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Monografia Conjectura de Poincaré

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GRADUAÇÃO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA
AMANDA SOARES BENTO
A CONJECTURA DE POINCARÉ: NOÇÃO INTUITIVA E O ENIGMA SOBRE O
FORMATO DO UNIVERSO
CEDRO- CE
2016
AMANDA SOARES BENTO
A CONJECTURA DE POINCARÉ: NOÇÃO INTUITIVA E O ENIGMA SOBRE O
FORMATO DO UNIVERSO
Monografia apresentada ao curso de Licen-
ciatura em Matemática do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
(IFCE) Campus Cedro, como requisito parcial
para obtenção do título de graduada em Licen-
ciada em Matemática.
Profº. Ms. Rafael Braz de Macêdo
CEDRO- CE
2016
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ficha elaborada pela Seção de Processamento Técnico da Biblioteca José Luciano 
Pimentel do IFCE – Campus Cedro. 
 
B478c Bento, Amanda Soares Bento. 
A Conjectura de Poincaré: noção intuitiva e o enigma sobre o formato 
do universo / Amanda Soares Bento. – Cedro, 2016. 
54f.: il. Color. 
 
 
Orientador: Prof. Me. Rafael Braz de Macêdo. 
Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Matemática) – 
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, 2016. 
 
1. Conjectura de Poincaré 2. Fluxo de Ricci. 3. Perelman. 4. Esfera 
Tridimensional. I. Bento, Amanda Soares. II. Título. 
 
CDD 510 
 
Dedico à meus pais Zélia e Rai-
mundo pelo apoio mediante às difi-
culdades e por acreditarem na con-
quista dos meus sonhos.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus por me conceder a força e a perseverança na busca
dos meus sonhos;
À meus pais, Zélia Soares e Raimundo Ferreira, por sempre mostrarem o melhor ca-
minho, apoiar minhas decisões, pela paciência e dedicação durante minha trajetória pessoal,
acadêmica e profissional.
À meu irmão Hálison Soares por acreditar na minha capacidade me incentivando a
seguir adiante.
À meu namorado e amigo André Sousa pelas palavras de ânimo nos momentos difíceis,
por me motivar mostrando o quanto sou capaz.
À meus familiares por reconhecerem minhas lutas e me apoiarem em quaisquer cir-
cunstâncias.
À meu orientador professor Ms. Rafael Braz de Macêdo pela paciência, conselhos,
apoio e confiança no meu trabalho.
À todos os meus professores que de certa forma contribuíram com o meu conhecimento
acadêmico e profissional, cujo resultado é demonstrado neste trabalho.
RESUMO
Este trabalho apresenta os conceitos que norteiam a conjectura de Poincaré desde a formulação
até a sua demonstração realizada em 2003. Espera-se que a efetivação deste trabalho propicie
a primeira aproximação com os conceitos de topologia algébrica, incentive estudos na área da
topologia ainda na graduação e contribua para a difusão de um problema protuberante para a
comunidade matemática. A importância da conjectura está na ideia de delinear uma maneira de
entender a forma do universo, uma variedade de dimensão três. Demonstrá-la nessa dimensão
representa uma enorme complexidade, por isso, foi eleito um dos sete problemas clássicos do
milênio. Além disso, três das quarenta e quatro Medalhas Fields foram concedidas por estu-
dos realizados acerca dessa conjectura. Utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica
mediante o uso de materiais acerca do contexto histórico, conteúdos da topologia e palestra
realizada sobre o assunto. Apoia-se na transposição dos dados em figuras, teoremas, lemas,
conjecturas e definições, sem deixar de relacionar cada momento com o seu contexto histórico.
Concluiu-se que é possível apresentar, ainda em nível de graduação, as ideias introdutórias da
Topologia, basta realizar uma pesquisa minuciosa dos materiais de estudo e entender a sequên-
cia lógica dos conceitos.
Palavras-chave: Conjectura de Poincaré. Fluxo de Ricci. Perelman. Esfera Tridimensional.
Lista de Figuras
1.1 Representação das pontes de Konigsberg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.2 Ponte sinuosa chinesa inspirada na fita de Möbius . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.3 Jules-Henri Poincaré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.1 Cilindro gerado pelos pares (θ, ω). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.2 Essas variedades são homeomorfas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.3 Homeomorfismo entre a caneca e o toro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.4 O círculo s e o quadrado t são variedades homeomorfas . . . . . . . . . . . . . 20
2.5 O toro e a esfera são exemplos de variedades não homeomorfas . . . . . . . . . 21
2.6 O cilindro é uma variedade bidimensional aberta ou com bordo. . . . . . . . . 21
2.7 O toro é uma variedade bidimensional fechada ou sem bordo. . . . . . . . . . . 22
2.8 Fita sendo transformada na fita de Möbius . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.9 Mapeamento do planeta bitoro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.10 Lista de superfícies orientáveis fechadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.11 A soma conexa de um toro com o bitoro gera o tritoro . . . . . . . . . . . . . . 24
2.12 Superfícies não-orientáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.13 Buraco de verme: uma característica topológica hipotética do contínuo espaço-
tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.14 O Toro é uma variedade fechada ou sem bordo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.15 Transformação de figura no dodecaedro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.16 Transformação do dodecaedro na esfera homológica de Poincaré . . . . . . . . 30
2.17 A esfera em duas e três dimensões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.18 O pretzel é usado para representar uma variedade com essas mesmas caracte-
rísticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.19 Enlaces presentes no toro e na esfera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.1 Steven Smale . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.2 Representação do teorema do h-Cobordismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3.3 A extração de dois discos da variedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.4 O que resta da variedade é equivalente a um cilindro . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.5 Colagem de n-discos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.6 Michael Freedman, vencedor da medalha Fields em 1986 . . . . . . . . . . . . 42
3.7 William Thurston . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.8 A soma conexa de dois toros por meio de cirurgia . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.9 Colagem de variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.10 Richard Hamilton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4
3.11 A deformação de uma variedade unidimensional . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3.12 Deformação de uma uma variedade tridimensional . . . . . . . . . . . . . . . 46
3.13 O fluxo de Ricci normalizado impede a expansão ou redução do universo . . . 47
3.14 O desenvolvimento de singularidade em variedade . . . . . . . . . . . . . . . . 48
3.15 Grigori Perelman, demonstrou a conjectura de Poincaré em três dimensões . . . 48
Sumário
Agradecimentos 2
Resumo 3
Lista de Figuras 4
Introdução 8
1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA TOPOLOGIA À CONJECTURA DE POINCARÉ 10
1.1 Os precursores da topologia e suas principais contribuições . . . . . . . . . . . 10
1.2 Jules-Henri Poincaré (1854−1912) e a Topologia Algébrica . . . . . . . . . . 13
1.2.1 A Formulação da Conjectura de Poincaré . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 18
2.1 Variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.1.1 A importância das Variedades . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . 18
2.2 Classificação de Superfícies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.2.1 Variedades Homeomorfas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.2.2 Variedades com bordo e sem bordo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.2.3 Orientabilidade de superfícies sem bordo ou fechadas . . . . . . . . . . 22
2.2.4 Variedades Orientáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.2.5 Variedades Não-orientáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.2.6 Variedade simplesmente conexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.3 Os números de Betti . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.4 A Esfera Homológica de Poincaré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.4.1 Construção da esfera homológica de Poincaré . . . . . . . . . . . . . . 29
2.4.2 Grupo Fundamental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3 O DESFECHO DA CONJECTURA DE POINCARÉ 37
3.1 A conjectura de Poincaré em dimensões superiores . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.1.1 A conjectura em dimensão quatro e superiores . . . . . . . . . . . . . 38
3.2 Conjectura da geometrização de Thurston . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.3 Noções gerais da demonstração da Conjectura de Poincaré . . . . . . . . . . . 44
3.3.1 O Fluxo de Ricci . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3.3.2 O problema das singularidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
3.3.3 Grigori Perelman demonstra a conjectura de Poincaré . . . . . . . . . . 48
3.3.4 Os passos da demonstração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Considerações Finais 52
Referências Bibliográficas 53
Introdução
No estudo de matemática é comum conhecer teoremas, eles são muito úteis na solução
de problemas em diversas subáreas. Os teoremas são suportes para o desenvolvimento de outros
conceitos e resolução de problemas. No entanto, poucos param para pensar na origem e no
quanto são significativos para a comunidade científica.
Ao desenvolver uma conjectura, os matemáticos se baseiam em suposições, criam uma
hipótese e tentam provar se realmente está coerente. Se a demonstração apresenta falhas, na
maioria das vezes, há quem as corrija. Considerando a importância da conjectura para o desen-
volvimento da sociedade, muitos matemáticos dedicam anos de sua vida na busca de soluções.
O esforço para ser o primeiro a realizar descobertas, muitas vezes, geram rivalidades, mas sem
elas o avanço da ciência seria tardio. Esses embates tornam-se importantes para a busca de ele-
mentos cruciais na solução de um problema. Além disso, o conhecimento científico matemático
necessita de análises até concretizar-se como verdade.
Até se tornar teorema de Hamilton-Perelman, a conjectura de Poincaré passou por re-
formulações e tentativas frustradas. Alguns matemáticos como Thruston e Hamilton tiveram as
contribuições mais próximas da demonstração realizada por Grigori Perelman em 2003. Este
último ficou considerado por muitos como o homem mais inteligente da atualidade, por des-
vendar um enigma que perdurava cerca de cem anos. A conjectura de Poincaré ficou conhecida
mundialmente, em especial, por Perelman recusar um milhão de dólares. O fato está presente
em noticiários como The New Yorker, no site Uol, BBC e Terra que usaram frases semelhantes
a “Gênio russo esnoba prêmio de um milhão de dólares após solucionar problema clássico”.
Notando-se a relevância da conjectura para a comunidade acadêmica de matemática,
este trabalho apresenta os conceitos da topologia que auxiliam no seu entendimento, acompa-
nhada da trajetória histórica até a sua demonstração. O primeiro capítulo faz uma contextuali-
zação histórica que remonta à época de Euclides. Na busca de relacionar cada matemático à sua
contribuição, são evidenciados os precursores da topologia algébrica. Em um contexto recente,
aborda-se a história de Henri Poincaré e como surgiram as primeiras ideias para a formulação
da conjectura.
O capítulo seguinte apresenta os termos da topologia considerados essenciais para en-
tender a conjectura e sua demonstração. É destacada a importância das variedades, suas classifi-
cações, o contraexemplo encontrado para a esfera homológica de Poincaré e o conceito de grupo
fundamental, importante na compreensão da conjectura. Ademais, ao apresentar as variedades
simplesmente conexas entende-se a relação desta com a possível forma do universo.
O último capítulo expõe o desfecho da conjectura de Poincaré, enfatizando os prin-
cipais personagens que contribuíram para desvendar o enigma. Apresenta-se a conjectura em
dimensões superiores a três, a conjectura da geometrização de Thurston, onde as variedades
foram reduzidas a um número de oito formas geométricas distintas e o fluxo de Ricci, utilizado
por Hamilton para deformar e verificar a equivalência das variedades com a esfera. Por fim, são
Introdução 9
descritos os passos seguidos por Perelman para o desfecho da conjectura.
A abordagem histórica relacionada aos conceitos topológicos, tem a finalidade de des-
pertar o interesse da comunidade acadêmica na busca de respostas para os problemas matemá-
ticos. A descrição dos termos da topologia procura incentivar pesquisas na área e gerar fascínio
pelo estudo de ideias que norteiam uma matemática recente. além disso, o trabalho apresenta as
noções da topologia que embasam a conjectura sem recorrer a cálculos de difícil compreensão,
apresentando apenas a ideia intuitiva.
Capítulo 1
ASPECTOS HISTÓRICOS DA
TOPOLOGIA À CONJECTURA DE
POINCARÉ
Este capítulo apresenta o contexto histórico acerca do surgimento da Topologia 1, des-
tacando a contribuição de alguns matemáticos na evolução e no desenvolvimento desse estudo,
subsídios utilizados por Poincaré (1854 − 1912) 2 na formulação da conjectura que revolucio-
nou esse campo da Matemática. Baseou-se em textos de Szpiro (2012), Krefta (2009), O’Shea
(2009), Eves (2011) e Domingues (1982).
1.1 Os precursores da topologia e suas principais contribui-
ções
Até o século XV II a Geometria que se conhecia era advinda dos Elementos de Eu-
clides, livro escrito pelo grande matemático que deixou um legado no desenvolvimento da Ge-
ometria Plana, conhecida também como Geometria Euclidiana. A partir do século XV III
para dissociar a Geometria, estabelecida por Euclides, das ideias de medições, comparações de
ângulos e distâncias exatas entre objetos, surgiu a Topologia.
A Topologia é o estudo das características topológicas de figuras, sem levar em con-
sideração qualquer tipo de medição ou quantidade. Ela é compreendida por dois ramos: a
Topologia Geral ou Conjuntista e Topologia Algébrica ou Combinatória. A primeira faz o uso
da teoria dos conjuntos, já a segunda se apropria de conceitos algébricos, especificamente, a
teoria dos grupos, que será abordada neste trabalho. DOMINGUES (1982).
De acordo com Szpiro (2012), a topologia surgiu a partir dos estudos de Euler (1707−
1783), aluno de um dos matemáticos mais conhecidos da história, Johann Bernoulli. Este foi
essencial para a carreira acadêmica de Euler, o enviando em 1726 para a academia das Ciências
de São Petersburgo, onde estudou juntamente com o seu filho, Daniel Bernoulli.
Ainda na academia, Euler recebeu uma carta de Carl Leonhard Gottlieb Ehler3. A carta
pedia para Euler resolver um problema que consistia na possibilidade de realizar um percurso
1Importante ramo da Geometria.
2Um dos matemáticos a possuir um conhecimento amplo, dominando todos os ramos da disciplina.
3Presidente da Câmara da cidade vizinha de Danzig. Szpiro (2012).
ASPECTOS HISTÓRICOS DA TOPOLOGIA À CONJECTURA DE POINCARÉ 11
passando pelas sete pontes de Konigsberg, apenas uma única vez em cada uma delas. A carta
dizia: Prestar-me-ia um enorme serviço se nos pudesse enviar uma solução para o problema
das sete pontes de Konigsberg,juntamente com a demonstração da mesma. Talvez o problema
de Konigsberg se relevaria um exemplo notável do cálculo de posição.
Konigsberg é uma importante e pitoresca cidade da Prússia, hoje conhecida por Ka-
liningrado na Rússia. No centro formou-se uma ilha e para que houvesse a ultrapassagem foi
preciso construir sete pontes para interligar partes da cidade. Na figura4 1.1 está uma represen-
tação dessas pontes.
Figura 1.1: Representação das pontes de Konigsberg
Fonte: Imagem em vídeo do youtube
A princípio, Euler ignorou o problema: Porque desperdiçar o meu tempo com trivi-
alidades?, e completou escrevendo ainda: Porque será que questões que pouco têm a ver com
a matemática são resolvidas mais depressa pelos matemáticos do que por outras pessoas?. Na
verdade Euler se interessou pelo problema, no entanto, não encontrou ferramentas da geometria,
álgebra ou da contagem que fossem capazes auxiliar na resolução.
Quatro dias após o recebimento da carta, Euler pede a ajuda do matemático italiano
Giovanni Marinoni e menciona uma informação sugerida por Ehler de que se tratava de um
problema da geometria de posição de Leibniz. Por meio desta informação Marinone descobriu
que o percurso depende do número de áreas que conduzem a um número impar de pontes. Em
outras palavras, o percurso só é possível caso todas as zonas contiverem um número par de
pontes ou não existirem mais de duas zonas com um número impar de pontes.
Este problema aparentemente simples, foi o responsável pela origem da teoria dos
grafos e da topologia, quando em 1736 Euler realizou a publicação do artigo denominado:
Solução para um problema relativo à geometria de posição. Mas como o problema das pontes de
Konigsberg se relaciona com a topologia? A resposta é simples, para a resolução do problema
não interessou a extensão do percurso, nem o valor das áreas ou quaisquer outros tipos de
medição. A partir da percepção de que na geometria haviam problemas sem medições, surgiu a
topologia que passou a ser denominada inicialmente de Cálculo de Posição ou Analysis situs.
Johann Benedict Listing (1808 − 1882) nomeou o Cálculo de posição, quando publi-
cou em 1847 um artigo sobre os estudos preliminares à topologia, em que o mesmo a descreveu
como o estudo das características dos objetos sem considerar os aspectos relacionados a quan-
tidades ou medidas. Desde então, os matemáticos que se dedicaram a este estudo passaram a
ser chamados de topologistas.
4Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=ucMkruEYG9c>. Acesso em Out. 2016
ASPECTOS HISTÓRICOS DA TOPOLOGIA À CONJECTURA DE POINCARÉ 12
Uma das grandes contribuições de Listing à topologia está relacionada ao estudo da
tira de Möbius. No seu artigo publicado em 1862 intitulado Inventário de objetos espaciais ou
generalização do teorema de Euler sobre poliedros. Listing mostra um objeto bidimensional
flutuando no espaço tridimensional que apresenta apenas um lado.
Por meio da simples afirmação em nota de rodapé de que a tira tinha propriedades bas-
tante diferentes de outros objetos com dois lados, August Ferdinand Möbius (1790− 1868) de-
senvolveu seus estudos sobre topologia. Alguns ainda preferem chamar Fita de Listing-Möbius,
já que houve contribuição de ambos.
Möbius apresentou um artigo que analisava a tira por apenas um dos seus lados. A tira
de Möbius é um espaço topológico bidimensional obtido por meio da colagem das extremida-
des de uma fita, porém, com uma dessas extremidades torcida em ângulo de 180°. Lembra a
simbologia do infinito e como observado na figura5 1.2, está presente em muitos monumentos
históricos, no mundo da moda, joias, figuras artesanais, inclusive já foi destaque no estudo da
psicanálise.
Figura 1.2: Ponte sinuosa chinesa inspirada na fita de Möbius
Fonte: Imagem da internet
Mas, qual a parte interior e exterior da ponte? Por incrível que pareça, a fita de Möbius
possui uma única superfície. Imaginemos uma formiga a caminhar sobre a ponte de modo a dar
uma volta completa, provavelmente, ela voltaria ao local inicial. De acordo com este aspecto
topológico, esse tipo de figura é denominada de superfície não-orientável.
Outro ilustre topologista foi Enrico Betti (1823−1892), que avançou os estudos na área
contribuindo significativamente no desenvolvimento de uma forma de contagem da conexidade
dos corpos e superfícies. Esse método de contagem foi denominado mais tarde por Poincaré
de números de Betti e servem para descrever as características dos objetos em determinadas
dimensões. De forma grotesca, evidenciam o número de buracos que há num corpo.
Em 1915 James Waddell Alexander (1888 − 1971) realizou a demonstração de que
os números de Betti são invariantes topológicos, ou seja, não importa o tipo de deformação
de um objeto, ele sempre permanecerá com o mesmo número de Betti. No próximo capítulo
apresentar-se-á de forma detalhada os números de Betti para se entender a relação destes com a
conjectura formulada por Poincaré.
Alexander dedicou maior parte da sua carreia a topologia e em 1920 passou a preocupar-
se com o problema de desfazer o nó górdio, proposto por Alexandre o Grande. Por meio deste
5Disponível em: <https://goo.gl/nV208X>. Acesso em Jul. 2016.
ASPECTOS HISTÓRICOS DA TOPOLOGIA À CONJECTURA DE POINCARÉ 13
questionamento, houveram estudos que desencadearam a inserção na topologia de uma nova
subdisciplina, a Teoria dos Nós também conhecida como Teoria das Cordas.
A classificação dos nós ocorre de modo que, se deformado, puxado ou torcido sem
cortar ou desamarrar as suas extremidades transformando-se em outro nó, este último é consi-
derado idêntico ao nó apresentado inicialmente. Essa característica está diretamente relacionada
com os conceitos da topologia.
A Teoria dos Nós também é considerada uma das poucas criadas sem haver uma utili-
dade, suas aplicações se tornaram evidentes com o tempo. Os biólogos moleculares, por exem-
plo, utilizam-na para analisar como as cadeias de filamentos moleculares de DNA se entrelaçam
para caberem no núcleo celular.
1.2 Jules-Henri Poincaré (1854−1912) e a Topologia Algé-
brica
Figura 1.3: Jules-Henri Poincaré
Fonte: David Smith (apud Eves, 2011, p. 618)
Poincaré nasceu em uma cidade francesa chamada Nancy, em 29 de Abril de 1854. Ao
longo da sua carreira estudantil o jovem Henri sempre se destacou como um excelente aluno e
suas disciplinas favoritas eram História e Geografia. Até então, nada indicava que Henri seria
um grande matemático.
No livro Introdução à História da Matemática o autor Howard Eves relata um pouco
da vida de Poincaré atribuindo-lhe uma capacidade inimaginável.
ASPECTOS HISTÓRICOS DA TOPOLOGIA À CONJECTURA DE POINCARÉ 14
Por toda a vida Poincaré foi uma pessoa de modos canhestros,
além de míope e distraído, mas era dotado da capacidade de
reter quase que completamente e de maneira instantânea tudo
que acaso lesse. Sua cabeça produzia matemática enquanto ele
caminhava tranquilamente e, uma vez esgotadas as cogitações,
com rapidez registrava tudo no papel de maneira tal que quase
não se faziam necessárias emendas posteriores. (...) Na matemá-
tica aplicada seu gênio versátil deu contribuições a assuntos os
mais diversos como óptica, eletricidade, telegrafia, capilaridade,
elasticidade, termodinâmica, teoria do potencial, teoria quântica,
teoria da relatividade e cosmologia. (EVES, 2011, p. 618 )
O interesse de Henri pela matemática tornou-se aparente aos 17 anos, quando realizou
os exames do ensino secundário chamado baccalauréat de Matemática e se destacou impres-
sionando a todos na dissertação da prova. Depois da escola secundária, frequentou um curso
de Matemática de dois anos que preparava os jovens para uma das Grandes écoles, as famo-
sas escolas de engenharias francesas. Henri conseguiu entrar na mais renomada delas, a École
Plytechique de Paris e em seguida na École de Mines, se formando aos 24 anos em engenheirode Minas. No entanto, em 1 de Dezembro de 1879 foi nomeado professor da universidade de
Caen, pois apesar de ser um brilhante engenheiro, nunca deixou o fascínio pela matemática.
Ainda quando tratava do estudo de Mineralogia e Mineração na École de Mines, tam-
bém se empenhava em problemas de matemática avançada, isso fica evidente quando no último
ano de engenharia, concluiu um ensaio de equações diferenciais parciais que mais tarde foi
publicado na Journal de L’École Polytechnique. O raciocínio de Poincaré era considerado es-
pantoso, porém ele apresentava dificuldades em expor suas ideias com clareza, algo que o levou
a ser criticado por alguns matemáticos da época.
Poincaré teve uma enorme contribuição na pesquisa científica, pois em apenas três
décadas e meia publicou mais de quinhentos artigos, livros e memórias. Os seus trabalhos eram
relacionados a diversos ramos da matemática, da física e da filosofia da ciência, obviamente,
ele realizava estudos em diversas áreas do conhecimento.
A contribuição de Henri na Matemática foi imensa, dentre elas se destacam os seis
ensaios sobre a Analysis Situs que hoje conhecemos por Topologia. Poincaré realizou modifi-
cações nesses ensaios ao longo dos anos e a eles, denominou de primeiro complément, segundo
complément e assim sucessivamente. Esse trabalho introduziu conceitos que culminou em uma
subdisciplina denominada Topologia Algébrica. As inúmeras contribuições deste gênio, o dei-
xou conhecido como um dos últimos estudiosos a possuir conhecimento sobre os diversos ramos
da matemática.
Durante o séculoXX , o estudo de Topologia Algébrica permaneceu ignorado. Apenas
na década de 1940 essa subdisciplina passou a ser estudada com maior preeminência e desta-
que. Contudo, hoje em dia nem se poderia imaginar a matemática sem a topologia, pois cem
anos após os trabalhos de Poincaré, encontra-se aplicações em diversas áreas, como “grafismo
de computador, economia, sistemas dinâmicos, física de matéria condensada, biologia, robó-
tica, química, cosmologia, ciência dos materiais, planeamento demográfico e outros campos da
ciência e da engenharia”. (SZPIRO, 2012, p. 114).
A data de 31 de Outubro de 1892 é considerada o marco da Topologia Algébrica.
Neste dia, Poincaré apresentou uma palestra na Academia de Ciências de Paris, intitulada Sur
MILLENNIUM
Realce
ASPECTOS HISTÓRICOS DA TOPOLOGIA À CONJECTURA DE POINCARÉ 15
L’ Analysis situs. Nessa apresentação, ele mostrou que se os números de Betti caracterizam uma
superfície fechada, então em três dimensões é possível passar de uma superfície fechada para
outra através de contínuas deformações, considerando que os números de Betti sejam idênticos
em ambas as superfícies. Dessa forma, os números de Betti são suficientes para descrever
uma superfície bidimensional a flutuar no espaço tridimensional. Mas restava verificar se isso
também era válido para superfícies de dimensões superiores. Poincaré demonstra que isso não
é possível por meio de um contraexemplo.
Para mostrar as suas esplêndidas descobertas acerca da topologia, Poincaré publicou
um artigo de cento e uma páginas na revista Journal de L’École Polytechnique. Este trabalho é
iniciado ressaltando a importância das figuras geométricas e sua grande utilidade na teoria das
funções de duas variáveis, afirmando que a geometria é a arte de raciocinar bem, com figuras
mal desenhadas. De desenhos mal feitos Poincaré entendia, pois sempre teve dificuldades nesse
aspecto, o levando a tirar nota zero no teste de admissão da Grande école.
Neste artigo seminal, Poincaré define Espaços, Subespaços, Variedades e a ideia de
Homeomorfismo. Além disso, ele faz o uso de noções tais como Homologia, Grupos Funda-
mentais, Simplices, Complexos, Complexos Simplesmente Conexos, os Números de Betti e o
Teorema da Geometrização.
A teoria da geometrização formulada por Poincaré foi alvo de polêmica, pois este apre-
sentou a sua demonstração, no entanto, o matemático Poul Heegaard (1871-1948) ao aproximar-
se do estudo da analysis situs, encontrou uma falha. Essa descoberta rendeu a tese de doutorado
de Heegaard, demonstrando por meio de um contraexemplo que o teorema não era verdadeiro.
Apesar de haver alguns erros como esse e por deixar a desejar na explicitação dos conceitos
apresentados, o trabalho desenvolvido por Poincaré culminou na introdução da topologia algé-
brica.
1.2.1 A Formulação da Conjectura de Poincaré
Em meados dos séculos XV III e XIX surgiu a ideia de categorizar os corpos, ou
seja, comparar um corpo a outro por meio de deformações. Caso fossem iguais, estes eram
considerados topologicamente idênticos. Porém, fazia-se necessário a compreensão de um sis-
tema de segregação capaz de realizar tal feito, pois existem infinitos tipos de deformações de
um corpo.
O problema de classificação dos corpos tornou-se um desafio para Poincaré, mas este
conseguiu descrever as características de um corpo utilizando os números de Betti e os coefici-
entes de torção. Segundo Poincaré, todo corpo possui determinados números de Betti e coefici-
entes de torção e os que apresentam esses números distintos, são considerados topologicamente
diferentes.
Em 1895 Poincaré publicou a Analysis Situs e cinco anos mais tarde escreveu o se-
gundo complément. Foi neste ensaio que surgiram as primeiras ideias acerca do que viria se
tornar a conjectura. De acordo com Szpiro (2012, p. 139), Poincaré apresenta na conclusão do
artigo a seguinte afirmação: “entre poliedros, todos aqueles cujos números de Betti sejam iguais
a 1 e estejam livres de coeficiente de torção, são simplesmente conexos”. Em linguagem usual
isso significa que “uma variedade tridimensional é homeomorfa a esfera tridimensional, desde
que contemplem os mesmos grupos homológicos”, isto é, “qualquer corpo que não contem bu-
racos e não seja torcido pode se transformar em uma esfera”. Ao chegar na trigésima terceira
página do artigo, Poincaré afirma que não apresentará a demonstração, pois esta necessitava de
ASPECTOS HISTÓRICOS DA TOPOLOGIA À CONJECTURA DE POINCARÉ 16
alguns ajustes. Mal sabia ele que esta demoraria cerca de cem anos para que alguém encontrasse
a solução.
Ao realizar incansáveis tentativas, Poincaré passou a interrogar-se: Será que os corpos
com os mesmos números de Betti e coeficientes de torção, realmente se transformam em uma
esfera? Aos poucos percebeu que a resposta era não, apresentando um contraexemplo. Para
realizar o contraexemplo, Poincaré mostra a construção de uma Esfera Homológica, conhecida
também como Espaço Dodecaédrico, isto é, um corpo tridimensional suspenso no espaço te-
tradimensional. Essa esfera homológica continua até hoje, sendo o único objeto tridimensional
sem torções e sem buracos que não se transforma em uma esfera tridimensional.
Para que entendamos melhor o conceito de tri e bidimensional, Szpiro (2012) apresenta
o exemplo:
Um disco é um objecto bidimensional, e um balão também
o é (apenas consideramos a superfície do balão, e não o seu
interior). Um disco pousado no tampo de uma mesa é um corpo
bidimensional inserido num plano bidimensional. No entanto,
trata-se de um caso particular; para visualizar efectivamente um
corpo bidimensional é muitas vezes necessário avançar para as
três dimensões. O disco a flutuar no ar, o balão (...) são objetos
bidimensional inseridos no espaço tridimensional. (SZPIRO,
2012, p. 141-142)
O que o autor exemplificou significa que o conceito de dimensão está relacionado com
o local onde o corpo está inserido, ou melhor, o campo de visão do objeto em relação ao espaço.
Ele cita o exemplo das moscas e das formigas, as primeiras tem vantagem sobre essas últimas,
pois podem levantar voo, passando da segunda para a terceira dimensão.
Agora, voltando-se a falar da esfera homológica de Poincaré, o fato desta provar que
não é possível a classificação dos corpos utilizando os números de Betti e os coeficiente detorção, contribuiu para que Poincaré buscasse outros meios de realizar essa segregação em
grupos. Surgiu-lhe então a ideia de utilizar o grupo fundamental da Álgebra. A partir disso,
Poincaré começa a relacionar a álgebra à topologia.
O novo desafio para Poincaré era demonstrar que objetos considerados topologica-
mente idênticos, tinham o mesmo grupo fundamental. Ele conseguiu demonstrar que essa afir-
mação é de fato verdadeira, ou seja, mesmo após o objeto passar por inúmeras deformações
estes permanecem com o mesmo grupo fundamental. No entanto, em 1919 sete anos após a
morte de Poincaré, James Alexander mostrou através de contraexemplos que a recíproca não
é verdadeira, existem conjuntos de dois corpos com o mesmo grupo fundamental que não se
transformam um no outro. Para isso, Alexander utilizou os chamados Espaços Lenticulares 6.
De acordo com Szpiro (2012), Poincaré passou a levantar questionamentos acerca da
utilidade dos grupos fundamentais na classificação dos corpos: Os espaços lenticulares pode-
riam ser ignorados, já que fazem parte de um grupo particular, podendo considerar apenas ou-
tros corpos? ou Existe uma classe de objetos em que o grupo fundamental seja suficiente para
fornecer os dados necessários? ou ainda, Corpos com o mesmo grupo fundamental trivial são
topologicamente equivalentes à esfera? Essas indagações desencadearam a famosa Conjectura
de Poincaré.
6Objetos tridimensionais construídos por meio da colagem de dois bagels no espaço tetradimensional
ASPECTOS HISTÓRICOS DA TOPOLOGIA À CONJECTURA DE POINCARÉ 17
De forma inocente, no último parágrafo do quinto complément, Poincaré realiza o
questionamento que viria a ocupar matemáticos do mundo inteiro durante anos: “Haverá mais
uma questão a tratar. Será possível que o grupo fundamental de uma variedade seja trivial
e que mesmo assim a variedade não seja homeomorfa 7 em relação a uma esfera”? Então,
encerra o ensaio: “Mas esta questão levar-nos-ia demasiado longe”. A publicação desse trabalho
ocorreu em 1904 pelo Circolo Matemático e a quantidade de publicações sobre essa conjectura
repercutiu de tal modo que “a Sociedade Americana de Matemática teve de criar uma secção
especial para a conjectura de Poincaré ”. (SZPIRO, 2012, p. 159)
Oito anos após essa publicação, em 17 de Julho 1912 o mundo perdeu um dos maiores
e mais eminentes matemáticos da história, Henri Poincaré morreu prematuramente aos 58 anos
de idade vitima de uma embolia pulmonar, deixando um grande legado para a comunidade
científica. No seu funeral estiveram presente pessoas ilustres também da política, entre eles o
ministro da Educação que denominou Poincaré como “uma espécie de poeta do infinito, uma
espécie de bardo da ciência”. Na época, Poincaré era professor de astronomia matemática na
universidade de Paris, membro da academia francesa e da academia de ciências.
A conjectura de Poincaré é verdadeira para objetos bidimensionais quando analisa-se
corpos com essa dimensão. Balões, ovos e cubos, por exemplo, podem ser deformados até se
transformarem em uma esfera, observe que todos são objetos simplesmente conexos, ou seja,
não possuem furos. No entanto, é impossível através dessa ideia, garantirmos que o mesmo
ocorrerá para variedades de dimensão superior ou igual a três.
Por volta da década de 80, já sabiam que variedades de dimensão superior a três que
apresentavam propriedades comuns a todas as esferas, eram também uma esfera. No entanto,
demonstrar se um caminho fechado em variedades simplesmente conexas 8 de dimensão três
são equivalentes à esfera tridimensional tornou-se um dos grandes desafios do milênio.
O Clay Mathematics Institute que objetiva ampliar e divulgar as grandes descobertas
matemáticas, ofereceu um milhão de dólares para quem demonstrasse um dos sete problemas
clássicos do milênio, onde a conjectura de Poincaré representa um deles. O grande merecedor
do prêmio foi Grigori Perelman, um matemático russo que recusou não só o dinheiro, mas o
prêmio mais honroso para um matemático, a medalha Fields.
7Designação para corpos ou variedades equivalentes
8Quando todos os lacetes contidos sobre a variedade podem ser contraídos a um ponto
Capítulo 2
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA
CONJECTURA DE POINCARÉ
A conjectura de Poincaré é considerada bastante difícil de ser compreendida, uma vez
que é necessário o conhecimento prévio dos conceitos fundamentais da topologia. Inicialmente,
deve-se entender os conceitos de variedades e a sua importância para a ciência. Em seguida,
será visto como foi realizada a catalogação dos objetos quando Poincaré passou a utilizar os
números de Betti e os coeficientes de torção. Além disso, será apresentado a construção de um
contraexemplo para o problema formulado inicialmente por Poincaré e a relação da conjectura
com a possível forma do universo.
2.1 Variedades
Definição 2.1 Uma variedade é um espaço que pode ser descrito localmente por meio de co-
ordenadas. O número de coordenadas necessárias são denominadas de dimensão.
Imagine um navio a navegar no oceano, a posição em que ele se encontra é descrita por
meio de dois números, a latitude e a longitude. Logo, pode-se afirmar que a superfície terrestre
é bidimensional.
Em Topologia, uma variedade unidimensional é chamada de curva. Já uma variedade
bidimensional é denominada de superfície. Uma variedade é o mesmo que uma superfície, a
diferença é que a primeira possui várias dimensões. A superfície da terra, por exemplo, possui
apenas duas dimensões. Em outras palavras, uma variedade é um espaço em que utiliza-se
um conjunto de coordenadas para descrever a posição dos pontos. Ao número de coordenadas
chamamos de dimensão da variedade.
2.1.1 A importância das Variedades
De maneira geral, aos olhares da Física os possíveis estados de um sistema experimen-
tal é considerado uma variedade. No pêndulo, por exemplo, cada estado corresponde a um par
(θ, ω). θ trata-se de uma coordenada angular que descreve a posição do pêndulo, ou seja, o ân-
gulo que o pêndulo faz na posição vertical, enquanto ω é correspondente a velocidade angular.
Os movimentos que o pêndulo faz em torno do seu centro gera um espaço, na realidade, um
cilindro formado por todos os pares (θ, ω).
18
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 19
Figura 2.1: Cilindro gerado pelos pares (θ, ω).
Fonte: Viana, 2012, p. 9-10.
Algo curioso sobre variedades é que se vive dentro de uma. O universo é uma variedade
tetradimensional, pois dispõe de espaço e tempo relativístico. Há cientistas afirmando que um
dos maiores desafios da Ciência é entender o tipo de variedade que forma o universo, se é uma
variedade aberta ou fechada. Os físicos consideram que a resposta para esse problema está
relacionada com a quantidade de matéria contida no universo. Se ele possui muita massa, é
considerada uma variedade fechada, caso contrário se admite que seja uma variedade aberta.
2.2 Classificação de Superfícies
Um problema inerente à topologia: Seria possível listar todas as variedades de qual-
quer dimensão d? Variedades unidimensionais são fáceis de serem classificadas em abertas
ou fechadas, pois existem apenas duas. Pode-se admitir que a única variedade unidimensional
aberta é a reta e a única variedade fechada é o círculo. Isso ocorre porque em topologia, uma
bola, um caixote ou um ovo são considerados o mesmo objeto, pois não possuem buracos.
2.2.1 Variedades Homeomorfas
Definição 2.2 (Variedades equivalentes ou homeomorfas) Duas variedades são chamadas de
equivalentes quando seus pontos são continuamente correspondentes um a um.
Duas variedades idênticas ou equivalentes também são chamadas de homeomorfas, e a
relação de correspondência entre elas é denominada de homeomorfismo. Um homeomorfismo
ocorre quando há uma aplicação bijetiva e contínua entre os pontos das superfícies, onde a
função é invertível e possui inversa também contínua. A circunferência e um quadrado,o elip-
sóide e a esfera, o toro e a caneca, são exemplos de variedades equivalentes ou homeomorfas.
Vejamos a definição formal de homeomorfismo.
Definição 2.3 (Homeomorfismo) Um homeomorfismo f : X −→ Y , de um espaço topológico
X sobre um espaço topológico Y é uma aplicação contínua e bijetora f : X −→ Y , cuja in-
versa f−1 : Y −→ X também é contínua. Nesse caso, afirmamos queX e Y são homeomorfos.
Na Topologia não importa se as variedades são visivelmente diferentes, elas são con-
sideradas a mesma dependendo das propriedades que dispõem, basta que seja possível a trans-
formação de uma na outra, sem cortes, para considerá-las idênticas e portanto, homeomorfas.
Os topologistas consideram as variedades da figura 2.2 como sendo esferas bidimensionais.
MILLENNIUM
Realce
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 20
(a) A esfera e o elipsóide são ho-
meomorfas
(b) Todas essas variedades são ho-
meomorfas à esfera bidimensional
Figura 2.2: Essas variedades são homeomorfas
Fonte: Criado no Corel Draw
A figura1 2.3 a seguir mostra as fases de transformação da caneca em um toro. Isso
significa que há um homeomorfismo entre ambas as variedades.
Figura 2.3: Homeomorfismo entre a caneca e o toro
Fonte: Print de animação do wikipédia
O quadrado e o círculo são exemplos de variedades homeomorfas. A seguir está a
demonstração do homeomorfismo entre essas variedades. Basta mostrar que a aplicação entre
as duas funções é contínua e apresenta inversa também contínua.
Proposição 2.1 O círculo e o quadrado são variedades homeomorfas.
Figura 2.4: O círculo s e o quadrado t são variedades homeomorfas
Fonte: Criação própria
Demonstração:
Considere um círculo S e o quadrado T = (x, y)/max{|x|, |y|} = 1 ∈ R2. Deve-se mostrar
que S ' T .
Defina-se f : S −→ T , pondo os arcos ab, bc, cd e da sobre os segmentos uv, vw, cd, wz
e zu, respectivamente. Seja m = max{|x|, |y|} e r =√x2 + y2. Obtêm-se: f(x, y) = ( x
m
, t
m
)
1Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Homeomorfismo>. Acesso em Jul. 2016
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 21
e f−1(x, y) = (x
r
, y
r
). Assim, f e f−1 são bijetivas e contínuas. Logo, f é um homeomorfismo,
ou seja, S ' T .
�
A figura 2.5 apresenta um exemplo de variedades não homeomorfas. Esse fato será
esclarecido melhor mais adiante quando for introduzida a ideia de grupo fundamental.
Figura 2.5: O toro e a esfera são exemplos de variedades não homeomorfas
Fonte: Criado no Corel Draw
2.2.2 Variedades com bordo e sem bordo
Para a classificação de superfícies é necessário compreender o significado de alguns
termos importantes da Topologia. O primeiro deles trata-se do conceito de variedade com bordo
e variedade sem bordo, também conhecidas, respectivamente, como variedades abertas e fecha-
das.
Uma variedade com bordo ou aberta é aquela em que pode-se traçar um caminho infi-
nito, como se observa no cilindro da figura 2.6. Por outro lado, uma variedade é fechada quando
se traça um caminho qualquer e não há como ir para o infinito, o caminho fica confinado na vari-
edade. O plano euclidiano também conhecido por espaço bidimensional é um tipo de variedade
não finita, pois se estende infinitamente em direções distintas.
Figura 2.6: O cilindro é uma variedade bidimensional aberta ou com bordo.
Fonte: Criado no Corel Draw.
Definição 2.4 (Fecho e interior de um conjunto) ConsiderandoX subconjunto do espaço to-
pológico Y . O interior do subconjunto X é definido como a união de todos os subconjuntos
abertos de Y contidos em X . O fecho de X no espaço topológico Y é definido como a inter-
secção de todos os subconjuntos fechados de Y que contém X .
De acordo com a definição se X for um aberto, ele é na realidade igual a seu interior.
Mas se X é fechado, então ele é igual ao seu fecho.
Definição 2.5 (Bordo ou fronteira) O bordo ou fronteira de X trata-se da intersecção do fe-
cho de X com o fecho de X\Y , isto é, o fecho X sem seu interior.
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 22
Em duas dimensões apenas algumas variedades possuem bordo. Obviamente, um
plano infinito não possui bordo, mas um disco no plano é limitado por um circulo, portanto,
ele possui bordo. Sabe-se que uma bola qualquer contorna o espaço no seu interior, no entanto,
ela é uma superfície sem bordo, basta lembrar que vivemos na terra, mas se viajarmos em sua
volta, não há como chegar no ponto final. Dessa forma, o toro e a esfera são exemplos de va-
riedades sem bordo ou finitas, uma vez que não é possível se deslocar neles sem que ao menos
nos aproximamos do ponto de partida. A figura 2.7 mostra que o enlace na cor vermelha está
confinado no interior do toro.
Figura 2.7: O toro é uma variedade bidimensional fechada ou sem bordo.
Fonte: Criado no Corel Draw.
O bordo de uma variedade bidimensional é na verdade unidimensional. Variedades
unidimensionais como o círculo e uma reta não possuem bordo, no entanto, um segmento de
reta tem borda delimitada por um ponto em cada extremidade. Pode-se concluir que o bordo é
sempre menor em uma dimensão em relação a dimensão da variedade, ou seja, se a variedade é
tridimensional o seu bordo é bidimensional.
Vai-se tratar agora das variedades tridimensionais sem bordo, considerando-se o globo
terrestre e tudo que está no seu interior. Supondo-se que a população mundial se encontra
no interior da superfície, estes poderiam mapear todos os pontos da superfície que são corres-
pondentes aos pontos no interior de uma caixa. Analogamente, pegando-se uma mangueira e
considerando um ser vivendo em seu interior, ele poderá mapear os pontos à sua volta de modo
que correspondam aos pontos no interior de uma caixa.
2.2.3 Orientabilidade de superfícies sem bordo ou fechadas
Todas as variedades bidimensionais fechadas que seja possível definir uma direção,
esquerda ou direita é chamada de orientável. No capítulo 1 foi mostrado que a fita de Möbius é
uma superfície não-orientável. A figura 2.8 mostra que fita de Möbius é um espaço topológico
que pode ser representada por um retângulo.
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 23
Figura 2.8: Fita sendo transformada na fita de Möbius
Fonte: Criado no Corel Draw
Veja que qualquer percurso realizado resulta na inversão da orientação, pois o percusso
é iniciado em uma face e terminado na outra. Esse percurso fechado recebe o nome de inversor
de orientação. Caso o percurso não disponha dessa propriedade ele é dito como preservador
de orientação. Uma variedade bidimensional conexa é orientável se todo percurso fechado
preserva a sua orientação, no entanto, se existir pelo menos um percurso fechado que inverte a
orientação, ele é denominado de não-orientável.
Caso não se soubesse que o formato do planeta terra é semelhante a uma esfera, pode-
se também imaginá-la como um toro de dois furos. Supondo que se vivesse em um mundo com
esse formato, jamais se sairia dele, pois não há bordas. Tomando-se o mapa do bitoro seria
impossível afirmar em que tipo de variedade se vive. De fato, ninguém seria capaz de descobrir
que o planeta dispõe de dois furos, pois todas as partes estão ligadas. No entanto, é possível
mapeá-lo reunindo mapas regionais.
Inicialmente, é necessário realizar quatro curvas indicadas na figura 2.9 como A, B, C
e D e recortá-las. Primeiro se corta A e C e depois enrola-se a superfície para que fique com
o formato do simbolo do infinito, em seguida corta-se ao longo das curvas C e D. O resultado
é um retângulo ou um octógono que presumivelmente representa o mapa em que seus lados
devem ser unidos como indicado na imagem.
Figura 2.9: Mapeamento do planeta bitoro
Fonte: O’Shea, 2009, p. 44
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 24
A questão a expor com esse exemplo é a possibilidade de listar por meio de caracterís-
ticas comuns, todas as variedades bidimensionais, ou seja, será possívelrealizar a dissociação
de cada tipo de variedade fechada bidimensional em orientável ou não-orientável? A resposta
para esse questionamento é um sim, enfático.
Nota-se que listar todas as variedades unidimensionais é bastante simples. A única
superfície fechada unidimensional é o círculo e a única curva aberta unidimensional é a reta. Em
duas dimensões também não há grandes dificuldades de realizar essa lista. A seguir encontra-se
a classificação das variedades bidimensionais.
2.2.4 Variedades Orientáveis
Aqui encontra-se a lista de variedades fechadas ou sem bordo denominadas de orien-
táveis.
Figura 2.10: Lista de superfícies orientáveis fechadas
Fonte: Criado no Corel Draw
Na lista das superfícies orientáveis da figura 2.10, note que o bitoro é obtido a partir da
união de dois toros. Para obter o próximo elemento da sequência basta realizar a soma conexa
entre as duas variedades anteriores, o toro e o bitoro, onde se tem como resultado o tritoro. De
maneira geral, constrói-se novas superfícies orientáveis pela soma sucessiva de toros. Portanto,
gera-se tritoros, quadritoros e assim por diante como mostra a figura 2.11.
Figura 2.11: A soma conexa de um toro com o bitoro gera o tritoro
Fonte: Barros, 2010, p.17
O planeta terra poderia ter a forma tanto de um toro, como de um bitoro, tritoro e
assim por diante. Desse modo, todas essas variedades bidimensionais fechadas orientáveis
distintas, representam todas as possibilidades do formato do planeta e seria possível fazer o seu
mapeamento, a considerar a região mais próxima.
Teorema 2.1 ( classificação de superfíceis orientáveis sem bordo) Toda superfície orientável
sem bordo é homeomorfa a uma esfera ou à soma conexa sucessiva de n toros, para algum nú-
mero natural n.
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 25
Não será realizada a demonstração desse teorema, no entanto, é importante destacar
que para isso, deve-se mostrar que toda superfície sem bordo é homeomorfa a um polígono,
cujos lados são afigurados aos pares. Além disso, esse teorema expressa que todas as superfíceis
orientáveis são obtidas pela soma sucessiva de toros.
2.2.5 Variedades Não-orientáveis
Essas variedades são mais difíceis de serem representadas, pois nenhuma delas é um
subconjunto de um espaço tridimensional. Na figura 2.12 Têm-se uma sequência em que seu
primeiro elemento é chamado de espaço projetivo, que pode ser visualizado como uma meia
esfera que identifica pontos opostos ao centro do equador. O segundo elemento da sequência é
chamado de garrafa de Klein.
Figura 2.12: Superfícies não-orientáveis
Fonte: Criado no Corel Draw
Teorema 2.2 Toda superfície fechada é homeomorfa a qualquer uma das superfícies orien-
táveis e não-orientáveis acima enunciadas. Além disso, duas dessas superfíceis nunca são
homeomorfas.
O teorema afirma que toda variedade fechada é equivalente a qualquer uma das varie-
dades listadas e duas variedades da mesma lista, nunca são equivalentes. Não será abordada a
sua demonstração, pois a matemática utilizada vai além do objetivo deste trabalho.
Em resumo, as variedades descritas até o momento são unidimensionais e bidimensi-
onais, onde é possível listá-las em superfícies orientáveis ou não-orientáveis. Em dimensões
superiores apresenta-se o seguinte problema.
Problema (classificação de superfíceis) Para dimensão d > 2 também será possível
listar as superfícies em orientáveis e não-orientáveis?
Há um teorema que responde esse questionamento para dimensão maior que quatro.
É um teorema de lógica, que caracteriza o conjunto de variedades de dimensão maior que qua-
tro como demasiado complexo para ser listado. Para compreender a dificuldade dessa tarefa,
nem mesmo um computador, por meio da linguagem algorítmica, é capaz de solucionar. A
demonstração dessa afirmação é feita embasada na teoria da complexidade, mais precisamente,
na teoria de Gödel da Indecidibilidade que não será destacada neste trabalho.
Em dimensão três essa classificação é feita mediante o entendimento de variedades
simplesmente conexas, pois toda variedade com essa caracterização ou não, pode ser construída
a partir de uma variedade simplesmente conexa por um procedimento chamado “quociente”.
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 26
2.2.6 Variedade simplesmente conexa
Definição 2.6 (Variedade simplesmente conexa) Uma variedade é simplesmente conexa se
todo laço nela contido pode se colapsar em um único ponto, caso contrário, ela é dita não
simplesmente conexa.
Na Cosmologia há um questionamento se o universo é uma variedade simplesmente
conexa ou não simplesmente conexa. Um jornal muito influente no mundo traz a publicação de
uma matéria com o tema: Via Láctea pode ser buraco de minhoca para viagens no tempo. A
matéria afirma que um artigo no periódico Annals of Physics apresenta uma teoria admitindo
que o universo pode ser um grande túnel com aparência de um buraco de minhoca. Esse túnel
também permitiria viagens no tempo e no espaço contínuo, nesse sentido, seria possível voltar
no tempo. A figura2 2.13 mostra uma representação desse fenômeno denominado Wormhole.
Figura 2.13: Buraco de verme: uma característica topológica hipotética do contínuo espaço-
tempo
Fonte: Imagem da internet
O túnel de verme seria uma espécie de conexão entre dois pontos bem distantes no
espaço e no tempo. Esse modelo físico é controverso, pois não há nenhuma evidência na física
e nem em qualquer outra área que possa comprovar a veracidade dessa teoria. No entanto, é um
bom exemplo de teoria que relaciona a via láctea com uma variedade não simplesmente conexa.
2.3 Os números de Betti
Tanto os números de Betti como os Coeficientes de Torção fazem parte dos grupos
homológicos de um corpo, isso significa que os espaços topológicos são classificados pelos
seus buracos n-dimensionais. Os números de Betti e os Coeficientes de torção foram utiliza-
dos por Poincaré para descrever as características topológicas de um corpo, ou seja, se dois
corpos possuem números de Betti e coeficiente de torção diferentes, eles são considerados to-
pologicamente distintos. Os Números de Betti são invariantes topológicos que descrevem as
características dos corpos, como o número de componentes ou buracos e cavidades.
A definição acima diz que os números de Betti são considerados invariantes topológi-
cos, porque não importa o tipo de deformação do corpo, esses números sempre permanecerão
os mesmos. Isso foi demonstrado em 1915 por James Waddell Alexander da universidade de
Princeton.
2Disponível em: <http://i.imgur.com/2vRPhqK.jpg>. Acesso em Dez. 2016
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 27
Intuitivamente, o n-ésimo número de Betti se refere as conexidades ou buracos n-
dimensionais de um objeto. O primeiro número de Betti tem grau zero, este representa o número
de componentes do corpo. Já o número de Betti de grau dois, significa o total de buracos
presentes no corpo, por exemplo, o círculo tem número de Betti de grau dois igual a 1, pois
tem um único buraco. Figuras como o cubo, a esfera, o cilindro, o Bagel e o círculo, possuem
número de grau zero igual a 1.
De forma bastante simples, pode-se representar os números de Betti do seguinte modo
(a0, a1, a2):
• a0 significa o número de componentes que se interligam;
• a1 significa o número de buracos bidimensionais circulares;
• a2 significa o número de buracos tridimensionais vazios.
Seja uma esfera S2 uma variedade fechada bidimensional contida no espaço X , para
medir o número de buracos n-dimensionais de X , observa-se que o único buraco que esse
espaço possui é um buraco bidimensional.
Considerando agora o toro mostrado na figura 2.14, cuja semelhança lembra uma "ros-
quinha", percebe-se que este apresenta dois buracos unidimensionais, são os dois tipos de con-
tornos internos que observa-se na figura. Já o terceiro buraco é bidimensional, composto pelaparte externa e oca. De forma intuitiva faz-se H1(T2) = Z ⊕ Z, H2(T2) = Z e Hk(T2) = 0,
quando k > 2.
H2(S
2) = Z e Hk(S2) = 0 para k 6= 2 e k > 1.
Figura 2.14: O Toro é uma variedade fechada ou sem bordo
Fonte: Criado no Corel Draw
Definição 2.7 (Os números de Betti) Seja k um complexo simplicial eHm(K;R) a parte abe-
liana livre do grupo de homologia completoHm(K;Z), definida como o subgrupo de dimensão
t, tem-se Hm(K;R)= R ⊕ R ⊕ R ⊕ ... ⊕ R que significa a soma direta com t termos. O m-
ésimo número de Betti am(K) é igual a parte abeliana livre. Denota-se pela seguinte expressão:
am(K) = dimHm(R)
Assim, os números de Betti da esfera podem ser descritos também como a0(K) =
1; a1(K) = 0 e a2(K) = 1.
Em um contexto simples, no caso da esfera, os números de Betti são descritos como
(1, 0, 1), isso significa que ela possui os números de Betti de grau zero igual a 1, de grau dois
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 28
igual a 0, pois ela não possui buracos. Já o número de Betti de grau três igual a 1, que representa
o número de buracos tridimensionais.
Os números de Betti descrevem o formato de uma variedade. Assim, o k- ésimo nú-
mero de Betti conta a conexidade k- dimensional de uma variedade com n dimensões. Com
esse conceito Poincaré utilizou o chamado teorema da dualidade para variedades fechadas que
afirma o seguinte.
Teorema 2.3 (Dualidade) O k-ésimo número de Betti e o (n-k)- ésimo número de Betti são
idênticos.
Em um circulo bidimensional existe apenas um pedaço, então a0 = 1 e apenas um
buraco, portanto, a1 = 1. Desse modo, a0 = a1, assim como prevê o teorema da dualidade. A
esfera bidimensional tem um pedaço, então a0 = 1, e não existe buracos na superfície, assim
a1 = 0 e no interior há um túnel, então a2 = 1. Vê-se que a0 = a2, correspondendo também ao
teorema da dualidade. No caso de um bagel há um pedaço a0 = 1, dois buracos, um no interior
do túnel e outro por entre o entorno do bagel, então a1 = 2. Existe ainda uma câmara, portanto
a2 = 1, e assim como no caso do circulo, a0 = a2.
2.4 A Esfera Homológica de Poincaré
Como foi mencionado no capítulo anterior, Poincaré encontrou um contraexemplo para
a afirmação de que “uma variedade tridimensional com os mesmos grupos homológicos da
esfera tridimensional é homeomorfa a esta”. Esse contraexemplo é conhecido como o espaço
dodecaédrico de Poincaré, variedade icosaédrica de Poincaré ou, usualmente, esfera homológica
de Poincaré.
No segundo complément Poincaré desenvolveu os procedimentos para calcular coefici-
entes de torção, deu ênfase ao teorema da dualidade e enunciou o teorema da esfera homológica
apresentada a seguir.
Para não prolongar este texto, restrinjo-me a enunciar o teorema
seguinte, cuja demonstração demandaria mais fundamentação.
“Todo poliedro que tenha todos os seus números de Betti iguais
a 1 e todas as suas matrizes Tq bilaterais é homeomorfo à esfera
tridimensional”. (O’SHEA, 2009, p. 172)
Com esse teorema, Poincaré acreditava ter caracterizado a esfera tridimensional. Mas
quatro anos depois, em seu quinto complément, o mesmo demonstrou um contraexemplo para
a sua afirmação. Poincaré introduziu o seu trabalho com o seguinte texto:
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 29
Volto novamente a essa questão [topologia], convencido de que
só é possível ter sucesso com repetidos esforços e que o tópico é
suficientemente impossível para merecê-los. Desta vez limito-me
ao estudo de certas variedades tridimensionais, mas os métodos
que uso sem dúvida podem ser aplicados de maneira mais geral.
A propósito, detenho-me detalhadamente nas curvas fechadas
no espaço. O resultado final que tenho em mente é o seguinte:
no segundo complemento, mostrei que para caracterizar uma
variedade não basta conhecer seus números de Betti, mas que
certos coeficientes, a que dei o nome de coeficientes de torção,
desempenham um papel importante. Pode-se então perguntar se
uma consideração desses coeficientes é suficiente; ou seja, se
todos os números de Betti e todos os coeficientes de torção de
uma variedade são iguais a 1, a variedade é homeomorfa a uma
esfera tridimensional? Ou, antes de afirmar que a variedade o
é, seria necessário estudar o seu grupo fundamental? Podemos
agora responder a essas perguntas; com efeito, construí um
exemplo de uma variedade de que todos os números de Betti
e todos os coeficientes de torção são iguais a 1, mas não é
homeomorfa à esfera. (O’SHEA, 2009, p. 172-173)
Este contraexemplo evidencia que conhecer todos os números de Betti e os coeficien-
tes de torção do universo não é suficiente para afirmar a sua forma. Poincaré demonstra isso
apresentando a esfera homológica, que dispõe dos mesmos coeficientes de torção e números de
Betti da esfera tridimensional, porém, não é a esfera tridimensional.
A esfera homológica de Poincaré é a fronteira de uma variedade tetradimensional sim-
plesmente conexa no espaço pentadimensional, cujo número de Betti de grau dois é igual a 1.
No entanto, não é possível fazer essa representação mental, para ter ao menos uma visão parcial
desse tipo de objeto é preciso projetá-lo em dimensões inferiores.
Para visualizar a esfera em questão, Szpiro (2012) cita o exemplo de um balão proje-
tado como uma sombra na parede, o reflexo do balão é visualizado como um círculo. Consideran-
do agora um disco, este se projeta como uma linha reta na parede. Isso significa que um corpo
com dimensão superior pode se projetar em dimensões inferiores. Dessa forma, entende-se
a esfera homológica de Poincaré, como sendo um objeto tridimensional a flutuar no espaço
tetradimensional.
2.4.1 Construção da esfera homológica de Poincaré
Existem inúmeros métodos de obtenção da esfera homológica de Poincaré, no entanto,
nessa subseção será descrito como Poincaré mostrou que esta é um contraexemplo para a sua
afirmação inicial e como Kneser conseguiu obtê-la realizando torções.
O primeiro método foi o contraexemplo apresentado pelo próprio Poincaré, realizado
por meio do cálculo dos números de Betti e dos coeficientes de torção de uma bola flutuando
no espaço tetradimensional. Poincaré mostra que em dois toros colados, com dois furos, se
descrevem dois caminhos que não se reduzem a um único ponto. Com isso, descobriu-se que
apesar da variedade descrita anteriormente apresentar os mesmos números referentes à esfera
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 30
tridimensional, ela não se transforma nesta última. A esfera homológica de Poincaré é até hoje
“único caso documentado de um corpo tridimensional não torcido e sem buracos que não é
topologicamente equivalente a uma esfera tridimensional”. (SZPIRO 2012, p. 145− 146).
Em 1929 Hellmuth Kneser (1898− 1973) demonstrou um método de obtenção da es-
fera homológica bastante interessante. A visão geométrica para essa variedade é obtida quando
são coladas as faces opostas de um dodecaedro regular com uma rotação anti-horária de um
décimo de volta. A figura 2.15 mostra que caso sejam realizados giros em cada um dos vértices
nas cores vermelho, azul e verde, obtêm-se um dodecaedro S3 com seis faces opostas formadas
por doze faces pentagonais. Esse é um exemplo de variedade possuindo dois laços que não se
contraem até se transformar em um ponto, e portanto, não pode-se afirmar que é homeomorfa a
uma esfera.
Figura 2.15: Transformação de figura no dodecaedro
Fonte: criado no Corel Draw
Ao identificar cada par, é preciso torcer e esticar um dos vértices de forma que os pares
opostos possam se encontrar e ser colados. Na verdade, a torção consiste na rotação para alinhar
os cantos e as arestas. O mesmo se realiza com os outros quatro pares até se obter o resultado
desejado. Para visualizar esse processo a figura 2.16 mostra a representação geométrica em
quatro etapas.
Figura 2.16: Transformação do dodecaedro na esfera homológica de Poincaré
Fonte: criado no Corel DrawApós a realização do processo representado acima, nota-se que esticar, torcer e alinhar
requer uma dimensão superior que seja capaz de alocar o objeto e portanto, três dimensões não
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 31
são suficientes nem mesmo para desenhar. Como já mencionado, uma variedade tridimensi-
onal é uma esfera homológica caso esta apresente os mesmos grupos de homologia da esfera
tridimensional.
A partir dessa caracterização da esfera homológica, surgiu um questionamento que
levou a formulação da conjectura de Poincaré: É possível a existência de uma variedade cujo
grupo fundamental é a identidade, mas não é a esfera tridimensional?
Poincaré definiu o grupo fundamental de uma variedade como curvas fechadas em um
ponto, onde duas dessas curvas podem ser transformadas uma na outra. Já a identidade é um
caminho que inicia em um ponto e não se estende a nenhum lugar. “Um laço é equivalente à
identidade se e somente se puder ser contraído a um ponto. Assim, dizer que o grupo funda-
mental é a identidade é dizer que todos os laços na variedade podem ser reduzidos a um ponto”.
Poincaré notou a ocorrência disso na esfera tridimensional, o que ele gostaria de saber agora
era se existe uma variedade apresentando o grupo fundamental, onde toda curva se contrai a um
ponto, mas que não é homeomorfa a esfera tridimensional. (O’SHEA, 2009, p. 175)
Um espaço topológico métrico é dito separável se possui um subconjunto T , enume-
rável denso em K, isto é, se a vizinhança de qualquer ponto de K contiver um elemento de T .
Considere uma variedade tridimensional K, ou seja, um espaço topológico métrico separável
sem bordo. Denota-se o bordo por ∂K que, nesse caso, é vazio pois trata-se de uma variedade
bidimensional sem bordo.
A variedade tridimensional mais conhecida é a bola. Algebricamente dada por A =
{x ∈ R3 : |x| 6 1} . A esfera tridimensional é definida como a esfera unitária em R4, isto é,
S3 = {x ∈ R4 : |x| = 1}. S3 é expresso como a união de esferas tridimensionais coladas ao
longo das suas fronteiras, ou seja, S3 = A1∪A2, de modo queA1 eA2 são bolas tridimensionais,
onde A1 ∩ A2 = ∂A1 = ∂A2 = S2. A figura 2.17 apresenta como obter as esferas em duas e
três dimensões.
Figura 2.17: A esfera em duas e três dimensões
Fonte: Criado no Corel Draw
Uma esfera homotópica é uma variedade tridimensional fechada K de forma que
pi1(K) é trivial. Sabe-se que a conjectura de Poincaré afirma que qualquer esfera homotó-
pica é homeomorfa a S3. Assim, seja K uma variedade fechada, conexa e orientável, então
H0(X) ∼= H3(X) ∼= Z, e ainda Hn(X) ∼= 0, caso n ≥ 3. Portanto, para S3 temos que
H1(K) ∼= H2(X) ∼= 0. Vale lembrar que a notação Hn(K) representa o número de buracos
n-dimensional de k, ou melhor, o n-ésimo número de Betti.
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 32
2.4.2 Grupo Fundamental
Para entender o que é um grupo fundamental vai-se considerar o exemplo a seguir:
Seja uma esfera, um balão ou uma bola de futebol. Toma-se um ponto x0 na superfície da bola,
este ponto é denominado de ponto de apoio. Agora, pega-se uma fita elástica na cor amarela,
prende-se no ponto de apoio e coloca-se em torno da bola de uma forma qualquer. Em seguida,
realizando-se esse mesmo processo, porém com uma fita elástica de cor diferente, verde por
exemplo, as fitas devem ser puxadas e esticadas de forma que fiquem uma por cima da outra.
Quando as fitas são esticadas e soltas, elas se encolhem tornando-se um ponto.
As fitas elásticas em torno de corpos como uma bola de futebol, bagels e pretzels,
são classificadas como grupo fundamental. Vai-se mostrar como essas fitas são capazes de
representar um grupo. Para compreender a forma de um pretzel veja a figura3 2.18.
Considere um bagel4 na superfície de uma mesa com duas fitas elásticas, uma amarela
e outra verde, fixas a um ponto de apoio. A fita amarela pode ser torcida em torno do bagel
da esquerda para a direita ou vice-versa. Já a fita verde deve ser enrolada mais de uma vez
passando através do buraco pela parte superior ou inferior do objeto.
Figura 2.18: O pretzel é usado para representar uma variedade com essas mesmas características
Fonte: Imagem da internet
As operações de torção são denotadas por um par de números com sinais positivos ou
negativos. Veja que se tivermos um par (7,−2), significa que a fita amarela foi torcida sete
vezes em torno do bagel. Como o número 7 é positivo, esse movimento ocorreu da direita para
a esquerda. Já o número −2, significa que a fita verde passou duas vezes através do buraco e de
baixo para cima, como mostrado a seguir:
Fita Amarela
+ (Direita para esquerda em torno do objeto)
− (Esquerda para direita em torno do objeto)
Fita Verde
+ (De cima para baixo através do buraco)
− (De baixo para cima através do buraco)
Tem-se um grupo no qual seus elementos representam o número de vezes que as fi-
tas foram enlaçadas no bagel de modo que operação utilizada seja a adição. Para verificar se
3Disponível em: <https://foodimentary.com/2014/04/26/april-26-national-pretzel-day-2/>. Acesso em Ago.
2016
4Pão conhecido popularmente como "rosquinha". Na topologia denomina-se toro a variedade que tem a forma
de um bagel.
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 33
os corpos formam um grupo, é preciso analisar se os quatro requisitos de grupo são satisfei-
tos. O primeiro deles é o fechamento em que o resultado da operação com dois elementos do
conjunto, devem permanecer também no conjunto, ou seja, se considerarmos o conjunto dos
inteiros, sabe-se que quaisquer operação de adição realizada resulta em um número inteiro. A
seguir estão as outras três propriedades:
1) Associatividade:
Seja (a, b), (c, d) e (e, f), realizam-se as operações: [(a, b) ⊕ (c, d)] ⊕ (e, f) = (a +
c, b + d) ⊕ (e, f) = (a + c + e, b + d + f). Deve-se agora verificar se é obtido o mesmo
resultado quando primeiro forem operados os últimos elementos. (a, b) ⊕ [(c, d) ⊕ (e, f)] =
(a, b)⊕ (c+ e, d+ f) = (a+ c+ e, b+ d+ f). Dessa forma, dadas as torções (−2, 2), (5,−3)
e (4, 5), tem-se:
[(−2, 2)⊕ (5,−3)]⊕ (4, 5) = (3,−1)⊕ (4, 5) = (7, 4).
Analogamente, fazendo-se (−2, 2) ⊕ [(5,−3) ⊕ (4, 5)] = (−2, 2) ⊕ (9, 2) = (7, 4).
Logo, percebe-se que [(−2, 2)⊕ (5,−3)]⊕ (4, 5) = (−2, 2)⊕ [(5,−3)⊕ (4, 5)]. Isto é, enlaçar
a fita elástica amarela duas vezes da esquerda para a direita e depois, cinco vezes da direita para
esquerda, é semelhante a um enlace três vezes da direita para esquerda no entorno do bagel. Por
outro lado, enlaçar a fita verde através do buraco duas vezes de cima para baixo e em seguida,
três vezes de baixo para cima, é o mesmo que enrolá-la uma vez baixo para cima. Agora, se
enlaçarmos a fita verde cinco vezes através do buraco de cima para baixo, obtemos um enlace
quatro vezes de cima para baixo. Obtemos o par (7, 4) que também é uma torção com a fita
amarela enlaçada sete vezes da direita para a esquerda e uma fita verde enlaçada quatro vezes
de cima para baixo por entre o buraco.
2) Elemento neutro ou elemento identidade:
Dados (a, b) e (e1, e2). Realizando a operação, deve-se ter:
(a, b)⊕ (e1, e2) = (a, b) e (e1, e2)⊕ (a, b) = (a, b)
O elemento neutro significa a não-torção, sendo denotado por (0, 0). É a fita de cor
vermelha, por exemplo, que desliza de lado na variedade e se encolhe em um único ponto, no
chamado ponto de apoio. Realizando-se as operações, percebe-se que:
(0, 0)⊕ (5,−3) = (5,−3) e ainda, (5,−3)⊕ (0, 0) = (5,−3).
3) Elemento Inverso:
Seja (a, b), (c, d) e o elemento neutro (e1, e2). Deve-se ter (a, b) ⊕ (c, d) = (e1, e2) e
(c, d) ⊕ (a, b) = (e1, e2)
Considerando-se o elemento neutro da adição (0, 0), tem-se (5,−3) ⊕ (a, b) = (0, 0),
então (5+a,−3+b) = (0, 0) que resulta em a = −5 e b = 3. Analogamente, (a, b)⊕(5,−3) =
(0, 0) e ainda, (a + 5, b − 3) = (0, 0). Então, a = −5 e b = 3. Logo, o elemento inverso é a
torção (−5, 3).
Demonstrou-se quefitas elásticas enlaçadas e torcidas num bagel podem ser expressas
como um par de números inteiros sob a operação de adição. Pode-se concluir que tais propri-
edades formam um grupo e este denomina-se de Grupo Fundamental do Toro. Essas relações
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 34
estabelecidas entre os laços são chamadas de homologias, o que permite classificar laços dife-
rentes e abordá-los como números.
Afinal, qual o grupo fundamental de uma esfera? Nota-se que a bola permite apenas
um tipo de fita, a que encolhe-se até um único ponto, chamada anteriormente de fita vermelha.
Deve-se lembrar que quando a fita encolhe-se em um ponto, ela representa o elemento neu-
tro. Assim, o grupo fundamental que consiste apenas no elemento neutro, é denominado de
Grupo Fundamental Trivial. Vale ressaltar que a esfera homológica de Poincaré, tem um grupo
fundamental trivial.
Figura 2.19: Enlaces presentes no toro e na esfera
Fonte: Criado no Corel Draw
Vai-se agora, realizar a comparação entre uma esfera e um toro. Ao observar a figura
2.19 note que o toro possui um furo no meio que o torna diferente de uma esfera. Mas se pensar
neste formato para o planeta, não haveria condições de saber que se vive em um mundo com
tal aparência, considerando a ausência de naves espaciais. Percebe-se que o laço à esquerda
sobre o toro não pode ser contraído a um único ponto, no entanto, os outros dois enlaces podem
tornar-se um ponto. Todos os laços presentes na esfera também apresentam essa característica.
Há uma forma de distinguir entre viver numa esfera ou num toro sem recorrer à tec-
nologia. Existem laços ou fitas presentes em um toro que são essencialmente diferentes dos
que podem representar uma esfera. Vamos imaginar que vivemos sobre uma variedade na qual
iremos realizar uma viagem de ida e volta a partir de um determinado ponto fixo. Imagine que
prendemos uma linha nesse ponto, ou melhor, em uma estaca e seguiremos soltando-a de forma
a nos guiar pelo caminho. Ao pararmos em um local e quisermos recolher a linha, obviamente,
iremos observar que a linha será esticada por estar ligada à estaca.
Voltando-se ao ponto de partida, deixando ao longo do caminho um enorme laço de
linha, pode-se fazer um questionamento: Será possível recolher toda a linha? A resposta é sim,
caso se esteja sobre um plano ou uma esfera. Caso se pense em um laço que contorne toda a
linha do equador do planeta terra, este pode voltar ao seu ponto inicial, sem problemas. Ao
recolher a linha ao ponto de apoio, percebe-se que ela desliza, supostamente para o pólo Norte
ou pólo Sul. Conclui-se assim que em uma esfera sempre é possível contrair um laço a um
único ponto.
No caso do toro, ocorre exatamente o contrário da esfera. Há laços que não podem se
contrair a um ponto. Observe as figuras a seguir e note que um dos laços sobre o toro não pode
se contrair a um único ponto, no entanto, há outro laço que pode retornar ao ponto de apoio.
Se por ventura todos os laços da variedade pudessem retornar ao ponto inicial, diz-se
que a variedade é simplesmente conexa. A esfera é a única variedade bidimensional simples-
mente conexa. No entanto, para um geógrafo concluir que o planeta é uma esfera apenas com o
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 35
uso de um atlas, requer maiores estudos, pois ele teria que determinar se a variedade represen-
tada é simplesmente conexa.
Assim como variedades bidimensionais fazem parte da noção sobre o formato do nosso
planeta, variedades tridimensionais são entidades matemáticas para representar o nosso universo
e o que vimos até aqui foi que a esfera tridimensional, segundo a conjectura de Poincaré, é a
única variedade tridimensional simplesmente conexa.
A esfera bidimensional possui características distintas das demais variedades, pois é
a única obtida a partir de um invariante topológico conhecido como grupo fundamental trivial,
descrito como pi1(S2, x0) = 0. Em palavras mais claras, todo caminho fechado se contrai em
um único ponto.
Ao considerar um espaçoX com um ponto x0 fixo como base, associado a um grupo al-
gébrico pi1(X, x0), em que os elementos são classes de equivalência dos caminhos que começam
e terminam no ponto x0. Dois caminhos são considerados equivalentes quando se transformam
continuamente um no outro, mantendo-se fixos nas extremidades.
Definição 2.8 Seja X um espaço topológico e x0 um ponto de X . O conjunto das classes de
homotopia de caminhos para caminhos fechados com base em x0 com a operação ∗, denotado
por pi(X, x0) é conhecido como grupo fundamental de X relativo ao ponto base x0.
A seguir apresentam-se lemas e uma definição que são suporte para demonstrar al-
gebricamente que toda esfera de dimensão maior ou igual a dois, trata-se de uma variedade
simplesmente conexa, ou seja, toda curva fechada simples se contrai em um único ponto.
Corolário 2.1 Seja o caminho a : I −→ X e os pontos 0 = s0 < s1 < ... < sk = 1, para cada
i = 1, ..., k, temos ai : I −→ X o caminho parcial dado por ai = (a|[si−1, si]) ◦ ϕi, de modo
que ϕi : I −→ [si−1, si] é o homeomorfismo linear crescente. Logo, usando b = a1a2...ak,
obtêm-se que b ∼= a.
Lema 2.1 Seja a : I −→ Sn um caminho tal que a(I) 6= Sn. Então a ∼= x0, se a(0) = a(1) =
x0, e a ∼= c, onde c : I −→ Sn é um caminho injetivo, se a(0) 6= a(1).
Demonstração:
Considerando que a(I) 6= Sn, existe p ∈ Sn − a(I). Dado α : Sn − {p} −→ Rn
a projeção estereográfica. Assim, como Rn é simplesmente conexo, α ◦ a : I −→ Rn é
homotópico com extremos fixos a uma constante ou a um segmento de reta paramentrizado
injetivamente, conforme a seja fechado ou não. Analogamente, a = α−1 ◦ (α ◦ a)
Lema 2.2 Todo caminho a : I −→ Sn é homotópico, isto é, com extremos fixos a um caminho
b : I −→ Sn tal que b(I) 6= Sn.
Demonstração:
Como a é contínuo uniforme, pode-se obter pontos 0−s0 < s1 < ... < sk = 1 de forma
que tomando Ii = [si−1, si], tem-se a(Ii) 6= Sn, isso ocorre para todo i = 1, ..., k. De acordo
com o corolário 2.1, a ∼= a1a2...ak, de modo que cada ai : I −→ Sn é uma reparametrização
de a|Ii, com ai(I) = a(Ii). Com base nos lemas anteriores, ai ∼= bi, onde a imagem bi(I) é
fechado com interior vazio em Sn .
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CONJECTURA DE POINCARÉ 36
Tomando b = b1b2...bk , temos que:
a ∼= a1a2...ak ∼= b1b2...bk = b e a imagem b(I) = b1(I) ∪ ... ∪ bk(I) nada mais é do
que a união finita de fechados com interior vazio em Sn. Assim, o interior de b(I) é vazio.
Logo, em particular b(I) 6= Sn.
Proposição 2.2 Se n > 1, a esfera Sn é simplesmente conexa.
De acordo com o lema 2.1, todo caminho fechado em Sn é homotópico a um caminho
fechado cuja imagem não é toda Sn. Este caminho de acordo com o lema 2.2 é homotópico a
uma constante. Logo, podemos dizer que Sn é simplesmente conexa.
Com os elementos fundamentais da conjectura de Poincaré descritos neste capítulo
torna-se fácil o entendimento da formulação que essa conjectura adquiriu ao longo dos anos.
Desse modo, pode-se descrevê-la da seguinte forma.
Conjectura 2.1 (Conjectura de Poincaré) Toda variedade fechada simplesmente conexa de
dimensão três é equivalente (homeomorfa) à esfera tridimensional.
Essa famosa conjectura proposta por Henri Poincaré no século XX, tornou-se durante
décadas como o maior desafio a ser desvendado por ilustres matemáticos. Poincaré é conside-
rado por muitos estudiosos como um grande sábio, de certo, quem solucionasse o problema se
tornaria famoso não só para a comunidade científica, mas também para a mídia.
Capítulo 3
O DESFECHO DA CONJECTURA DE
POINCARÉ
Após tentativas de demonstrar a conjectura de Poincaré para dimensão três, muitos ma-
temáticos dedicaram anos de estudos para resolvê-la em dimensões superiores, ou seja, maiores
que três. Neste capítulo será destacada a contribuição de inúmeros topologistas para a demons-
tração da conjectura de Poincaré em dimensões superiores.

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