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Facebook: /professorsabbag | Twitter: @professorsabbag Página 1 www.professorsabbag.com.br ARTIGOS DO PROFESSOR Curiosidades gramaticais da “terra dos Macuxi” Página 1 Pra onde foi o acento circunflexo em “desproveem”? Página 3 Onde o “onde” não é correto... Página 5 Artigo 1 Curiosidades gramaticais da “terra dos Macuxi” No último mês, estive em Boa Vista, capital de Roraima. Fui ministrar um curso de Língua Portuguesa a servidores e juízes do Tribunal de Justiça daquele Estado. Voltei de lá muito bem impressionado com a cidade, que achei muito limpa, organizada, com um charmoso “quê” de cidade do interior. O que mais me impressionou, todavia, foi a variedade linguística que caracteriza o Estado, que hospeda inúmeras etnias indígenas, com costumes e língua ainda preservados. A propósito, os “Macuxi” (no singular, realmente, sem fazer a concordância) representam a tribo indígena mais numerosa do Estado. A influência dessa etnia indígena no Estado levou o habitante de Roraima a se autodenominar, carinhosamente, “Macuxi”, em homenagem aos valentes guerreiros daquela tribo. Daí o título dado ao presente artigo: Curiosidades gramaticais da “terra dos Macuxi”. Em tempo, ressalte-se que o vocábulo “macuxi” é grafado com –x por ser de origem indígena. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, em sua 5ª edição, abona-o, ao lado de “macuxixiriense”. Lembre-se da regra ortográfica: coloca-se –x em Macuxi pela mesma regra do abacaxi e xavante. No campo da acentuação, as oxítonas terminadas por –i não recebem o acento gráfico. Portanto, não se pode acentuar “Macuxi”, da mesma forma que não acentuamos sucuri e buriti. Aliás, estes dois nomes têm muito a ver com Roraima: a sucuri, a maior de todas as cobras brasileiras, vive nos igarapés roraimenses. E, curiosamente, às margens destes, você vai encontrar o buriti, de cuja polpa sai um bom vinho e deliciosos doces. Mas as curiosidades gramaticais sobre o majestoso Estado não param por aí. Note mais algumas, separadas em itens: Facebook: /professorsabbag | Twitter: @professorsabbag Página 2 www.professorsabbag.com.br 1. Fala-se /Roráima/ ou /Rorãima/? O roraimense costuma falar /Roráima/. Não usa o som “do nariz” /ãi/, como em boa parte do Brasil. Notei isso em minha estada em Boa Vista. Todavia, sempre ensinei em sala de aula que duas formas são aceitáveis. Se falamos /Jáime/, podemos pronunciar /Roráima/, com o timbre aberto, sem nasalização. Por outro lado, falamos /andãime/, /Êlãine/ e /pãina/, nasalizando o ditongo. Daí se aceitarem as duas formas. Acho que a pronúncia com o timbre aberto é mais regional, própria do Norte do Brasil; no restante do País, entretanto, costuma-se usar o timbre fechado, com som nasal. O mesmo raciocínio pode ser estendido à palavra “Pacaraima”, que indica uma cidade do Estado, próxima à Venezuela. Aceito como legítima a pronúncia regional /Pacaráima/ e acredito que, no Brasil afora, a tendência será falar Pacaraima (ãi). Não vejo a questão como certa ou errada, mas como um dado de preferência regional. Não teria coragem de ensinar a meus alunos que a pronúncia com o timbre aberto (/Roráima/ ou /Pacaráima/) apresenta um erro de ortoepia. Aceito ambas. 2. Você usa a expressão “do Oiapoque ao Chuí”? Esqueça-a... Quando queremos dizer que algo vale em todo o Brasil, usamos a expressão “do Oiapoque ao Chuí”. Tirante o fato de que se trata de um clichê, a ser evitado nos textos mais rigorosos, ela encerra um grave problema “geográfico”. Passo a explicar: Na expressão, Oiapoque está indicando o ponto extremo ao norte do Brasil e Chuí, o ponto extremo ao sul. O problema é que as recentes pesquisas cartográficas mostraram que o ponto mais setentrional do Brasil não é mais o Oiapoque, mas um ponto geográfico localizado no Estado de Roraima, na fronteira com a Venezuela. Eu me refiro ao Monte Caburaí. Portanto, adeus à expressão “do Oiapoque ao Chuí”. Devemos substituí-la por: “Do (Monte) Caburaí ao Chuí”. Veja que até surgiu uma boa rima! Em tempo, frise-se que os vocábulos “Caburaí” e “Chuí” recebem o acento gráfico pela regra de acentuação dos hiatos. Na separação silábica dos termos (Ca-bu-ra-í; Chu-í), nota-se que as vogais ocupam sílabas diferentes (Ca-bu-rA-Í; ChU-Í), ficando a letra “i” isolada na sílaba final. Nesses casos, o acento será obrigatório. É o que acontece com os termos anhangabaú, Itaú, juízes, juíza e outros. 3. Como se pronuncia “Guiana”: /Gu-iana/, /Gui-ana/ ou /Güi-ana/? Inicialmente, vale relembrar que o Estado de Roraima faz fronteira com a Venezuela e com a República Cooperativista da Guiana. Este último País, localizado bem ao norte da América do Sul, tem em seu nome mais comum (“Guiana”) uma pronúncia que pode nos pegar desprevenidos. Seria /Gu-iana/, /Gui-ana/ ou /Güi-ana/? Tenho recomendado em sala um macete: pense em nosso nome próprio RUI. Esta palavra é forma por uma sílaba apenas, na qual se destaca o ditongo ui. Da mesma forma, faremos a separação silábica de “Guiana” (Gui-a-na) e seguiremos fiéis na pronúncia /Gui-ana/. Veja que o “u” é pra ser pronunciado, constituindo-se o ditongo com o “i”, na forma ui. Reconhecemos que a realidade sonora do termo é um tanto estranha, desafiando nosso sistema gráfico, mas isso não nos permite modificá-lo. Se quiséssemos usar o trema, por exemplo, encontraríamos dois problemas: 1. o trema foi abolido pelo recente Acordo Ortográfico; 2. a pronúncia, com o uso do trema, Facebook: /professorsabbag | Twitter: @professorsabbag Página 3 www.professorsabbag.com.br seria outra. Passaríamos a falar /güi-ana/, como falamos /argüir/, hoje já escrito sem o trema (arguir). Por outro lado, se pretendêssemos acentuá-lo, criando a forma “Gúiana”, teríamos também um empecilho: mudaríamos de lugar a vogal tônica da palavra (Gui – A – na). A penúltima sílaba “A” é a sílaba tônica. O acento no “u”, na sílaba “Gui”, não teria cabimento. Portanto, devemos continuar escrevendo “Guiana” e falando, exoticamente, /Gui-ana/, como na palavra “Rui”. Evite, assim, falar /Gui-ana/, como você pronuncia o termo “Guiné”, ou /Güi-ana/, como você pronuncia o termo “arguir”. Esses são alguns detalhes gramaticais que pude colher dessa viagem agradável a Boa Vista. Voltarei ao Estado, se Deus quiser. Aliás, Ele há de querer, pois aprendi com Dorval de Magalhães, que escreveu o Hino do Estado, que Roraima é a “benesse das mãos de Jesus”. Artigo 2 Pra onde foi o acento circunflexo em “desproveem”? A análise do verbo “desprover” e de seu problema de acentuação requer algumas digressões. Em primeiro lugar, é relevante observar que o verbo em destaque deriva de “prover”. Este, entre outros significados, tem a acepção técnica de “receber para discussão e deferir um recurso”. Em termos simples, equivale a “dar provimento a”. Não é incomum, todavia, encontrarmos nos textos jurídicos a negação de tal verbo, por meio do uso do prefixo in-, na corriqueira forma “improver”. Escrevem-se frases como “a Turma ‘improveu’ o recurso” ou, ainda, “o recurso foi ‘improvido’ pelo tribunal”. O problema é que tais construções não se mostram etimologicamente adequadas. É que o prefixo in-, como regra, não serve para criar verbos! É errôneo, desse modo, o uso de “improver” e, até mesmo, de “improvimento”, como já tivemos oportunidade de explicar em outros artigos. Não são termos dicionarizados! Todavia, o VOLP, em sua 5ª edição (2009), abona, com exclusivismo,o adjetivo “improvido”, na acepção de “sem provimento”. Assim, pode-se afirmar que “há um recurso ‘improvido’”, mas não se pode dizer que “ele havia ‘improvido’ o recurso”. No primeiro caso, mostra-se como adjetivo (permitido); no segundo, como verbo (proibido). Desse modo, recomendamos que se utilize nas construções acima, substitutivamente, o verbo “desprover”. Este admite tanto o adjetivo desprovido como o substantivo desprovimento. Portanto, prefira: “ele havia ‘desprovido’ o recurso” e “há um recurso ‘desprovido’” (ou “improvido”, se preferir). A título de curiosidade, destacam-se ainda as vernáculas conjugações verbais de “desprover”: O magistrado desproveu o recurso ontem (e não “improveu”); Ontem eu desprovi o recurso (e não “improvi”); Espero que nós desprovejamos o recurso (e não “improvejamos”); Eu desprovejo o recurso (e não “improvejo”); Eles desproveem o recurso (e não “improveem”). O último exemplo, a propósito, serve de mote para tratarmos do problema central do presente artigo: “desproveem” recebe ou não o acento circunflexo? Facebook: /professorsabbag | Twitter: @professorsabbag Página 4 www.professorsabbag.com.br O Acordo Ortográfico determinou a supressão do acento circunflexo nas formas verbais dissílabas terminadas por "-eem". Antes da medida unificadora, convivíamos com as formas acentuadas “crêem”, “dêem”, “lêem” e “vêem”. Tais palavras, ditas “paroxítonas”, isto é, aquelas cuja sílaba tônica é a penúltima, circulavam por aí com o acento circunflexo – um sinal gráfico dispensável, até certo ponto, em tais palavras. Após o Acordo, tudo mudou: passamos a escrever as formas verbais sem o acento gráfico (“creem”, “deem”, “leem” e “veem”). No estudo dos verbos, quando conjugávamos os verbos "crer", "ler" e "ver" na terceira pessoa do plural do presente do indicativo, obtínhamos as formas acentuadas: Eu creio, tu crês, ele crê, nos cremos, vós credes, eles crêem; Eu leio, tu lês, ele lê, nos lemos, vós ledes, eles lêem; Eu vejo, tu vês, ele vê, nos vemos, vós vedes, eles vêem. Após o Acordo, passamos a ter: Eu creio, tu crês, ele crê, nos cremos, vós credes, eles creem (sem acento); Eu leio, tu lês, ele lê, nos lemos, vós ledes, eles leem (sem acento); Eu vejo, tu vês, ele vê, nos vemos, vós vedes, eles veem (sem acento). Além disso, quando conjugávamos o verbo "dar" na terceira pessoa do plural do presente do subjuntivo, convivíamos com a forma acentuada: (Que) eu dê, (que) tu dês, (que) ele dê, (que) nós demos, (que) vós deis, (que) eles dêem. Após o Acordo, passamos a ter: (Que) eu dê, (que) tu dês, (que) ele dê, (que) nós demos, (que) vós deis, (que) eles deem (sem acento). Curiosamente, deve-se notar que tal regra, após o Acordo Ortográfico, será estendida aos verbos derivados dos acima destacados. Observe: Com DESCRER: se agora escrevemos creem, deve-se grafar descreem, ambas sem o acento gráfico; Com RELER: se agora escrevemos leem, deve-se grafar releem, ambas sem o acento gráfico; Com REVER: se agora escrevemos veem, deve-se grafar reveem, ambas sem o acento gráfico. Aliás, por analogia ao verbo “ver”, sobressaem os verbos “prover” e “desprover”, avocando a mesma regra: Ele provê a casa de alimentos - Eles proveem a casa de alimentos (sem acento); O desembargador provê o recurso - Os desembargadores proveem o recurso (sem acento); O desembargador desprovê o recurso - Os desembargadores desproveem o recurso (sem acento). Assim, respondendo à pergunta que serviu como título a este artigo, podemos assegurar que o acento circunflexo em “desproveem” foi abolido pelo Acordo Ortográfico. Portanto, nem com recurso, será possível “dar provimento” a este acento... Facebook: /professorsabbag | Twitter: @professorsabbag Página 5 www.professorsabbag.com.br Artigo 3 Onde o “onde” não é correto... É muito comum, na formação de períodos sintáticos, o uso inadequado do termo “onde”. Costumo dizer que “se coloca ‘o onde’ ‘onde’ não se deve...”. Daí a utilização das palavras em trocadilho, no título deste artigo (Onde o “onde” não é correto...), que, à primeira vista, pode não soar tão bem, entretanto serve propositadamente para chamar a atenção do leitor a um problema crônico na sintaxe. Como classe morfológica, “onde” pode ser um advérbio interrogativo (“Onde está o homem?”) e pronome relativo (“Esta é a cidade onde nasci.”) – o que nos interessa diretamente neste artigo –, equivalente a “em que, no qual, na qual, nos quais, nas quais” (“Esta é a cidade EM QUE / NA QUAL nasci.”). ` O pronome relativo retoma um termo expresso anteriormente (antecedente) e introduz uma oração dependente, adjetiva. Assim, na análise sintática, o termo “onde” será identificado como um “adjunto adverbial de lugar”. A propósito, deve referir-se sempre a lugar físico, espacial ou geográfico, sendo inadequado seu uso quando atrelado a situações diversas. Os exemplos são esclarecedores: 1. A estrada onde ocorreu o acidente. 2. O prédio onde ele trabalha. Nas duas frases acima, nota-se que o pronome se liga a referentes que designam um lugar determinado, a saber, “a estrada” e “o prédio”. Nessa medida, houve adequação na construção dos períodos, que poderiam ser também escritos: 1. A estrada EM QUE / NA QUAL ocorreu o acidente. 2. O prédio EM QUE / NO QUAL ele trabalha. Como recurso mnemônico, pode-se “tirar a prova” do bom uso em dois passos simples: 1º. Substitua o pronome pela expressão “o lugar em que”; e 2º. Elimine o elemento antecedente. Exemplo: Situação: A estrada onde ocorreu o acidente. 1º. A estrada [O LUGAR EM QUE] ocorreu o acidente. 2º. A estrada [O LUGAR EM QUE] ocorreu o acidente. Resultado: O lugar em que ocorreu o acidente. Gonçalves Dias, na clássica “Canção do Exílio”, deixou-nos a lição no verso “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”. É fácil perceber que as palmeiras indicam o lugar em que o sabiá vai fazer a sua cantoria. Por outro lado, existe um costume condenável de se usar a forma “onde” em excesso nos textos escritos. Costumamos denominar o fenômeno de “ondismo”, no qual se associa o pronome a situações que não indicam valor circunstancial de lugar. Observe as situações abaixo, em que o erro se torna patente: 1. Nos autos, foram colhidos depoimentos onde ficou evidente a culpa do réu. Ora, o referente “depoimentos” indica um domínio não geográfico. A frase deve ser assim corrigida: Nos autos, foram colhidos depoimentos EM QUE / NOS QUAIS ficou evidente a culpa do réu. Facebook: /professorsabbag | Twitter: @professorsabbag Página 6 www.professorsabbag.com.br Daí se dizer que “onde” sempre equivalerá a “EM QUE”, mas a recíproca pode não ser verdadeira, motivo por que se têm construído, a torto e a direito, muitos períodos de forma errônea. Observe mais exemplos de incorreção: 2. O candidato prestou o concurso onde questões de provas foram anuladas. Correção: O candidato prestou o concurso EM QUE / NO QUAL questões de provas foram anuladas. 3. Esta é a família onde há violência doméstica. Correção: Esta é a família EM QUE / NA QUAL há violência doméstica. Da mesma forma, tem sido muito comum o errôneo emprego de “onde” como antecedente de “tempo”. Observe o problema: 1. Este é o ano onde tudo melhorará. O antecedente “ano” designa uma referência temporal, devendo afastar o pronome “onde”. Substitua-o, assim: Este é o ano EM QUE / NO QUAL tudo melhorará. De modo semelhante, outras frases podem ilustrara aplicação imprópria do pronome quando os referentes forem temporais: 2. Esta é a época onde as flores nascem. Correção: Esta é a época EM QUE / NA QUAL as flores nascem. 3. O dia onde a guerra começou. Correção: O dia EM QUE / NO QUAL a guerra começou. 4. O século onde tudo se explica. Correção: O século EM QUE / NO QUAL tudo se explica. A propósito, em junho de 2011, a Fundação Getúlio Vargas elaborou importante questão no vestibular para os candidatos pretendentes ao curso de “Administração de Empresas”. No caso, o candidato teve que identificar a inadequação do uso de “onde” na frase “Uma noite onde ninguém é o que parece ser”. Com efeito, o referente “noite” não designa lugar, mas tempo. Assim, poderíamos corrigir a frase por: “Uma noite EM QUE / NA QUAL ninguém é o que parece ser”. Por tudo isso, devemos evitar o uso indiscriminado do pronome relativo “onde”. A cautela, aqui, não será algo excessivo, mas imprescindível. Aliás, o cauteloso terá o domínio da boa aplicação do pronome relativo e... a chave dos lugares onde “o onde” é adequado. É só entrar e bem aplicar!
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