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A missão da filosofia que há de suceder à de Leibniz, a filosofia de Kant, vai consistir em dar plena terminação e remate ao movimento iniciado pela atitude idealista. A atitude idealista tinha posto o acento, a base de todo raciocinar filosófico, sobre a intuição do eu, sobre a convicção de que os pensamentos nos são mais imediatamente conhecidos que os objetos dos pensamentos. Porém, o desenvolvimento dessa atitude idealista, o desenvolvimento das possibilidades contidas dentro dessa atitude idealista, tinha arrastado consigo constantemente um resíduo de realismo, porquanto todos estes filósofos, ainda que se situando na atitude idealista, não a levavam até seus últimos extremos, antes em algum momento de seu desenvolvimento detinham esse pensamento idealista e determinavam a existência transcendente, "em si", de algum elemento dos que tinham encontrado em seu caminho: ora o espaço, Deus, a alma pensante, ora as vivências mesmas como fatos; ora essas mônadas que dentro da realidade das coisas percebidas constituem uma autêntica e mais plena realidade. Pois bem. Era necessário, por dialética histórica interna, que esse processo iniciado por Descartes chegasse a seu término e seu remate. Era necessário que viesse um pensador capaz de dar fim, de concluir e rematar por completo as possibilidades contidas na atitude idealista. Este pensador foi Emanuel Kant. Emanuel Kant trata de terminar definitivamente — e essa é sua tarefa fundamental — com a idéia de ser em si. Kant vai esforçarse para mostrar como, na relação do conhecimento, aquilo que chamamos ser, é não um ser "em si", mas um ser objeto, um ser "para" ser conhecido, um ser posto logicamente pelo sujeito pensante e cognoscente, como MANUEL GARCIA MORENTE FUNDAMENTOS DE FILOSOFIA LIÇÕES PRELIMINARES 250 objeto de conhecimento, mas não "em si" nem por si, como uma realidade transcendente. Assim, pois, Kant encerra um período da história da filosofia. Encerra o período que começa com Descartes. E ao encerrar este período nos dá a formulação mais completa e perfeita do idealismo transcendental. Mas, de outra parte, Kant abre um novo período. Tendo estabelecido Kant um novo sentido do ser, que não é o ser "em si", mas o ser "para" o conhecimento, o ser no conhecimento, abre Kant um novo período para a filosofia, que é o período do desenvolvimento do idealismo transcendental que chega até nossos dias. Ainda hoje existem pensadores como Husserl, que chamam a seu próprio sistema idealismo transcendental. Kant se encontrava, quando veio ao mundo filosófico, por sorte e pelo gênio de sua imensa capacidade filosófica, situado no cruzamento de três grandes correntes ideológicas que sulcavam o século XVIII. Estas três grandes correntes filosóficas eram, de uma parte, o racionalismo de Leibniz, que acabamos de explicar nestas duas últimas lições; de outra parte o empirismo de Hume, que explicamos anteriormente, e em terceiro lugar, a ciência positiva físico-matemática que Newton acabava de estabelecer. Na confluência dessas três grandes correntes situou-se Kant; e dessas três grandes correntes tirou os elementos fundamentais para poder estabelecer de um modo eficaz, de um modo concreto, o problema da teoria do conhecimento e, em seguida, o problema da metafísica. Kant, pois, nessa encruzilhada representa o homem que tem na mão todos os fios da ideologia do seu tempo. Até muito avançado em anos não chega Kant a perceber, a intuir claramente seu sistema filosófico. Seu livro capital, o mais estudado, o mais comentado, o mais discutido de toda a literatura filosófica de todos os tempos, sua Crítica da razão pura, escreveu-a quando já tinha cinqüenta e sete anos. Até então tinha sido um excelente professor de filosofia; porém, seus ensinamentos da filosofia não se tinham destacado em nada do ensinamento corrente naqueles tempos nas Universidades alemãs. Nas Universidades alemãs dominava naquele tempo a filosofia de Leibniz na forma escolar que lhe tinham dado os MANUEL GARCIA MORENTE FUNDAMENTOS DE FILOSOFIA LIÇÕES PRELIMINARES 251 discípulos de Leibniz, dentre eles Wolff, Baumgarten, Meier. E o ensinamento de Kant na Universidade de Königsberg limitava-se a ler e comentar em aula a metafísica de Baumgarten, a ética do mesmo e a lógica de Meier. Assim foi durante muito tempo um excelente professor que dava, lições na Universidade, um pouco de tudo, porque também ensinava'matemática, além de lógica e metafísica; também deu aulas de geografia física. Muito tarde na sua vida, repito, chega a cristalizar-se nele o sistema filosófico mais estudado e mais discutido de todos quantos existem. Esse sistema filosófico está exposto numa multidão de livros, mas principalmente, na Crítica da razão pura. que publica aos cinqüenta e sete anos; e depois, a partir da Crítica da razão pura, em outros, como Crítica da razão prática, Crítica do .iuízo, A religião dentro dos limites da razão, e grande número de livros que foi rapidamente publicando até o final de seus dias. Lição XVIII A CRÍTICA DE KANT CRÍTICA DA RAZÃO PURA: I ESTÉTICA TRANSCENDETAL 135. A MATEMÁTICA E SUAS CONDIÇÕES. — 136. O ESPAÇO E SUA EXPOSIÇÃO METAFÍSICA. — 137. SUA EXPOSIÇÃO TRANSCENDENTAL APLICADA A GEOMETRIA. — 138. A ARITMÉTICA E O TEMPO. — 139. SUA EXPOSIÇÃO METAFÍSICA E TRANSCENDENTAL. — 140. RESUMO. — II. ANALÍTICA TRANSCENDENTAL: 141. O PROBLEMA DA FÍSICA. — 142. ANALISE DA REALIDADE. - 143. O JUÍZO. — 144. SUA CLASSIFICAÇÃO. — 145. AS CATEGORIAS. — 146. DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL. — 147. A INVERSÃO COPERNICANA- III. DIALÉTICA TRANSCENDENTAL: 148. IMPOSSIBILIDADE DA METAFÍSICA PARA A RAZÃO PURA. — 149. A ALMA, O UNIVERSO E DEUS. — 150. ERRO DA PSICOLOGIA RACIONAL. — 151. ANTINOMIAS DA RAZÃO PURA. — 152. A EXISTÊNCIA DE DEUS E SUAS PROVAS. CRÍTICA DA RAZÃO PRATICA: 153.OUTRA VIA PARA A METAFÍSICA — 154. A CONSCIÊNCIA MORAL OU RAZÃO PRÁTICA. — 155. IMPERATIVO HIPOTÉTICO E IMPERATIVO CATEGÓRICO. — 156. AUTONOMIA E HETERONOMIA. — 157. A LIBERDADE. — 158. A IMORTALIDADE. — 159. DEUS. — 160. PRIMAZIA DA RAZÃO PRATICA . I. ESTÉTICA TRANSCENDENTAL
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