embaixada de seu pais. Emitiu milhares de passaportes suecos falsos idênticos aos originais e passes protetores. Também conseguiu manter 15 mil judeus em 31 casas de proteção sob guarda da embaixada sueca - o país era neutro na guerra. Frustrou conspi- rações para explodir o gueto de Budapeste às vésperas de sua libertação pelos Aliados. Já perto do fim do conflito, entretanto, o benfeitor sueco foi captu- rado pelos russos e acusado de ser um espião americano. Jamais foi visto nova- mente. O título de Justo entre as Nações lhe foi outorgado em 1946. HERÓIS (QUASE) ANÓN IMOS. 31 erciante de carnes italiano Giorgio Perlasca trabalha- a ern'uma importadora de Budapeste quando tomou uma at,itude ousada: criou uma falsa identidade, assumiu o cargo d!il' eD~blliXJad(lr espanhol e passou a emitir passaportes para il::;-í~;;~; húngaros. Admirador do ditador espanhol Francisco li ,nêl)~(:Ollra'Q(ljem lutou como voluntário na Guerra Civil lEiipa!nh(lla) e entusiasta do fascismo, Perlasca perdeu a cren- regime depois de 1938, quando a Itália apoiou a perse- l=:.~~~~~!~~ judeus. Em 1943, seu paCs assinou o armistício i\JIaruJS e ele foi preso pela policia nazista húngara. FQj socorrido pele embaixador espanhol Ángel Sanz-Briz. ~ (gio faIsificll us docwnentos e se tQrnou Jorge Pedas- 'G1l'!'Imn "legitimo" cidadão espanhol. Com a aproximação 'lWI~',éticos, foi a vez de Sanz -Briz salvar a própria pele e a cidade. Não indicou substituto ao cargo. Representante da neutra Suíça em Budapeste. Charles Lutz atuava em nome dos interesses dos EUA. da Grã-Bretanha, de El Salvador e de outros 13 países. Em maio de 1944, quando soube de imi- nente deportação de judeus húngaros para cam- pos de concentração, passou a recolher judeus em casas de proteção e distribuiu documentos de cidadania salvadorenha emitidos em Genebra. Ao lado de Raoul Wallen- berg, de quem era próximo, criou os chamados passa- portes coletivos, que agru- pavam os nomes de até mil judeus sob o mesmo núme- ro de inscrição. A manobra dificultava a verificação da validade de cada documen- to pelas autoridades hún- garas e alemãs. Lutz salvou das garras nazistas 62 mil judeus na Hungria. 32. HEROIS (QUASE) ANONIMOS o governo nazista pediu a mudança da embaixada para pron. perto da fronteira com a Áustria. Perlasca convenGeu nazistas de que Sanz -Briz estava em missão oficial e que o via nomeado como substituto. Eles acreditaram. Usando os papéis e carimbos do embaixador fugitivo, ele emitiu milhares de documentos em favor dos judeus húngaros. Por garantia, registrava-os com data anterior à saída do embaixador. Depois de salvar 5218 pessoas, Per- lasca queimou seus falsos documentos espanhóis e retomou à Itália, onde vi- veu modestamente - e sem revelar suas ações humanitárias a ninguem durante décadas. Encontrado pela co- munidade judaica no fim dos anos 80, declarou: "Não pude resistir à visão de um povo que era marcado como anj .. mal, a ver crianças assassinadas. Não creio que eu tenha sido um herói" . Re- cebeu o título de Justo entre as Nações em 1989, três anos antes de morrer. - --,. Roupa de mulher Vice-cônsul americano em Marselha, na França, Hiram "Harry" Bingham 4°, vindo de uma aristocrática família de Connecticut (seu pai descobriu as ruínas de Machu Picchu, no Peru), era o encarregado dos vistos quando o cerco nazista se fechou sobre o país. Dedicou-se a fornecer vistos para refugiados no sul da França • - artistas, cientistas e políticos antinazistas. Foi repreendido - o governo dos EUA queria manter boas relações com a República de Vichy (a França ocupada) - e obrigado a deixar o posto em Marselha, em 1941, depois de ajudar 2 500 pessoas. Uma delas foi o escritor Lion Feuchtwanger, enviado a um campo de concentração pelo governo colaboracionista Bingham o teria sacado da cela disfarçado de mulher. Foi enviado a Portugal e depois à Argentina como castigo por sua insubordinação. Lá ajudou a caçar nazistas, mas logo renunciou ao serviço diplomático. Passou o resto da vida como agricultor, artista e inventor. SOBAPROT~O DA CRUZ VE LHA o negociante judeu George Mandei (que mudaria o sobrenome para Montello para soar mais latino), nascido na Transilvânia, sugeriu ao amigo José Arturo Castellanos, cônsul-geral de El Salvador em Ge- nebra (Suíça) entre 1942 e 1945, que emitisse certificados de cidadania salvadorenha a judeus de diversas partes da Europa. Castellanos já ha- via livrado o próprio Mandei e sua fa mília dos campos de concentra- ção. E abraçou a ideia. Com a ajuda de Mandei, iniciou a produção em massa de certificados (gratuitos ou a preços simbólicos) que garantiam a seus portadores o direito de per- manecer sob a proteção da Cruz Vermelha Internacional. Estima-se que entre 25 mil e 40 mil judeus (especialmente búlgaros, tchecos, húngaros, poloneses e romenos) tenham escapado das garras da Gestapo e da SS na operação, poste- riormente conhecida como Ação de EI Salvador. Mandei foi novamente perseguido e preso pela Gestapo,na Iugoslávia, acusado de fornecer do- cumentos falsos. Conseguiu esca- par. Castellanos foi transferido para Londres. Aposentado, retornou a EI Salvador e viveu de forma discreta até morrer pobre na capital, San Salvador, em 1977. HERÓIS (QU'SE) ANONIMas · 33 '. .. ri .. ~ " I I I HUMANITÁRIOS , o EXTERMINIO DOS DIPERENTES Pessoas com deficiência e doentes terminais eram alvo do 30 Reich TEXTO FÁBIO MARTON O S nazistas queriam "purificar" a raça ariana de genes ruins. Esses genes estariam nos ju-deus, ciganos, homossexuais - e nas pessoas com deficiências de qualquer origem. Os ofi -ciais nazistas plane)avam esvaziar os asilos de doentes mentais e pacientes' incuráveis", mas sabiam que isso pegaria mal com a opinião pública. A partir de I ' de setembro de 1939, a guerra deu a eles a desculpa para oficializar o programa - precisavam desses hospitais para os soldados feridos. O chamado Aktion T4 - Tiergartens- trasse, nO 4, era o endereço da sede - esterilizou e assas- sinou milhares de pessoas. Foi um dos raros casos em que os alemães, liderados pelas fanu1ias de vítimas, se opuse- ranl publicamente a uma diretriz nazista. O clamor se estendeu até a Igreja (que se omitia sobre os judeus). Co- nheça alguns dos opositores ao T4. kort., di.fer Erbkronk. di. lJolksg.",.lnfmoft ouf ftb ..... il 7Ú>lksgk.ftolTe das .4ft <HL<I, :,{)tüt Çfrld r.f,. Si. Di. monotshefte de, Rnrf,,,p,litifrh,n 01111" der lISDOP JUlZ DENlJl!fOIA. EUTANÁSIA Nenhum outro juiz alemão se manifestou contra a eutanásia em massa. Lothar Kreyssigjá não era, sabidamente, um fã do Partido Nazista. Ao iniciar a carreira, em 1928, ele se recusou a entrar para a legenda. Por essa e outras manifesta- ções de insubordinação, em 1937 foi punido com um cargo menor, o de juiz de casos de guarda de pacientes mentais em Brandenburgo. Em 1940, ao notar um número extraor- dinário de certidões de óbito desses pacientes, mandou uma carta de protesto ao ministro da Justiça, Franz GÜrtner. Foi chamado à Suprema Corte, onde explicaram a ele que a sentença de morte para certas vítimas era a vontade de Hitler - e sua vontade era a 'fonte da lei". Kreyssig deu de ombros. Proibiu qual- quer transferência de pacientes sem sua autorização. Em 1942, iniciou um processo público acusando de assassinato o chefe do programa, Philipp Bouhler. Foi afastado do cargo no mesmo ano. Após a guerra, ajudou a fundar uma espécie de ONG: Aktion Sühnezeichen Friedensdienste (Ação de Reconciliação para a Paz). 36. HERÓiS (QUASE) ANÔNIMOS Arcebisbo Udera movimento anti-T4 Clemens von Galen tornou-se arcebispo de Münster em 1933. No mesmo ano Hitler tomava definiti- vamente o poder na Alemanha e fechava um acordo com a Igreja Católica - o acordo, assinado pelo cardeal Eugenio Pacelli (que se tornaria o papa Pio 12 em 1939), restringiu os poderes do clero, mas garantiu sua sobrevivência no país. Hitler tinha medo da influência da Igreja e se anunciava como católico. Aproveitando sua liberdade, nos sermões o arcebispo ridicularizava a doutrina nazista (como a ordem, revogada depois de muitas críticas, para remover os crucifixos das escolas). Mas o T4 o fez ficar sério. Em 1941, ele começou a pregar abertamente contra o programa e, logo, contra tudo o que o nazismo representava. Esses discursos inflamados passaram a ser reimpressos clandestina- mente na Alemanha e repas- sados entre famílias católicas e até mesmo aos soldados no front - a Inglaterra chegou a "bombardear" soldados alemães com as transcrições em folhetos. Os sermões geraram protestos públicos contra o programa. O líder da SS em Münster solicitou a execução de Von Galen, mas, temendo a revolta popular, a cú pula do 3° Reich teve de engolir a resistência do religioso até o fim da guerra. Clemens von Galen foi eleito cardeal no Natal de 1945 e beatificado por João Paulo 2° em 2004. HERÓiS (QUASE) ANÓNIMOS . ~ Longe do front ou empunhando armas, mulheres assumiram posições de risco contra o regime nazista empenhadas em salvar vidas, forjar documentos e denunciar as atrocidades dos alemães TEXTO EDUA RDOSZKlA RZ 38. HERÓIS (QUASE) ANÓNIMOS • - ~-i;';';";= ep:isódio que ficou célebre, no inverno de 1943, em Berlim, um l1~dl'" de 6 mil mulheres fez o governo nazista recuar e \s~!m-:.rl9Qjl1l9E~US casados com alemãs. O ato ficou conhecido como ----pr;Dt€!stl:rdle~l~h>erlstra~;se Houve apenas um Rosenstrasse, mas ou- tras grandes figuras femininas conseguiram feitos notáveis na luta contra o horror. Usando da influência dentro do Partido Nazista, con- feccionando passaportes falsos, escondendo pessoas dentro de casas de oficiais alemães ou resgatando crianças em campos de concentra- ção, algumas pagaram com a própria vida. Saiba quem foram elas. Um. grito na guilhotina Dia 22 de fevereiro de 1943. Silêncio na Corte Popular do Palácio de Justiça de Mu- nique. No banco dos réus, a alemã Sophie Scholl, 21 anos, aguardava a sen- tença. O juiz Roland Freisler selou seu des- tino, pena de morte por alta traição ao 3" Reich. Seu irmão, Bans Scholl , e o amigo Christoph Probst receberam pem idênti - ca. Naquele mesmo dia, às 17 horas, os três estudantes perderam a vida na guilhotina. Sophie integrava a Rosa Bmnca, uma or- gan ização de resistência não violenta con- tra o nazismo. Em vez de empunhar ar - mas, o grupo usava um mimcógrafo e uma máquina de escrever. Imprimia folhetos que denunciavam as atrocidades do regi- me. "Por que o povo alemão está tão ap,í - tico em face desses criInes abom i l1áveis?" , dizia um dos papéis. Outro anunciava, "Nosso povo está pronto para se rebe- lar contra a escravi- zação nacional-so- cialista da Europa". Os pannetos eram enviados por correio a alunos e professo- res de facu ldades da Alemanha. Sophie e seus colegas mandavam as cartas de vá- rios pontos do país. Tanto fizeram que atraíram a atenção da Gestapo. "A Gestapo pensava que a Rosa Branca era uma organização enorme. Não sabia que tinha apcn,ls 6 membros no núcleo principal" , diz a pesquisadora americana Kathryn J. Atwood no livro Women Heroes ofWorld War II (inédito no Brasil). Além de Sophie, Ilans c Christoph , O gru - po central era for mado por out ros dois alunos da Universidade de Mu nique e um professor, Kurt Huber. Foi Hubcr que es- creveu o sexto e último pantleto, no inicio de 1943. Foi quando os estudantes come- teram um erro fatal : distribuíram o pan- neto pelos corredores da universidade e foram vistos pelo fu ncionário Jakob Sch- midt, nazista de cafteirinha que os dedu- rou à Gestapo. Os outros integrantes se salvaram por falta de provas. Durante o julgamento , sem autorização para falar, Sophie gri tou: "Alguém tinha de começar! O que escrevemos e falamos é o que mui - tas pessoas pensam, mas não têm cora - geJTI de dizer em voz alta! n . HERÓIS (QUASE) ANONIMaS . 39 A CONDESSA GENEROSA Em 1943, o governo declarou que Berlim estava judellfrei ("livre de judells"). No entanto, vários deles viviam escondidos pela ci- dade. Um dos refúgios era o apartamento da Maria von Maltzan, filha de um conde alemão. Ela havia se doutorado em ciências naturais em 1933, ano em que Hitler chegou ao poder. Desde en - tão arriscava a própria pele para proteger judeus em fuga. Os refugiados ficavam em seu apartamento por alguns dias até conseguirem um jeito de sair do país. Mas o namorado de Maria, o escritor judeu Hans Hirschel, mudou-se de mala e cuia para lá. Quando alguém chegava, Hans se ocultava no fundo falso de um sofá na sala. Maria não levantava muitas suspeitas porque era da fina-flor de Berlim, tinha acesso a informações da elite do Partido Nazista e sua posição privilegiada na sociedadea livrava de maiores problemas. Até o que dia em que um oficial bateu à sua porta. Ao entrar no apartamento, ele olhou para o sofá e perguntou: "COlTlO posso saber se alguém não está escondido aqu i?" Maria decidiu correr o risco, "Se você está seguro de que tem alguém ai, vá em frente e atire. Mas, antes de fazer isso, deixe uma declaração po r escrito garantindo que vai pagar pela restallração do sofá " . Deu certo. O oficial não disparou e saiu do apartamento. Até a rendição alemã, em maio de 1945, ela continuou ajudando vítimas do n aZiS1110 . Fez documentos falsos e contrabandeou pes- soas dentro de móveis para a Suécia. "Maria sozinha salvou mais de 60 judeus e inimigos políticos dos nazistas, além de ajudar no resgate de muitos outros", diz a pesquisadora americana Kathryn J. Atwood. Depois da guerra a condessa se casou Cam Hans e tra - balhou como veterinária em Berlim até morrer, en11997. 40. HER6lS (QUASE) ANÓNlMOS Virou amante do major e salvou 12 A enfenneira polonesa Irene Gut tinha 17 anos quando fugiu para a fronteira com a União Soviética. Voltou à cidade onde morava (Radom) em 1942, aos 20 anos, quando o major nazista Eduard Rugemer lhe ofereceu emprego de garçonete. Servia as oficiais e, nas horas vagas, contrabandeava comida para o gueto. Rugemer foi para a Ucrânia. Irene também foi enviada para lá. onde seria governanta de sua mansão. Ela escondeu 12 judeus na casa O major sempre voltava do trabalho na mesma hora Um dia, porém, chegou mais cedo e flagrou três judias na cozinha. Topou guardar segredo desde que ela virasse sua amante. A jovem cedeu. No flm da guerra Irene se uniu à resistência polonesa. Por sua valentia. recebeu homenagens do papa João Paulo 2° e do Museu do Holocausto de Jerusalém. "Você IDe tirou do gueto" Conhecida como "O Anjo de Varsóvia". a enfermeira salvou mais de 2 500 crianças da morte. Irena era administradora do Serviço Social de Varsóvia. Quando a guerra estourou. em 1939. começou a fazer documentos falsos. fornecer remédios. roupas e dinheiro para os judeus. Sua atuação passou a ser mais incisiva a partir de 1942. quando os nazistas enclausuraram centenas de milhares de judeus em uma área de 16 quadras. Horrorizada com o Gueto de Varsóvia. a enfermeira se tornou recruta da Zegota. movimento de resistência polonês. Com livre trânsito nos campos de concentração. que visitava sempre com uma estrela de Davi no braço em solidariedade aos prisioneiros. Irena distribuía comida e medicamentos aos confinados. Usando como pretexto um surto de febre tifoide. que os alemães temiam que se expandisse além das fronteiras do gueto. conseguiu retirar as 2500 crianças "doentes" em ambulâncias da Zegota. Uma vez fora do gueto. as crianças eram escondidas como dava: em sacolas. maletas de ferramentas. baldes e cestos de lixo. Irena anotava o nome de suas famílias e enterrava em local seguro para que depois da guerra pudessem retornar a suas casas. E encontrava famílias não judaicas para cuidar delas. Usava o antigo tribunal à beira do Gueto de Varsóvia. conventos católicos e orfanatos como rotas de "contrabando" de crianças. Em 1943 Irena foi presa pela Gestapo e torturada na prisão de Pawiak. Foi condenada à morte. mas escapou graças a um gordo suborno da Zegota. No pós-guerra. renegava o título de heroína: "Cada criança salva com a minha ajuda é a justificação da minha existência na Terra. e não um título de glória. Eu poderia ter feito mais. Esse lamento vai me seguir até a minha morte". Foi premiada com a honraria máxima da Polônia. a Ordem de Águia Branca. com o título de Justo entre as Nações e indicada ao Prêmio Nobel da Paz. Depois que sua foto apareceu nos jornais. passou a receber várias ligações. "Um homem. um pintor. me telefonou e disse: 'Eu lembro do seu rosto'. disse ele. 'Foi você quem me tirou do gueto. Obrigado· ... O 'i\njo de Varsóvia" morreu em 2008. HERÓiS (QUASE) ANON IMOS. 41 MULHERES A LÍDER SEM ROUPA Em tempos de guerra, o pudor não era prioridade. Marie-Madeleine Fourcade conseguiu escapar duas vezes de prisões nazistas - na última, já combatente veterana, saiu sem roupas. Sua história de luta começou em junho de 1940. A francesa, divorciada e mãe de dois filhos, não en- goliu a rendição de seu país e abandonou o emprego em uma editora para ingressar na Resistência Fran- cesa, na rede chamada AU iance. Quando o chefe da rede foi preso, em maio de 1941 , assumiu o posto - fo i a únka lider mulher da Resistência.. Sua unida - de trabalhava com informação , observando e trans - mitindo para os ingleses movimentos e posições dos nazistas e colaboracionistas. Em agosto de 1941. , im- pressionados com seus serviços, os ingleses supos- tamente enviaram um operador de rádio para auxi- 42.. HERÓiS (QUASE) ANÓNIMOS liá- Ia. Era uma armadillia, o operador era um agente nazis ta. Marie-Madeleine e vários membros de sua rede foram pre- sos, mas ela conseguiu fugir em 10 de no- vembro de 1942 aproveitando uma d is- tração dos nazistas. Depois disso, mandou os filhos para a Suíça e passou a viver na clandestinidade. Em 1943, os ingleses de- cidiram tirá- Ia da França em uma opera - ção secreta, e ela passou a operar em solo britânico até pouco depois do Dia D, quando desembarcou de novo na França e voltou a espionar os nazistas. Foi presa novamente pela Gestapo, mas não se fez de rogada, tirou as roupas e, magra, con- seguiu atravessar por entre as grades. Após a guerra, fundou associações de ve- teranos da res istência e participou dos julgamentos do colaboracionista Maurice Papon e do nazista Klaus Barbie. BAI,A NAPACA Eta Wrobel atuou na resistência desde o início da invasão da Polónia. Começou criando passaportes falsos para judeus. Em 1942. quando o gueto de Lokov foi liquidado. conseguiu fugir com o pai para a floresta e ajudou a fundar uma brigada judaica. Dos 80 integrantes iniciais. só 7 eram mulheres. Eta se recusava a lavar e a cozinhar. Seu negócio era o combate. "Para nós. era difícil conseguir armas. Os russos tinham muitas. mas não queriam nos dar. Então nós roubávamos deles". contou. Um dia. recebeu um tiro na perna e arrancou a bala com uma faca. Viveu no fogo cruzado até 1944. No mesmo ano. casou-se e mudou para os EUA, onde morreu em 2008. A predadora dos ares Em 22 de junho de 1941. Hitler rompeu o pacto de não agressão com Josef Stâlin e invadiu a União Soviética. Tinha início a Operação Barbarossa, que contava com 3 milhões de soldados alemães. Em agosto. as forças do führer haviam capturado 3800 tanques e feito prisioneiros mais de 870 mil soldados soviéticos. Mas a URSS virou a mesa, e não só graças aos homens de suas tropas. Muitas mulheres tiveram sinal verde para combater inspiradas no exemplo da piloto Marina Raskova. Nos anos 30, ela havia se tornado a primeira navegadora da Força Aérea Soviética. E colecionava aventuras. como um voo ininterru pto de mais de 26 horas que quase acabou em tragédia - o mau tempo obrigou a tripulação a fazer um pouso forçado. Ela e duas colegas ficaram dias à espera de resgate. Em fins de 1941, organizou três esquadrões formados inteiramente por mulheres - das mecânicas às oficiais. O de número 588 voava em missões notumas e gerava enormes danos às divisões alemãs. Sua máquina de guerra era o caça Yakovlev Yak-1, que levava 3 metralhadoras e tinha um raio de ação de 600 quilômetros. Raskova também comandou o Regimento de Aviação 125. Vários países tinham mulheres pilotos, mas. segundo Robert Jackson. autor de Air Aces of WWII. a URSS foi a única a usá-las em combate. Marina morreu em 1943, em um pouso forçado provocadopor uma falha mecânica Tinha 30 anos. Recebeu uma medalha póstuma por sua bravura, caso raro entre as soviéticas. HERÓIS (QUASE) ANÓNIMOS . 43 .. , 7~1 f' ,', ., I " . . :' .. . '., '.- O DIA vmou NOl'I'E Na hora da explosão, em Hiroshima, Morita não ouviu nada. Percebeu apenas wna luz, como o flash de uma câmera. Foi arremessa- do a 10 metros de distância, desmaiou e, quando voltou a si, o dia tinha virado noite, embora fossem 8h15 da manhã. Era 6 de agosto de 1945. Morita liderava um grupo de 15 soldados da Polícia Militar que se prepara- va para construir um abrigo de armamentos. Estava a 1,3 km do epicentro da explosão (no coração da cidade) e de costas para o locaL Descobriu que as costas e a nuca estavam queimadas, sem imaginar que eram resultado de uma bomba atómica. Depois do estouro, caiu uma chuva negra, que a população pen- sava ser óleo jogado pelos americanos para provocar incêndios, como acontecera em Tó- quio. Tratava-se na realidade de chuva ácida, fruto da radiação em cantata com a atmosfe- ra. "Nunca esquecerei o que vi. Milhares de corpos queimados, o fogo avançando sobre pessoas que imploravam por ajuda". Parecia o fim do mundo", diz o japonês, de 86 anos, que vive no Brasil desde 1956. 106. HERÓIS (QUASE) ANÓNIMOS Passado o momento de estupefação, ele decidiu agir. Apenas um de seus colegas sobreviveu. Levantaram -se com dificulda- de e se dirigiram ao centro da cidade. En- contraram crianças em duas casas próxi - mas; uma delas, um bebê. Morita e o companheiro ajudaram a resgatar as crian- ças e suas mães, que foram recolhidas por jipes militares e levadas a hospitais. Mas não havia médicos suficientes para todos . "As pessoas andavam como zumbis, sem rumo, os braços para a frente, com a pele do corpo e as unhas caindo." Das áreas montanhosas mais afastadas do centro, onde foram montados postos de atendimento às vitimas, ele viu a cidade ar- der. Quase nada restou. Morita não tem ideia de quantas pessoas socorreu naquele dia ao lado dos poucos soldados que consegui- ram se manter de pé após o impacto da bomba. "As vitimas pra- ticamente derreteram. Teve gente que tentamos puxar dos es- combros e se desfez em nossas mãos." Ele ficou dois dias sem comer nem beber nada. Temia que tudo estivesse contaminado. Estava certo. Ele atribui sua sobrevivência ao fato de ser jovem e fo rte, estar bem alimentado, protegido com um capacete de ferro e de costas para o centro da explosão. "Era um negócio horroro- so, como jamais tínhamos visto igual", afirma Morita, hoje dono de uma loja no bairro do Jabaquara , na Zona Sul de São Paulo. ID.B.AXUSHAS Médicos e técnicos americanos que ocuparam Hiroshima após a destruição examinaram os sobreviventes - 100 mil pessoas de uma população de 250 mil morreram de imediato - , mas os lau- dos jamais foram entregues aos sobreviventes, conhecidos como hibakushas ("sobreviventes da bomba" , em japonês). Três dias depois foi a vez de Nagasaki. A bomba, apelidada de Pat Man, atingiu a cidade portuária. Mais de 80 mil pessoas de uma população de 240 mil morreram no mesmo instante. Yoshi - taka Samedima - um brasileiro filho de japoneses que havia re- tornado ao país - estava dentro de um navio do Exército nipóni - co quando o artefato nuclear foi lançado. "O navio balançou de um lado para outro como se fosse um brinquedo nas mãos de um gigante. Saímos, e estava tudo escuro. A cidade estava arrasada." Ele tinha 16 anos. Samedima engoliu o medo e saiu com alguns companheiros para tentar ajudar as vítimas. "Demoramos muito para entrar em Nagasaki por causa do entulho e ferro retorcido nas ruas. O cheiro de morte era difí- cil de aguentar"! afirma, hoje, aos 83 anos. "Àrvores, prédios, casas, escolas e hospitais estavam destruídos." O incidente dei - xou Samedima, que vive em Suzano, na Grande São Paulo , com manchas brancas na pele. Por causa das marcas, foi reconhecido como hibakusha por Morit., que O convidou a integrar a Associa- ção das Vítimas da Bomba Atõmica no Brasil. Samedima acredita que ajudou a socorrer, junto com seus companheiros, entre 800 e mil pessoas. "Tirávamos as vítimas dos escOlnbros e mandáValTIOS para os poucos hospitais que estavam de pé", relem- bra. "Cada viagem de caminhão levava 20 pessoas, e fizemos umas 20 em dois dias para dar conta dos fe- ridos." Apenas os militares tinham provisões, que dividiam com as vítimas. "Todos choravam, gritavam e pediam água , mas tínhamos instruções de dar O mi- nimo possível de água porque sabíamos que estava contaminada", disse o aposentado. Os veteranos do Exército e da Marinha japonesa, segundo ele, se recu- saram a entrar em Nagasaki por medo de contamina- ção. "A gente não sabia direito o que era radiação, mas eu tinha de ajudar as pessoas e não me preocupei com isso." Samedirna voltou ao Brasil apenas nos anos 1970 para cuidar do pai, que teve cã.n.cer de garganta. Desde então esteve qua- tro vezes em Nagasaki para fazer tratamento contra os efeitos da radiação. A partir de 1984, quando fundou a associ- ção, Takashi Morita teve de entrar, sem querer, em outra batalha. O governo japo- nês só oferecia ajuda aos hibakushas que viviam no Japão. Na rígida cultura nipónica, os que saíram do pa ís eram vistos como in- gratos. Acabou entrando na Justiça contra o governo para garantir seus direitos e os dos cerca de 130 sobreviventes que vivem no Brasil. "Ele sofreu um infarto porque jamais pensou que teria de acionar o governo japo- nês. Meu pai ainda é muito ligado à pátria natal" , afirma a filha, Yasuko Saito. Morita venceu. Hoje o Japão oferece uma pensão de um salário mínimo mensal e atendimento médico às vítimas da bomba no Brasil. Uma vez por ano, médicos especializados aten- dem os hibakushas brasileiros. O HERÓIS (QUASE) ANÓNIMOS. 41 Entre esses heróis do património artístico da humanidade, segundo o h istoriador Robert M. Edsel, coautor de Caçadores de Obras -Primas, estava Rose Valland , uma estagiár ia do museu parisiense leu de Paume. Nascida e criada na zona rural de Saint- Ét ienne-de- Saint-Geoirs, es tudou belas-artes em Lyon e seguiu para Paris, onde se sustentava dando aulas par- ticulares enquanto tirava diplomas na École des Beaux-Arts, na École du Louvre e na Sorbonne. Pouco antes do início da 2' Guerra, ela aceitou trabalhar no museu Jeu de Paume de gra- ça. "Em 1939, Rose aj udou Jacques Jaujard , o diretor dos Mu- seus Nacionais, na retirada dos objetos de arte que pertenciam ao Estado francês. Ela fugiu de Paris quando os a lemães avan- çaram , em 1940. Mas logo retornou à cidade, de volta a seu posto sem vencimentos" I diz Edsel. Meses depois, Jaujard pediu que ela continuasse no Jeu de Pau me para "observar as atividades nazistas e relata r tudo o que fosse importante" . De sua parte, ele esforçava-se na ami - zade com o conde alemão Wolff- Mettern ich para tentar garan - t ir que os objetos pilhados pudessem ficar em solo francês. Mas três salas do Louvre já estavam cheias deles, e as obras de arte confiscadas dos judeus foram encaminhadas para o museu onde Rose trabalhava. Em lO de novembro, os nazistas se apos- saram do leu de Paume. "Caminhões e mais caminhões carre- gados de objetos de arte chegavam, descarregavam , e tudo era levado por soldados" ,descreveu Rose em Le Front de L'Art (O Front da Arte, inédito no Brasil). Por quase quatro anos, os militares aceitaram a presença dela no museu apenas porque a funcioná ria era uma grande conhecedora de arte. Todas as noites ela anotava as peças que os nazistas estavam retirando da França com destino à Alema- nha e à Áustria. Roubava documentos, fotografava em casa e devolvia no dia seguinte. As info rmações eram repassadas a Jaujard, que mantinha contato com osmembros da Resistência Francesa. BATENDO EM R.ETIJtADA Com O tempo, passou a despertar suspeitas. Já havia flagrado oficiais roubando obras para si mesmos. O risco era cada vez maior. Em fevereiro de 1944, o oficial alemão Bru no Lohse a surpreendeu tentan- do decifrar o endereço do documento de desembar- que de um lote de peças. "Você poderia ser execu - tada por ind iscrição", disse ele. "Ninguém aqui é idiota o bastante para ignorar O risco" . ela respon- deu. Sabia que Lohse escondera quatro quadros no porta- malas de seu carro dois anos antes. Em I" de agosto de 1944, com a guerra já virando a favor dos Aliados, o coronel alemão Kurt von Behr ordenou a evacuação dos soldados do museu, assim 52' HERÓIS (QUASE) ANONIMaS como de todas as peças de arte que ainda est ivessem em Paris. O plano em levá - las de trem. Os soldados jogavam os quadros dentro de caixotes sem embala- gem. " Hav ia pânico em seus olhos, o desejo deles de fugir" , relatou Rose. O coronel Behr estava escoltado por ho- mens com metralhadoras quando a viu dentro do museu. A funcionária, teste - munha do saque, achou que seria liqui- dada naquele instante. Mas um soldado desviou a atenção de Von Behr' "Os ca - minhões estão quase cheios, senhor" . "Arrume mais, idiota", respondeu ele. Quando procurou Rose de novo, ela já tinha escapulido. Passou as informações para Jaujard, que as remeteu à Resistên- cia. A partir daí seguiu -se uma persis- tente operação para bloquear a saida do trem das artes de Pa ris. Edsel conta que, no dia seguinte, cinco vagões com 148 caixas cheias de quadros fora m seladas na estação de Aubervilliers, nos arredores da capital francesa. Rose dissera que O trem 40044 tinha como ...... " destino o castelo de Kogl, perto de \"õcklabruck, na Áustria, e o depósito Ni- kolsburg, na Morávia. O volLlme de bens saqueados a carregar e uma greve de fer - roviários, porém, impediram a partida. Somente em 12 de agosto, 10 dias de - pois, os alemães conseguiram controlar as linhas. Mas os trens conduzindo cida- dãos alemães tinham prioridade. Quan- do o carregamento das obras pôde fi nal - mente partir , não passou do aeroporto da capital. Um defeito na locomotiva ge- rou novo atraso de 48 horas. Resolvido esse problema, surgiu outro, uma sabo - tagem da Resistência provocou um en- garrafamento no s istema ferroviário - o trem das artes não podia se mover . A 2' Div isão Armada do Exército Livre Francês chegou ao local dias depois, e o general Phillippe Leclerc, avisado pela Resistência, conseguiu enviar 36 dos 148 caixotes com obras de Renoir, Degas, Picasso e Gauguin para o Louvre. Só dois meses depo is o restante dos caixotes foi devolvido ao museu. AMEAÇA INI'E:I;rz No mesmo dia em que Paris foi libertada , uma multidão de franceses invadiu o leu de Pau me. Rose impediu que a turba entrasse no porão , onde as coleçües eram guardadas, e fo i acusada de colaboracionista, "EI.a está escondendo alemães!" Com uma arma nas costas, teve de mostrar à turba que "não havia nada ali além de caldeiras , tubos e obras de arte" . Com as informações de Rose e Jauja rd, o curador do Metropolitan Mu- seum de Nova York e segundo-tenente do 7" Exército dos EUA, James Rorimer, foi um dos destaques da força - tarefa que se de- dicou a recuperar as obras. O grupo resgatou peças no castelo de Neuschwanstein, na Baviera, e enfrentou bombas instaladas em minas de sal e carvão onde estavam esconclidas peças nas cidades de Siegen , Merkers e de Heilbronn , na Alemanha, e na mina de sal de Altaussee, na Áustria. A tarefa durou de abril a julho de 1945 e salvou clássicos como Madonna de Bruges, de Michelangelo, e Autorretrato, de Rembrandt. Graças ao traba - lho de Jaujard nos bastidores, a Mona Lisa, de Leonardo da Vin- ci, escapou do exílio na Alemanha e na Áustria. Trocou seis vezes de lugar até ser devolvida ao acervo do Louvre. Já Rose ganhou um cargo remunerado no museu Jeu de Paume. HERÓIS (QUASE) ANÓNIMOS ' 53 o INIMIGO QUE SALVOU General desobedeceu a uma ordem direta de Hitler Um general'alemão em uma revista sobre heróis da 2' Guerra) Se você já visitou Paris, saiba que quase tudo o que viu está lá por causa de Dietrich von Choltitz, go- vernador militar de Paris a partir de 9 de agosto de 1944. Nos 16 dias seguintes, sua principal tarefa foi desobedecer a ordens di retas de Hitler. No dia 23, recebeu um telegrama: "A cidade não deve cair nas mãos do inimigo, a não ser que esteja de- vastada". Conta-se que Hitler telefonou para Choltitz perguntando aos berros' " Brenn! Paris!" ("Paris está queiman- do?" ). Foi a única vez que Choltitz deso- 54. HERÓIS (QUASE) ANÓNIMOS bedecell na vida. Para alguns historiado- res, a decisão de manter a Cidade Luz intacta nasceu de uma conversa com o prefeito parisiense, Pierre Taittinger. O francês disse ao alemão que ele voltaria ali algum dia e pensaria que teve o poder para destru ir tudo aquilo, mas decidiu preser- var a cidade. Choltitz de fato voltou ao hotel Meurice, o local do diálogo, em 1959. Reconhecido pelo bannan, pediu para vi- sitar seu antigo quarto. Foi ao balcão e olhou para as Tulherias. Depois dc um longo silêncio, disse, "Ah, sim, é disto que me lembro" . Agradeceu e foi embora. Tropas americanas desfilam na cidade libertada 4 dias antes; abaixo. Von Choltitz assina a rendição Ao yencedor, ovmagre Havia uma forma de resistência na França conhecida como "esconder, mentir e trapacear", Dessa forma, conseguiram preservar uma de suas maiores riquezas nacionais: O vinho. "Nossa diversão favorita era lograr os alemães·, disse o vinicultor lean-Michel Chevreau aos jornalistas Don e Petie Kladstrup, autores de Guerra e Vinho (Zahar, 2001). Com seus amigos, Chevreau furava barris que seguiam de trem para a Alemanha e ficava com os vinhos. Na guerra para repatriar o vinho francês, o papel de herói coube a Bernard de Nonancourt em 1944 .. Um dos primeiros a chegar ao Ninho da Águia, a fortaleza de Hitler nos Alpes, ele gritou para seus companheiros: ''Vocês não vão acreditar nisso". Para onde apontasse sua lanterna havia garrafas do melhor vinho francês. "Tudo que fora feito pelos Rothschild estava lá, os Latifes, os Moutons. Os bordeaux eram simplesmente extraordinários." Ele acabava de encontrar meio milhão de garrafas. I A.niaais lodiraa •• exp a DiVisão panzer ' Chips até recebeu medalha por "eliminar um ninho de metralhadoras" do inimigo Até os cachorros deram sua valorosa contribuição. Alguns tiveram sua história registrada para a posteridade ao praticar atas heroicos - como desarmar bombas, farejar ini migos e salvar a vida de soldados. Desde então os EUA usam cachorros como uma espécie de força auxil iar dos soldados. Segundo a revista Foreign Poliey, as Forças Armadas americanas empregam hoje 28 mil cães em suas unidades. O cão Chips, cruzamento de husky e collie que atuou como sentinela na Sicília, na Itália, entre 1942 e 1944, chegou a ser condecorado com a medalha Estrela de Prata por "eliminar um ninho de metralhadoras e render seus operadores" em 1944. Por causa da façan ha, Chips foi levado à presença do presidente americano Dwight Eisenhower e do premiê britânico Winston Churchill. A Marinha Real Britânica deve muito aJudy, uma cadela que acompanhava seus navios. Ela ficou famosa por ajudar os náufragos do HMS Grasshopper, bombardeado pelos japoneses na Indonésia. Foi o único animal feito prisioneiro pelo Exército japonês durante o confl ito. Outro cão herói foi o yorkshire terrier Smoky, que serviu com a Força Aérea americana, tendo participado de mais de 12 missões. Ameaçados pela Divisão Panzer, dos tanques alemães, os militares da extinta URSS usaram 40 mil
Compartilhar