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Envelhecimento e processos de perdas Prof. Ana Carolina Pinto Soares Relembrando... Cada existência humana é única, cada homem envelhece de uma maneira particular. Uns saudáveis, outros não. Não há velhice e sim velhices. O envelhecimento deve ser considerado um processo tipicamente individual, existencial e subjetivo, cujas conseqüências ocorrem de forma diversa em cada sujeito.. Envelhecimento • Primário: processo gradual e inevitável de deterioração corporal no decorrer do ciclo de vida. • Secundário: processos que resultam de doença, abuso e desuso do corpo, os quais muitas vezes são evitáveis. (Papalia & Olds, 2000, p. 584) Padrões de Envelhecimento Normal: alterações típicas e inevitáveis do envelhecimento. Patológico: doenças, disfuncionalidade e descontinuidade do desenvolvimento. Velhice Ótima: baixo risco de doenças e incapacidades; excelente funcionalidade física e mental; engajamento ativo na vida. Renegar a velhice está ligado à não-aceitação de corpos que evidenciam a marca dos anos, os quais são o oposto do idealizado padrão jovem no modelo social atual, talvez porque a velhice é a fase que mais se aproxima da morte. Sua consideração leva ao reconhecimento das próprias restrições e da finitude: “quanto ao desenvolvimento chegamos a uma fase conhecida como velhice que, como vimos, não tem início definido, mas cujo fim é claramente a morte” (Kovács, 2002). A morte e o processo de morrer durante séculos vêm se modificando de acordo com as culturas e as necessidades dos homens em relação aos papéis sociais a que a ele se incorpora. (Philippe Ariès) • Idade Média: a morte era concebida como uma despedida, espécie de cerimônia pública em que o moribundo esperava o perdão dos companheiros. Todos (ex.: parentes, amigos, vizinhos e inclusive as crianças) podiam entrar no quarto e os rituais de morte eram cumpridos com manifestações de tristeza e de dor. O maior temor era morrer repentinamente, sem as homenagens cabidas. • No final do século XV: a morte como algo repulsivo aos olhos. Passou-se, então, a se utilizarem caixões de madeira, para esconder o corpo. Nesse período, assim como apresentou Ariès (1977), o conceito de vida no cadáver, vida na morte, postulava que o indivíduo morto tinha o poder de curar pessoas doentes, através de secreções do morto, unhas e cabelos, sendo usados na confecção de remédios. O medo de ser enterrado vivo eclodiu vários ritos e cerimônias para atrasar os enterros. • Século XIX: visão romantizada da morte, surgindo com ênfase nas representações literárias e artísticas do romantismo. Nesse momento, a morte apareceu como forma de religiosidade e espiritismo, na qual se desejava a fuga, o reencontro com pessoas queridas, mas, também, um momento de elevação do espírito. • Século XX : morte torna-se vergonhosa, algo que deveria ser evitado e que de preferência ocorresse nos hospitais, instituições e no isolamento. Foi destacada a supressão do luto, em que as pessoas buscam esconder a manifestação ou a vivência da dor. Este fenômeno, assim como denominou Ariès, pode ser compreendido como a “domesticação da morte”, tornando o cuidado e o processo de morrer algo público, na qual a família exerce apenas o papel de expectadora, ou coadjuvante no processo de tomada de decisões. Tal processo restringe aos familiares e aos doentes o direito de cuidar e ser cuidado por pessoas próximas, ao mesmo tempo em que cria sentimentos de impotência, tristeza, frustração e dor que abalam o princípio de onipotência da equipe de saúde, frequentemente responsabilizados pelo processo de cura dos pacientes. Algumas reflexões sobre a morte e o luto • Só pensamos na velhice quando ficamos velhos. • A morte é parte obrigatória da velhice. • Na cultura ocidental, é característico que a morte seja excluída dos nossos pensamentos pelo tempo mais longo possível. Isso pode aumentar o medo inconsciente da morte, mas tanto a velhice quanto a morte são processos pelos quais todos os seres humanos passam. • Conceitos de morte: Morrer é o cessar irreversível: 1- da função de todos órgãos, tecidos e células; 2- do fluxo de todos os fluídos do corpo incluindo o sangue e o ar; 3- do funcionamento do coração e do pulmão; 4- do funcionamento espontâneo do coração e do pulmão; 5- do funcionamento de todo o cérebro, incluindo o tronco cerebral. •A MORTE SOBRE DUAS CONCEPÇÕES :A morte do outro: o medo do abandono, consciência da ausência e da separação. A própria morte: a consciência da própria finitude, a fantasia de como será o fim e quando ocorrerá. Principais causas da morte em idosos (ordem decrescente) • Doenças cardíacas • Câncer • Derrame • Doenças pulmonares • Pneumonia e gripe • Diabete • Acidentes • Doenças renais • Alzheimer • Septicemia O Processo de Luto • Conjunto de reações que ocorrem em consequência de uma perda significativa. Envolve um processo de recuperação e reparação psíquica perante mudanças e situações que acarretam perdas e provocam desequilíbrio, afetando a ideia que temos de nós próprios, da vida e do mundo. • O que é o Processo de Luto? Face a qualquer perda significativa, de uma pessoa ou até de um objeto estimado, desenrola-se um processo necessário e fundamental para que o vazio deixado, com o tempo, possa voltar a ser preenchido. Esse processo é denominado de luto e consiste numa adaptação à perda, envolvendo uma série de tarefas ou fases para que tal aconteça. • O luto representa o estado experiencial que a pessoa sofre após tomar consciência da perda, sendo um termo global para descrever o vasto leque de emoções, experiências, mudanças e condições que ocorrem como resultado da perda. Perdas da pessoa idosa •Perda da condição econômica; • Perda do poder de decisão; •Perda de parentes e amigos; •Perda da independência e da autonomia; •Perda de contatos sociais; •Perda da auto-estima e da sua identidade (Zimerman, 2000). Perda da independência e da autonomia • Dificuldades nas Atividades da Vida Diária (AVD) As atividades de vida diária (AVDs) compreendem aquelas atividades que se referem ao cuidado com o corpo das pessoas (vestir-se, fazer higiene, alimentar-se) Já as atividades instrumentais de vida diária (AIVDs) são as relacionadas com atividades de cuidado com a casa, familiares dependentes e administração do ambiente (limpar a casa, cuidar da roupa, da comida, usar equipamentos domésticos, fazer compras, usar transporte pessoal ou público, controlar a própria medicação e finanças). Para Nóbrega et al., o envelhecimento é um processo que gradativamente conduz o sujeito à inatividade física, que por sua vez leva ao descondicionamento e à potencialização da fragilidade músculo-esquelética. Com o acúmulo dessas variáveis, ocorre a perda do estilo de vida independente, ocasionando diminuição da motivação e auto-estima, havendo possibilidade de atingir um grau de ansiedade e depressão, que neste caso aceleraria a inatividade física e o envelhecimento. Em decorrência da terceira idade ser uma fase constituída por perdas, a morte nessa idade, pode ser vista como natural e aceitável. Diante disso, é possível perceber que o tema morte é algo que acompanha frequentemente os indivíduos de terceira idade. Bee (1997) nos diz que na velhice as pessoas tendem a pensar e falar mais sobre o assunto se comparadas a pessoas de qualquer outra faixa etária. Porém, tal fato não quer dizer que a temam menos do que pessoas de outras idades. Lutos da velhice Méndez propõe quatro “lutos” básicos da velhice: • 1.O luto pelo corpo potente – consciência do declínio físico. • 2. O luto pelo papel paternal – alguns impedimentos físicos, psíquicos ou sociais passam a se colocar diante do papel paternal, bem como quando o idoso passa do papel de “pai” para “avô”.• 3. O luto pelo papel social – devido à aposentadoria. • 4. O luto pela perda de relações objetais significativas – por exemplo, perdas de amigos, familiares ou viuvez. As 5 fases do luto de Kubler-Ross 1. Negação: Particularmente proeminente quando a perda é inesperada 2. Revolta: dirigida a si próprio, a Deus, aos médicos ou a outro alvo. 3. Negociação ou barganha: com os médicos, Deus… 4.Depressão: sintomas depressivos 5. Aceitação: apercebem-se da realidade do acontecimento; recuperação funcional progressiva A perda do cônjugue na velhice • De acordo com Bowlby, na determinação do curso do luto, ou seja, se sadio ou patológico, se intenso e mais prolongado, a variável mais influente parece ser a personalidade da pessoa enlutada, principalmente no que diz respeito à maneira como se organizam seu comportamento de apego e as formas de reação que utiliza diante de eventos estressantes. • Também é fundamental atentar para as causas e circunstâncias da perda, as condições sociais e psicológicas do sujeito enlutado no momento em que sofre a perda e durante meses e anos que se seguem a ela. Desse modo, quanto mais a pessoa que vivencia o luto dependeu do falecido para obtenção de bens e serviços, incluindo relações sociais amplas, maior será o dano que a perda traz à sua vida, exigindo maior esforço para a reorganização de seu dia a dia. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), com a ajuda da rede de suporte social, a maioria das pessoas que estão de luto é capaz de se conciliar com sua perda e de voltar a viver normalmente. Entrementes, para algumas, indica-se terapia para perda. Também, embora algumas pessoas recuperem-se com rapidez após o luto, outras nunca o fazem. Dentre vários aspectos, deve-se levar em consideração que o processo morrer e a experiência do luto são experiências pessoais, não existindo um padrão e uma sequência considerada normal de recuperação. De acordo com Kovács (1992) o processo de luto só estará finalizado, quando existir “a presença da pessoa perdida internamente em paz”, havendo “um espaço disponível para outras relações”, sendo, portanto, necessário um tempo para vivenciar o luto, e não para negá-lo. De acordo com Goldstein (1993), a espiritualidade e a religiosidade são uma das estratégias mais ricas e utilizadas pelos idosos frente ao aumento do senso de finitude ou proximidade da morte. A crença de transcendência permitiria conforto, sensação de geratividade, bem-estar psicológico e a crença de continuidade do self, dimensões que aparecem como positivas na vida adulta madura e na velhice. O envelhecimento, do ponto de vista psicológico, vai depender de fatores de ordem genética, patológica (doenças e/ou lesões), de potencialidades individuais (processamento de informação, memoria, desempenho cognitivo, entre outras), com interferência do meio ambiente e do contexto sociocultural . Segundo esta perspectiva, é necessário perceber a importância das formas de compensação, que cada um de nós utiliza/prepara para fazer face às perdas associadas ao envelhecimento, pois estas vão influenciar significativamente a qualidade de vida e o bem-estar psicológico do idoso. Personalidade • As primeiras pesquisas mostraram que a personalidade se tornava mais rígida com o envelhecimento e que se desenvolvia muito pouco na velhice. Estudos posteriores, surgidos a partir da década de 70, sugeriram que ocorreria uma estabilidade dos traços de personalidade ao longo da vida adulta e da velhice. Desta forma, a personalidade não se tornaria mais rígida, mas permaneceria da mesma forma que sempre fora desde a vida adulta. • Segundo Hétu (1988), a personalidade construída pelo indivíduo durante a infância e juventude é o melhor fator de predição da adaptação à velhice. Ela representa o eu, a personalidade, ou o ego que, ao longo de toda a sua vida, será o integrador dos seus comportamentos Alterações Psicológicas frente às perdas • Dificuldades para se adaptar a novos papéis; • Falta de motivação e dificuldades para planejar o futuro; • Necessidade de trabalhar perdas orgânicas, afetivas e sociais; • Dificuldades de se adaptar às mudanças rápidas; • Baixa auto-estima e prejuízo do auto-conceito; • Sinais de patologia (depressão e ansiedade) (Zimerman, 2000) Características do envelhecimento emocional disfuncional - Redução da tolerância a estímulos; - Vulnerabilidade à ansiedade e depressão; - Acentuação de traços obsessivos; - Sintomas hipocondríacos, depreciativos ou de passividade; - Conservadorismo de caráter e de ideias (rigidez mental); - Atitude hostil diante do novo; - Diminuição da vontade, das aspirações, da iniciativa; - Estreitamento da afetividade Envelhecimento mal sucedido • Depressão: Muitos autores consideram as depressões na velhice como atípicas, podem ser caracterizadas pela falta de episódios de tristeza, claramente distintos, mostrando-se o doente apático, com queixas subjetivas de comprometimento cognitivo, ansiedade proeminente, somatização e excesso de preocupação com o corpo. • SIMÕES (1996) afirma que, no idoso, os sintomas iniciais do quadro depressivo são relativamente inespecíficos, tais como a debilidade, perturbações de sono, tristeza e ansiedade, desinteresse por hábitos e/ou prazeres habituais. Os sintomas mais específicos são os que decorrem da depressão do humor, bem como a lentidão psicomotora. Envelhecimento e o Contexto Social • O fenômeno do envelhecimento da população é um processo complexo e mutável, claramente determinado por uma determinada época e sociedade (Dias, 2005). • As dificuldades que o idoso enfrenta e a forma como envelhece, com maior ou menor valorização, deve-se em muito ao estatuto que determinada sociedade lhe confere. Se em tempos mas longínquos o velho era considerado como um arquivo de saberes e experiências cuja transmissão era imprescindível para a sobrevivência da comunidade, hoje, passamos a questionar o sentido, os custos deste aumento da longevidade (Barreto, 2005). O adoecimento na velhice Ao adoecer, a pessoa encontra-se diante de uma ruptura com a vida em sua plenitude e isso lhe remete à consciência de sua mortalidade. A doença também é um tipo de morte. Em outras épocas, a doença teve uma fase glamourosa (por exemplo: a tuberculose): “a doença era vista como um refinamento, o sofrimento dignificando o homem” (Kovács, 1996). Atualmente, ela é vista como fraqueza e punição, tendo em vista a interrupção à produção. De qualquer forma, a doença coloca o indivíduo em contato com sua fragilidade e finitude; ou seja, ele é afastado das suas atividades rotineiras, pode sofrer paralisias, mutila- ções, enfrenta muitas vezes a dor ao longo do tratamento e percebe-se enquanto ser mortal). PROBLEMAS MENTAIS E NEUROLÓGICOS • PROCESSO DEMENCIAL – deteriorização no funcionamento cognitivo e comportamental devido a causas fisiológicas suficientes para afetar o funcionamento diário do idoso – não é um aparte inevitável da velhice. • MAL DE ALZHEIMER – distúrbio cerebral degenerativo progressivo, caracterizado por deteriorização irreversível da memória, inteligência, da consciência e do controle das funções corporais, com o tempo, levando à morte – ameaça ser o principal problema de saúde no século XXI. Sintomas – às vezes ignorados ou confundidos como sinais de envelhecimento – lapsos de memória sobre eventos recentes ou novas informações, irritabilidade, depressão, ansiedade, delírios e perambulações, prejuízos na atenção, orientação e fala, perda da iniciativa e por fim, do controle das funções corporais. • MAL DE PARKINSON- distúrbio neurológico degenerativo progressivo e irreversível caracterizado por tremores, rigidez e retardamento dos movimentos e instabilidade na postura (insuficiência do neurotransmissor dopamina). • DEMÊNCIA DE INFARTOS MÚLTIPLOS– demência irreversível causada por uma seqüência de pequenos derrames. • DEPRESSÃO – muitas vezes confundida com a demência ou pode ser vista erroneamente como sintoma natural do envelhecimento – desequilíbrio químico de neurotransmissores que geram um mau funcionamento dos circuitos neuronais que regulam o humor, o pensamento, o sono, o apetite e o comportamento. Bem-estar psicológico no envelhecimento É construído por seis dimensões chaves: • 1. a auto-aceitação, • 2. relações positivas com os outros • 3. autonomia • 4. controle sobre o ambiente • 5. propósito na vida • 6. crescimento pessoal. Seis dimensões do funcionamento positivo • 1)Auto-aceitação: implica em uma atitude positiva do indivíduo em relação a si próprio e a seu passado; implica reconhecer e aceitar diversos aspectos de si mesmo, características boas e más. • 2)Relações positivas com os outros: envolve ter uma relação de qualidade com os outros, ou seja, uma relação satisfatória e verdadeira; preocupar-se com o bem estar alheio; ser capaz de relações empáticas, afetuosas . • 3) Autonomia: significa ser autodeterminado e independente; ter habilidade para resistir às pressões sociais para pensar e agir de determinada maneira; avaliar-se com base em seus próprios padrões. • 4) Domínio sobre o ambiente: aproveitar as oportunidades que surgem à sua volta; ser hábil para escolher ou criar contextos apropriados às suas necessidades e valores. • 5) Propósito na vida: implica ter metas na vida e um sentido de direção; o indivíduo percebe que há sentido em sua vida presente e passada; possui crenças que dão propósitos à vida; acredita que a vida tem um propósito e é significativa. • 6) Crescimento pessoal: o indivíduo tem um senso de crescimento contínuo e de desenvolvimento como pessoa; está aberto a novas experiências; tem um senso de realização de seu potencial, e suas mudanças refletem autoconhecimento e eficácia. As tarefas evolutivas da velhice • São formas de organização da vida que possibilitam até a aceitação da morte. • Um ambiente agressivo, assuntos familiares não resolvidos, ausência de cuidadores adequados podem dificultar este processo. Cumprir todas as tarefas é importante, como é importante também que o idosos conte com o apoio da família, da sociedade e dos profissionais que atuam na área. Dessa forma, ele poderá ter uma velhice bem sucedida e usufruir do prazer de ser e de viver, contribuindo para o bem de todos. As tarefas evolutivas da velhice • Aceitação do corpo que envelhece; • Aceitação da limitação do tempo e da morte pessoal; • Manutenção da intimidade; • Relacionamentos com os filhos: deixar ir, atingir igualdade, integrar novos membros; • Relação com seus pais: inversão de papéis; • Morte e individuação;
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