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História Antiga e Medieval Aula 13 Os direitos desta obra foram cedidos à Universidade Nove de Julho Este material é parte integrante da disciplina, oferecida pela UNINOVE. O acesso às atividades, conteúdos multimídia e interativo, encontros virtuais, fóruns de discussão e a comunicação com o professor devem ser feitos diretamente no ambiente virtual de aprendizagem UNINOVE. Uso consciente do papel. Cause boa impressão, imprima menos. Aula 13: O conceito de mentalidade e o estudo da História Medieval Objetivo: Discutir um importante aporte teórico e metodológico produzido pela historiografia do século XX com grandes contribuições para os estudos sobre a Idade Média. O conceito de mentalidade na historiografia Importantes contribuições para o estudo das sociedades ditas “pré- capitalistas” foram elaboradas pela historiografia durante o século XX. A produção francesa, notadamente em torno do movimento dos Annales, contou com uma significativa presença de medievalistas renomados, como Marc Bloch, Jacques Le Goff e Georges Duby entre tantos outros. Uma das inovações, surgida no contexto de um intenso debate com as demais ciências humanas e sociais, notadamente com a antropologia, foi o uso do conceito de mentalidade. A concepção de mentalidade procurou desde então dar maior visibilidade aos níveis mais estruturais dos fenômenos históricos, observando, sobretudo as permanências em detrimento das rupturas. Nesse sentido, uma História das Mentalidades procura apreender os níveis mais profundos e estáveis da ação humana e social na dimensão diacrônica. Apesar de o termo mentalidade evocar fenômenos relativos a uma atividade “mental”, é necessário que se diga que a mentalidade expressa um nível inconsciente, incorporando assim os avanços da psicologia no início do século, sobretudo a repercussão dos estudos de Sigmund Freud e seus discípulos. Assim, a mentalidade se refere ao conjunto das crenças e valores mais arraigados e entranhados do comportamento humano, expressando-se por aquelas ações mais automáticas e irrefletidas. O quadro a seguir procura sintetizar a compreensão da História das Mentalidades em comparação com aquelas concepções da ação humana produzidas a partir do humanismo renascentista e que perduraram até o fim do século XIX. Concepções convencionais do homem Mentalidade Racional “Irracional” Consciente Inconsciente Ato refletido / ato meditado Ato automático / ato reflexo Mediato Ato automático / ato reflexo Duração rápida (eventual) e média (conjuntural) Longa duração (estrutural) Note-se que a apropriação da concepção de inconsciente amplia a perspectiva da investigação histórica na medida em que parte de uma problematização da complexidade das ações humanas, possibilitando a exploração de novos objetos passíveis de investigação histórica: o onírico, os sentimentos, as emoções, os medos e temores, as crenças partilhadas, por exemplo. Como todo artefato conceitual, os procedimentos metodológicos preconizados pelos historiadores das mentalidades devem ser entendidos como instrumentos de ampliação da concepção de homem e não na sua redução, isto é, a metodologia da pesquisa das mentalidades não deve ser feita isoladamente, mas solidariamente aos avanços obtidos com outros procedimentos de pesquisa. Nesse sentido, a História das Mentalidades possibilita um olhar específico sobre os fenômenos humanos, e não uma explicação causal única destes fenômenos em detrimento de outras abordagens possíveis. A mentalidade medieval A partir da investigação de uma “psicologia coletiva” nos tempos medievais, a historiografia tem ressaltado a importância do sagrado na mentalidade medieval. Neste período as fronteiras entre o mundo natural e o mundo sobrenatural não estavam tão demarcadas como se verá a partir da época moderna. Nesse sentido, o homem medieval entendia que esses dois níveis estavam presentes e atuavam conjuntamente na realidade humana e social. A concepção que melhor define esta percepção é a ideia de hierofania, isto é, a manifestação do sagrado, a crença de que paralelamente aos fenômenos visíveis e naturais atuavam sempre as forças sobrenaturais e invisíveis. Um exemplo dessa concepção estava expresso na instituição do ordálio, o “julgamento de Deus”, mais intensamente praticada nos primeiros séculos medievais. Trata-se de um julgamento que pede o veredicto expresso por uma suposta intervenção de forças sobrenaturais ou divinas. Assim, o acusado de um crime deveria passar por uma prova (pela água, pelo fogo, por beberagem) cujo resultado revelaria sua culpa ou inocência. Desse traço fundamental da mentalidade medieval, a manifestação do sagrado, derivam outras três características: Simbolismo. Partindo da concepção de que todos os objetos visíveis no mundo natural expressavam apenas uma faceta somente, ocultando os elementos sobrenaturais pertinentes a este objeto, a mentalidade medieval recusava uma análise objetiva do mundo. Nesse contexto, toda interpretação da realidade passava por uma leitura simbólica de todos os objetos e eventos. A função desta linguagem simbólica era expressar a um só tempo as duas faces do mesmo objeto de forma a apontar para uma síntese totalizadora. É por esse motivo que a linguagem da arte medieval é a da alegoria e do símbolo, em detrimento da descrição realista ou do “retrato” moderno. Belicismo. As forças sobrenaturais que se manifestam no mundo não representam somente as entidades divinas benignas, mas também há as maléficas, diabólicas. Esta percepção compreende toda realidade como palco de uma luta (bellum quer dizer guerra) renhida entre estas forças do bem e do mal. Neste sentido, as Cruzadas expressam exemplarmente este aspecto da mentalidade medieval de forma radical. Contratualismo. Essa concepção deriva diretamente do belicismo, na medida em que implica a tomada de posição dos homens naquele contexto de luta entre as forças sobrenaturais do bem e do mal. Assim, os homens devem se posicionar no quadro daquele conflito, externando de forma contratual sua adesão a esta ou àquela facção em conflito. Os rituais são a ocasião da reatualização constante do conteúdo daquele contrato. Nesse ponto é necessário lembrar que a descrença nas forças benignas implica como que automaticamente a adesão às fileiras do culto das forças malignas, por isso a constante preocupação com a questão da magia e dos cultos pagãos ainda bastante presentes, principalmente entre os camponeses. Em um livro que provoca ainda muitos debates, O problema da incredulidade no século XVI, Lucien Febvre defende a ideia de que durante a Idade Média seria pouco provável a existência de concepções como o ateísmo ou o agnosticismo dado a concepção dominante na presença constante das forças sobrenaturais. O que restava aos homens era escolher qual partido tomar naquela disputa, anterior e eterna, impossibilitando assim a emergência de percepções materialistas da realidade. Implicações O conhecimento destas características da mentalidade medieval constitui pressuposto importante no estudo deste período histórico, pois implica componente importante na análise dos fenômenos econômicos, sociais, políticos e culturais pertinentes àquele momento. Durante as aulas seguintes, poderão ser explicitadas algumas das conexões estabelecidas entre o nível da mentalidade medieval com cada um destes aspectos específicos.Nesse momento, cabe explorar uma implicação em particular. Tendo em vista as características da mentalidade medieval podemos compreender que a religiosidade do homem medieval é mais um efeito diante da sua inquietação sobre a relação estabelecida entre os níveis natural e sobrenatural, e não sua causa. Isto é, o cristianismo, suas práticas e concepções, estabeleciam então uma linguagem apropriada para dar forma e ordenar o universo simbólico no qual se moviam aqueles homens. É nesse sentido que a Igreja e suas instituições foram centrais na constituição da sociedade medieval, na medida em que monopolizavam a relação com o sagrado. Vale a pena conferir 1. Leia o livro de HUIZINGA, Johan. O declínio da Idade Média. Lisboa: Ulisseia, s.d. (Edição brasileira: HUIZINGA, Johan. O outono da Idade Média. São Paulo: Cosac Naify, 2011). Eis o conteúdo desta aula. Acesse agora o AVA para aprofundar seus estudos e trocar informações com os colegas e com o professor. * O QR Code é um código de barras que armazena links às páginas da web. Utilize o leitor de QR Code de sua preferência para acessar esses links de um celular, tablet ou outro dispositivo com o plugin Flash instalado. REFERÊNCIAS BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929–1989). São Paulo: Unesp, 1991. FRANCO JR., Hilário. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001. LE GOFF, Jacques (Org.). A nova História. Coimbra: Almedina, 1990.
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