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Comparação do termo Justiça entre Aristóteles e Platão

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Problema da especificação do conceito Justiça
Contexto Literário
Platão
O livro I de A República de Platão caracteriza-se pela aporia – não se chega a nenhuma conclusão final do conceito de justiça. O diálogo é especificamente aporético, à vista disso, é um conjunto de tentativas de formular definições das virtudes sem, no entanto, o conseguir (Platão usa a voz de Sócrates e a sua técnica de refutação para demonstrar a sua exiguidade).[1: A República, Platão, Fundação Calouste Gulbekian, 12ª Edição, Introdução e Notas Maria Helena da Rocha Pereira; doravante A república M.H. ][2: Carlos Ceia: s.v. “aporia”, E-Dicionário de Termos Literários (EDTL), coord. De Carlos Ceia, < http://edtl.fcsh.unl.pt/>, consultado em 08-12-17: do grego “caminho inexpugnável, sem saída” e/ou “dificuldade”.]
A conversa situa-se em casa de Polemarco, no Pireu, sem data oficial definida tanto dramaticamente como em termos históricos.
Aristóteles
Não há datas exatas da publicação da Ética a Nicómaco, mas sabe-se que é anterior a Magna Moralia e posterior a Ética a Eudemo.[3: Ética a Nicómaco, Aristóteles, Quetzal, 5ª Edição, Tradução, Prefácio e Notas de António Caeiro; doravante Ética a Nicómaco A.C.]
O livro V foca-se numa das formas de excelência da ética – a Justiça.
Contexto Linguístico
A palavra Justiça é polissémica e ambígua. Envolve todo um conjunto de sentidos e significados que se expressam no plano ontológico que, consequentemente, envolve subjetividade e objetividade.
No seu étimo, Justiça e Injustiça, provém originalmente do Grego dik, uma aceção de algo que nos indica um caminho, que nos aponta numa direção. Justiça no sentido positivo, para o equilíbrio e a ordem e a injustiça no sentido negativo, para o desequilíbrio e a desordem. Por sua vez, justitia em Latim advém de ivs (Direito) contida no plano jurídico. Justiça será então o que é legal, o respeitar as leis e injustiça será justamente o contrário – infringir e desrespeitar as leis.
Conceito de Justiça em Aristóteles
Justiça/Injustiça Na Forma Geral
Distinção entre Justiça e Injustiça
Aristóteles entende a Justiça e a injustiça como uma “disposição de caráter”. A dificuldade entre distinguir estes dois termos advém de que a justiça e a injustiça têm a quantidade de interpretações por igual completamente opostas, mas não diferentes em si. O que resulta em ambiguidade, pois todas as suas aceções estão estreitamente interligadas.[4: Ética a Nicómaco A.C., V. 1129a24: «Segue-se assim o mais das que, que se um dos extremos opostos for entendido em várias acepções, também o outro extremo será entendido segundo essa mesma diversidade de acepções. (…) O termo justiça é, assim, entendido de acordo com tantos sentidos quanto os que o tiver o termo “injustiça”, quer dizer que ambos admitem uma enorme equivocidade.»]
A justiça é então a virtude total, completa, mas não de forma absoluta, pois implica relação com outrem. Desse modo, disposição justa é a reverência e acatamento da lei e o respeito pela igualdade. A injustiça é a forma mais completa de perversão na sua totalidade. Com tal caraterística, a disposição injusta é então a violação das leis e a iniquidade.[5: Ética a Nicómaco A.C., V. 1130a12: «Elas são, enquanto disposições de um mesmo género, idênticas, mas diferentes no modo de se manifestarem. A justiça manifesta-se como disposição relativamente a outrem; a excelência, manifesta-se, como uma certa disposição, de forma absoluta»]
Na componente da ação
Sendo então disposições de caráter, dentro da ação do homem, vai haver uma propensão ética ao agir e à própria determinação do caráter do homem. Assinala-se então a conceção de justiça não como como uma qualidade da atitude ontológica, mas como um modo de ser enquanto ser ôntico.
A justiça é um elemento que envolve, necessariamente, não só o próprio, mas também uma relação com outrem. Assim, uma ação justa é a ação que visa o melhor para o outro, independentemente do estatuto do mesmo. A ação injusta é uma ação que tanto tem repercussões negativas para o próprio como para os outros. A ação tem em si um motivo, uma essência. Aristóteles refere a ânsia, o desejo que no seu uso, seja justa ou injusta, vai depender do uso da excelência ou da perversão perante o próprio indivíduo e na sua relação para com o mundo e outros.[6: «E é por esse motivo que parece estar correto o dito de Bias, segundo o qual “o cargo público revela aquilo de que um homem é capaz”, porque no desempenho da sua função já se está em relação com outrem em comunidade» em Ética a Nicómaco A.C., V. 1130a2. Aristóteles assinala que o estatuto e cargo ocupados pelo indivíduo perante aqueles a quem serve (a comunidade e os outros) demonstra o seu caráter no seu uso efetivo.]
“Só pratica injustiça quem age assim voluntariamente”[7: Ética a Nicómaco A.C., V. 1135a16]
Em ordem de praticar justiça/injusta é necessário a voluntariedade do ato para que este possa efetivamente vir a ser um ato justo/injusto e devidamente louvar/repreender. Considera-se uma ação involuntária todo o agir que tenha por base a total ignorância dos agentes que constituem a ação, um acidente ou uma coação.[8: O termo voluntário neste sentido é definido como: «aquele acto que depende de nós e que é praticado em plena consciência» em Ética a Nicómaco A.C., V. 1135a24.]
Da ação voluntária distingue-se os atos com decisão prévia ou sem decisão antecedente. Daí advém a diferenciação entre fazer um ato justo/injusto ou ser injusto/justo. A espontaneidade do ato revela que o motivo não tem como cerne a maldade, pois não têm a premeditação. Enquanto que se um ato injusto (por exemplo) é resultante de uma decisão prévia é que o agente pode ser denominado de injusto/perverso. 
Justiça/Injustiça Na Forma Particular
Aristóteles reconhece então a existência de determinações específicas para a perversão/excelência em geral. Cada caso é um caso. E como tal, existem certas formas particulares de justiça e injustiça em geral.[9: Ética a Nicómaco A.C., V 1130a35: «Há uma certa forma de injustiça que é particular, diferente daquela forma de injustiça em geral. O termo é equívoco uma vez que a definição enraíza num mesmo género»]
“…praticar a injustiça não tem o mesmo sentido, consoante for tomado na sua acepção particular ou na geral. Na primeira acepção, é como a parte de um todo. Na segunda, é o próprio todo.”[10: Ética a Nicómaco A.C., V. ]
Iremos então estudar e explicitar estes modos particulares de justiça, que serão distintos pela sua aplicação, disposição e componente na ação.
Justiça Distributiva
A justiça distributiva vai julgar conforme o princípio de proporcionalidade entre quatro termos: a relação de igualdade entre os duas partes partilhadas e a relação de igualdade entre duas pessoas. 
“Em primeiro lugar, enquanto meio, encontra-se entre dois extremos (a saber, entre o mais e o menos); segundo, enquanto igual, é igual entre duas partes; por fim, enquanto justo, é justo para certas pessoas.”[11: Ética a Nicómaco A.C., V. 1131a18]
A proporcionalidade baseia-se no critério de mérito (extremamente ambíguo), pois implica que tanto as partes partilhadas como as pessoas cheguem a um princípio de distribuição. Portanto, necessita que os termos sejam distribuídos por uma proporção geométrica – neste sentido será que todos os termos tenham em si uma igual (um meio) distribuição. A injustiça no princípio de distribuição será então a violação desta proporção em que um dos termos tenha a mais ou a menos e não um meio entre eles.[12: Ética a Nicómaco A.C., V. 1131a30 – Definição de proporção: «A proporção não existe apenas como relação peculiar entre a unidade numérica [formal], mas é própria da quantidade numérica em geral. Isto é, a proporção é uma equação entre relações e implica pelo menos quatro termos»]
Este tipo de justiça manifesta-se na distribuição de todas as coisas que devem ser divididas entre os cidadãos de uma polis.
Justiça Corretiva
Outro tipo de justiça é a que visa uma perspetiva corretiva nas relações entreas pessoas numa proporção aritmética. Aqui a lei não vai interessar no tipo de dano, nem no estatuto da pessoa, mas sim procurar um meio entre os extremos: o mais e o menos, o ganho e a perda, ou melhor, vai observar o princípio de igualdade. Do qual segue que o juiz é o “mediador” que irá repor a igualdade entre as duas partes.
Subdivide-se em relações voluntárias, em que o motivo é livro e requer o consentimento de ambas as partes (vendas, rendas, depósitos, etc…) e em relações involuntárias, que por vezes são feitas às “escondidas” e não envolvem o consentimento de ambas as partes (roubo, assassínio, envenenamento, etc…).
Justiça Política
A justiça política tem como função:
“…a auto-suficiência das comunidades entre homens livres e iguais que se associaram numa existência comum, sendo uma tal igualdade por analogia ou aritmética.”[13: Ética a Nicómaco A.C., V. 1134a28]
Necessariamente este tipo de justiça envolve a regulamentação da vivência comum em leis que sustentam uma organização de vivência em sociedade de igualdade entre si. Daí não ser um só homem a governar (seria tirania), mas sim a lei. 
Como tal esta justiça tem duas maneiras de ser: a justiça natural que «tem a mesma validade em toda a parte e ninguém está em condições de a aceitar ou rejeitar», adapta-se a todos os elementos da natureza e é determinado por natureza; e a justiça convencional que é determinada por conveniência e convenção e «é indiferente se no princípio admite modos de formulação, mas uma vez estabelecida o seu conteúdo não é indiferente, (…) e, em geral, com tudo o quanto respeita a legislação de casos particulares, (…) e finalmente com tudo que tem a natureza de decreto». Ambas estão sujeitas a alterações e à admissão de determinações.[14: Ética a Nicómaco A.C., V. 1134b19][15: Ética a Nicómaco A.C., V. de 1134b21 a 1134b25.]
Equidade enquanto Justiça
Tanto equidade como justiça são dois sentidos idênticos, mas não absolutamente iguais. Assim, de acordo com Aristóteles o equitativo é o justo, mas não segundo a lei. 
“…embora toda a lei seja universal, haver, contudo, casos a respeito dos quais não é possível enunciar de modo correcto um princípio universal.”[16: Ética a Nicómaco A.C., V. 1137b13]
A equidade tem então uma função retificadora da justiça legal, ou seja, proporcionar uma correção à lei vigente por esta ou ser demasiado restrita ou pela própria matéria a ser resolvida (as ações humanas). Desse modo, cabe ao juiz exprimir o que o legislador teria dito perante o caso.
Conceito de Justiça em Platão
Tipos de discurso
É na República que Platão vai tentar definir sistematicamente a Justiça. É através do diálogo platónico que haverá uma disputa verbal sobre as questões semânticas da justiça. Assim, o diálogo inicialmente simples, progressivamente, torna-se mais complexo. Existem quatro tipos de discurso a Dialética, a Refutação, a Antilógica e a Erística, porém no livro I concentra-se principalmente a Dialética com recurso à retórica clássica (arte do bem falar), mas também a refutação e a erística. Ferramentas como a epagoge, do grego epagoge traduz raciocínio indutivo, o silogismo, a maiêutica e a ironia são comuns no primeiro livro de A República.
A Dialética provém do termo dialexometha, depois transmutada para dialegesthai (dialética ou dialogar). No modelo socrático-platónico é a técnica usada por Sócrates que desenvolve perguntas e respostas, fazendo com que avance com a definição dos termos. [17: De acordo com o dicionário CHS Greece (Centros para Estudos Helénicos) da Universidade de Harvard significa “iremos conversar” ou “conversaremos” (como está traduzido em 338a9 em A República M.H.).][18: Temos um exemplo do uso da retórica clássica a partir de 335b7 em A República M.H]
Definições de Justiça, por figura/personagem
Primeira definição - Céfalo
Assim sendo a primeira definição de Justiça é a de Céfalo que se apresenta e uma figura grandeva e coroado (com a finalidade de executar o sacrifício), pai de Lísias e Eutidemo (permanecem mudos) e de Polemarco o seu filho mais velho que “herda” a discussão. Céfalo introduz a discussão, após falar dos problemas da velhice, numa noção de quem é experiente e simples:
“Não ludibriar ninguém nem mentir, mesmo involuntariamente, nem ficar a dever, sejam sacrifícios aos deuses, seja dinheiro a um homem, e depois partir para o além sem temer nada”[19: A república M.H, I. 331b2 – 331b5.]
Tem um conteúdo ligado à ética e moral e claramente traduz o modo de vida do ateniense. Por conseguinte ser justo é não dever nem faltar aos outros, não mentir nem enganar e não usurpar nem tirar o que pertence ao outro. 
Sócrates simplifica esta definição de justiça:
“dizer a verdade e restituir aquilo que se tomou”[20: A república M.H, I. 331d2]
Ao refutar, inutiliza esta definição questionável de justiça com um exemplo e por forças maiores (o sacrifício) Céfalo retira-se. O exemplo evidencia que o justo não se trata apenas de dar e receber por igual, algo meramente para os objetos, riquezas e bens de cada um. O ser justo implica um ato de bem para com o outro (um ato pessoal) e não só para com os seus pertences.[21: «Se alguém recebesse armas de um amigo em perfeito juízo, e este, tomado pela loucura, lhas reclamasse, toda a gente diria que não se lhe deviam entregar, e que não seria justo restituir-lhas, nem tão-pouco consentir em dizer toda a verdade a um homem nesse estado.», A república M.H, I. 331c6-11.]
Segunda definição - Polemarco
Polemarco apropria-se da definição do pai e introduz-se na conversa dando uma definição tradicional de justiça que a Grécia Antiga tomava como a educação dos poetas antigos. Tanto que esta conceção é atribuída ao poeta grego Simónides.
“é justo restituir a cada um o que se lhe deve”[22: A república M.H, I. 331e4]
Esta afirmação faz jus ao que o Céfalo declarou, porém numa análise mais restrita feita por Sócrates, Polemarco diz envolvendo as qualidades de amizade e inimizade:
– E a arte a que chamam da justiça, a que é que dá o que é devido o que é devido?
– (…), dá ajuda aos amigos e prejuízo aos inimigos.[23: A república M.H, I. 332d4]
Esta definição inclina-se do estatuto tradicional para polémica. Este tipo de utilidade da justiça implica que não estamos mais a definir um conceito universal, mas um conceito com vista à sua praticidade, ou seja, de forma a torná-la uma técnica. Conquanto, este tipo de justiça requer um âmbito pessoal com vista a prejudicar quem é mau/inimigo e a ajudar quem é bom/amigo. Mais uma vez Sócrates refuta afirmando que fazer mal seja a quem for é ser injusto e, por conseguinte, é ser-se injusto e praticar a injustiça. Enquanto que fazer o bem é ser justo e, assim, é ser-se justo e praticar a justiça. Concluí que o ser justo é praticado por sê-lo e não em vista a quem é direcionada, pois a utilidade da justiça perde a sua essência/certeza se existir a possibilidade de que o indivíduo mude o conceito do justo de amigo para inimigo.
Terceira definição – Trasímaco
Trasímaco de Calcedónia conhecido por ter sido em conjunto com Górgias o criador da prosa artística em ático vai entrar na conversa “como uma fera”, contestando o método de Sócrates. Trasímaco é sofista – vende a as suas definições e o saber – é o avô do realismo político moderno e o campeão do sofrimento. Vai tentar “desmascarar” a ação maiêutica de Sócrates e através de um ataque frontal acusá-lo mesmo de “fugir” ao confronto direto. Estes são traços da dialética sofista competitiva que ataca pessoalmente Sócrates. Por sua vez a dialética socrática tem em vista a colaboração. [24: A república M.H, I. 336b6][25: «Mas, além de aprender, terás de pagar também em dinheiro.» situa-se em A república M.H, I. 337d7. Platão critica os sofistas em várias obras por esta característica – o ensino apenas pela remuneração. Platão apresenta várias passagens em que critica e exemplifica a ganância dos sofistas: Apologia de Sócrates 19e-20a; Górgias 519c; Hípias Maior 282b-e; Laques 186c; Crátilo 348b, 391b-c.][26:«Não tens vergonha nenhuma, Sócrates, e interpretas as coisas de maneira a desvirtuares o meu argumento» em A república M.H, I. 338d3. Está aqui presente a falácia do AD Hominem, em que Trasímaco insulta Sócrates em ordem de não refutar o argumento irónico (mais à frente analisarei).]
Diz então Trasímaco:
“Afirmo que a justiça não é outra coisa senão a conveniência do mais forte.”[27: A república M.H, I. 338c1]
Sócrates recorre à ironia, do grego eironeia, na sua primeira refutação a este argumento. Da ironia alcança a simulação (do grego elenchos) da sua ignorância de forma a requerer uma especificação do conceito. Trasímaco reformula a sua conceção, inserindo-nos numa dimensão institucional:[28: Através de um exemplo que recorre à ironia: «se Polidamas, o lutador Pancrácio, que é mais forte que nós, se a ele lhe convém, para o seu físico, comer carne de vaca, tal alimento será também para nós, que lhe somos inferiores, conveniente e justo ao mesmo tempo.» em A república M.H, I. 338c8-338d2. Neste ponto encontra-se primeira analogia do discurso que Sócrates irá usar para refutar este fundamento. É através da análise das analogias usadas por Trasímaco que Sócrates vai contestar a sua ideia de justiça, refutando essas analogias ao introduzir novas analogias.]
“Certamente que cada governo estabelece as leis de acordo com a sua conveniência: a democracia, leis democráticas; a monarquia, monárquicas; e os outros, da mesma maneira. Uma vez promulgadas essas leis, fazem saber que é justo para os governos aquilo que lhes convém, e castigam os transgressores, a titulo de que violaram a lei e cometeram uma injustiça. Aqui tens, meu excelente amigo, aquilo que eu quero dizer, ao afirmar que há um só modelo de justiça em todos os estados – o que convém aos poderes constituídos. Ora estes é que têm a força. De onde resulta, quem pensar corretamente, que a justiça é a mesma em toda a parte: a conveniência do mais forte.”[29: A república M.H, I. 338e1-339a5]
Semelhante ao silogismo erístico de Aristóteles, segue-se as seguintes premissas e a respetiva conclusão:
Premissa: Cada governo estabelece as leis conforme o que lhe convém.
Premissa: Promulgadas essas leis para os governados, segui-las será justiça e, necessariamente, a transgressão das mesmas equivale a injustiça.
Premissa: Por estabelecerem as leis são os mais fortes.
Conclusão: Logo, a lei é o que convém ao mais forte.
Assim, claramente, Trasímaco conceptualiza a justiça como algo do governante por este fazer o melhor para si mesmo. Ao qual Sócrates contrapõe, levando ao extremo o ideal da arte (neste caso de governar): um governador governa para o bem dos seus súbditos, tal como um médico vela pela cura do seu paciente – a justiça como techne (arte). O conceito de justiça de Trasímaco vê-se totalmente revirado.[30: A república M.H, I. 342b4-8: «Nenhuma arte possui imperfeição ou falha alguma, nem cabe a uma arte examinar o que é útil, senão aquilo de que é arte. Ao passo que cada arte, se o for de verdade, é incorruptível e pura; enquanto que, tomada no seu sentido exato, é inteiramente o que é.» Conclui Sócrates relativamente a todas as artes: seja um médico em que a arte é a medicina, seja o piloto em que a arte de pilotar, seja um governador em que a arte é governar.][31: A república M.H, I. 342e; 346e: «(…)nenhum chefe, em qualquer lugar de comando, na medida em que é chefe, examina ou prescreve o que é vantajoso a ele mesmo, mas o que o é para o seu subordinado, para o qual exerce a sua profissão, e é tendo esse homem em atenção, e o que lhe é vantajoso e conveniente, que diz o que diz e faz tudo quanto faz. (…) Portanto, Trasímaco, é desde já evidente que nenhuma arte nem governo proporciona o que é útil a si mesmo, mas, como dissemos há muito, proporciona e prescreve o que o é ao súdito, pois tem por alvo a conveniência deste, que é o mais fraco, e não a do mais forte.»]
Após esta demonstração, Trasímaco procura comprovar que a injustiça é vantajosa, virtuosa, de sabedoria e de prudência, ao passo que a justiça é ingenuidade, desvantajosa e um vício. Coloca o homem injusto como um homem feliz e o homem justo como um homem infeliz. Sendo estas afirmações falaciosas, Sócrates nega-as e, rapidamente, evidencia que a justiça só traz o bem-estar e a felicidade enquanto a injustiça só traz infelicidade e o mal-estar.
Conclusão
Síntese
Temos então concluído que os conceitos de justiça no livro I de A República de Platão são a justiça ética e moral baseada no princípio da igualdade entre os bens da pessoa e nas suas relações, exposta pela figura de Céfalo; a justiça útil específica que tem em vista praticidade da ação, evidenciada por Polemarco e a justiça da organização política da polis, exibida por Trasímaco.
Na ética a Nicómaco de Aristóteles, a conceptualização de justiça vai-se distinguir na justiça geral e na justiça particular. A justiça geral é a virtude por excelência aplicada na relação entre o agente e os outros. A justiça particular vai ter várias aceções e particularizações. As justiças de maior importância são a justiça distributiva que tem em vista o princípio da igualdade, numa proporcionalidade geométrica que envolve quatro termos, entre eles comparados com base no mérito; a justiça corretiva que tem em vista o mesmo princípio, mas requer uma proporcionalidade aritmética, pois serão as leis através de um mediador a definir um meio entre o ganho e a perda de um caso entre duas pessoas e os seus bens sem considerar o estatuto das mesmas e a justiça política que tem como função regular uma comunidade de forma a manter o tal princípio da igualdade através das leis com vista à autossuficiência dos seus cidadãos em que se identifica dois tipos de justiça, uma por natureza e outra por convenção.
Breve Comparação
Embora as duas formas de apresentação nos livros sejam totalmente distintas, ambas as conceptualizações da justiça têm em vista a igualdade e a equidade enquanto a melhor forma de aplicação de justiça. Conquanto, o termo em Platão seja com uma maior aproximação da justiça geral nas suas formulações, visa, principalmente, a praticidade e a utilidade da justiça para o bem comum. Já Aristóteles vai mais longe e ultrapassa esta justiça apenas utilitária, mas como um bem supremo.
Bibliografia
Aristóteles. (2015). Ética a Nicómaco. Lisboa, Quetzal Editores.
Platão. (2010). A República. Lisboa, Fundação Calouste Gulbekian.

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