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FICHAMENTO Cultura e Ideologia AUTORA: Eunice Ribeiro Durham. OBRA: A Dinâmica da Cultura - Ensaios de Antropologia, 1984. ORGANIZAÇÃO: Omar Ribeiro Thomaz. CAPÍTULO: Capítulo 9. EDITORA: COSACNAIFY, SÃO Paulo. PALAVRAS CHAVE: Cultura, Ideologia, Metodologia antropológica, Etnografia, Políticas. RESPONSÁVEL: Sérgio Gomes Rodrigues. Segundo Omar Ribeiro Thomaz, organizador de “A Dinâmica da Cultura” o livro com os textos de Durham “... oferece novos desafios e problemas; a todos os cientistas sociais e pensadores da cultura,...” (pag.7). No prefácio: Peter Fry explica que na obra “Eunice estabelece princípios que vão nortear toda a sua carreira de pesquisadora: uma metodologia que privilegia a etnografia baseada na observação participante; uma preocupação em entender a dinâmica da cultura no contexto mais amplo das macro-transformações econômicas e plíticas; e a busca constate do que Malinowski chamava de “ponto de vista nativo”. ” Fry esclarece que “Cultura e Ideologia” capítulo em questão, foi escrito por Durham quando era professora do departamento de ciências políticas, ambiente extramente voltado para questões marxistas. Não obstante seu grande conhecimento pelo tema a autora escreveu seu artigo para sinalizar,sob seu ponto de vista, a importância do conceito de cultura e e sua utilização em textos da antropologia. Chama a atenção, ainda no prefácio, as explicações de Fry que possibilitam o estabelecimento de uma intertextualidade entre o pensamento de Durham (não expresso literalmente no capítulo 9), o de Gueertz em “A arte como sistema Cultural” e o de Wagner em “A invenção da Cultura”. De acordo com Fry, Durham sustenta que há uma relação criativa dialógica (se não dialética) entre os produtores e consumidores da chamada “cultura de massa” ainda que perpassada por questões de poder. De certa maneira, em relação à produção artística e não especificamente sobre a cultura de massa, este é um dos fundamentos basilares de a argumentação de Gueertz (1973) que afirma que as obras de arte são criadas pelos autores a partir da colaboração de seu público (e de seu habitus). Wagner (1975), por sua vez, aborda a mesma questão nos termos de “cultura interpretativa” criticando a supervalorização da participação do público em produtos como, por exemplo, a propaganda. Capítulo 9: Em “Cultura e Ideologia” Eunice Durham buscou explicitar as diferenças entre estes dois conceitos com o objetivo de resgatar o conceito de cultura da corrente desvalorização (e substituição de um termo pelo outro) nos escritos da antropologia da USP na época (1984). “... é necessário reconhecer e estabelecer as diferenças de abordagem que aparecem com nitidez quando se analisam e comparam os conceitos de cultura e ideologia. É essa a tarefa que nos propomos iniciar nesta contribuição para um debate, tentando mostrar a inconveniência quer da eliminação do conceito de cultura e da investigação dos fenômenos culturas em favor da análise da ideologia, quer da absorção do conceito de ideologia e da problemática que lhe é própria pelo estudo da cultura. O que se propõe é a permeabilidade dos dois tipos de abordagem, com a preservação dos recursos de análise próprios a cada um deles.” (pag. 257) Para Durham cultura é um conceito construído a partir da investigação antropológica (intertextualidade com Wagner). “De certo modo, é possível dizer que os aspectos gerais do conceito de cultura podem ser apreendidos como um conjunto de pressupostos que decorreram do modo pelo qual a antropologia definiu seu objeto e definiu os problemas básicos do trabalho de campo.” Nesse sentido a autora aponta a compreensão de costumes estranhos “em sociedades diferentes da nossa” como sendo a indagação central da antropologia. Assim, Durham afirma que a formulação antropológica implica na máxima de que todo agrupamento humano não é um caos incompreensível, mas se ordena por costumes que possuem sifnificado para seus membros. “A idéia fundamental é a de que a vida social é ordenada por símbolos organizados em sistemas.” (pag. 258”). Neste trecho á um marcador importante da antropologia de Durham, ela a afirma que o significado dos costumes exóticos pode ser “desvendado” pela pesquisa antropológica, uma vez que “o mecanismo de sua construção é universal, isto é, comum ao investigador e ao investigado, por mais diverso que seja o resultado de seu funcionamento.” (Embate com as afirmações de Wagner e coerência com Gueertz). Durham nega uma base natural ou biológica para a sociedade e adentra na discussão da oposição entre natureza e cultura (tema abordado também por Wagner) como o fundamento da antropologia social e cultural, desenvolvendo sua concepção de “natureza humana” que, para a autora, é caracterizada, justamente, pela “ausência de orientações intrínsecas, geneticamente programadas na modelagem do comportamento.” Para Durham toda a ação humana está condicionada a orientações extrínsecas socialmente construídas através de símbolos. “Desse ponto de vista, o componente simbólico da ação humana, mais que parte integrante, é elemento constitutivo da vida social” (pag. 259). (intertextualidade com Gueertz, Lévi-Strauss, Wagner) Metodologia e Campo: “Essa concepção básica incorporada ao conceito de cultura encontra uma correspondência na experiência do trabalho de campo, no qual a observação do comportamento e o comentário formulado sobre ele pelos membros da sociedade aparecem indissoluvelmente unidos.” (pag. 259). “... Nessa situação de pesquisa, tanto a observação direta da conduta como os comentários ou discurso dos membros da sociedade sobre sua prática constituem elementos igualmente relevantes utilizados pelo antropólogo para construir-reproduzir um sistema apresentado sob a forma de normas ou padrões culturais, em função do qual a ação e o discurso adquirem sentido.” (pag. 259, 260). Durham realiza uma provocação metodológica e epistemológica interessante que se encontra diretamente no centro das argumentações de Wagner (1975), e de Fischer (2009), quando diz: “Na verdade, acredito que a antropologia jamais tratou de modo adequado a questão da natureza das normas sociais, que diz respeito ao caráter consciente ou inconsciente das regularidades comportamentais, e remete ao problema da relação entre condutas individuais e processos sociais.” (pag. 260) Fischer também acredita que a abordagem antropológica se equivoca na compreensão de certos processos sociais ao naturalizar as relações entre cultura, lugar e identidade. Já a relação deste trecho de Durham com Wagner pode ser diretamente estabelecida em duas perspectivas, a primeira delas é a crítica aos procedimentos da antropologia em si que naquele autor adquire uma radicalidade, posto que para ele o antropólogo inventa – criativamente – a cultura. A segunda perspectiva são os termos em que esta crítica é construída, Durham admite dois constituintes das regularidades humanas, “elementos conscientes e elementos inconscientes”, Wagner, por sua vez, também aborda a questão com um par de oposições análogo o “controle” e o “mascaramento”. Sobre a prática da etnografia Durham afirma; “É necessário, entretanto, preservar a riqueza da abordagem tradicional, cunhada na prática da etnografia, que podemos caracterizar por três ausências ou negações.” “Em primeiro lugar, a análise dos padrões culturais não implica qualquer oposição entre falso e verdadeiro. Regras explícitas ou explicações míticas não são distorções de uma realidade demonstrada pela ciência, mas formas de sua produção. Do mesmo modo, a confrontação entre o discruso do nativo sobre a sociedade e a construção do antropólogo não é analisada para demostrar a distorção do primeiro em relação aosegundo, mas para verificar se este permite decifrar aquele.” ... “Finalmente, não há também nenhuma relação necessária entre as representações (em sua falsidade ou veracidade) e o poder. Padrões culturais não são concebidos, fundamentalmente, como instrumentos de dominação, a não ser no sentido genérico de que a cultura é instrumento de domínio das forças naturais.” Outra prerrogativa de Durham que pode ser colada em paralelo com Wagner tem ainda a ver com seu olhar crítico: “as sistematizações, embora sejam necessárias, frequentemente constrangem os problemas numa camisa-de-força, ao passo que construções mais ambíguas podem preservar uma riqueza de percepção para a qual não existe ainda uma teoria adequada.” (pág. 270) Linguagem, metáforas e sistemas simbólicos: Durham trata da metáfora “a cultura é como a linguagem” (pag. 260) apontando a tendência dos antropólogos de operacionalizá-la uma vez que “tanto uma quanto outra só podem ser explicadas remetendo à estrutura que lhes dá forma, mas ambas são utilizadas e entendidas sem que essa estrutura assome à consciência dos homens” ... “Alinguagem, concebida simultaneamente como parte e intrumento indispensável da cultura, passou a ser também o verdadeiro paradigma da cultura.” (pag. 260). Todavia, em uma nota de rodapé a autora deixa clara sua posição sobre o tema: “ 3 O caráter nebuloso desse inconsciente produtor de estruturações permitiu relegar à incosnciência dos antropólogos problemas teóricos extremamente espinhosos.” Postos estes termos, Durham, então, analisa que a antropologia passou a a decifrar a cultura concebida como texto. “Entretanto, essa tendência tendeu a acarretar uma deformação interpretativa que Bourdieu caracteriza como vício hermenêutico, análogo ao do lingüista que estuda líguas diferentes da sua: “implica o fato de aprender a língua antes do ponto de vista do sujeito que entende, do que do ponto de vista do sujeito que fala, quer dizer, como insturmento de decifração mais do que como meio de ação e expressão” (1972: 159)” (pag. 261) Devido ao contexto de sua escrita (como ficou explicado no prefácio), Durham apresenta um texto grandemente influenciado pela teoria marxista, hora contestando sua aplicação na prática da pesquisa antropológica; hora utilizando-se de seus termos, como quando propõe que se compreenda a dinâmica das relações entre a prática coletiva e os objetos culturais substituindo-se a metáfora da linguagem pela metáfora do trabalho. “... do mesmo modo que os bens resultantes do trabalho social encerram um trabalho morto que só pode ser reincorporado à atividade produtiva por meio de um trabalho vivo”. (pág 261, 262). (É importante lembrar que a própria Durham anuncia que novas metáforas não propiciam uma reflexão teórica mais acabada). Esta mesma influência marxista se pode notar no conceito de padrões culturais da autora: “Padrões culturais são construções do investigador que explicitam uma lógica própria da conduta. Essa lógica não é, em si, consciente, mas sua produção (reprodução) depende de um instrumental simbólico que é cristalizado nos mitos, nas regras explícitas, nas teorias que os homens constroem para explicar a natureza, a sociedade e seu próprio destino, e que podem ser concebidos como “objetos culturais”, produzidos socialmente.” (pág. 261) Outra intertextualidade interessante entre Durham e Wagner se dá nas explicações da autora sobre sistemas simbólicos que aquele teórico trata como contextos,embora, em Wagner, a explicação para contexto seja um tanto mais ampla e elaborada. Veja-se o que diz Durham: “... esses sistemas simbólicos fazem parte da cultura na medida em que são constantemente utilizados como intrumentos da ordenação da conduta coletiva, isto é, absorvidos e recriados nas práticas sociais. Utilizando de modo um pouco diferente uma concepção de Gueertz, podemos dizer que esses sistemas simbólicos são modelos na dupla acepção do termo: de um lado, propriamente representações (modelos da realidade social) e, de outro, simultaneamente, orientações para a ação (modelos para o comportamento social)(1973:93). Ao contrário de Gueertz, entretanto, referimos o conceito de cultura menos aos modelos que ao processo de sua contínua produção, utilização e trasformação na prática coletiva. (pág. 262) Para Durham o universo simbólico é indissociável de qualquer prática social ou produção material, sendo aquele o instrumento para a decifração destes. Nestes termos Durham estabelece uma conexão com Gueertz (1973) que em “A arte como sistema simbólico” apresenta a produção artística como sendo um produto socialmente dialético e participante da totalidade da cultura de um povo. Ainda em afinidade com Gueertz, Durham afirma que a abordagem antropológica é um do esforço de integrar todas as práticas sociais unificando suas múltiplas dimensões por meio da significação. Durham também diz que “a prática social adquire forma e sentido, mas não é estritamente determinada, admitindo-se todo um espaço de arbítrio, criatividade, improvisação e transformação.” (pág. 263). Ao que a antropóloga acrescenta uma compreensão dos elementos simbólicos como elementos lúdicos e criativos: “O elemento simbólico presente nas pautas de organização da vida social parece permitir infinitas elaborações, extraordinárias reduplicações, refinamentos e complexidades “gratuitas” , como se nota facilmente no ritual, ma mitologia, na ornamentação, nas classificações do mundo natural e social, nas regras de polidez, nas categorias de parentesco, na distribuição do alimento etc. Para o antropólogo a cultura tem um caráter lúdico, como se os homens, tendo desenvolvido sua capacidade simbólica em função de e para sua prática social, brincassem com ela na elaboração de estruturas infinitamente complicadas e que parece sem, por isso, esteticamente satisfatórias.” (pág. 264) “Em resumo, estamos querendo mostrar que, analisando a prática econômica, a vida cotidiana ou a religião, a abordagem culturalista parte sempre do pressuposto da unidade entre ação humana e significação.” (pág. 265) Linguagem, metáforas e sistemas simbólicos: Para distinguir cultura de ideologia Durham elenca 5 características desta: “1. sua implicância política necessária; 2. sua restrição inicial a sistemas estruturados e cristalizados de representações; 3. o estabelecimento de uma oposição entre realidade e representação reduzindo o problema do simbolismo ao segundo termo; 4. a instrução de uma oposição entre falso e verdadeiro que é associada, termo a termo, com a oposição opressão-liberdade; 5. a síntese dessas características na concepção de que a ideologia é uma imagem distorcida e “perversa” da realidade social a serviço da opressão de uma classe sobre outra.” (pág. 268) A dimensão política “Entretanto, no estudo dos processos culturais em nossa própria sociedade, é importante incoporar a dimensão política que esses fenômenos necessariamente assumen na moderna sociedade capitalista” (pág. 277) Sobre a abordagem antropológica dos fenômenos culturais Durham afirma: “parte-se das práticas sociais concretas e das representações formuladas por grupos ou categorias sociais, e sua relevância política só pode ser determinada a posteriori.” “É importante investigar de que modo grupos, categorias ou segmentos sociais constroem e utilizam um referencial simbólico que lhes permite definir seus interesses específicos, construir uma identidade coletiva, identificar inimigos e aliados, marcando as diferenças em relação a uns e dissimulando-as em relação a outros. Qualquer elemento cultural pode ser assim politizado, sem entretanto esgotar seu significadono fato de serem instrumentos numa puta pelo poder” (pág. 278) “Preservando a análise antropológica dos fenômenos culturais, seria possível oferecer uma contribuição importante para a compreensão dos fenômenos políticos, e inclusive do próprio estudo da ideologia. Mas isso envolve manter a clareza quanto às especificidades e os limites dessa abordagem e, inclusive, a distinção dos conceitos.” (pág. 279)
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