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Apostila Valadão: Neuroanatomia e Neurofisiologia

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Apostila de Neuroanatomia e Neurofisiologia 
Edição Final (2012) 
por Augusto Valadão Junqueira e colaboradores 
 
Perguntas frequentes e pontos importantes: 
 
1) A apostila tem todas as matérias? 
R: Isso depende de eventuais mudanças nos programas das disciplinas, mas de uma forma geral 
faltam apenas dois tópicos de maior importância. O primeiro é a neuroplasticidade, e o segundo a 
vascularização do SNC. O último capítulo da presente apostila trata sobre vascularização do 
encéfalo, mas apenas o suprimento arterial. A drenagem venosa do encéfalo e a vascularização da 
medula espinhal não se encontram neste material. Ele também não apresenta capítulos que não 
eram cobrados na época de sua criação: embriologia do sistema nervoso, SNA e nervos espinhais. 
 
2) O material é confiável? Por onde devo estudar? 
R: Embora o material tenha sido feito por alunos, nenhuma informação contida nele foi inventada 
(uma constatação bem evidente, mas que precisa ser dita). As referências bibliográficas usadas 
em cada tópico são devidamente apresentadas no fim de cada capítulo. Dito isso, entenda que o 
objetivo da apostila não é servir como fonte de questionamento para dados específicos. Este 
material foi criado como uma ferramenta de complementação ao estudo da neuro, e seu grande 
objetivo é auxiliar o entendimento da matéria. Recomenda-se ler a apostila antes ou depois de ler 
algum livro de referência, para ajudar a esclarecer alguns pontos e revisar o que você já estudou. 
 
3) A apostila é atualizada? Com que frequência? 
R: Este material foi continuamente revisto e atualizado até o fim de 2012. A partir de 2013 o 
projeto cresceu e mudou de plataforma, dando origem a um canal no Youtube chamado Teoria 
da Medicina. Lá você encontra vídeo-aulas atualizadas de neuroanatomia, neurofisiologia, 
anatomia, farmacologia, imunologia e muitas outras disciplinas de base da Medicina com acesso 
livre para todos. Cada vídeo é um resumo explicativo feito utilizando como base no mínimo 3 a 4 
livros de referência sobre o assunto, devidamente indicados na bibliografia de cada um. Para 
acompanhá-los e poder assisti-los quando quiser basta se inscrever no canal do Youtube e curtir a 
página criada no Facebook para divulgar o canal: 
www.youtube.com/teoriadamedicina 
www.facebook.com/teoriadamedicina 
 
4) Existem ou ainda serão feitas outras apostilas? 
R: Eu, Augusto Valadão, criei apenas uma de neuroanatomia/neurofisiologia e uma de introdução 
à farmacologia, ambas acessíveis na reprografia (vulgo xerox) da FCMS/JF. Mas no canal Teoria 
da Medicina você encontra vídeos de diversas matérias, não deixe de conferir. E existe sempre a 
possibilidade de outros alunos criarem outras apostilas, o que certamente deveria ser mais 
estimulado. Lembre-se sempre disso: 
"Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar." 
— Esopo, escritor da Grécia Antiga que viveu supostamente nos séculos VII/VI a.C. 
 
Apostila de Neuroanatomia e Neurofisiologia 
Edição Final (2012) 
por Augusto Valadão Junqueira e colaboradores 
 
5) Como posso entrar em contato? 
R: Se tiver qualquer dúvida, sugestão, crítica ou correção a fazer fique a vontade para enviar um 
e-mail para teoriadamedicina@gmail.com - mesmo comentários relacionados às apostilas 
podem ser encaminhados para este e-mail, sem problemas. 
 
6) Posso reproduzir/repassar este material para outras pessoas? 
R: Deve, mas evite reproduzir trechos isolados ou enviar apenas fragmentos, pois fora de 
contexto eles podem ser entendidos erroneamente. Este material foi desenvolvido e editado entre 
os anos de 2010 e 2012 por Augusto Valadão Junqueira, acadêmico de Medicina da Faculdade de 
Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora (FCMS/JF - Suprema), turma 2008-2014, e encontra-
se em licença de atribuição Creative Commons (CC) - reprodução permitida, desde que inalterada, 
creditada e não usada para fins comerciais. 
 
Espero que o material seja tão útil para você ao estudá-lo quanto foi para mim ao escrevê-lo! 
— Augusto 
 
 
Índice dos capítulos: 
 
1 - Visão Geral do Sistema Nervoso 
2 - Tecido Nervoso 
3 - Sinapses 
4 - Medula Espinhal 
5 - Vias Descendentes e Reflexos Motores 
6 - Vias Ascendentes e Somestesia 
7 - Tronco Encefálico 
8 - Nervos Cranianos 
9 - Cerebelo 
10 - Núcleos da Base 
11 - Diencéfalo 
12 - Telencéfalo 
13 - Sistema Límbico 
14 - Vascularização do Encéfalo 
1 
 
Capítulo 1 – Visão Geral 
Uma introdução ao sistema nervoso 
 
Augusto Valadão Junqueira 
 
O sistema nervoso 
 
 A primeira divisão que devemos ter em mente a respeito do sistema 
nervoso é a distinção estrutural entre sistema nervoso central (SNC) e 
sistema nervoso periférico (SNP). O central compreende tudo que se 
encontra dentro das estruturas ósseas, isto é, a coluna vertebral e o crânio. Na 
coluna vertebral encontra-se a medula espinhal, enquanto o crânio envolve o 
que chamamos generalizadamente de encéfalo. O encéfalo possui três 
estruturas básicas: o tronco encefálico, que se continua inferiormente com a 
medula; o cerebelo, ligado atrás do tronco encefálico na fossa posterior do 
crânio; e o prosencéfalo (termo embriológico usado por alguns autores), que 
pode ser dividido em telencéfalo (os dois grandes hemisférios laterais) e 
diencéfalo (a parte ímpar central). Há uma discordância entre os autores 
sobre a definição específica do termo cérebro: para alguns, cérebro é o mesmo 
que telencéfalo (Bear et al., 2008); para outros, o termo cérebro engloba o 
telencéfalo e o diencéfalo (Machado, 2006; Lent, 2005); há ainda os que 
defendem a inclusão do mesencéfalo (parte superior do tronco encefálico) ao 
telencéfalo e diencéfalo na definição de cérebro (Kandel et al., 2003). O 
sistema nervoso periférico liga o central aos órgãos efetores através dos 
nervos. Não é difícil entender que o SNC possui mais corpos de neurônios, 
enquanto o SNP é constituído principalmente por fibras nervosas. O sistema 
nervoso central, diferentemente do periférico, é também envolto por três 
camadas protetoras especiais por dentro do revestimento ósseo: as meninges 
(de fora para dentro: dura-máter, aracnóide e pia-máter). 
 A principal função do sistema nervoso é integrar informações recebidas 
com ações ordenadas, tanto em um contexto exterior (a forma como nos 
relacionamos com o meio) quanto em um contexto interno (o controle de 
nossas funções fisiológicas internas). Tendo isso em vista, há outra divisão que 
diz respeito a uma distinção funcional, separando o sistema nervoso em 
sistema nervoso somático (SNS) e sistema nervoso visceral (SNV). 
 O sistema nervoso somático (ou sistema nervoso da vida de relação) 
está ligado ao lado voluntário e consciente de nossas ações e sentidos. Será o 
responsável pela inervação da musculatura estriada esquelética (voluntária), 
bem como a condução da informação sensorial gerada pela impressão que o 
mundo aplica em nosso corpo. Soma quer dizer corpo, daí "somático". Origem 
Capítulo 1 – Visão Geral 
 
 
2 
 
semelhante tem a palavra somestesia1, que representará os sentidos do corpo. 
A somestesia inclui sensações exteroceptivas (dor, temperatura, tato e noção 
de pressão e vibração) e sensações proprioceptivas (termo que será 
amplamente estudado, ligado às informações de posicionamento do próprio 
corpo). 
 O sistema nervoso visceral regula a atividade das vísceras através dos 
reflexos inconscientes do organismo, para manter a homeostasia (equilíbrio 
fisiológico) do meio interno. Controla a musculatura lisa (involuntária), as 
glândulas e a musculatura estriada cardíaca (também involuntária) através de 
seu componentemotor — o sistema nervoso autônomo (SNA; ultimamente 
também chamado de sistema nervoso vegetativo), dividido em simpático, 
parassimpático e entérico. Um sentido veiculado pela divisão visceral do 
sistema nervoso, por exemplo, é a sensação de plenitude alimentar após uma 
refeição. 
 Há ainda tipos especiais de sentidos (olfato, visão, audição, equilíbrio e 
paladar), que serão estudados individualmente no capítulo de nervos cranianos. 
 
 
Figura 1.1 – Vista medial do encéfalo. Tálamo e hipotálamo são divisões do diencéfalo. A glândula 
pineal faz parte do epitálamo, outra divisão do diencéfalo. (Ilustrações: William de Andrade) 
 
1 Não confunda com a sinestesia, que é uma mistura de sentidos. Uma "cor crocante", por 
exemplo. 
Capítulo 1 – Visão Geral 
 
 
3 
 
 
Figura 1.2 – Sistema nervoso central (SNC): encéfalo e medula. Os hemisférios cerebrais são também 
chamados de telencéfalo. O tálamo é uma estrutura do diencéfalo. 
 
 
O tecido nervoso 
 
 Existem dois tipos celulares fundamentais no sistema nervoso: os 
neurônios (ou células nervosas) e a neuróglia (ou células gliais). 
 Os neurônios representam a unidade funcional do sistema nervoso. São 
especializados em conduções elétricas rápidas, o que permite a comunicação 
eficaz de todo o sistema. Possuem um corpo (ou soma) e duas extremidades 
(comumente referidas como "processos"), de uma forma geral diferenciadas 
entre uma parte receptora (dendritos) e uma parte emissora (axônio). Os 
Capítulo 1 – Visão Geral 
 
 
4 
 
neurônios comunicam-se entre si pelas sinapses. Uma sinapse é um espaço 
físico — é de fato o espaço entre um neurônio e outro —, e não o fenômeno da 
transferência de dados, como muitos acham. O fenômeno do impulso 
propriamente dito chama-se transmissão sináptica. Os neurônios usam 
neurotransmissores para realizar a tarefa de codificar mensagens transmitidas 
nas sinapses. 
 A neuróglia, composta por células gliais (ou células da glia), é cerca de 
cinco vezes mais abundante que o componente neuronal do tecido nervoso 
(Moore et al., 2007). É responsável pela sustentação, proteção e nutrição dos 
neurônios. Possui variações celulares entre o sistema nervoso central e o 
periférico, o que será melhor estudado no capítulo do tecido nervoso. 
 É importante entender a diferença entre substância cinzenta e 
substância branca. A primeira refere-se a um aglomerado de corpos de 
neurônios, enquanto a outra é uma rede de fibras formadas por um 
agrupamento de prolongamentos de neurônios. "Branca" porque a mielina que 
envolve as fibras tem essa cor. No SNC a substância cinzenta pode formar um 
córtex (camada inteira de corpos neuronais) ou um núcleo (aglomerado de 
substância cinzenta isolado em meio à substância branca), enquanto no SNP 
tais aglomerados são chamados de gânglios. A única diferença prática entre um 
núcleo e um gânglio é o fato de estar localizado dentro ou fora do SNC. A 
substância branca forma tratos (ou fascículos ou ainda lemniscos, nomes que 
diferem apenas por uma questão quantitativa) no SNC e nervos no SNP, o que 
nos leva a um outro ponto importante: a diferença entre fibra nervosa e nervo. 
Uma fibra nervosa é um único axônio de um único neurônio, enquanto um 
nervo é a estrutura que envolve um agrupamento de muitas fibras (isto é, de 
muitos axônios). 
 Há uma divisão do sistema nervoso baseada na diferença de organização 
das substâncias branca e cinzenta: sistema nervoso segmentar e sistema 
nervoso supra-segmentar. O segmentar inclui o SNP, a medula espinhal e o 
tronco encefálico. O supra-segmentar compreende o cérebro e o cerebelo. Na 
medula e no tronco, a substância cinzenta fica no centro e a branca a envolve 
(ou seja, há uma coluna central de corpos de neurônios envolta por um cilindro 
de fibras nervosas). No cérebro e cerebelo ocorre o inverso: envolvendo 
externamente a substância branca, a substância cinzenta forma uma fina 
camada de corpos neuronais, dando origem ao córtex cerebral e ao córtex 
cerebelar. Mesmo nas regiões supra-segmentares, entretanto, há corpos de 
neurônios em meio às redes de fibras da substância branca, mas aqui formando 
aglomerados mais dispersos e de distribuição irregular: são os já mencionados 
núcleos. 
 
Capítulo 1 – Visão Geral 
 
 
5 
 
 O objetivo deste capítulo é iniciar uma familiarização aos termos da 
neurologia. Todos esses termos serão estudados individualmente com calma no 
capítulo referente a cada uma das estruturas do sistema nervoso. Não se 
preocupe com os nomes novos, ainda não é necessário que saiba todos. Com o 
tempo aprenderá tudo naturalmente. 
 
 
 
"Ao término do jogo, o rei e o peão voltam para a mesma caixa." 
— Provérbio italiano 
 
 
 
Referências 
 
1. Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências: Desvendando o Sistema 
Nervoso. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. 
 
2. Haines DE. Neurociência Fundamental. 3rd ed. São Paulo: Elsevier; 2006. 
 
3. Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM. Princípios da Neurociência. 4th ed. 
Barueri: Manole; 2003. 
 
4. Lent R. Cem Bilhões de Neurônios. 1st ed. São Paulo: Atheneu; 2005. 
 
5. Machado ABM. Neuroanatomia Funcional. 2nd ed. São Paulo: Atheneu; 2006. 
 
6. Moore KL, Dalley AF. Anatomia Orientada para a Clínica. 5th ed. Rio de 
Janeiro: Guanabara Koogan; 2007. 
1 
 
Capítulo 2 – Tecido Nervoso 
 
 
Augusto Valadão Junqueira 
Lauren Mourão Poças 
 
 
Introdução 
 
 O tecido nervoso apresenta dois principais componentes: 1) os 
neurônios, que são células com longos prolongamentos com capacidade de 
responder a estímulos e 2) as células da glia, que apresentam a função de 
defesa, revestimento e isolamento, ocupando o espaço entre os neurônios, e 
ainda participam de outras funções importantes abordadas mais adiante neste 
capítulo. 
 No sistema nervoso central (SNC) há uma segregação entre os corpos 
celulares dos neurônios e seus prolongamentos, fazendo com que sejam 
reconhecidas duas porções distintas, denominadas substância branca e 
substância cinzenta. A substância cinzenta é formada principalmente por corpos 
celulares de neurônios, células da glia e prolongamentos de neurônios 
amielínicos. A substância branca não contém corpos celulares de neurônios, 
sendo constituída por prolongamentos de neurônios mielinizados e por células 
da glia. 
 Dos principais componentes do tecido nervoso, o primeiro a ser 
abordado será o neurônio. 
 
 
Neurônios 
 
 Os neurônios são células nervosas altamente excitáveis, formadas por 
um corpo celular, que aloja o núcleo e do qual partem prolongamentos. Quase 
todos os neurônios apresentam 3 componentes básicos: 
1) Corpo Celular: é o centro trófico da célula, sendo também capaz de receber 
estímulos; 
2) Dendritos: prolongamentos numerosos especializados na função de receber 
os estímulos do meio ambiente, de células epiteliais sensoriais ou de outros 
neurônios; 
3) Axônio: prolongamento único especializado na condução de impulsos que 
transmitem informações do neurônio para outras células (nervosas, musculares 
e glandulares por exemplo). 
Capítulo 2 – Tecido Nervoso 
 
2 
 
 Vale ressaltar que os corpos celulares dos neurônios localizam-se 
somente na substância cinzenta. A substância branca não apresenta corpos de 
neurônios, mas apenas prolongamentos destes. No SNP os corpos dos 
neurônios são encontrados em gânglios e seus prolongamentos constituem os 
nervos. 
 
Corpo Celular 
 
 É o centro metabólico do neurônio, responsável pela síntese de todas as 
proteínas neuronais, bem como pela maioriados processos de degradação e 
renovação de constituintes celulares, inclusive de membrana. As funções de 
síntese e degradação justificam a presença das varias organelas envolvidas nas 
tais funções como riqueza em ribossomos, Reticulo Endoplasmático Rugoso e 
Liso, Complexo de Golgi e abundância em mitocôndrias relacionadas à síntese; 
e à riqueza em lisossomas chamados grânulos de lipofuscina comprovam a 
função de degradação. 
 A forma e o tamanho do corpo celular são variáveis. Por exemplo: os 
grânulos cerebelares situados no córtex do cerebelo estão entre os corpos de 
menor diâmetro do corpo humano medindo apenas 4-5μm, enquanto nesse 
mesmo córtex, as células de Purkinje estão entre as maiores com diâmetro 
entre 50-80μm. Quanto a forma, o corpo celular pode se apresentar em 
formato estrelado, piramidal ou arredondado. 
 
Dendritos 
 
 Em geral, são curtos assemelhando-se com galhos de árvore devido à 
ramificação profusa destes. Os dendritos aumentam, e muito, a superfície 
receptora dos neurônios, possibilitando a captação de grande variedade de 
estímulos, traduzindo-os em alterações do potencial de repouso da membrana. 
Axônio 
 
 A grande maioria dos neurônios, senão todos, possui apenas um axônio, 
que apresenta um formato cilíndrico de comprimento e diâmetro variáveis que 
se origina do corpo ou de um dendrito principal, em região denominada cone 
de implantação. Estruturalmente, apresenta o axolema (membrana plasmática) 
e o axoplasma (citoplasma axônico) contendo microtúbulos, neurofilamentos, 
retículo endoplasmático liso, mitocôndrias e vesículas. É capaz de gerar, em seu 
segmento, um potencial de ação ou impulso nervoso que significa uma 
alteração do potencial de membrana, capaz de repetir-se ao longo do axônio 
conservando sua amplitude de 70-110mV até atingir a terminação axônica. 
 Entretanto, podemos concluir que o axônio é especializado na geração e 
condução do potencial de ação. Tal especialização da membrana plasmática se 
Capítulo 2 – Tecido Nervoso 
 
3 
 
deve à presença de canais de sódio e potássio sensíveis à voltagem, isto é, 
canais que permanecem fechados no potencial de repouso da membrana e se 
abrem quando despolarizações de pequena amplitude os atingem. 
 
Morfologia 
 
 De acordo com sua morfologia, os neurônios podem ser classificados nos 
seguintes tipos: 
1) Neurônios Multipolares: apresentam mais de 2 prolongamentos celulares 
(vários dendritos e um axônio); 
2) Neurônios Bipolares: possuem um dendrito e um axônio (ex: neurônios 
bipolares da retina e do gânglio espiral do ouvido interno); 
3) Neurônios Pseudo-unipolares: próximo ao corpo celular, apresentam um 
prolongamento único, mas este logo se divide em dois, dirigindo-se um ramo 
para periferia formando a terminação nervosa sensitiva, e outro ramo para o 
SNC, estabelecendo contatos com outros neurônios. 
 
 
Neuróglia 
 
 São as células mais freqüentes do tecido nervoso que se relacionam com 
os neurônios tanto do SNC como do SNP, com funções estruturais e 
metabólicas. 
 No SNC, a neuróglia compreende os astrócitos, oligodendrócitos, 
micróglia e células ependimárias. 
 
Astrócitos 
 
 São as maiores células de neuróglia e sua proximidade morfológica a 
uma estrela fez com que fosse atribuída a esse tipo de células, seu nome. São 
caracterizadas por inúmeros prolongamentos que se dirigem no sentido da 
superfície dos órgãos do SNC (encéfalo e medula), onde irão formar uma 
camada localizada na superfície do tecido nervoso, logo abaixo da pia-máter. 
 Os astrócitos são reconhecidos por dois tipos: (1) astrócitos 
protoplasmáticos, localizados na substância cinzenta e; (2) astrócitos fibrosos, 
encontrados na substância branca. Ambos os tipos de astrócitos, através de 
expansões conhecidas como pés vasculares, apóiam-se em capilares 
sanguíneos. Pode-se dizer que estas células são de fundamental importância na 
constituição de barreira hematoencefálica. Seus processos contatam também os 
corpos neuronais, dendritos e axônios e, de maneira especial, envolvem as 
sinapses, isolando-as. Participam também do controle dos níveis de potássio 
extra neuronal, captando esse íon e, desta forma, contribuindo na manutenção 
Capítulo 2 – Tecido Nervoso 
 
4 
 
de sua baixa concentração extracelular. Compreendem o principal sítio de 
armazenagem de glicogênio no SNC havendo evidências de que podem liberar 
glicose para uso dos neurônios. 
 As cicatrizes que se formam no espaço deixado pelos neurônios do SNC 
mortos por doenças ou acidentes são constituídas por astrócitos e decorrem de 
hiperplasia (proliferação) e da hipertrofia (aumento de volume) dessas células. 
Esse processo de proliferação de células de glia chama-se gliose. 
 
Oligodendrócitos 
 
 São menores que os astrócitos e apresentam poucos prolongamentos. 
Essas células são encontradas tanto na substância branca quanto na cinzenta, 
apresentando-se nessa última, principalmente na proximidade dos corpos 
celulares dos neurônios, constituindo células satélites que formam uma 
simbiose com os neurônios. As células satélites dos gânglios nervosos (SNP) 
têm morfologia diferente e não são consideradas células da glia. Já na 
substância branca, os oligodendrócitos dispõem-se em fileiras, entre as fibras 
nervosas (oligodendrócitos interfasciculares) e são responsáveis pela formação 
da mielina em axônios do SNC. 
 
Micróglia 
 
 As células da micróglia são macrofágicas, fazendo parte do sistema 
mononuclear fagocitário com funções de remoção, por fagocitose de células 
mortas, detritos e microorganismos invasores; aumentam no caso de 
inflamação, especialmente pelo novo aporte de monócitos, vindos pela corrente 
sanguínea Nesse caso, são denominados microgliócitos reativos, podendo estar 
repletos de vacúolos digestivos, contendo restos celulares. 
 O corpo dessas células é alongado e pequeno, com núcleo denso e 
também alongado. São pouco numerosas, sendo encontradas tanto na 
substância branca como na cinzenta. 
 
Células Ependimárias 
 
 Estas células derivam do revestimento interno do tubo neural 
embrionário e se mantêm em arranjo epitelial, enquanto as demais daí 
originadas se diferenciam em células da neuróglia. São células que forram, 
como epitélio, as paredes dos ventrículos cerebrais e do canal central da 
medula espinhal e estão em contato com o líquido cefalorraquidiano encontrado 
nessas cavidades. 
 Nos ventrículos cerebrais, um tipo de célula ependimária modificada 
recobre tufos de tecido conjuntivo, rico em capilares sanguíneos, que se 
Capítulo 2 – Tecido Nervoso 
 
5 
 
projetam da pia-máter, constituindo os plexos coriódeos, responsáveis pela 
formação do líquido cefalorraquidiano. 
 
 A neuróglia periférica (do SNP) compreende as células satélites e as 
células de Schwann derivadas da crista neural. As primeiras envolvem pericários 
dos neurônios dos gânglios sensitivos e do Sistema Nervoso Autônomo 
enquanto as células de Schwann circundam os axônios, formando sua bainha 
de mielina. 
 
 
Fibras Nervosas 
 
 As fibras nervosas são constituídas por um axônio e suas bainhas 
envoltórias. Grupos de fibras nervosas formam os feixes ou tratos do SNC e os 
nervos do SNP. 
 Todos os axônios do tecido nervoso do adulto são envolvidos por dobras 
únicas ou múltiplas formadas por uma célula envoltória. Nas fibras nervosas 
periféricas, estas células são as de Schwann. No SNC as células 
envoltórias são os oligodendrócitos. Axônios de pequeno diâmetro são 
envolvidos por uma única dobra da célula envoltória, constituindo as fibras 
nervosas amielínicas. Nos axônios mais calibrosos acélula envoltória forma um 
dobra enrolada em espiral em torno do axônio. Quanto mais calibroso o axônio, 
maior o número de envoltórios concêntricos provenientes da célula de 
revestimento. O conjunto desses envoltórios concêntricos é denominado bainha 
de mielina e as fibras são chamadas fibras nervosas mielínicas. A condução do 
impulso nervoso é progressivamente mais rápida em axônios de maior diâmetro 
e com bainha de mielina mais espessa. A bainha de mielina é descontínua, pois 
se interrompe em intervalos regulares, formando os nódulos de Ranvier. O 
intervalo entre dois nódulos é chamado de internódulo. 
 
 
Nervos 
 
 Logo aos sair do tronco encefálico, da medula espinhal ou de gânglios 
sensitivos, as fibras nervosas motoras e sensitivas reúnem-se em feixes que se 
associam a estruturas conjuntivas (fibras colágenas), constituindo nervos 
espinhais e cranianos. Devido à cor da mielina, os nervos são esbranquiçados, 
exceto os raros nervos muito finos formados somente por fibras amielínicas. 
 O tecido de sustentação dos nervos é constituído por uma camada 
fibrosa mais externa de tecido conjuntivo denso, o epineuro, que reveste o 
nervo e preenche os espaços entre os feixes de fibras nervosas. Cada um 
Capítulo 2 – Tecido Nervoso 
 
6 
 
desses feixes é revestido por uma bainha de várias camadas de células 
achatadas, justapostas, o perineuro. Dentro da bainha perineural encontram-
se os axônios, cada um envolvido pela bainha das células de Schwann (já que 
nervo existe apenas no SNP), com sua lâmina basal e um envoltório conjuntivo 
constituído principalmente por fibras reticulares, chamado endoneuro. 
 
 
Referências 
 
1. Junqueira LC, Carneiro J. Histologia básica. 9th Ed. Rio de Janeiro: 
Guanabara Koogan; 1999. 
 
2. Machado CRS. Tecido nervoso. In: Machado ABM. Neuroanatomia funcional. 
São Paulo: Atheneu; 2002.17-33. 
1 
 
Capítulo 3 – Sinapses 
Correntes que geram vida 
 
 
Augusto Valadão Junqueira 
 
Introdução 
 
 Antes de mais nada, entenda o seguinte: uma "sinapse" é um local, uma 
região, um espaço físico. É o ponto de contato entre dois neurônios. 
Dependendo de onde for esse ponto em cada neurônio, poderemos ter 
diferentes tipos de sinapse: axodendrítica (ou seja, entre o axônio de um 
neurônio e o dendrito de outro – o tipo mais comum), axossomática (entre um 
axônio e um corpo neuronal, também chamado de soma) e ainda outros tipos 
menos comuns, como axoaxônicas, dendrodendríticas e somatossomáticas. 
 Existem basicamente dois tipos de sinapse: as sinapses elétricas e as 
sinapses químicas. As químicas são as únicas que permitem modulação de 
informações, sendo as predominantes no ser humano. Quase tudo que 
estudaremos sobre sinapses será referente às sinapses químicas, bem mais 
sofisticadas e complexas. As sinapses elétricas servem como um mecanismo de 
sincronização celular, como veremos a seguir. 
 
 
Sinapses elétricas 
 
 O termo-chave das sinapses elétricas é junção comunicante. As 
sinapses elétricas são representadas por junções comunicantes (GAP junctions) 
que tornam as células nervosas acopladas entre si, permitindo assim uma 
comunicação rápida e eficaz entre elas. A junção comunicante liga o citoplasma 
de cada célula, permitindo alto nível de interação intercelular. 
 Forma-se, em geral, uma cadeia de células nervosas unidas pelas 
junções comunicantes, e portanto um potencial de ação gerado em uma delas 
irá se propagar imediatamente para as células vizinhas, indiferente a qualquer 
sentido de passagem da informação. Existem junções comunicantes 
unidirecionais (chamadas junções retificadoras), mas o mais comum são 
aquelas em que um sinal gerado se difunde em todas as direções. 
 Nas células acopladas pelas sinapses elétricas não há processamento de 
informações, e portanto os potenciais gerados inicialmente se mantêm 
inalterados até o fim da cadeia. Há uma clara desvantagem nisso, já que dessa 
forma não há como modular sinais recebidos, condição sine qua non para todas 
Capítulo 3 – Sinapses 
 
2 
 
as avançadas funções neurais vistas no ser humano. Mas há também uma 
vantagem: a rapidez de transmissão permite a sincronização de numerosas 
populações de células acopladas, algo de grande importância, por exemplo, 
para a visão. 
 
 
Sinapses químicas 
 
 Nas sinapses químicas há um espaço entre um neurônio e outro, a fenda 
sináptica. Isso gera dois "lados" na sinapse: uma membrana pré-sináptica, do 
neurônio por onde vem o impulso, e uma membrana pós-sináptica, do neurônio 
para onde o impulso seguirá. Não bastasse isso para diferenciá-las das sinapses 
elétricas, há ainda diversas especializações específicas nas membranas pré- e 
pós-sinápticas de cada sinapse química. As propriedades específicas das 
sinapses químicas permitem que elas sejam processadoras de sinais, 
enquanto as elétricas são apenas sincronizadores celulares. 
 Enquanto na sinapse elétrica o agente transmissor é uma corrente 
iônica, na sinapse química a função de transmitir a mensagem entre um e outro 
neurônio será feita por um transmissor químico, o chamado neurotransmissor. 
As especializações das membranas sinápticas servirão para possibilitar a 
produção, liberação, captação e remoção desses neurotransmissores. 
 No terminal pré-sináptico (onde se encontra a membrana pré-sináptica) 
há vesículas sinápticas, zonas ativas e grânulos de secreção. As vesículas 
sinápticas são estruturas de armazenamento para os neurotransmissores, que 
são pequenas moléculas produzidas no próprio terminal sináptico. As zonas 
ativas possuem duas funções principais: liberam cálcio no interior do terminal 
(como será visto adiante) e servem como ancoradouros para as vesículas 
sinápticas, durante o processo de transmissão sináptica que será descrito no 
próximo parágrafo. Nos grânulos de secreção ficam armazenados os 
neuromoduladores, que são produzidos no soma neuronal e então 
transportados ao terminal sináptico. As diferenças entre neurotransmissores e 
neuromoduladores serão discutidas mais adiante. 
 A transmissão sináptica na sinapse química é um processo dígito-
análogo-digital, isto é, começa de forma digital (impulso elétrico que vem pelo 
neurônio pré-sináptico), torna-se analógico (neurotransmissores transmitindo a 
mensagem na fenda sináptica) e volta a ser digital (um novo impulso elétrico é 
gerado pelo potencial de ação criado na membrana pós-sináptica). Analisemos 
esse fenômeno passo a passo. A corrente iônica (ou potencial de ação – PA) 
que chega na membrana pré-sináptica faz com que canais de 𝐶𝑎2+ voltagem-
dependentes localizados nas zonas ativas sejam abertos, causando influxo de 
cálcio para o interior do terminal pré-sináptico. O aumento na concentração do 
Capítulo 3 – Sinapses 
 
3 
 
𝐶𝑎2+ intracelular faz com que as vesículas sinápticas se fundam com a 
membrana pré-sináptica, ancorando-se nas zonas ativas (por onde o cálcio 
entrou) para liberar seu neurotransmissor na fenda sináptica. Essa liberação 
pode ser feita de duas maneiras: a) por formação de um poro transitório 
quando a vesícula se une à membrana axoplasmática (membrana plasmática do 
terminal do neurônio); b) por exocitose completa da vesícula, que se fragmenta 
na fenda sináptica, com posterior endocitose que a faz voltar para o neurônio 
pré-sináptico. 
 Uma vez liberados na fenda sináptica, os neurotransmissores se ligam a 
receptores moleculares presentes na membrana pós-sináptica. Os 
receptores (que podem ser ionotrópicos ou metabotrópicos) irão então iniciar 
diferentes processos que afetarão a membrana do neurônio pós-sináptico, 
gerando um novo potencial de ação que enviará a mensagemadiante, 
novamente na forma elétrica. As sinapses químicas, seguindo todo esse 
processo descrito, são estritamente unidirecionais. 
 O neurotransmissor presente na fenda sináptica precisa também ser 
removido, ou passará a exercer uma ação tóxica. A remoção é feita por um 
dentre três processos, dependendo do neurotransmissor em questão: a) difusão 
lateral, em que o neurotransmissor naturalmente "escorrega" para os lados, até 
que saia da fenda; b) recaptação, em que o neurotransmissor volta ao neurônio 
pré-sináptico por ação de proteínas transportadoras específicas (principal meio 
de término das ações das catecolaminas); c) degradação, um processo 
enzimático que quebra o neurotransmissor em seus substratos (principal meio 
usado para terminar as ações da acetilcolina, que é degradada pela enzima 
acetilcolinesterase). 
 Como se pode ver, na sinapse química ocorre um processo bem mais 
sofisticado que na sinapse elétrica. Isso permite que ela module as informações 
que passam por ela. É de fundamental importância que um fato nunca seja 
esquecido: a variação de efeitos que as sinapses químicas podem ter não 
depende tanto da variedade de neurotransmissores quanto depende da 
diferença entre os receptores. Ou seja, o que define a ação de uma sinapse não 
é o neurotransmissor liberado nela, mas sim o receptor que se encontra na 
membrana pós-sináptica. A acetilcolina, por exemplo, exerce função excitatória 
na placa motora (onde há receptores nicotínicos musculares), mas é inibitória 
quando liberada pelo sistema parassimpático no coração (onde prevalecem os 
receptores muscarínicos 𝑀2). Outro fator que também interfere no efeito de 
uma transmissão sináptica é a presença de neuromoduladores, que serão 
estudados ainda neste capítulo. Tendo em vista a importância dos receptores 
moleculares, veremos em mais detalhes os dois tipos existentes. 
 
 
Capítulo 3 – Sinapses 
 
4 
 
Receptores ionotrópicos x metabotrópicos 
 
 O receptor molecular de uma transmissão sináptica serve não só para 
receber um neurotransmissor e gerar um novo potencial de ação no neurônio 
pós-sináptico (ação imediata), como também para modular a excitabilidade da 
própria sinapse, preparando-a para as próximas transmissões (ação 
antecipatória). Uma sinapse, assim, pode ser excitatória (em que há um 
potencial pós-sináptico despolarizante, aproximando do limiar o potencial de 
repouso da zona de disparo do neurônio) ou inibitória (em que há um 
potencial pós-sináptico hiperpolarizante, que afasta do limiar de disparo o 
potencial de repouso da membrana pós-sináptica). A forma como isso é feito, 
entretanto, difere os receptores em duas classes: os ionotrópicos e os 
metabotrópicos. 
 Os receptores ionotrópicos são representados pelos receptores de 
canais iônicos. Eles têm uma ação mais rápida, pois são eles próprios os 
canais por onde a troca de íons (como o influxo de 𝑁𝑎+ e a saída de 𝐾+) se 
realizará no neurônio pós-sináptico. A ligação do neurotransmissor em um 
receptor ionotrópico causa neste uma mudança de conformação tridimensional 
(alosteria), abrindo assim o canal (isto é, o próprio receptor) e permitindo a 
passagem iônica através da membrana. Se o receptor fizer com que predomine 
o influxo de 𝑁𝑎+ para dentro da célula nervosa (o neurônio pós-sináptico), 
provocará a despolarização da membrana pós-sináptica e/ou irá gerar um 
potencial pós-sináptico excitatório (PPSE, já citado como despolarizante). 
Se, ao contrário, o receptor facilitar a entrada de 𝐶𝑙− ou a saída de 𝐾+, causará 
um estado de hiperpolarização: é o potencial pós-sináptico inibitório (PPSI, 
referido acima como hiperpolarizante). A transmissão sináptica rápida desses 
receptores é vista na maioria das ações motoras e dos processamentos 
perceptivos no sistema nervoso. 
 Os receptores metabotrópicos são representados por três classes 
principais (receptores acoplados à proteína G, receptores ligados a 
quinase e receptores nucleares), que comandam os canais iônicos 
indiretamente. Neste caso, a função de receber e a função de executar são 
feitas por estruturas diferentes. O receptor irá apenas reconhecer o 
neurotransmissor e ativar uma molécula acoplada ao interior da membrana 
(como por exemplo a proteína G), que será então responsável pelas alterações 
pós-sinápticas que culminarão com a formação de um potencial de ação. A 
molécula intermediária do receptor metabotrópico pode fazer isso de duas 
maneiras: alterando diretamente a atividade de canais iônicos (utilizando-se 
para isso de proteínas efetoras que completam o efeito da transmissão 
sináptica, como acontece no caso dos receptores acoplados a uma proteína G 
efetora) ou ativando uma cascata de segundos mensageiros que acabarão por 
Capítulo 3 – Sinapses 
 
5 
 
fazer o mesmo (como acontece com os receptores acoplados a uma proteína G 
transdutora). A ação dos receptores metabotrópicos é mais lenta, relacionando-
se a estados emocionais, humor, vigília e algumas formas simples de 
aprendizagem e memória. 
 
 
Neurotransmissores x neuromoduladores 
 
 Revendo tudo o que já foi dito, podemos ter uma boa noção da diferença 
entre neurotransmissores e neuromoduladores: os neurotransmissores agem de 
forma imediata, passando adiante uma mensagem no momento em que são 
liberados na fenda sináptica. Eles podem criar potenciais excitatórios e 
inibitórios na sinapse, sim, mas neste caso mais por efeito dos receptores 
moleculares que do neurotransmissor; os neuromoduladores, por outro lado, 
como o nome sugere, focam-se na modulação do estado de excitabilidade 
sináptica, facilitando ou dificultando a ação dos neurotransmissores que serão 
eventualmente liberados. 
 Os neurotransmissores, em sua maioria, são pequenas moléculas 
transmissoras sintetizadas no citoplasma do terminal sináptico e então 
capturadas e concentradas em vesículas (as vesículas sinápticas), onde ficam 
protegidas das enzimas de degradação presentes no citosol da célula nervosa. 
Exemplos consagrados são a acetilcolina (usada nas sinapses 
neuromusculares, nas sinapses pré-ganglionares do sistema nervoso vegetativo 
e nas pós-ganglionares da divisão parassimpática, além de diversas sinapses 
em todo o encéfalo, sendo produzida no núcleo basal de Meynert e liberada 
então para todo o córtex cerebral), as aminas biogênicas (representadas pelas 
catecolaminas – dopamina, noradrenalina e adrenalina –, a serotonina e 
a histamina), os aminoácidos transmissores (glutamato, GABA e glicina) e 
as purinas (o ATP – famoso por sua função de gerar energia ao ser quebrado 
nas mitocôndrias das células, o que, como estamos vendo agora, não é sua 
única função – e um de seus substratos, a adenosina). Em negrito neste 
parágrafo estão alguns dos neurotransmissores mais conhecidos e estudados. 
 Os neuromoduladores não servem para criar um potencial de ação 
imediato. Eles apenas alteram o estado da sinapse: modulam a liberação de 
transmissores, a sensibilidade dos receptores ou a excitabilidade elétrica da 
célula pós-sináptica. Não são "pequenas moléculas", como dito para os 
neurotransmissores, mas sim neuropeptídeos (grandes moléculas que só 
podem ser produzidas no corpo neuronal, sendo então levadas ao terminal 
sináptico, onde ficarão nos grânulos de secreção) ou gases (como o NO, 
produzidos apenas no momento de sua liberação, por não ser possível retê-los 
em nenhuma estrutura). Os neuromoduladores se ligam a receptores 
Capítulo 3 – Sinapses 
 
6 
 
metabotrópicos e, através da molécula intermediária (proteína G ou uma 
tirosina quinase, por exemplo), acabam por ativar segundos mensageiros 
(como o AMPc) que afetarão a célula nervosa pós-sinápticaapós uma cascata 
de reações. 
 
 
Placa motora: acetilcolina 
 
 A sinapse neuromuscular é um dos locais mais bem elucidados acerca 
da transmissão sináptica. Como é um contato nervo-músculo, trata-se de uma 
sinapse do SNP. Sendo assim, há uma importante peculiaridade a ser notada: a 
sinapse não será entre dois neurônios, como descrito até aqui, mas sim entre 
um neurônio e uma fibra muscular. A região da fibra muscular especializada 
para sediar uma sinapse é análoga à "membrana pós-sináptica", por ser 
também o lado final da sinapse. Essa região é chamada de placa motora. É 
simples de ser estudada e entendida, pois nela há basicamente um 
neurotransmissor (a acetilcolina) e um tipo de receptor (o receptor 
nicotínico muscular, que é um exemplo de receptor ionotrópico), ao 
contrário das sinapses no SNC (que envolvem diversos neurotransmissores e 
diferentes receptores simultaneamente). 
 Um neurotransmissor, um receptor, um efeito. É assim que funciona a 
junção neuromuscular: ativação direta. O clássico liga/desliga, como se fosse 
uma espécie de interruptor. A fibra muscular está ou contraída ou relaxada; é 
verdade que um músculo pode possuir diferentes graus de contração, mas isso 
acontece porque em um músculo existem diversas fibras: a quantidade de 
fibras contraídas é o que define o estado de contração do músculo como um 
todo. Vista como unidade isolada, a fibra muscular permanece toda contraída 
ou toda relaxada. 
 Quando um potencial de ação (PA) chega ao terminal nervoso de um 
neurônio motor pré-sináptico, causa a liberação de acetilcolina (ACh) na fenda 
sináptica pelos processos já explicados. Atingindo então a placa motora do 
outro lado da fenda sináptica, a ACh é captada pelos receptores nicotínicos 
(ionotrópicos) e faz com que eles se abram, liberando o fluxo de íons através 
da fibra muscular pós-sináptica. O influxo resultante de íons 𝑁𝑎+ produz o 
potencial sináptico despolarizante chamado potencial da placa motora, que é o 
que gera a corrente elétrica para causar a contração do músculo. Terminada a 
transmissão, a ACh é rapidamente degradada pela enzima acetilcolinesterase 
liberada na fenda sináptica. A placa motora volta ao seu potencial de 
membrana (potencial de repouso) e a contração termina. 
 Importante notar que os receptores nicotínicos da placa motora são 
canais dependentes de ligantes, e por isso bem diferentes dos canais 
Capítulo 3 – Sinapses 
 
7 
 
voltagem-dependentes, porque: a) os canais voltagem-dependentes 
costumam ser seletivos para um tipo específico de íon (passagem de 𝑁𝑎+ ou 
𝐾+), precisando ser ativados conjuntamente em sequência para gerar o 
potencial de ação corretamente, enquanto o canal dependente de ligante gera 
sozinho os potenciais da membrana pós-sináptica (a placa motora, no caso) ao 
permitir passagem tanto de 𝑁𝑎+ como de 𝐾+), com permeabilidade 
praticamente igual; b) o influxo de 𝑁𝑎+ nos canais voltagem-dependentes é um 
processo chamado de regenerativo, pois quanto mais canais se abrem, mais 
canais se abrem: uma vez iniciado o potencial de ação, ele é propagado até 
que todos os canais estejam abertos, seguindo o princípio do tudo-ou-nada. Os 
canais dependentes de ligantes, por outro lado, abrem-se em relação direta 
com a quantidade de ACh disponível. A despolarização produzida nesse caso 
não leva à abertura de mais canais ativados pelo transmissor. Para se ter uma 
ideia, se os canais nicotínicos musculares fossem voltagem-dependentes, toda a 
musculatura de uma dada região iria se contrair involuntariamente quando 
tentássemos contrair apenas um músculo – o que obviamente não acontece. 
 A sinapse neuromuscular descrita até aqui foi aquela referente à 
musculatura estriada esquelética (voluntária). Quando se diz placa motora 
refere-se apenas aos músculos esqueléticos, mas como sabemos existem 
também dois outros tipos de musculatura – e em ambos a ACh é também 
utilizada. A acetilcolina, quando usada no coração pelo sistema parassimpático, 
encontra outro tipo de receptor nas células musculares cardíacas: o receptor 
muscarínico 𝑀2, um receptor metabotrópico hiperpolarizante (ou seja, de 
ação indireta e inibitória: completamente oposto ao nicotínico) responsável pelo 
efeito de bradicardia da ação parassimpática. A ACh é também usada pelo 
sistema parassimpático na musculatura lisa, onde há uma associação entre os 
dois tipos de receptores colinérgicos. 
 
 
Sinapses no sistema nervoso central 
 
 A sinapse neuromuscular difere das sinapses centrais basicamente por 
três motivos: 1) uma fibra muscular é geralmente inervada por um único 
neurônio motor, ao passo que uma célula nervosa central conecta-se com 
centenas de outros neurônios; 2) as aferências recebidas pelas células 
musculares são sempre excitatórias, enquanto as células nervosas centrais 
recebem também impulsos inibitórios; 3) na placa motora é usado apenas um 
tipo de neurotransmissor, a acetilcolina, que ativa um único tipo de receptor, o 
nicotínico. No SNC diversos transmissores agem ao mesmo tempo em uma 
única célula, mediando sua atividade por diferentes canais iônicos. Os 
Capítulo 3 – Sinapses 
 
8 
 
neurônios centrais, portanto, diferentemente das fibras musculares, precisam 
integrar diversas aferências em uma única resposta coordenada. 
 O neurotransmissor excitatório mais comum no SNC é o glutamato, 
enquanto o inibitório mais usado é o GABA. Veremos como funcionam os 
receptores de cada um. 
 
 
Glutamato e seus receptores: NMDA e não-NMDA 
 
 Existem receptores glutametérgicos (que reconhecem o glutamato) tanto 
ionotrópicos (nos quais ele age de forma excitatória) quanto metabotrópicos 
(onde pode agir produzindo tanto excitação quanto inibição). Os receptores 
ionotrópicos são os que nos interessam agora. São divididos em três tipos: o 
NMDA (assim chamado por responder ao agonista glutamatérgico N-metil-D-
aspartato), o AMPA e o cainato. Esses últimos dois são geralmente agrupados, 
por serem muito semelhantes, sendo chamados em conjunto de não-NMDA. 
 O receptor glutamatérgico não-NMDA é o responsável por tirar a 
membrana de seu potencial de repouso, sendo permeável tanto ao 𝑁𝑎+ como 
ao 𝐾+ e funcionando de maneira muito parecida com a vista na placa motora 
(que é o padrão encontrado na maioria dos receptores ionotrópicos). 
 O receptor NMDA possui peculiaridades marcantes que merecem ser 
analisadas, diferenciando-o não só do não-NMDA como dos demais receptores 
ionotrópicos vistos no SN. Primeiro, ele é um canal catiônico de alta 
condutância, sendo permeável também ao 𝐶𝑎2+, ao passo que pelo não-NMDA 
passam apenas o 𝑁𝑎+ e o 𝐾+. Segundo, ele é ao mesmo tempo um canal 
dependente de ligante e um canal voltagem-dependente. O ligante para que ele 
funcione precisa ser uma combinação: não basta ser glutamato, é preciso 
também que haja a presença da glicina, um outro neurotransmissor, formando 
um processo de cotransmissão (como será visto adiante). A voltagem 
necessária para que ele se ative é também por um motivo diferente do 
habitual: normalmente, um canal voltagem-dependente precisa da corrente 
elétrica porque assim ele sofre alterações conformacionais por um sensor de 
voltagem intrínseco à membrana; nos canais de NMDA, há uma partícula 
bloqueadora extrínseca (o 𝑀𝑔2+), que se liga a um sítio na região de abertura 
do canal e o fecha como uma rolha, bloqueando o fluxo de corrente. Quando a 
membrana é despolarizada, o 𝑀𝑔2+ é expelido do canal por repulsão 
eletrostática, permitindo que o canal se abra. Essa despolarização inicial 
necessária é geralmente causada pelos receptores não-NMDA, de 
funcionamento mais simples e ativaçãomais rápida. Os receptores não-NMDA, 
portanto, são responsáveis pelo "começo" da transmissão glutamatérgica (a 
excitação propriamente dita), enquanto os NMDA, mais lentos e de ação 
Capítulo 3 – Sinapses 
 
9 
 
prolongada (principalmente pela presença dos canais de 𝐶𝑎2+), assumem a 
função de manter os potenciais de excitação por mais tempo. Esse processo é 
importante, por exemplo, em alguns mecanismos da aprendizagem. 
 
 
GABA e seus receptores: GABAA e GABAB 
 
 Enquanto a transmissão glutamatérica é o mais importante exemplo da 
ação de receptores despolarizantes (excitatórios), a transmissão GABAérgica é o 
principal exemplo do funcionamento visto nos receptores hiperpolarizantes 
(inibitórios). 
 O GABA age em dois receptores: o GABAA e o GABAB. O primeiro é 
ionotrópico e o segundo metabotrópico. Ambos são inibitórios, mas por motivos 
diferentes. O GABAA é um receptor que serve como canal para a passagem de 
cloreto. O influxo de 𝐶𝑙− é o que causa a hiperpolarização da célula pós-
sináptica. O GABAB, por sua vez, ativa uma cascata de segundos mensageiros 
(através de uma molécula intermediária como a proteína G, como vimos sobre 
os receptores metabotrópicos) que ativam canais de 𝐾+. A saída de 𝐾+ da 
célula, nesse caso, é o que causa a negatividade intracelular (isto é, o estado 
de hiperpolarização). 
 
 
Integração sináptica 
 
 Tendo em mente todas as informações dadas sobre as sinapses 
químicas, há ainda um fator a ser considerado: "os potenciais sinápticos 
produzidos por um único neurônio pré-sináptico são caracteristicamente 
pequenos e não são capazes de excitar uma célula pós-sináptica 
suficientemente para que esta alcance o limiar para um potencial de ação" 
(Kandel et al., 2003). Tem-se assim uma questão que não pode ser resolvida 
simplesmente pela cotransmissão (uso de dois ou mais neurotransmissores na 
mesma sinapse, como glutamato e glicina) nem pela coativação (funcionamento 
conjunto de dois ou mais receptores, como o não-NMDA e o NMDA). 
 Esse problema, visto principalmente no SNC, é resolvido por dois fatores: 
o espaço e o tempo. A somação espacial (vários neurônios pré-sinápticos 
agindo para estimular um mesmo neurônio pós-sináptico ao mesmo tempo) e a 
somação temporal (um ou mais neurônios pré-sinápticos estimulando um 
neurônio pós-sináptico na mesma região várias vezes, até que ele se ative) são 
os dois mecanismos responsáveis pela produção do potencial de ação na 
transmissão sináptica do SNC. 
Capítulo 3 – Sinapses 
 
10 
 
 Há, entretanto, um outro problema: nem todas essas somações são 
qualitativamente iguais. Alguns neurônios excitam, outros inibem, outros 
modulam cada hora de uma forma. Essas aferências competidoras que um 
mesmo neurônio recebe são nele integradas por um processo chamado 
integração neuronal ou sináptica. Essa integração reflete a tarefa com a 
qual o sistema nervoso é constantemente confrontado: a tomada de decisão. 
"Uma célula nervosa, em qualquer dado momento, tem duas opções: disparar 
ou não disparar um potencial de ação" (Kandel et al., 2003). Ou seja, a 
implicação final de tudo que vimos neste capítulo foi já colocada por 
Shakespeare através de seu personagem Hamlet há 400 anos atrás: ser ou não 
ser, eis a questão. 
 
 
"Quem não souber povoar sua solidão, 
também não conseguirá isolar-se entre a gente." 
— Charles Baudelaire, poeta francês do século XIX. 
 
 
 
Referências 
 
1. Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências: Desvendando o Sistema 
Nervoso. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. 
 
2. Guyton AC, Hall JE. Tratado de Fisiologia Médica. 11th ed. Rio de Janeiro: 
Elsevier; 2006. 
 
3. Haines DE. Neurociência Fundamental. 3rd ed. São Paulo: Elsevier; 2006. 
 
4. Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM. Princípios da Neurociência. 4th ed. 
Barueri: Manole; 2003. 
 
5. Lent R. Cem Bilhões de Neurônios. 1st ed. São Paulo: Atheneu; 2005. 
 
 
1 
 
Capítulo 4 – Medula Espinhal 
Pilares de uma estrutura viva 
 
 
Augusto Valadão Junqueira 
 
 
O centro do centro 
 
 O dicionário define medula como "centro, âmago, parte essencial". 
Temos, assim, a medula espinhal, a medula óssea, a medula da adrenal, o 
centro medular do cerebelo e qualquer outra coisa que se refira à parte central 
de algo. É importante diferenciarmos, portanto, cada uma dessas estruturas em 
que a palavra "medula" é empregada. A medula espinhal está no centro da 
espinha dorsal, isto é, da coluna vertebral. A medula óssea está obviamente 
dentro dos ossos, bem como a medula da adrenal é a parte central desta 
glândula. O centro medular do cerebelo, como veremos no capítulo específico 
do cerebelo, é — surpresa! — a região central do cerebelo. No estudo da 
neurologia, para fins práticos, sempre que dissermos apenas "medula" será 
uma referência à medula espinhal. 
 A medula é parte do sistema nervoso, e portanto terá tudo que foi dito 
no capítulo introdutório: neurônios e células gliais, divididos em substância 
cinzenta e substância branca, com neurotransmissores sendo liberados em 
sinapses que conectam os diversos neurônios. É também, mais 
especificamente, parte do sistema nervoso central. Se lembrarmos do que isso 
significa, entenderemos que ela deve estar envolta por uma estrutura óssea. E 
está: é circundada pelas vértebras, que em seu conjunto formam a coluna 
vertebral. Uma característica especial do sistema nervoso central é a presença 
do envoltório meníngeo, como já foi comentado. Veremos a importância de 
cada um desses pontos. 
 
 
Vista longitudinal da medula 
 
 Limitando-se cranialmente com o bulbo (a parte mais inferior do tronco 
encefálico), a medula vai até a altura do forame magno do crânio, onde há uma 
rápida alteração tecidual entre a região medular e a região bulbar. 
Caudalmente, a medula termina ao nível da vértebra L2 (ela de fato não 
acompanha a coluna vertebral até o final, como muitos poderiam pensar). Esse 
dado será importante, guarde-o. Guarde também o motivo de ser assim: o 
Capítulo 4 – Medula Espinhal 
 
 
2 
 
crescimento neural medular é mais lento que o crescimento ósseo ao longo do 
processo embriológico, e por isso a coluna vertebral (óssea) acaba por ficar 
maior que a medula espinhal (neural). Fenômeno oposto ocorre no córtex 
cerebral e cerebelar: como o crescimento neural dessas regiões é mais 
acelerado que o ósseo, elas acabam se dobrando de modo a formar giros e 
sulcos (ou folhas e fissuras), como ainda será visto. A medula termina afilando-
se, formando em sua extremidade inferior uma ponta aguda conhecida como 
cone medular. 
 Segmentos medulares. Eis aqui um tópico que merece ser estudado 
com atenção. Lembra-se da divisão das vértebras? Cervicais (7), torácicas (12), 
lombares (5), sacrais (5) e coccígeas (4). A medula também terá todas essas 
divisões, e a nomenclatura também será igual era feito para as vértebras (C2, 
T1, L4, etc.). Mas muita calma nessa hora: as divisões das vértebras não são as 
mesmas da medula. A vértebra T10, por exemplo, não está necessariamente 
relacionada com o segmento T10 da medula. Isso é o que gera mais confusão 
nesta parte da matéria, porque muitas vezes há uma ambiguidade sobre uma 
sigla como L2 se referir a um nível vertebral ou a um segmento medular. Preste 
sempre atenção se a sigla referida é uma vértebra ou um segmento da medula. 
Seria plausível esperar que os segmentos medulares fossem correspondentes 
aos níveis vertebrais, mas isso nem sempre acontece. O que corresponde entre 
os dois é apenas a projeção dos segmentos medulares, que de fato é 
equivalente a cada vértebra: as raízes (maissobre elas abaixo) que emergem 
da vértebra T7, por exemplo, são mesmo as correspondentes ao segmento T7 
da medula. Veja a imagem abaixo para entender a fundamental diferença entre 
a projeção de um segmento medular e o segmento medular propriamente dito 
(as projeções saem completamente da altura de seu segmento de origem – 
cursando para baixo – antes de atravessar uma vértebra). Isso acontece 
também por um motivo embriológico: muito embora a parte óssea cresça mais 
que a parte neural, no começo as duas são niveladas e por isso as vértebras 
"puxam" as raízes consigo ao crescer para baixo no desenvolvimento do 
embrião. 
 A projeção do primeiro segmento medular passa por cima da primeira 
vértebra, e por isso o C1 do segmento medular vem antes do C1 da primeira 
vértebra cervical. Sendo assim, com uma observação geométrica simples, 
entenderemos que os segmentos cervicais são em um a mais que as vértebras 
cervicais. Abaixo da vértebra C7 emerge a projeção do segmento C8 da 
medula, e a partir daí todas as projeções emergentes são as mesmas da 
vértebra em questão. Logo abaixo da vértebra T1 emergem as raízes do 
segmento T1, abaixo da vértebra T4 emergem as do segmento T4 e assim por 
diante, até chegar na primeira vértebra coccígea, abaixo da qual emerge o 
ramo Co1 (existe apenas um segmento coccígeo medular, uma exceção — 
Capítulo 4 – Medula Espinhal 
 
 
3 
 
todos os outros além dos cervicais e do coccígeo correspondem ao número de 
vértebras, isto é: 12 torácicos, 5 lombares e 5 sacrais; a parte cervical possui 8 
segmentos e a coccígea apenas um, o que difere das 7 vértebras cervicais e 
das 4 coccígeas). 
 
 
Figura 4.1 – Vista longitudinal da medula, evidenciando os segmentos medulares e suas raízes. Na 
região da cauda equina não há medula, apenas raízes. Entenda que nesta vista “de lado” 
teoricamente não deveríamos ver as projeções das raízes (que saem de cada lado da medula) desta 
forma (além de elas não serem tão compridas), as projeções da imagem são apenas didáticas. 
(Ilustrações: William de Andrade) 
 
 Cada segmento medular projeta dois ramos de cada lado (uma raiz 
ventral e uma raiz dorsal), que atravessam os forames intervertebrais para 
sair do sistema nervoso central, passando a constituir o sistema nervoso 
periférico. Após um curto trajeto, essas duas raízes se unem, formando a partir 
daí um nervo espinhal. Se observar bem alguma imagem que ilustre as raízes 
Capítulo 4 – Medula Espinhal 
 
 
4 
 
medulares, verá que a raiz dorsal possui uma dilatação antes de sua fusão com 
a raiz ventral para formar um nervo: é o gânglio espinhal. Como foi dito no 
capítulo de introdução, um gânglio é um aglomerado de corpos de neurônios no 
sistema nervoso periférico (enquanto um aglomerado de corpos de neurônios 
no sistema nervoso central se chama núcleo). Os gânglios espinhais (existe um 
correspondente a cada segmento medular) são onde ficam os corpos dos 
neurônios sensitivos (pseudo-unipolares) da medula; com isso fica fácil 
entender que a raiz dorsal, onde ficam os gânglios espinhais (que são 
sensitivos), é a parte sensitiva da medula. A raiz ventral, por sua vez, é a 
parte motora. Isso é algo tão importante e será tão exaustivamente repetido 
que você dificilmente não irá eventualmente guardar, mas não custa avisar: 
não se esqueça das informações deste parágrafo, pois elas são fundamentais. 
Os componentes eferentes motores da medula (veiculados pela raiz ventral 
antes de desembocar no nervo comum) e os componentes aferentes sensitivos 
(trazidos à medula pela raiz dorsal) serão vistos em detalhes nos próximos 
capítulos. 
 O agrupamento das raízes nervosas dos últimos segmentos medulares 
recebe o nome de cauda equina. Como as raízes de cada segmento se projetam 
para baixo, é evidente que após o fim da medula poderão ser vistas ainda 
algumas raízes onde não mais há segmentos. Isto é a cauda equina. 
 
 
Vista transversal da medula 
 
 Lembremo-nos de algo que foi dito no primeiro capítulo. Na medula, da 
mesma forma que no tronco encefálico, a substância cinzenta (corpos de 
neurônios) é interna e a substância branca (fibras nervosas) é externa. A parte 
central vista no corte transversal da medula trata-se, portanto, da substância 
cinzenta, que no caso da medula assume um formato parecido com o da letra 
H, e por isso mesmo é chamada de H medular. Observe bem a imagem do 
corte transversal da medula apresentada a seguir e procure pelas colunas, 
pelos funículos e pelos sulcos. 
As colunas (ou cornos) são as partes do H medular, divididas em 
anterior, posterior e lateral (ou intermédia). A parte lateral está presente 
apenas entre os segmentos T1 e L2 e entre os segmentos S2 e S4 da medula, 
que é onde se encontram respectivamente os corpos dos neurônios pré-
ganglionares da divisão simpática e parassimpática sacral do sistema nervoso 
autônomo. Isso você não precisa saber agora em detalhes, guarde apenas que 
a coluna lateral existe somente de T1 a L2 e de S2 a S4 (segmentos medulares, 
não vértebras, lembre-se!) e que nela ficam os corpos celulares de neurônios 
do sistema nervoso autônomo (que é a parte eferente do sistema nervoso 
Capítulo 4 – Medula Espinhal 
 
 
5 
 
visceral, como vimos). As outras duas colunas serão mais importantes aqui. Na 
coluna anterior ficam os corpos dos neurônios motores da medula, 
chamados também de motoneurônios. Lembra-se que é pela raiz ventral que 
saem as fibras motoras do SNP? Pois é desses neurônios que elas partem, 
atravessando o sulco lateral anterior antes de formar a raiz ventral de algum 
segmento medular. Na coluna posterior ficam os neurônios ligados à 
sensibilidade, cujos impulsos aferentes chegam pela raiz dorsal de cada 
segmento medular para penetrar no H medular pelo sulco lateral posterior. 
Importante notar que os neurônios da coluna anterior são eferentes e por isso 
estão enviando informações (motoras), enquanto os da coluna posterior são 
aferentes e estão assim recebendo informações (de sensibilidade). O primeiro 
neurônio da via motora está no córtex cerebral, enquanto o primeiro da via de 
sensibilidade está no gânglio espinhal, já mencionado. Os detalhes e as 
exceções disso serão estudados nos próximos capítulos. 
 Os neurônios dessas colunas se organizam em núcleos (aglomerados de 
corpos de neurônios no SNC, não se esqueça) até certo ponto bem delimitados. 
Os da coluna anterior dividem-se em um grupo medial (que está presente em 
toda a extensão da medula e inerva a musculatura axial, ou seja, o "tronco" do 
corpo) e um grupo lateral (responsável por inervar a musculatura apendicular 
— os membros —, presente por isso apenas nas intumescências cervical e 
lombar, que dão origem respectivamente aos plexos braquial e lombossacral 
para inervar os membros superiores e inferiores). No núcleo lateral, os 
neurônios mais mediais inervam a musculatura proximal dos membros, 
enquanto os mais laterais inervam a musculatura distal. A coluna posterior é 
mais confusa e rica em núcleos, mas possui dois deles bem destacados: o 
núcleo torácico ou dorsal (presente apenas de T1 a L2, possui neurônios que se 
comunicarão com o cerebelo, responsáveis pela propriocepção inconsciente) e a 
substância gelatinosa (responsável pelo "portão da dor", um mecanismo que 
regula a entrada de impulsos dolorosos no sistema nervoso). 
 Pelos funículos passam as fibras ascendentes e descendentes que 
percorrem o interior da medula, ou seja, o interior da "parte baixa" do sistema 
nervoso central. Como vimos, conjuntos de fibras no SNP são chamados de 
nervos; no SNC são tratos, fascículos ou lemniscos, dependendo de sua 
espessura. Esses tratos, fascículose lemniscos estarão percorrendo os funículos 
da medula. Serão estudados em mais detalhes nos próximos capítulos. Os 
neurônios que percorrem os funículos são chamados de cordonais, enquanto 
aqueles eferentes que partem das colunas anteriores e laterais são chamados 
de radiculares (divididos entre viscerais e somáticos). Essa divisão não é muito 
importante, mas saiba que ela existe. Os neurônios cordonais são divididos em 
neurônios de projeção e neurônios de associação, e essa é a parte importante. 
As fibras dos neurônios de projeção são sempre longas e ascendentes, saindo 
Capítulo 4 – Medula Espinhal 
 
 
6 
 
da medula para terminar em alguma estrutura superior (tálamo, cerebelo, etc.). 
As fibras dos neurônios de associação integram diferentes segmentos 
medulares, podendo ser ascendentes ou descendentes. Percorrem o fascículo 
próprio, uma região que envolve o H medular, participando ativamente dos 
processos de reflexos intersegmentares que serão estudados no próximo 
capítulo. Tanto os neurônios cordonais quanto os radiculares são neurônios de 
axônio longo, evidentemente. Existem também neurônios de axônio curto, 
cujos prolongamentos permanecem sempre dentro da própria substância 
cinzenta (o H medular, no caso da medula), funcionando como interneurônios 
(nome que será amplamente explorado até o fim do período) que modulam 
alguma cadeia sináptica dos neurônios de axônio longo. Dentre eles cabe 
destacar as células de Renshaw, neurônios de axônio curto da porção medial da 
coluna anterior que atuam inibindo os neurônios motores da medula. No 
próximo capítulo falaremos em "interneurônios inibitórios dos motoneurônios". 
Quando isso acontecer, lembre-se dessas células de Renshaw. 
 Na região anterior ao canal central da medula encontra-se a chamada 
comissura branca, por onde passam as fibras que se cruzam na medula, 
como será comentado nos capítulos das vias descendentes e ascendentes. 
 Não se preocupe se ainda não entendeu bem como funciona tudo isso — 
o corte transversal da medula será muito melhor entendido depois dos estudos 
que serão feitos nos capítulos de vias descendentes e ascendentes. O mais 
importante neste capítulo é que você entenda o que são os segmentos 
medulares. Se não os entendeu bem, releia a seção que trata sobre eles e, se 
preciso, procure um monitor ou professor. É muito importante que entenda o 
que é um segmento medular para poder entender grande parte dos casos 
clínicos que serão estudados. 
 
Figura 4.2 – Raízes medulares. Observe que nesta imagem estão representados dois segmentos 
medulares (projetando um par de raízes ventrais e dorsais cada). 
Capítulo 4 – Medula Espinhal 
 
 
7 
 
 
Figura 4.3 – Vista transversal da medula. As colunas do H medular podem ser chamadas também de 
cornos. Alguns autores usam o termo “coluna” para se referir aos funículos, por isso tenha cuidado 
para não confundir. As duas nomenclaturas estão corretas. 
 
 
Meninges medulares 
 
Como tudo no SNC, a medula é envolta por três membranas fibrosas 
chamadas meninges. A mais externa é a dura-máter, formando em volta de 
toda a medula o chamado saco dural, que termina caudalmente em um 
fundo-de-saco ao nível da vértebra S2 (lembra-se que a medula propriamente 
Capítulo 4 – Medula Espinhal 
 
 
8 
 
dita vai só até L2? A porção final do saco dural é, então, uma região desprovida 
de medula). A do meio é a aracnóide, e a mais interna chama-se pia-máter. A 
pia-máter, tal como a dura-máter, também não acaba junto com a medula: ela 
continua até o hiato sacral, perfurando o fundo do saco dural (que terminou na 
vértebra S2, claramente antes do hiato sacral) e formando o filamento terminal. 
Imagine um saco dentro de outro saco; o saco interno é mais fino mas mais 
longo, perfurando a parte inferior do externo antes de terminar. Essa parte final 
perfurante do saco interno (a pia-máter) é o que se chama de filamento 
terminal. 
 Uma vez que as meninges formam três camadas, obviamente há um 
espaço entre cada uma delas. São os espaços meníngeos. O espaço entre a 
dura-máter e a camada óssea externa às meninges (o periósteo do canal 
vertebral) chama-se espaço epidural (ou extradural) e contém tecido adiposo e 
um plexo venoso (o plexo venoso vertebral interno). O espaço subdural (entre 
a dura-máter e a aracnóide) é virtual, isto é, na prática não existe muito 
claramente, já que as duas são intimamente relacionadas. O espaço 
subaracnóideo está sendo escrito em negrito, e por isso o astuto leitor já 
percebeu que é de todos o mais importante: localizado entre a aracnóide e a 
pia-máter, é onde fica o líquor (ou líquido cerebroespinhal ou ainda líquido 
encefalorraquidiano) que circula pela medula. O líquor é fundamental para o 
sistema nervoso central, pois serve como um lubrificante que impede o 
desgaste pelo atrito e amortece qualquer impacto sofrido pelo corpo, ajudando 
a proteger o SNC. 
 
 
"As únicas pessoas normais são aquelas que você não conhece bem." 
— Alfred Adler, psiquiatra austríaco do século XX. 
 
 
 
Referências 
 
1. Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências: Desvendando o Sistema 
Nervoso. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. 
 
2. Guyton AC, Hall JE. Tratado de Fisiologia Médica. 11th ed. Rio de Janeiro: 
Elsevier; 2006. 
 
3. Haines DE. Neurociência Fundamental. 3rd ed. São Paulo: Elsevier; 2006. 
 
Capítulo 4 – Medula Espinhal 
 
 
9 
 
4. Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM. Princípios da Neurociência. 4th ed. 
Barueri: Manole; 2003. 
 
5. Lent R. Cem Bilhões de Neurônios. 1st ed. São Paulo: Atheneu; 2005. 
 
6. Machado ABM. Neuroanatomia Funcional. 2nd ed. São Paulo: Atheneu; 2006. 
 
7. Rubin M, Safdieh JE. Netter Neuroanatomia Essencial. 1st ed. Rio de Janeiro: 
Elsevier; 2008. 
1 
 
Capítulo 5 - Vias Descendentes e Reflexos Motores 
O corpo afeta o mundo 
 
 
Augusto Valadão Junqueira 
 
 
Introdução 
 
 Quando estudamos a neurologia básica, precisamos ter em mente 
exatamente do que estamos falando. Poderá ser, de uma forma geral, sobre 
movimento, sobre sensibilidade ou sobre associação. Neste capítulo trataremos 
de um tema ligado ao movimento. 
 As vias descendentes podem estar relacionadas também com modulação 
sensorial ou motricidade visceral, mas as que estudaremos aqui estão ligadas 
exclusivamente ao controle do movimento somático (musculatura estriada 
esquelética), tanto a parte voluntária quanto a parte automática reflexa. 
"Descendentes" porque obviamente se originam em estruturas superiores do 
sistema nervoso central, seguindo um trajeto descendente. 
 Há basicamente duas divisões: o sistema lateral (ou via descendente 
lateral), que terminará nos neurônios laterais do corno anterior da medula, e o 
sistema medial (ou via descendente medial), que irá até os motoneurônios 
mediais. O primeiro compreende o trato córtico-espinhal lateral e o rubro-
espinhal, enquanto o segundo inclui os tratos córtico-espinhal anterior, retículo-
espinhal, vestíbulo-espinhal e tecto-espinhal (ou teto-espinhal). Veremos cada 
um em mais detalhes. 
 
 
As vias córtico-espinhais 
 
 Como o próprio nome diz, são vias que se originam no córtex cerebral e 
vão até a medula espinhal. Por isso vias córtico-espinhais. Quando é dito que 
elas se originam no córtex, você precisa entender o que isso significa: os corpos 
destes neurônios estão na substância cinzenta do córtex cerebral. Todo o resto 
dessas vias (desde a sua saída do córtex cerebral até a medula) será 
representado pelas fibras que são os axônios desses neurônios. Como vimos, 
no SNC o agrupamento de fibras é chamado de trato, fascículoou lemnisco. No 
caso das vias descendentes teremos tratos. Daí trato córtico-espinhal. 
 Os corpos desses neurônios estão localizados em uma região bem 
definida do cérebro, conhecida como córtex motor primário (ou M1). Existe 
um sulco que corta a região superficial central do cérebro de um lado a outro, 
Capítulo 5 – Vias Descendentes e Reflexos Motores 
 
2 
 
formando uma "metade anterior" e uma "metade posterior". Esse sulco se 
chama sulco central. A área imediatamente anterior a esse sulco é o giro pré-
central, por estar antes do sulco central. É no giro pré-central que se 
encontram os neurônios que darão origem ao trato córtico-espinhal. 
 O trato córtico-espinhal sai do córtex cerebral integrando a coroa 
radiada, passa entre os núcleos da base como parte da cápsula interna e ao 
chegar no tronco encefálico passa a ser um agrupamento de fibras mais bem 
definido. Você não precisa saber detalhes sobre essas estruturas, mas saiba 
pelo menos o que elas são: a coroa radiada é o maior conjunto de fibras (isto 
é, substância branca) que sai do córtex cerebral, passando a se chamar cápsula 
interna ao passar por entre os núcleos da base, que são agrupamentos de 
corpos de neurônios em meio à substância branca do encéfalo. 
 Ao chegar na metade inferior do bulbo, onde há uma estrutura bilateral 
conhecida como pirâmide, grande parte (cerca de 80%) das fibras do trato 
córtico-espinhal se cruza, atravessando a decussação das pirâmides para ir 
ao lado oposto antes de continuar a descer. Decussar é o mesmo que cruzar; 
decussação das pirâmides é a região do bulbo onde há o cruzamento dessas 
fibras, assim chamado por ficar entre as pirâmides de cada lado. As fibras que 
se cruzam vão descer pelo funículo lateral (lembra-se dos funículos da 
medula?) do lado oposto, constituindo o trato córtico-espinhal lateral, 
enquanto a pequena parte que não se cruza continua pelo funículo anterior 
do mesmo lado, formando o trato córtico-espinhal anterior. Por isso o trato 
córtico-espinhal lateral é também chamado de piramidal cruzado, enquanto o 
anterior é o piramidal direto. Mas muito cuidado nessa hora: logo antes de 
terminar seu trajeto na medula, o trato córtico-espinhal anterior também 
se cruza, atravessando o plano mediano pela comissura branca para inervar 
um motoneurônio medular do lado oposto ao que teve origem. Tem-se assim a 
seguinte situação: como ambos os tratos córtico-espinhais acabam por ser 
cruzados, o córtex de um hemisfério cerebral comanda os neurônios 
motores do lado oposto da medula e, por conseguinte, a musculatura do 
lado oposto do corpo. Nunca mais se esqueça disso. 
 
 
Via descendente lateral 
 
 Vimos que a origem dos dois tratos córtico-espinhais (lateral e anterior) 
é a mesma, mas seu destino é fundamentalmente diferente. O trato córtico- 
espinhal lateral (TCEL) terminará no núcleo lateral do corno anterior da medula, 
ou seja, os neurônios responsáveis pela inervação da musculatura apendicular. 
O trato córtico-espinhal anterior (TCEA), por sua vez, terminará no núcleo 
medial deste mesmo corno e portanto será visto na próxima seção. 
Capítulo 5 – Vias Descendentes e Reflexos Motores 
 
3 
 
 Além do TCEL, o trato rubro-espinhal termina também no núcleo 
lateral de motoneurônios. Tem esse nome pois é um feixe de fibras que se 
origina no núcleo rubro, um agrupamento de corpos neuronais do mesencéfalo. 
Lembre-se que o mesencéfalo é o componente superior das três divisões do 
tronco encefálico. As fibras do trato rubro-espinhal são cruzadas (diz-se 
contralaterais ou heterolaterais), da mesma forma que as do TCEL. Elas 
atravessam o plano mediano no tegmento mesencefálico (uma região do 
mesencéfalo), logo na altura de sua origem, descendo a medula pelo funículo 
lateral juntamente com o TCEL. Por tudo isso o trato córtico-espinhal lateral e o 
rubro-espinhal são chamados em conjunto de via descendente lateral. 
 Enquanto o TCEL se liga a todos os neurônios do grupo lateral do corno 
anterior da medula, o trato rubro-espinhal liga-se apenas a alguns deles. Como 
já foi estudado, a parte mais medial desses neurônios controla a musculatura 
proximal dos membros, enquanto a parte mais lateral é responsável pela 
musculatura distal (incluindo mãos, dedos...). Há uma discordância entre os 
autores sobre quais neurônios exatamente são inervados pelo trato rubro-
espinhal: alguns consideram que sejam os neurônios mais mediais (Machado, 
2006), enquanto outros defendem que sejam na verdade os neurônios mais 
laterais (Haines, 2006). O mais importante é saber que a função do trato rubro-
espinhal no ser humano é pequena, servindo apenas como um suporte ao 
TCEL. Em caso de lesão do trato rubro-espinhal (o que é raro acontecer 
isoladamente na prática) haveria uma certa perda de força nos membros do 
lado afetado, mas os movimentos finos seriam mantidos intactos pela ação do 
TCEL. Isso pode se manifestar, por exemplo, por tremores vistos principalmente 
mediante esforço físico do membro afetado. Já uma lesão do trato córtico-
espinhal lateral (e quando falamos isso entenda bem que pode significar tanto 
uma lesão no córtex motor, onde estão os corpos neuronais, quanto uma lesão 
nas fibras que deles se originam, em qualquer parte de seu longo trajeto – da 
mesma forma que no exemplo anterior a lesão poderia se dar tanto no núcleo 
rubro quanto nas fibras que dele partem para formar o trato rubro-espinhal), 
dada a maior importância funcional deste feixe, acarreta em uma perda 
completa das funções motoras complexas dos membros. Essa é uma função 
exclusiva do TCEL, não podendo ser compensada pela ação de outra via. 
 
 
Via descendente medial 
 
 É uma via cujos tratos terminarão na porção medial do corno anterior da 
medula, inervando os motoneurônios responsáveis pela musculatura axial (do 
"tronco"). 
 O primeiro componente da via descendente medial já foi visto: o trato 
córtico-espinhal anterior. Ele é responsável pela movimentação voluntária 
Capítulo 5 – Vias Descendentes e Reflexos Motores 
 
4 
 
(guarde isso: praticamente tudo que tem origem no córtex cerebral será o 
componente voluntário de alguma coisa) da musculatura axial do corpo. Vimos 
também que ele desce a medula pelo funículo anterior — o mesmo acontecerá 
com todos os tratos da via descendente medial, com a diferença que nem todos 
são cruzados. Veremos cada um. 
 O trato retículo-espinhal tem esse nome por se originar na formação 
reticular. A formação reticular é uma extensa e complexa estrutura do tronco 
encefálico com diversas funções, ocupando cada uma de suas três divisões. As 
porções ligadas à movimentação somática pertencem à formação reticular 
pontina e bulbar (isto é, a formação reticular presente na ponte e no bulbo). É 
ipsilateral (o mesmo que homolateral, o que quer dizer que não se cruza, 
terminando do mesmo lado do corpo em que se origina). Está também ligada 
aos movimentos axiais voluntários, além de ser o elemento-chave em alguns 
movimentos estereotipados (como o ato de caminhar) e em ajustes posturais 
antecipatórios, necessários para que o corpo entre em uma posição estável e 
firme antes que possamos exercer os movimentos finos que a via descendente 
lateral irá realizar (como firmar o braço antes de começar a escrever, ou o 
goleiro que flexiona as pernas antes de saltar). 
 O trato vestíbulo-espinhal se origina nos núcleos vestibulares, um 
conjunto de quatro núcleos (lateral, medial, superior e inferior, formando uma 
espécie de cruz) de cada lado no tronco encefálico, responsáveis por manter o 
equilíbrio da cabeça em relação ao corpo. Os núcleos de origem do trato 
vestíbulo-espinhal são o núcleo vestibular

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