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Universidade Castelo Branco Curso de Especialização em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais Anestésicos dissociativos: Revisão de literatura Goiânia, fev.2007 ii CARLOS ANTÔNIO CLÁUDIO Aluno do Curso de Especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais do Instituto Qualittas ANESTÉSICOS DISSOCIATIVOS: REVISÃO DE LITERATURA Goiânia, fev. 2007 Trabalho monográfico de conclusão do curso de Especialização (TCC), apresentado à UCB como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais, sob a orientação do Prof. Msc. Francis Cristian Carvalho Pinto iii ANESTÉSICOS DISSOCIATIVOS: REVISÃO DE LITERATURA Elaborado por Carlos Antônio Cláudio Aluno do Curso de Especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais do Instituto Qualittas da UCB Foi analisado e aprovado com grau:...................... Goiânia, ______ de _________________de ________. __________________________________________ Membro ___________________________________________ Membro ___________________________________________ Professor Orientador Presidente Goiânia, fev. 2007 iv Dedico este trabalho a Deus, supremo Criador da vida, à minha mãe que sempre me incentivou e deu seu exemplo, à minha irmã pela força de sempre e a minha esposa companheira de todas às horas. v RESUMO As primeiras tentativas de se abolir a dor por meio da anestesia no homem são descritas desde a Antigüidade, que na tentativa de produzir um estado anestésico, utilizou-se de vários métodos, como a asfixia, álcool, narcóticos, compressão das carótidas, dentre outros. Desde então vários estudos vêm sendo realizados com objetivo de aprimorar técnicas já existentes e desenvolver protocolos anestésicos que sejam os mais completos possíveis e cumpram com a função de abolir a dor, causando o mínimo de alterações fisiológicas ao paciente. Na clínica cirúrgica veterinária a sensibilidade dolorosa é muitas vezes sub- diagnosticada e quando diagnosticada, sua magnitude é quase sempre sub- estimada. Procedimentos cruentos realizados à campo, principalmente em grandes animais por muitos anos foram desprovidos de preocupação com a dor, desconsiderando qualquer protocolo anestésico ou em alguns casos até mesmo anestésicos. Dentre as variadas classes de fármacos anestésicos, destacam-se os agentes dissociativos, caracterizados por induzirem anestesia por interrupção do fluxo de informações para o córtex sensitivo, deprimindo seletivamente alguns centros cerebrais. A cetamina é utilizada atualmente em alguns hospitais americanos e da Europa, de maneira seletiva, principalmente como agente com função analgésica pós-operatória, e em unidades de terapia intensiva. De maneira geral, os mecanismos de ação dos agentes dissociativos constituem-se em produzir uma relação de antagonismo não competitivo dos receptores do tipo N- metil-D-aspartato do SNC, envolvidos com a condução dos impulsos sensoriais espinhal; ação gabaérgica; bloqueio da recaptação das catecolaminas; agonismo dos receptores opióides na medula espinhal e antagonismo dos receptores muscarínicos do SNC. A escolha por protocolos anestésicos envolvendo fármacos dissociativos deve ser embasada nas indicações clinicas, nas condições do paciente a ser submetido a anestesia, ao tipo de associação e ao grau de analgesia que deverá ser obtido no procedimento cirúrgico, visando promover o mínimo de alterações possíveis ao paciente respeitando as questões éticas e do bem-estar-animal. . vi Chegará um dia em que o homem conhecerá o íntimo de um animal; neste dia, todo crime contra um animal será um crime contra a própria natureza. Leonardo D’ Vinci vii SUMÁRIO Página Resumo...................................................................................................................iv Lista de Abreviaturas..............................................................................................vii Partes 1. Introdução............................................................................................................1 2. Revisão de Literatura...........................................................................................4 2.1 Caracterização dos agentes dissociativos................................................... 5 2.2. Mecanismo de ação......................................................................................6 2.2.1. Receptores NMDA e cetamina...................................................................8 2.2.2. Ação gabaérgica........................................................................................9 2.2.3.Recaptação de catecolaminas..................................................................11 2.2.4. Ação sobre receptores opióides..............................................................12 2.2.5. Antagonismo dos receptores muscarínicos do SNC...............................13 2.3. Farmacologia..............................................................................................14 2.4. Efeitos farmacológicos da cetamina...........................................................16 2.4.1. Sistema Nervoso Central.........................................................................16 2.4.2. Sistema Cardiovascular........................ ..................................................18 2.4.3. Sistema Respiratório................................................................................20 2.4.4. Outros efeitos...........................................................................................21 2.5. Principais associações................................................................................23 2.6. Indicações clínicas......................................................................................27 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................31 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................33 viii LISTA DE ABREVIATURAS AIED Associação Internacional para o Estudo da Dor AIT Anestesia intravenosa total EGG Éter-gliceril-guaiacol GABA Ácido gama aminobutírico GAD Ácido glutâmico descarboxilse NMDA N-metil-D-aspartato PCP Phencyclidine hydrochloride SNC Sistema nervoso central α Alfa ix 1. INTRODUÇÃO As primeiras tentativas de se abolir a dor por meio da anestesia no homem são descritas desde a antigüidade, que na tentativa de produzir um estado anestésico, utilizou-se de vários métodos, como a asfixia, álcool, narcóticos, compressão das carótidas, dentre outros (AGUIAR, 2002). Desde então vários estudos vêm sendo realizados com objetivo de aprimorar técnicas já existentes e desenvolver protocolos anestésicos que sejam os mais completos possíveise cumpram com a função de abolir a dor, causando o mínimo de alterações fisiológicas ao paciente. A dor é uma qualidade sensorial complexa, freqüentemente não relacionada ao grau de lesão tecidual. Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (AIED), é definida como uma sensação e experiência emocional desagradável, associada a um dano tissular real ou potencial. Em humanos estudos relacionados ao controle da dor no período pré-operatório, a denominada analgesia preemptiva, é alvo de grande parte das pesquisas nos diversos ramos da medicina. Sabe-se que a anestesia geral promove diminuição da transmissão de impulsos dolorosos periféricos para o sistema nervoso central, porém não é capaz de inibi-los totalmente. Assim, os estímulos nociceptivos provocam sensibilização central, que são responsáveis por aumento da intensidade da dor e do consumo de analgésicos no período pós-operatório (OLIVEIRA et al., 2004). x Na clínica cirúrgica veterinária a sensibilidade dolorosa é muitas vezes sub-diagnosticada e quando diagnosticada, sua magnitude é quase sempre subestimada (MUIR et al., 2001). Procedimentos cruentos realizados a campo, principalmente em grandes animais por muitos anos foram desprovidos de preocupação com a dor, desconsiderando qualquer protocolo anestésico ou em alguns casos até mesmo anestésicos. A dor nos animais em alguns casos era considerada desejável, principalmente no pós-operatório, pois acreditava-se que, o animal aceitaria de forma mais fácil os procedimentos pós-operatórios. Com o desenvolvimento da cirurgia experimental e da adoção de modelos animais em testes com drogas analgésicas, aliada a conscientizarão da importância no controle de estímulos dolorosos na recuperação pós-operatória e no bem-estar animal a preocupação com a dor nos animais é crescente. Daí a grande relevância de não mais apenas manter o paciente imóvel durante o procedimento nocivo, mas sim, garantir segurança, conforto. Nesse contexto, estudos buscando a utilização de técnicas que tornem a anestesia mais segura e aplicável são numerosos. O desenvolvimento de técnicas e a realização de associações farmacológicas que visam obter maior qualidade anestésica têm ganhado cada vez mais importância diante da crescente preocupação com o bem-estar animal. Na anestesia geral, o uso de fármacos anestésicos injetáveis para a indução e manutenção da anestesia, durante procedimentos cirúrgicos rápidos ou xi apenas na contenção dos animais é rotineiro. Os anestésicos injetáveis apresentam algumas vantagens frente aos inalatórios tradicionais, como a facilidade de administração, custo reduzido e inexistência de poluição ambiental nos centros cirúrgicos (SOUZA et al., 2002). Desde o final do século passado, a anestesia injetável se desenvolveu de forma célere, tanto na utilização de anestesia geral quanto a anestesia dissociativa em suas diversas associações (MASSONE, 2003). Quanto à anestesia dissociativa, desde a descoberta da cetamina na década de 60, alguns protocolos empregando a droga passaram a ocupar um lugar de destaque dentro da Medicina Veterinária. Utilizada em associações anestésicas, a droga promove desde sedação a estados de anestesia. Nos últimos anos, com a descoberta do potencial analgésico, a cetamina vem sendo bastante estudada no controle da hiperalgesia em pacientes cirúrgicos tanto em humanos quanto em animais. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo realizar uma revisão dos principais mecanismos de ação, efeitos farmacológicos desejáveis e indesejáveis e indicação clínica nas principais espécies domésticas dos anestésicos dissociativos, em especial a cetamina, por se tratar do principal representante do grupo farmacológico utilizado em medicina veterinária. 2. REVISÃO DE LITERATURA xii Dentre as variadas classes de fármacos anestésicos, destacam-se os agentes dissociativos, caracterizados por induzirem anestesia por interrupção do fluxo de informações para o córtex sensitivo, deprimindo seletivamente alguns centros cerebrais (BOOTH, 1992; THURMON et al., 1996). Os únicos representantes dessa classe de anestésicos que atualmente apresentam utilização clínica são a cetamina e a tiletamina, sendo a cetamina o principal representante do grupo (FANTONI et al., 1999). A cetamina é utilizada atualmente em alguns hospitais americanos e da Europa, de maneira seletiva, principalmente como agente com função analgésica pós-operatória, e em unidades de terapia intensiva. Estuda-se na atualidade aplicação de tais drogas no tratamento do estado epiléptico e depressão (WOLFF & WINSTOCK, 2006). Existe, no entanto, uma tendência de diminuição da utilização do fármaco em humanos, principalmente em crianças por produzir pesadelos e causar traumas psicológicos. Há indícios de que a administração de cetamina em humanos pode causar injurias físicas neurais, o que poderia explicar as manifestações psicóticas (FISCHER ET AL., 2000; ANDERSON, 2003; OLIVEIRA et al., 2004). Em Medicina Veterinária os agentes dissociativos são largamente utilizados, tanto para pequenos quanto para grandes animais. Sua aplicação vai desde a agente de indução em anestesia inalatória, xiii contenção química de indivíduos, ou em anestesia intravenosa total (AIT) para procedimentos cirúrgicos de curta duração (SOUZA et al., 2002). 2.1 Caracterização dos agentes dissociativos A cetamina é um derivado do cloridrato de fenciclidina (phencyclidine hydrochloride – PCP) (Figura 1), introduzida na prática clínica a partir da década de 1960 tendo como principal uso promover anestesia em humanos e animais. É referida na literatura como “anestésico dissociativo”, por promover perda sensorial marcante e analgesia, assim como amnésia e paralisia do movimento, sem perda real da consciência (THURMON et al., 1996; LUFT E MENDES, 2005). A tiletamina corresponde ao 2-etilamino 2-(2-tienil) ciclo-hexanona (Figura 1), com duração de ação maior, contudo apresentando sinais clínicos semelhantes em comparação ao uso da cetamina (LINDE-SIPMAN et al., 1992). Fenciclidina Cetamina Tiletamina Figura 1: Estrutura química das moléculas de fenciclina, cetamina e tiletamina, demonstrando a semelhança estrutural entre as drogas dissociativas. xiv 2.2. Mecanismo de ação Os efeitos anestésicos dos agentes dissociativos são produzidos por bloqueio dos estímulos sensitivos na região do tálamo, dissociando o córtex cerebral de maneira seletiva, interrompendo o fluxo de informações para o córtex sensitivo (Figura 2A) (VIANNA, 1980; CHRISMAN, 1985). O tálamo junto ao lobo parietal são as regiões do encéfalo responsáveis pelo processamento de informações sensitivas da dor, propriocepção e toque. A ação da cetamina requer dessa forma presença de córtex cerebral funcional sendo incapaz de induzir a anestesia onde haja lesão ou injúria de forma maciça do neocórtex (FANTONI et al., 1999). De maneira geral, os mecanismos de ação dos agentes dissociativos constituem-se em produzir uma relação de antagonismo não competitivo dos receptores do tipo N-metil-D-aspartato (NMDA) do SNC, envolvidos com a condução dos impulsos sensoriais espinhal; ação gabaérgica; bloqueio da recaptação das catecolaminas; agonismo dos receptores opióides na medula espinhal e antagonismo dos receptores muscarínicos do SNC (FANTONI, 1999; VALADÃO, 2002; SANTOS, 2003), (Figura 2B). xv 2.2.1. Receptores NMDA e cetamina O N-metil-D-aspartato (NMDA) é um receptor excitatóriodo sistema nervoso central (SNC), presente no corno dorsal da medula espinhal (PETRENKO et al., 2003; LUFT e MENDES, 2005). Para que ocorra a ativação desse receptor é necessário que haja uma ligação deste com o glutamato, levando a um desbloqueio dos seus canais com conseqüente entrada de cálcio e potássio e a saída de sódio, iniciando o potencial de ação (HEMELRIJCK et al., 1993). O glutamato é o mais abundante neurotransmisor excitatório do SNC, liberado pela geração de impulsos aferentes estando presente nos nervos periféricos, gânglios e axônios da raiz dorsal e células do corno posterior da medula espinhal, onde se ligam a receptores específicos, denominados de receptores glutamatérgicos 2A 2B Figura 1A: Em preto, estão demonstradas as estruturas do Sistema Nervoso Central diretamente envolvidas com o mecanismo de dissociação e depressão da cetamina; em vermelho as estruturas que não sofrem alterações diretas da ação da cetamina; em branco o sistema límbico, diretamente estimulado com a presença da droga. Estimulado. Figura 1B: Demonstração esquemática das vias nervosas alteradas pela ação da cetamina, promovendo um estado de dissociação do córtex sensitivo. xvi (Figura 3A) (PETRENKO et al., 2003; OLIVEIRA et al., 2004; LUFT e MENDES, 2005). Em condições fisiológicas, a ativação de receptores via glutamato, produz uma corrente pós-sináptica lenta (BRESSAN & PILOWSKY, 2003). Como a duração dos potenciais lentos é longa, ocorre acúmulo com estímulos repetitivos das fibras aferentes, produzindo despolarização pós-sináptica prolongada levando a um desbloqueio do canal com conseqüente entrada de cálcio, ativação do NMDA e conseqüente hiperalgesia (WOOLF & THOMPSON, 1991; CODERRE et al., 1993; GOZZANI, 1997; OLIVEIRA et al., 2004). Os agentes dissociativos são antagonistas não competitivos do receptor NMDA, diminuindo a hiperatividade de neurônios do corno dorsal da medula posterior à ativação prolongada de neurônios aferentes primários, inibindo o comportamento nociceptivo induzido por lesões nos tecidos periféricos ou nervos (CODERRE et al., 1993; DICKENSON, 1997). A cetamina atua no sítio de ligação do fenciclidina, presente no canal iônico do receptor NMDA (VASCONCELOS et al., 2005). Neste local, há dois pontos de ligação para a cetamina: um dentro do canal do receptor, que irá diminuir o tempo de abertura do canal e outro na porção hidrofóbica do receptor, que irá diminuir a freqüência de abertura do canal (OLIVEIRA et al., 2004). 2.2.2. Ação gabaérgica xvii O ácido gama aminobutírico (GABA) é o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central. Os receptores GABA estão amplamente distribuídos, e suas maiores concentrações encontram-se no córtex e estruturas límbicas: septo, hipocampo e formação reticular (CORTOPASSI e FANTONI, 2002). O GABA modula a atividade de vários neurotransmissores, como a dopamina e noradrenalina. A síntese do GABA inicia-se pela descarboxilação de seu precursor, o glutamato. A descarboxilação em GABA ocorre graças a ácido glutâmico descarboxilase, (GAD), enzima responsável pela reação de quebra (BORGBJERG & FRIGAST, 1997; ERRANDO et al., 1999). A ação da cetamina como agonista do GABA é controversa entre estudiosos. Alguns autores acreditam que a droga atua favorecendo a inibição do SNC (IRIFUNE et al, 2000; MON, 2005) enquanto que, para outros, parece não haver evidencia da ação da cetamina sobre as sinapses inibitórias mediadas pelo ácido gama aminobutírico (MON, 2005). Por muito tempo discutiu-se a ação da cetamina no neurônio pré- sináptico, como potencializadora da ação da GAD, aumentando conseqüentemente a síntese de GABA (IRIFUNE et al., 2000). No entanto, em estudo conduzido por IRIFUNE et al. (2000), avaliando a evidência de propriedade agonista da cetamina sobre os receptores GABA-A, um sub-tipo de receptor GABA, os autores conseguiram demonstrar que a ação da anestésica da xviii cetamina não está diretamente ligada a regiões pré-sinápticas e sim a atividade agonista gabaérgica pós-sináptica, envolvida com a sua ligação a determinados sítios no receptor GABA-A. 2.2.3. Recaptação de catecolaminas As catecolaminas são substâncias que possuem em sua estrutura química o núcleo catecol representadas pela dopamina, noradrenalina e adrenalina, encontradas em fibras nervosas pós-ganglionares e algumas regiões do cérebro em neurônios noradrenérgicos ou células cromafins da medula supra- renal (VITAL,1999; SPINOSA, 2002). Tais substâncias atuam como neurotransmissores autonômicos com ações simpatomiméticas. Após a liberação dos neurotransmissores estes devem ser rapidamente inativados pela degradação enzimática ou por processos de recaptação, evitando-se assim a ativação excessiva dos receptores (LEFKOWITZ et al., 1996; SPINOSA, 2002) A cetamina bloqueia o processo natural da dopamina e da noradrenalina, potencializando os efeitos dessas catecolaminas por bloquearem a recaptação desses neurotransmissores (STEWART, 1999),(Figura 3B). xix 2.2.4. Ação sobre receptores opióides Os opióides são medicações comumente utilizadas na prática clínica para o tratamento da dor em pacientes portadores de doenças agudas e crônicas. A analgesia produzida pelos opióides é quantitativa e qualitativamente diferenciada de acordo com a capacidade de cada fármaco em estimular receptores opióides específicos: mu, kappa, sigma, delta e épsilon. Os opióides produzem alívio seletivo da dor, sem afetar a consciência, desde que utilizados em dosagens adequadas. A analgesia é conseqüência da ação em diferentes níveis do sistema nervoso central (SNC) (RENÉ, 1999; ROCHA et al., 2004). A 3A 3B Figura 2: Em A, vermelho, representação esquemática da ação da cetamina sobre os receptores NMDA glutaminérgicos, inibindo sua ativação pelo glutamato. Em B esquema demonstrando a ação da cetamina sobre o mecanismo de recaptação das catecolaminas, no exemplo, a noradrenalina. FONTE: Adaptado de GOODMAN, 1991 e CAROBREZ, 2003 xx princípio, imaginava-se que os efeitos analgésicos promovidos pela cetamina fossem mediados por sua interação com receptores opióides, porém o uso de doses sub- anestésicas de cetamina e a não reversão da analgesia por naloxona, um antagonista opióide, tornaram improvável essa hipótese estando os efeitos analgésicos ligados principalmente a inibição dos receptores NMDA (OLIVEIRA et al., 2004). Alguns autores afirmaram ainda que, considerando a afinidade da cetamina para esse receptor ser 10 a 20 vezes menor do que a apresentada para receptores NMDA, sugere-se que a tal interação não apresente importância relevante (RAEDER & STENSET, 2000; LUFT e MENDES, 2005). Outros autores sugeriram que a respeito dos efeitos analgésicos promovidos pela droga, o mecanismo de ação estaria ligado à redução dos estímulos nociceptivos por ativação do receptor opióide, do tipo sigma, na medula espinhal (PARSONS et al.,1998; VALADÃO, 2002). 2.2.5. Antagonismo dos receptores muscarínicos do SNC Os receptores muscarínicos são encontrados principalmente nas células efetoras autônomas inervadas pelos neurônios parassimpáticos pós- ganglionares, estando presentes também no SNC (VITAL, 1999). Os receptores muscarínicos presentes no SNC são afetados pela cetamina sendo que, a afinidade da droga para tais é cerca de 10 a 20 vezes menor do que a xxi apresentada para receptores NMDA (RAEDER & STENSET, 2000). Os efeitos adversos comportamentais provocados pelo uso da cetamina podem estar relacionados à inibição da transmissãocolinérgica (DUVAL NETO, 2004; LUFT e MENDES, 2005) 2.3. Farmacologia A cetamina apresenta-se na forma do cloridrato de 2-[(0) clorofenil] - 2 metilaminociclo-hexanona, é uma ciclohexamina com pKa 7,5, solubiliza-se em água, resultando em solução transparente e inodora, altamente solúvel em lipídeos, sendo rapidamente absorvida após a administração intra-venosa, intramuscular, intranasal oral ou retal (STEWART, 1999). Apesar de poder ser administrada através de diversas vias, na prática clínica, as vias venosa e muscular são as mais usadas porque a concentração plasmática terapêutica é alcançada mais rápido em relação a outras vias. A biodisponibilidade desse agente é de 93% e sua meia-vida plasmática de 186 minutos (GRANT et al.,1981;SCHMID et al.,1999; OLIVEIRA et al., 2004). O metabolismo da droga é realizado no fígado pelas enzimas microssomais hepáticas (OLIVEIRA et al., 2004) e seu principal metabólito, a norcetamina (RAEDER & STENSETH, 2000) apresenta um terço a um quinto da potência da droga original podendo relacionar- xxii se com efeitos analgésicos prolongados. A norcetamina é hidroxilada e conjugada sendo excretada por via renal (OLIVEIRA et al., 2004; LUFT e MENDES, 2005). A cetamina está disponível como mistura racêmica associada aos conservantes cloreto de benzetônio e ao clorbutanol, ou como isomero S(+) cetamina purificado. A forma racêmica é constituída por dois isômeros da cetamina: dextro-rotatório S(+) e levo-rotatório R(-) (MUIR & RUBBEL, 1998; EVERS & CROWDER, 2001; VALADÃO, 2002; DUVAL NETO, 2004). A forma S(+), apresenta um maior potencial de anestesia e hipnose enquanto que seu racemato produz maior excitabilidade, sem, contudo influenciar de forma significativa o funcionamento cardíaco (MUIR & RUBBEL, 1998; VALADÃO, 2002). Além disso, em relação à capacidade de analgesia, a cetamina S(+) é considerada três a quatro vezes mais potente que o isômero (R- cetamina) para alívio da dor produzindo menos alterações psíquicas e agitação que as formas racêmica e dextro-rotatória (KOINIG et al., 2000; OLIVEIRA et al., 2004). PESS et al.(2003) comparando os efeitos analgésicos e sedativos da cetamina S(+) e da cetamina racêmica, em procedimentos de cateterização cardíaca em crianças e recém-nascidos, concluíram que a cetamina S(+) apresentou-se mais eficiente tanto em relação ao potencial de sedação quanto de analgesia em comparação ao seu racemato, demonstrando uma diminuição dos riscos de possíveis efeitos adversos conhecidos ao uso da droga. xxiii DUQUE et al (2004) em trabalho comparando os efeitos da analgesia preemptiva no tratamento de dor pós-incisional em cães por administração epidural de cetamina racêmica ou cetamina S (+), concluíram que apesar do conhecido efeito analgésico e anestésico superior da cetamina S (+) em relação à forma racêmica, quando administrada por via epidural o racemato apresentou-se superior a cetamina S (+) no tratamento da hiperalgesia pós- incisional em cães. 2.4. Efeitos farmacológicos da cetamina 2.4.1. Sistema Nervoso Central Os efeitos anestésicos clássicos são mais bem descritos como resultantes de depressão dose-dependente do sistema nervoso central (SNC) que determina o, assim denominado, estado dissociativo, caracterizado por profunda analgesia e amnésia, mas não necessariamente por perda da consciência (HEMELRIJCK & WHITE, 1997; REVES ET AL., 2000; LUFT E MENDES, 2005). O uso da cetamina leva a um aumento da pressão intracraniana, do metabolismo e do fluxo sangüíneo cerebrais (OLIVEIRA et al., 2004) com conseqüente aumento da pressão arterial sistêmica por aumento do metabolismo xxiv cerebral e dilatação direta das artérias cerebrais. Este efeito tem sido questionado porque os primeiros trabalhos publicados sobre o assunto, os experimentos foram realizados em pacientes com respiração espontânea, não considerando a ação do gás carbônico sobre os vasos sanguíneos cerebrais. Novos estudos avaliando os efeitos da cetamina sobre a pressão intracranial em pacientes ventilados mecanicamente não comprovaram alterações na hemodinâmica cerebral nem aumento da pressão intracranial (REBOSO & GONZALEZ, 1999; MON, 2005). Em relação ao efeito neuroprotetor da cetamina contra isquemia cerebral, os estudos são contraditórios. Em experimentos desenvolvidos em ratas, alguns autores defendem que a cetamina possui ação redutora no tamanho da área de infarto cerebral e melhora resultados neurológicos tanto em traumatismos como em isquemia cerebral transitória (REBOSO & GONZALEZ, 1999; MON, 2005). 2.4.2. Sistema cardiovascular Uma das principais diferenças da cetamina frente a outros anestésicos intravenosos é a capacidade de estimular o sistema cardiovascular (BORGBJERG & FRIGAST, 1997; ERRANDO et al., 1999), embora o mecanismo de estimulação ainda não esteja totalmente conhecido (MON, 2005). A cetamina xxv induz uma estimulação simpática, com aumento da freqüência cardíaca, debito cardíaco, trabalho e consumo de oxigênio pelo miocárdio, podendo haver efeitos mais leves ou até mesmo contrários com a administração de doses repetidas (REBOSO & GONZALEZ, 1999; MON, 2005). Entretanto, há evidências de que a cetamina possui um efeito inotrópico negativo direto no coração em altas concentrações. Estudos utilizando preparações in vitro de células de miocárdio canino demonstraram que altas concentrações de cetamina deprimem a contratilidade celular (RAEDER & STENSETH, 2000; REICH & SILVAY, 1989; CRUZ, 2003). Em estudo experimental, HIROTA et al., (1998) concluíram que os mecanismos de estimulação do coração estão relacionados aos efeitos sobre a membrana celular e não por atuação nos receptores β-adrenérgicos, nem pela liberação de catecolaminas endógenas (MON, 2005). Os receptores β- adrenérgicos estão presentes principalmente no coração, onde participam da contração do miocárdio, podendo ser ativados por catecolaminas circulantes, principalmente a adrenalina (VITAL, 1999). Em relação à ação e ao aumento de catecolaminas circulante resultante do uso de cetamina, os estudos são controversos. Alguns autores afirmam que durante a indução anestésica com cetamina, os valores de noradrenalina no plasma aumenta podendo duplicar-se em relação ao valor basal. Tal afirmação e embasada na capacidade que o fármaco possui de bloquear a recaptação de noradrenalina no sistema nervoso xxvi (COLLINS, 1996; HIROTA & LAMBERT, 1996; RAEDER & STENSETH, 2000; CRUZ, 2003). Outros autores consideram que além da capacidade de recaptação de catecolaminas os efeitos cardiovasculares devem-se a uma estimulação direta do sistema nervoso central (REBOSO & GONZALEZ, 1999; MON, 2005). No entanto existem autores que defendem que a cetamina não aumenta as concentrações plasmáticas de catecolaminas (HIROTA et al., 1998; MON, 2005). Em humanos, dependendo da via de administração da cetamina têm- se observado efeitos cardiovasculares distintos. A administração subaracnóidea de cetamina produz um efeito depressor sobre a pressão arterial e freqüência cardíaca, indicando um sitio de ação espinhal. A administração intracarotídea pode produzir um aumento significativo de tais parâmetros sugerindo um sitio de ligação cerebral (MON, 2005). Quanto às diferenças hemodinâmicas relacionadas ao uso de cetamina S (+) e cetamina racêmica, as alterações são equivalentes em estudos com humanos (MON, 2005). Em estudo avaliando as alterações eletrocardiográficas em cães submetidos à anestesia com cetamina S (+) ou cetamina, os autores concluíram que a cetamina S (+)apresenta efeitos similares a seu racemato na eletrofisiologia cardíaca e na função cardiopulmonar (SOUZA et al., 2002). 2.4.3. Sistema respiratório xxvii Durante a fase inicial de anestesia com cetamina ocorre uma ligeira depressão respiratória, semelhante à causada pelos opióides, sugerindo que essa alteração pode ser mediada pelos receptores opióides. A depressão respiratória pode aumentar a concentração arterial de dióxido de carbono em alguns pacientes (VALADÃO, 2002). A cetamina mantém o tônus muscular esquelético e do diafragma, não havendo, portanto alterações significativas na dinâmica respiratória. A droga promove relaxamento do músculo liso bronquial (REICH & SILVAY, 1989; CRUZ, 2003). Os reflexos tussígenos e de deglutição são mantidos com o uso de cetamina, não diminuindo, portanto o risco de aspiração pulmonar. Recomenda- se sempre uma monitoração cuidadosa da via aérea, procedendo a intubação traqueal sempre que possível (MON, 2005). 2.4.4. Outros efeitos A administração de cetamina aumenta a secreção salivar, bronquial e lacrimal (REBOSO & GONZALEZ, 1999; MON, 2005), decorrentes do efeito antimuscarínico e aumento do efeito simpatomimético, mediado centralmente. Entretanto, com o aumento dos efeitos simpáticos, a secreção salivar deveria ser xxviii inibida e não estimulada. Acredita-se que o aumento da secreção salivar ocorra devido à estimulação dos centros corticais com a geração de impulsos aferentes aos núcleos salivares superiores (VALADÃO, 2002). Com o aumento na produção das secreções e com a manutenção dos movimentos laríngeos e de deglutição, a aspiração indesejada torna-se uma preocupação eminente (CRUZ, 2003). Outras alterações relacionadas à exacerbação dos efeitos simpáticos também são citadas como midríase e centralização do globo ocular ( FANTONI, 2002). Em relação aos efeitos convulsivantes provocados pelo uso da cetamina a literatura é bastante controversa. Já demonstraram-se que a cetamina possui tanto efeitos convulsivantes como anticonvulsivantes, dependendo da dose, da espécie e principalmente da condição do paciente (VALADÃO, 2002). IRIFUNE et al. (2000), demonstraram que a cetamina inibe as convulsões por intermédio da ação neurotransmissora de inibição do GABA. Em animais portadores de epilepsia diversos trabalhos mostraram que a cetamina não aumenta a incidência de convulsões (FANTONI et al., 1999). Em trabalho avaliando os efeitos comportamentais entre benzodiazepínicos e cetamina em camundongos, observaram-se que a cetamina apresentou atividade anticonvulsivante no controle de ataques convulsivos provocados experimentalmente (FIDECKA & PIROGOWICZ, 2002). Em humanos a cetamina pode produzir reações psicológicas indesejáveis, geralmente no período de recuperação anestésica. As xxix manifestações mais comuns são delírios, alucinações, sensação de flutuação e em alguns casos sensações descritas como experiências extracorpóreas (MON, 2005). A grande quantidade de reações adversas contribuiu como fator limitante na indicação clínica médica como agente anestésico. Por outro lado, as posturas bizarras incentivaram o uso recreativo do fármaco por usuários de drogas (GAHLINGER, 2004). Atualmente, a cetamina é consumida principalmente por jovens com objetivo de promover excitação em festas e casas de prostituição, promovendo reações alucinógenas dose-dependente (WOLFF & WINSTOCK, 2006). Em cães, a cetamina pode produzir hipertonia muscular, recuperação com delírios e convulsões (BRONDANI et al., 2003). Acrescente-se ainda que o uso isolado de cetamina nesta espécie pode desencadear movimentos involuntários não estando associada com dor. Em gatos com o uso isolado da droga relata-se aumento da temperatura retal e salivação profusa (VALADÃO, 2002). Diante dos efeitos excitatórios e indesejáveis provocados pelo uso da cetamina, esta não deve ser aplicada como agente anestésico isolado, sugerindo-se uma associação com outros produtos que antagonizem suas propriedades estimulantes simpáticos (THURMON, 1996; HATSHABACH, 2005). xxx 2.5. Principais associações Várias associações medicamentosas são amplamente utilizadas na rotina cirúrgica veterinária e tidas sob o ponto de vista prático como eficientes. Contudo, estas associações mostram-se muitas vezes incapazes de inferir analgesia necessária para o procedimento operatório (DUPRAS et al., 2001, CORTOPASSI & FANTONI, 2002). Os principais efeitos esperados pela associação com outros agentes estão relacionados aos respectivos grupos farmacológicos descritos no Quadro 1: Quadro 1: Descrição dos grupos farmacológicos, efeitos esperados e principais fármacos utilizados em associações anestésicas com cetamina Grupo Farmacológico Efeito esperado com associação Fármacos α2-agonistas Bradicardia, miorrelaxamento, analgesia Xilazina Detomidina Romifidina Medetomidina Benzodiazepínicos Estabilidade circulatória, hipnose e miorrelaxamento Diazepam Midazolam Zolazepan Fenotiazínicos Hipotensão e tranqüilização Acepromazina Clorpromazina Levopromazina Opióides Hipotensão, sedação e analgesia Morfina Meperidina Butorfanol Buprenorfina Tramadol Anticolinérgicos Anti-sialagogo Atropina Escopolamina xxxi Glicopirrulato Baseado em CORTOPASSI e FANTONI (2002) e VALADÃO (2002). Em humanos os efeitos adversos da cetamina podem ser limitados pela associação com benzodiazepínicos e/ou drogas antieméticas no período pré- operatório (LAUNO et.al, 2004). Em adultos têm-se realizado associações cetamina-opióides no intuito de prevenir o desenvolvimento de tolerância aos opióides (KISSIN et al., 2000; WOLFF & WINSTOCK, 2006). A associação anestésica cetamina - xilazina, consagra-se na rotina clínica e cirúrgica veterinária devido à facilidade com a qual é comercializada, associada ao fato da praticidade de seu uso (MASSONE, 2003). Porém, nas associações convencionais, normalmente são empregadas elevadas doses de xilazina, cujos efeitos cardiovasculares nem sempre são contrabalançados pela ação simpatomimética da cetamina. O cuidado em diminuir a dose de xilazina é especialmente importante nos animais idosos, gestantes e cardiopatas (CORTOPASSI & CONTI, 2002). A associação acepromazina, midazolam e cetamina é rotineiramente empregada em cães e gatos para procedimentos de indução anestésica, ou para procedimentos de curta duração (FANTONI et al., 1999). Em estudo realizado avaliando a indução e recuperação anestésica em cães submetidos a anestesias em associação de cetamina S (+) e diazepam ou cetamina S (+) e midazolam, os autores concluíram ambas associações podem xxxii ser satisfatoriamente utilizadas em induções anestésicas (RIVIERA e PIRES, 2002). Os anticolinérgicos são recomendados em associação com cetamina no sentido de evitar a produção excessiva de saliva e/ou quando associa-se também fármacos parassimpatomiméticos como os α2-agonistas, como por exemplo a xilazina (MASSONE, 2002). É conveniente lembrar que o uso combinado de cetamina, atropina e xilazina pode levar a uma situação em que a freqüência cardíaca está aumentada, podendo ocorrer um aumento do trabalho cardíaco, acarretando maior demanda de oxigênio, diminuição do volume de ejeção, resultando em redução do débito cardíaco e, conseqüentemente redução da perfusão coronária (PARSONS et al., 1998). LINDE-SIPMAN et.al. (1992), relataram lesões de isquemia, degeneração e necrose de miocárdio em gatos que morreram após serem submetidos à anestesia com cetaminae associações com atropina, acepromazina e xilazina. Em eqüinos a cetamina pode ser utilizada em uma série de associações que envolvem emprego de fenotiazínicos, éter-gliceril-guaiacol (EGG), α2-agonistas ou benzodiazepínicos, principalmente o diazepam (FANTONI et al., 1999; CRUZ, 2003). A utilização de benzodiazepínicos em associação com cetamina na indução anestésica de eqüinos possibilita uma maior facilidade na intubação traqueal (HOFMEISTER, 2003). xxxiii Em estudo comparando os efeitos de indução e recuperação anestésica em cavalos submetidos à anestesia total intravenosa com associações de cetamina-romifidina-midazolam e tiletamina-romifidina-zolazepam, os autores concluíram que a primeira associação mostrou-se mais eficiente e apresentou uma recuperação anestésica de maior qualidade (BOLTS et al, 2002). 2.6. Indicações clínicas Devido a grande quantidade de efeitos colaterais e psicológicos provocados pela cetamina a utilização do fármaco em Medicina Humana ficou restrita a alguns centros. Estudos recentes relacionados com os mecanismos de ação, aos seus efeitos neuronais e principalmente analgésicos motivaram sua reavaliação e ampliação de seu uso na atualidade (LUFT e MENDES, 2005). A cetamina é indicada como droga de escolha em situações específicas como em procedimentos de sedação de pacientes pediátricos, analgesia profunda em pacientes com queimaduras graves, pacientes com distúrbios respiratórios e cardiovasculares, com exceção de cardiomiopatias isquêmicas (CRUZ, 2003; OLIVEIRA et al., 2004; SCNAIDER et al., 2005). Além de todas as indicações clínicas já citadas, o emprego da cetamina com objetivo de promover analgesia em graus variados em pacientes xxxiv cirurgicos é o principal assunto pesquisado na atualidade (LUFT e MENDES, 2005). A cetamina tem sido testada em animais e voluntários humanos através de diferentes métodos (OLIVEIRA et al., 2004). A associação da droga com opióides, administrados por via epidural, tem diminuído consideravelmente a necessidade de reaplicações de opióides tanto no período trans-operatório quanto no controle da dor pós-operatória em toracotomias e prostectomias radicais, por exemplo, (OZYALCIN et al., 2004; SNYDELAAR et al., 2004; LUFT e MENDES, 2005). Em cães e gatos o uso dos dissociativos é clinicamente indicado para intervenções cirúrgicas de pequena duração, pouco cruentas e associada principalmente aos benzodiazepínicos (ILKIW et al., 1996). LUNA et al., (2000), em trabalho avaliando a qualidade anestésica de associações entre romifidina ou xilazina, fármacos α-2 agonistas, com cetamina em cadelas pré-medicadas com levomepromazine, fármaco fenotiazínico, concluíram que apesar dos protocolos testados terem produzido alterações cardiorrespiratórias pouco significantes, não propiciaram uma qualidade anestésica satisfatória para procedimentos como ovariosalpingehisterectomia. Em suínos a cetamina é indicada para procedimentos cirúrgicos pequenos, contenção química para procedimentos diagnósticos e também no desenvolvimento de pesquisas em procedimentos experimentais (LIN, 1993; SCHNOOR et al., 2005). xxxv Em bovinos a anestesia dissociativa é de menor emprego se comparada à utilização de outras técnicas. Recomenda-se sempre aplicar o fármaco dissociativo após uma tranqüilização. Acrescente-se que a indicação do uso de cetamina em bovinos deve-se restringir a intervenções cirúrgicas rápidas e que não envolvam manipulações cruentas de abdome e tórax (MASSONE, 2002). A cetamina pode ser associada a xilazina e/ou EGG (PICAVET et al, 2004). Como desvantagem, a utilização envolvendo associações com cetamina, apresenta um custo operacional oneroso, devido a grande quantidade de anestésico aplicada, se comparada a outras técnicas anestésicas já consagradas (MASSONE, 2002). Em eqüinos a utilização de cetamina pode ser dividida em duas situações: derrubamento e indução anestésica e anestesia intravenosa total (AIT). A indução anestésica com cetamina é indicada tanto em procedimentos com anestesia inalatória como em AIT. Normalmente o animal é pré-medicado com xilazina ou acepromazina e em seguida recebe uma aplicação em bolus de cetamina associada ou não com um benzodiazepínico (CRUZ, 2003). Em algumas situações onde não é possível encaminhar o paciente à um centro cirúrgico, torna-se necessário a utilização de técnicas anestésicas que sejam eficientes e apresentem o mínimo de riscos em condições à campo. A anestesia dissociativa representa atualmente uma das técnicas mais vantajosas em se tratando de pequenas intervenções cirúrgicas (MASSONE, 2002). A xxxvi associação de cetamina na AIT é uma das poucas alternativas de anestesia de eqüinos à campo, com custo razoável e com um mínimo risco, levando em consideração á restrição à cirurgias maiores como as laparotomias ou intervenções que durem mais de 60 minutos. A AIT é facilmente aplicada e geralmente estão associados num mesmo frasco EGG, um α- 2 agonista (xilazina ou romifidina) e cetamina. Vários estudos têm relatado que as alterações cardiovasculares e endócrinas associadas a AIT são aceitáveis na pratica clinica e podem ser menos nocivas que o halotano (STANWAY, 2001; CRUZ, 2003). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A cetamina, apesar de algumas limitações de uso ainda é bastante utilizada em Medicina Veterinária como droga anestésica, principalmente em centros menos desenvolvidos e em protocolos anestésicos em grandes animais. Em procedimentos anestésicos com grandes animais, o uso de cetamina como agente indutor e/ou como componente anestésico de manutenção xxxvii é uma das poucas alternativas à campo, com custo razoável e com um mínimo risco, levando em consideração á restrição à cirurgias mais complexas. Com a descoberta das propriedades analgésicas da cetamina e a purificação dos seus isômeros propiciaram um novo avanço no estudo da droga, tornando-a uma alternativa no controle da dor pós-cirúrgica em casos específicos e em doses sub-anestésias, tanto em humanos quanto em animais. Diante da presença de efeitos farmacológicos indesejáveis ao uso isolado dos agentes dissociativos, recomenda-se sempre associações com outros fármacos, com intuito de minimizar as alterações deletérias ao paciente. A escolha por protocolos anestésicos envolvendo fármacos dissociativos deve ser embasada nas indicações clinicas, nas condições do paciente a ser submetido a anestesia, ao tipo de associação e ao grau de analgesia que deverá ser obtido no procedimento cirúrgico, visando promover o mínimo de alterações possíveis ao paciente respeitando as questões éticas e do bem-estar-animal. xxxviii REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, A.J.A. História da anestesia. In: FANTONI, D.T.; CORTOPASSI, S. R. G. Anestesia em cães e gatos. 1. ed. São Paulo: Roca, 2002. cap.1, p. 3-8. ANDERSON C. The bad news isn't in: a look at evidence for specific mechanisms of dissociative-induced brain damage and cognitive impairment. Erowid.org,2003.Disponívelem: http://www.erowid.org/chemicals/dxm/dxm_health2.shtml. Acesso em 20 ago. 2006. BOOTH, N.H. Anestésicos intravenosos e outros parenterais. In: BOOTH, N. H.; McDONALD, L.E. Farmacologia e terapêutica em veterinária. 6 ed. 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