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SUMÁRIO • C I N E S I O L O G Í A , E D U C A Ç Ã O F Í S I C A E ESPORTE: O R D E M E M A N A N T E D O C A O S N A E S T R U T U R A A C A D É M I C A Go Tani • H E G E M O N I A E L E G I T I M I D A D E N A S C I Ê N C I A S DOS ESPORTES Hugo Lovisolo • POR U M A T E O R I A D A P R Á T I C A Mauro Betti Revista de D i v u l g a ç ã o Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Física CINESIOLOGÍA, EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE: ORDEM E M A N A N T E DO CAOS NA ESTRUTURA ACADÉMICA Go Tani I N T R O D U Ç Ã O Os ú l t i m o s 15 anos têm sido, para a E d u c a ç ã o Fís ica , um per íodo marcado por importantes acontecimentos. O pr imeiro deles fo i , sem dúv ida , a i m p l a n t a ç ã o dos cursos de p ó s - g r a d u a ç ã o no final da d é c a d a de 70 e início da d é c a d a seguinte. De certa forma, ela introduziu, na prát ica , a E d u c a ç ã o Física à universidade, abrindo as suas portas para uma maior in teração com a comunidade a c a d é m i c a . Uma das c o n s e q u ê n c i a s dessa abertura fo i a r e v e l a ç ã o clara e inequ ívoca da sua fragilidade em termos de c o n t e ú d o , evidenciando a ins ip iênc ia enquanto uma área de conhecimento. Esse contato mais direto com outras áreas possibilitou alguns parâmet ros de comparação , a té en t ão desconhecidos, para uma a u t o - a v a l i a ç ã o . Por outro lado, a mesma abertura intensificou o f luxo de ideias, conhecimentos e tecnologias que estimularam a pesquisa, mostrando uma d i m e n s ã o adormecida da E d u c a ç ã o Fís ica com enorme campo a ser explorado e desenvolvido. A implan tação dos primeiros cursos de pós -g raduação coincidiu t a m b é m com o regresso ao País de um n ú m e r o substancial de mestres e doutores formados no Exterior que trouxeram novas c o n c e p ç õ e s de E d u c a ç ã o Fís ica , academicamente orientadas e cientificamente mais sól idas . Isso deu um grande impulso à Educação Física, especialmente em termos de pesquisa, com a c r i ação de novos labora tór ios e grupos de estudo, particularmente em áreas diferentes daquelas em que a E d u c a ç ã o Fís ica no Brasil j á possuia alguma t rad ição , quais sejam, a Universidade Gama Filho Fisiologia do Exerc íc io e a B i o m e c â n i c a . O segundo acontecimento importante observado nesses úl t imos anos fo i a r ees t ru tu ração dos cursos de p r epa ração profissional com a i m p l a n t a ç ã o do bacharelado. Na realidade, a R e s o l u ç ã o no.3 do Conselho Federal de E d u c a ç ã o , de 16 de junho de 1987, provocou uma verdadeira c o n v u l s ã o nas ins t i tu ições de nível superior em E d u c a ç ã o F í s i ca , quando da sua p r o m u l g a ç ã o . Uma estrutura a c a d é m i c a e administrativa que permaneceu estagnada por longos anos, alheia ao dinamismo da sociedade e da cultura de uma forroa geral, viu-se diante de uma incerteza assustadora: como enfrentar o desafio de um novo curso de p r e p a r a ç ã o profissional com uma estrutura desacostumada com tudo que é novo? Certamente, não foi e não tem sido fácil, para os profissionais envolvidos, compreender o significado da m u d a n ç a e as caracter ís t icas e impl icações de um curso de bacharelado. Muitas vezes, as tentativas de c o m p r e e n d ê - l o s os têm remetido à uma ref lexão do que fizeram ao longo de toda a sua carreira, e isso tem provocado até a perda da n o ç ã o do que seja a l icenciatura, o ú n i c o curso de p r e p a r a ç ã o profissional desenvolvido até en t ão . A perspectiva de i m p l a n t a ç ã o do bacharelado provocou uma instabilidade no sistema. A instabilidade leva, em geral, à duas reações dis t intas . A p r ime i r a é a de procurar preservar a estabi l idade neutralizando as fontes de instabilidade, o que resulta na m a n u t e n ç ã o do status quo. A segunda é a de fazer da instabilidade uma fonte de nova ordem, ou seja, a busca de uma nova estabilidade num nível superior de o rgan ização e complexidade (Prigogine & Stengers, 1984). Ela parte do pressuposto de que instabilidade é salutar e necessá r i a para qualquer processo de m u d a n ç a , pois só há desenvolvimento se houver m u d a n ç a e m u d a n ç a implica em instabilidade ou quebra de estabilidade. Infelizmente, parece que a E d u c a ç ã o Fís ica tem optado, ao menos nesse início, pela primeira alternativa, pois o que se c o m e ç a a presenciar é o mecanismo de feedback atuar com toda a sua força no sentido de preservar ao m á x i m o a estabilidade vigente. Esse es fo rço pode ser percebido de vár ias formas: mudar o nome da discipl ina sem alterar o seu con teúdo , aumentar o n ú m e r o isciplinas pela simples d i v i s ã o do c o n t e ú d o j á desenvolvido, mudar a estrutura curricular sem mudar a c o n c e p ç ã o subjacente e assim por diante. N o entanto, Revista de D i v u l g a ç ã o Científ ica do Mestrado e Doutorado em F d u c a ç ã o Fís ica se a E d u c a ç ã o F í s i ca pretende sintonizar-se com o d inamismo carac te r í s t i co da c iênc ia e tecnologia e responder adequadamente às mudanças sociais e às consequentes al terações no mercado de trabalho, ela não poderá ficar alheia, por muito tempo, ao segundo t ipo de reação à instabilidade acima descrita. O terceiro acontecimento importante foi o repensar da Educação Física Escolar (Tani, no prelo). Após um período de relativo abandono, em função da ên fase ao Esporte, a E d u c a ç ã o F í s ica Escolar foi colocada na ordem do dia das d i s cus sões a c a d é m i c a s , não só nas universidades, como t a m b é m nos eventos c ient í f icos e p e d a g ó g i c o s realizados em diferentes pontos do País . Um dos frutos desse pe r íodo de maior a t e n ç ã o à E d u c a ç ã o Física Escolar é a ex i s tênc ia , hoje, de uma quantidade substancial de p u b l i c a ç õ e s , das mais variadas abordagens, à d i s p o s i ç ã o dos professores envolv idos com esse segmento de a tuação profissional. Sem dúv ida , algo impensáve l a té a d é c a d a de 80, em que praticamente toda a literatura provinha de autores estrangeiros, traduzida para o por tuguês , sobre temas variados mas nem sempre com imp l i cações diretas para a E d u c a ç ã o Física Escolar. Em 1988 publicamos um l ivro intitulado " E d u c a ç ã o Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista" (Tani , Manoel , Kokubun & Proença) , em cuja in t rodução d e f e n d í a m o s a necessidade de abordagens diversificadas para a E d u c a ç ã o Física Escolar. N o nosso entender, a p r o p o s i ç ã o de diferentes abordagens, a lém de enriquecer as d i s cus sões , poderia, com o tempo, convergir progressivamente em d i reção à uma proposta curricular capaz de satisfazer adequadamente as expectativas e necessidades dos nossos escolares. Em outras palavras, a diversidade de c o n t r i b u i ç õ e s seria um pré - requ i s i to para um a v a n ç o qualitativo. E, portanto, um mot ivo de sa t i s fação constatar, na literatura atual, diferentes abordagens para a E d u c a ç ã o Fís ica Escolar (veja, por exemplo, Bett i , 1991; Castelani Filho, l 9 8 8 ; D a ó l i o , 1995; Faria Júnior , 1981; Ferreira, 1984; Freire, 1989; Mar iz Oliveira, Betti & Mariz de Oliveira, 1988; Medina, 1 983; Moreira , 1 991 ; Negrine, 1 983; Oliveira , 1980; Soares et a l i i , 1992; Taffarel, 1985; só para citar algumas publ icações em forma de livros), que se constituem alternativas concretas às duas abordagens até en tão h e g e m ó n i c a s , aquela de o r i e n t a ç ã o para o esporte e aquela de o r i en t ação para a ap t idão física. Universidade Gama Killig Todavia, apesar dessa s i tuação favorável da Educação Física Escolar em c o m p a r a ç ã o a alguns anos atrás , um problema central ainda persiste, visto que a propos ição de diferentesabordagens não foi acompanhada de uma análise rigorosa da relação entre a disciplina curricular de Educação Física e a sua respectiva área de conhecimento. Se comparado à outras disciplinas curriculares, observa-se que a Física existe independentemente do ensino da Física, da mesma forma a Q u í m i c a , a Matemát ica , a Biologia e assim por diante (Tani , 1991). Neste sentido, cabe indagar: qual seria a área de conhecimento correspondente ao ensino da Educação Física? Qual seria o seu objeto de estudo, e que tipo de conhecimento estaria ela produzindo? Enfim, qual seria o con teúdo do conhecimento a ser trabalhado na Educação Física Escolar? 2 Em s ín tese , esse conjunto de acontecimentos, nos ú l t imos quinze anos, provocou, na Educação Física, uma ampla ref lexão da sua própr ia identidade, dando origem a uma fase de tu rbu lênc ias em que aspectos como prepa ração profissional, a tuação profissional, identidade académica , pesquisa e pós -g raduação foram questionados e discutidos (veja, por exemplo, Moreira, 1992; Passos, 1988; SBDEF, 1992). Numa perspectiva Kuhniana (Kuhn, 1970), a Educação Fís ica mergulhou numa fase de crise, onde a necessidade de m u d a n ç a conceituai, estrutural e operacional foi reconhecida por uns, descartada por outros, e isto gerou choques entre o velho e o novo em praticamente tudo que a envolve. Como n ã o poderia deixar de ser, o processo v i v i d o pela Educação Física, nestes ú l t imos anos, t a m b é m refletiu o p rópr io processo pelo qual passou a sociedade brasileira como um todo, ou seja, de ref lexão e questionamento de sua estrutura e o rgan ização política, social, cultural e económica . O momento histórico favoreceu não apenas as d i scussões académicas sobre problemas específ icos da área, mas t a m b é m ques tões mais amplas, particularmente aquelas relacionadas à matriz Filosófica das diferentes v isões de E d u c a ç ã o F í s i c a , de c i ê n c i a e de un ive r s idade . H o u v e t a m b é m uma ideo log ização e pol i t ização das d i scussões e as disputas decorrentes extrapolaram, muitas vezes, a esfera do a c a d é m i c o , e provocaram confrontos entre correntes com propostas de mudar a Educação Física, quando, na verdade, o oponente comum a ser combatido seria aquela corrente estagnada avessa a qualquer tipo de m u d a n ç a . Parecia que a Revista de Divu lgação Cientificado Mestrado e Doutorado cm Educação Física Educação Fís ica não estava preparada para conviver num ambiente de diversidade e pluralidade de conhecimentos, ideias e pos ições , onde o confli to e debate a c a d é m i c o s fossem estimulados, mas que, ao f inal , a força do argumento prevalecesse, mesmo que em caráter p rov i só r io , visto ser essa uma carac te r í s t i ca inerente a qualquer empreendimento cient í f ico. N o bojo dessas d i scussões , não raro a c iência foi colocada como o vi lão da his tór ia . Ressalte-se, entretanto, que, na maioria das vezes, a c iênc ia que se criticava era a chamada c iênc ia c láss ica , caracterizada, entre outras coisas, pelo reducionismo, determinismo e linearidade, e não a c iência atual, onde ques tões como propriedades emergentes, au to -o rgan ização , não- l inear idade , ordem e desordem são alguns dos tóp icos que c o m p õ e m o centro das p reocupações (por exemplo, Jantsch. 1980; Lewin, 1993; Prigogine & Stengers, 1984; Yates, 1987). Além disso, as d i ferenças e re lações entre c iência , tecnologia e t é cn i ca (Bunge, 1981), e entre pesquisa aplicada e pesquisa básica, foram frequentemente desconsideradas. Em outras palavras, a c iência foi descontextualizada, tanto espacialmente como temporalmente, e essa atitude fez revelar o quão necessá r io se faz uma incursão mais profunda sobre a história da ciência , a filosofia da c iênc ia e a epistemologia em nosso meio. Lamentavelmente, ainda é comum rotular-se essa reflexão, sobre a macro-v isão da ciência, como uma viagem estratosférica desprovida de qualquer significado prát ico, isto é, um filosofar no sentido pejorativo (Manoel, 1995). Paralelamente às mudanças internas à área, têm ocorrido, nestes ú l t imos anos, m u d a n ç a s significativas no plano social e profissional. Comparado a alguns anos atrás, existem sinais evidentes de que a consc i ênc i a sobre a impor tânc ia da atividade física para a qualidade de v i d a ou bem estar geral das pessoas, t em m e l h o r a d o gradativamente. Em termos concretos, há mais pessoas de diferentes idades, de diferentes camadas sociais e de ambos os sexos, praticando atividade física regular, caminhando e correndo pelas ruas e parques da cidade. As re iv ind icações por espaços adequados à prá t ica de atividades físicas no planejamento urbano e residencial têm crescido. H á maior n ú m e r o de pessoas frequentando as chamadas "academias de g inás t i ca" . O n ú m e r o de pessoas com acesso a programas de atividades f ís icas orientadas nos p rópr ios locais de trabalho tem aumentado significativamente. Há maior número de pacotes turíst icos Motus Corporis. Rio c/e Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9-50. dez. 13 Universidade Gama Filho e de lazer que incluem programas de atividades físicas, e assim por diante. Infelizmente, parece que a universidade está novamente "a reboque" dessas m u d a n ç a s sociais, em vez de an tec ipá- las e or ientá- las. Por exemplo, entre os muros da universidade, há muito tempo se conhecia os efeitos benéf icos da atividade física regular, s i s temát ica e orientada. Entretanto, tudo indica que a E d u c a ç ã o Física não foi eficiente na d i s seminação social desse conhecimento, seja a t ravés de seus cursos de p repa ração profissional, de suas pesquisas ou de seus cursos de ex t ensão à comunidade. Neste particular, os meios de c o m u n i c a ç ã o de massa, não questionando aqui os seus objetivos táci tos ou subjacentes, têm tido influências muito mais decisivas para a fo rmação dessa consc iênc ia sobre os benef íc ios da atividade física (veja, por exemplo, Okuma, 1990). Essas m u d a n ç a s sociais t êm criado novas alternativas de emprego aos profissionais da área. Se há quinze anos, a maioria dos formandos se empregava no ensino formal, hoje são poucos os que seguem esse caminho (Mar iz de Oliveira, 1988). É nít ida a crescente redução de demanda por professores para atuarem nas escolas. O mercado de trabalho está totalmente aberto para novas o p ç õ e s de carreira. Se a E d u c a ç ã o Física consegu i rá ou não ocupar esse espaço d e p e n d e r á , fundamentalmente, da qualidade de s e r v i ç o s que os profissionais da área serão capazes de oferecer, e isto está diretamente v inculado à qualidade da p r e p a r a ç ã o prof iss ional . Todavia , a preparação profissional depende, por sua vez, do suporte de uma á r e a de c o n h e c i m e n t o c la ramente d e f i n i d a e em constante desenvolvimento (Tani , 1992b). No meu entender, aí reside o grande desafio da Educação Física. Ela é uma área com curta história académica e, em decor rênc ia disso, enfrenta problemas que se estendem desde a def in ição clara de sua identidade enquanto á rea de conhecimento, a té a i m p l a n t a ç ã o e i m p l e m e n t a ç ã o de linhas de pesquisa devidamente delineadas, a o r ga n i z ação e s i s t ema t i zação dos conhecimentos produzidos e a d i s s e m i n a ç ã o desses conhecimentos a t r a v é s dos seus cursos de p reparação profissional. Daí a per t inência do debate que a SBDEF ora promove. O objetivo desse trabalho é trazer uma con t r ibu ição à essa importante d iscussão , procurando sintetizar e ampliar algumas ques tões j á abordadas em textos anteriores (Tani , 1988; 1989; 1991; Revista de Divu lgação Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Fís ica 1992a; 1992b; 1995a; 1995b; 1996;no prelo), para en tão apresentar uma proposta de estrutura a c a d é m i c a para a área. ESTABELECIMENTO DO PROBLEMA A prepa ração de professores para atuarem no ensino formal , entendida como a sua função prec ípua e específ ica , foi p r e o c u p a ç ã o central da E d u c a ç ã o Fís ica durante longo tempo. Os cursos de p repa ração profissional caracterizavam-se, basicamente, por uma estrutura curr icular composta de t r ês grupos de disciplinas: (a) d i s c i p l i n a s academicamen te o r i en tadas , que o f e r e c i a m os conhecimentos teór icos provenientes das chamadas c iênc ias m ã e s ; (b) disciplinas orientadas às atividades, que eram centradas em jogo , esporte, dança , g inás t ica e rec reação ; e (c) disciplinas de o r i en tação pedagóg ica , que discutiam aspectos relacionados com o ensino no sentido amplo. Esta maneira de entender e desenvolver a E d u c a ç ã o Fís ica prevaleceu por longo tempo, apesar de várias l imitações a ela inerentes como, por exemplo, o cará te r muito gené r i co das disciplinas de or ien tação pedagógica , a falta de integração destas com as disciplinas orientadas às atividades, a simples r e p r o d u ç ã o de t é c n i c a s de movimento nas disciplinas orientadas às atividades e a superficialidade dos conhecimentos teór icos desenvolvidos. Invariavelmente, os cu r r í cu lo s de p r e p a r a ç ã o profissional privilegiavam as disciplinas orientadas às atividades que , a pr incípio , l idar iam com os c o n t e ú d o s mais e spec í f i cos da á rea (veja, por exemplo, Gallardo, 1988). Entretanto, na prát ica, elas limitavam-se a oferecer atividades e não conhecimentos estruturados acerca dessas atividades. O seu con t eúdo consistia de procedimentos de ensino relacionados às atividades anteriormente descritas, baseados em intu ição , exper i ênc ia e senso comum, ou seja, às tão conhecidas sequênc ia s pedagóg icas preestabelecidas. Todavia, o problema maior, subjacente a todas essas l imitações, era a ausênc ia de um corpo de conhecimentos acadêmico-c ien t í f i cos p rópr ios da Educação Física. Essencialmente, a E d u c a ç ã o Fís ica se apoiava numa muleta falsa, pois ela acreditava que os conhecimentos t eór icos abrangentes e profundos de que necessitava vinham das c iênc ias m ã e s , quando, na realidade, a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, a Fisiologia, entre outras, nunca se preocuparam em 1 K Universidade Gama Filho produzi-los. A E d u c a ç ã o Física não apenas acreditava que o seu c o n t e ú d o era cons t i tu ído , na sua maior parte, de material tomado dessas disciplinas, como t ambém que os seus pr inc íp ios poderiam ser formulados a partir dos conhecimentos bem estabelecidos em cada uma delas. Isso foi um grande equ ívoco . A Educação Física estava, de fato, esvaziada de con teúdo e dessa forma não justificava sequer a sua p r e s e n ç a no ensino superior, como um curso de p repa ração profissional academicamente orientado, muito menos na universidade, enquanto uma área de conhecimento (Tani, 1988; 1989). Em suma, a visão da Educação Física, centrada na p repa ração profissional, e a consequente ênfase histórica à pres tação de serv iços ou ao aspecto profissional, inibiu a es t ru turação de um corpo de conhecimentos que, além de proporcionar identidade a c a d é m i c a à área , pudesse fornecer sus ten tação teórica e científ ica à prá t ica e à p repa ração profissional. E demais conhecido que, embora preocupar-se em contribuir para as pessoas seja fundamental para uma p r o f i s s ã o , o n ã o desenvolvimento de um corpo de conhecimentos capaz de dar uma sus ten tação acadêmico-c ien t í f i ca à prát ica profissional coloca em cheque não apenas a sua autenticidade, mas t a m b é m a sua própria sobrev ivênc ia (Lawson, 1984; Morford , 1972; Tani , 1988; 1989). A l é m disso, dessa d e f i n i ç ã o de identidade enquanto á r e a de conhecimento e a consequente p rodução , o rgan ização e difusão de conhecimentos depende, fundamentalmente, a j u s t i f i c a t i v a da p e r m a n ê n c i a , ou n ã o , da E d u c a ç ã o F í s i ca no contexto de uma universidade. No cenário internacional, um importante passo para transformar essa estrutura tradicional da Educação Física deu-se em meados da década de 60, quando nos E U A , se iniciou um amplo movimento para a ca rac te r ização da Educação Física enquanto uma disciplina a c a d é m i c a (Henry , 1964; 1978). N o Bras i l , os impactos desse movimento c o m e ç a r a m a ser sentidos apenas no início da d é c a d a de 80, quando da implantação dos cursos de pós-graduação estrito senso. Mais recentemente, suas influências têm chegado t a m b é m aos cursos de g raduação , a t ravés da implan tação dos cursos de bacharelado. Embora as d iscussões a respeito das caracter ís t icas desse movimento e de suas impl icações ainda não sejam um lugar comum no nosso meio, os seus desdobramentos têm sido documentados em vár ios */int,,<: nnrnnr/s. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p . 9 - 5 0 . dez. 1996 Revista de Divu lgação Cientifica do Mestrado c Doutorado em Fducação Física trabalhos (Canfield, I993; Kokubun, 1995; Lima, 1994; Manoel , 1986; Mar iz de Oliveira, 1988; Tani , 1988, 1989; Teixeira, 1993), mot ivo pelo qual uma aná l i se mais detalhada será aqui omit ida. Mesmo assim, alguns aspectos dessa t r ans fo rmação da Educação Física merecem ser abordados, pois tanto os seus pontos positivos como negativos c o m e ç a m a influenciar profundamente a Educação Física em nosso país . Duas poss íve is estruturas foram propostas e discutidas para o desenvolvimento de estudos em Educação Física, uma de cará ter interdisciplinar e outra transdisciplinar (crossdisciplinar). De acordo com Brooks (1981) , a estrutura interdiscipl inar signif ica que a disciplina está baseada nos conhecimentos fornecidos por várias outras disciplinas. Estabelece-se, dessa forma, uma certa d e p e n d ê n c i a da E d u c a ç ã o F í s i c a em r e l a ç ã o a discipl inas t radicionais como a Anatomia, a Fisiologia, a Psicologia, a Sociologia e a Antropologia, pois ela se caracterizaria pela apl icação dessas disciplinas a problemas espec í f i cos da área . A estrutura interdisciplinar ficou claramente evidenciada quando se associou o nome de uma determinada disciplina tradicional a um objeto específ ico da nossa área para a fo rmação de sub-á reas de inves t igação , como ocorreu, por exemplo, no caso da Psicologia do Esporte, Sociologia do Esporte e His tór ia do Esporte. Entretanto, a estrutura interdisciplinar foi e tem sido objeto de muitas crít icas, porque, além do problema da dependência que poderia resultar, em úl t ima instância, em coop tação dessas sub-áreas pelas d i s c ip l i na s m ã e s , sem nenhuma c o n t r i b u i ç ã o e fe t iva para a e s t ru tu ração e desenvolvimento da E d u c a ç ã o Fís ica enquanto uma disciplina a c a d é m i c a , ela implicava uma ausênc ia de o r i en tação no sentido da i n t e g r a ç ã o horizontal ou t e m á t i c a do conhecimento (Lawson & Morford , 1979). A dependênc i a da Educação Física em re lação às disciplinas m ã e s não se manifestava apenas em termos da " ' impor t ação" de conhecimentos, mas t a m b é m de profissionais para desenvolverem os seus c o n t e ú d o s nos cursos de p reparação profissional. Para esses profissionais, a estrutura interdisciplinar, obviamente, era mais prática e conveniente, pois implicava apenas a a p l i c a ç ã o das teorias e metodologias de pesquisa próprias da sua área de formação académica aos problemas da E d u c a ç ã o Física. Henry (1964; 1978), entretanto, p r o p ô s que a d isc ip l ina Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p . 9-50. dez. 1996 Universidade Gama Filho a c a d ém i c a de E d u c a ç ã o Física teria uma estrutura transdisciplinar, pois não consistia da ap l i cação das disciplinas tradicionais ao estudo da atividade física ou performance humana. Se assim fosse, ela não seria uma disc ip l ina a c a d é m i c a , mas sim uma á r e a t é c n i c a ou profissional. Pelo cont rár io , a Educação Física seria cons t i tu ída de certas po rções dessas disciplinas e cabia a ela in tegrá- las e ampl iá - las. O foco de a tenção seria o estudo do movimento humano, no sent ido amplo , a t r a v é s de uma s é r i e de estudos organizados horizontalmente, como t a m b é m verticalmente, em profundidade. O pon tapé inicial dado por Henry ( 1964), cujas p ropos ições se cons t i tu í ram um verdadeiro paradigma para a Educação Física, foi fundamental para a def in ição do seu con teúdo , mas vár ios outros estudos (por exemplo, Brown, 1967; Metheny, 1967;Nixon , 1967; Phenix , 1967; Ra r i ck , 1967; Steinhaus, 1967) c o n t r i b u í r a m significativamente para estabelecer a estrutura inicial da disciplina a c a d é m i c a de Educação Física, que possibilitou o desenvolvimento de estudos e pesquisas devidamente identificados. Essa iniciativa foi imediatamente seguida por vár ios profissionais, particularmente por aqueles engajados em pesquisas nas universidades, caracterizando aquilo que é comumente denominado de "movimento disciplinar" da E d u c a ç ã o Fís ica . Para esses profissionais, a E d u c a ç ã o Física s ignif icava mais do que uma á r ea cuja responsabilidade era a p r epa ração de professores para atuar nas escolas (Lawson, 1984). Eles viam a Educação Física como uma área de estudo relacionada com a inves t igação da natureza e significado do movimento humano em suas vár ias formas, e t a m b é m com o estudo não só do como, mas do p o r q u ê da atividade física ( K r o l l , 1982). Esse movimento trouxe profundas modi f i cações na área não apenas em termos de pesquisa, mas t a m b é m de p repa ração profissional e pós -g raduação . Os anos que se seguiram foram caracterizados por um crescente interesse pela pesquisa, e a t endênc ia observada foi a e spec ia l i zação cada vez mais intensa dos temas investigados que, por sua vez, deu origem à c r i ação de vá r i a s sub-disciplinas, cada qual com seus ojpjetivos e p reocupações académicas própr ias . Essas sub-disciplinas se organizaram de tal maneira que criaram suas assoc iações própr ias , seus congressos e s p e c í f i c o s e seus v e í c u l o s de p u b l i c a ç ã o especial izados. As pr inc ipa is sub-disc ipl inas que emerg i ram inicialmente foram as de Fisiologia do Exerc í c io , B i o m e c â n i c a , 18 Motus Corporis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 9-50, dez. 1996 9 Revista de Divulgação Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Física Aprendizagem Motora / Psicologia do Esporte, Sociologia e Educação do Esporte, H i s t ó r i a e Fi losof ia da E d u c a ç ã o F í s i ca e Teor ia Administrat iva em Esporte e Educação Física (Park, 1989). Como se pode observar , a e m e r g ê n c i a de sub-d i sc ip l inas n ã o seguiu estritamente uma estrutura inter ou transdisciplinar, dificultando a v i sua l i zação de uma estrutura coerente para a área. N a â n s i a de obter, o mais r á p i d o p o s s í v e l , o status e a respeitabilidade a c a d é m i c o s , esse movimento deu muita ênfase à pesquisa básica, estimulando e valorizando sobremaneira aquelas sub- disciplinas de inves t igação mais relacionadas às c iênc ias naturais, em detrimento de pesquisas relacionadas às ciências sociais e humanas e, principalmente, de pesquisas aplicadas comprometidas com solução de problemas enfrentados na prática profissional. O resultado concreto desse investimento foi um inegável avanço aeadêmico-c ien t í f i co , evidenciado, entre outras coisas, pelo aumento significativo no volume de estudos conduzidos, no n ú m e r o de per iód icos especializados, na quant idade de eventos c i e n t í f i c o s real izados, no n ú m e r o de publ icações até mesmo em per iódicos de reputação em áreas de maior t r ad ição académica . Por outro lado, não foi poss ível observar um impacto mais significativo dos conhecimentos produzidos na melhoria da prát ica profissional. Inicialmente, acreditou-se que as pesquisas desenvolvidas nessas sub-disciplinas pudessem contribuir para a fo rmação de um corpo integrado de conhecimentos que desse identidade a c a d é m i c a à á rea e s u s t en t ação t eór ica à prá t ica e à p r e p a r a ç ã o profissional. Entretanto, em função da influência do paradigma cient íf ico adotado das c i ê n c i a s naturais, de ca rac te r í s t i ca eminentemente ana l í t i ca , c o m e ç a r a m a se desenvolver pesquisas que enfocavam aspectos cada vez mais especí f icos acerca do f enómeno movimento humano. A inco rporação desse paradigma fez com que a in tegração horizontal e vertical dos conhecimentos produzidos se tornasse cada vez mais difícil , caracterizando, desta forma, o processo de f r agmen tação do conhecimento (Hoffman, 1985; Tani , l 988; Thomas, 1987). É amplamente reconhecido que a i n t eg ração horizontal t vert ical dos conhecimentos é fundamental para dar identidade a c a d é m i c a a uma área de conhecimento. Embora haja dúv idas se ; e s p e c i a l i z a ç ã o das sub -d i s c ip l i na s leva necessar iamente ; f r agmen tação do conhecimento (Greendorfer, I987; Thomas, 198; Motus Corporis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 9-50, dez. 1996 1< I Iniversidade Gatna Filho ), esta tem, seguramente, i m p l i c a ç õ e s diretas na a p l i c a ç ã o dos conhecimentos à prát ica profissional. Ela é produto de um problema ep i s t emológ ico e metodo lóg ico de s impl i f icação excessiva do objeto de estudo nas pesquisas. Com o objetivo de assegurar a fidedignidade dos resultados, os pesquisadores cont ro lam rigorosamente as var iáve is , mas isso leva à falta de cor respondênc ia entre os resultados de pesquisa e a situação real, ou seja, compromete a validade ecológica dos resultados e consequentemente a sua aplicabilidade (Tani, 1 988). Argumentos foram apresentados no sentido de que a omis são em re lação aos problemas que surgem em s i tuações prát icas foi a grande r e s p o n s á v e l pela e s p e c i a l i z a ç ã o e p r o l i f e r a ç ã o de sub- disciplinas que cont r ibuí ram para a f ragmentação do conhecimento (Broekhoff, 1982). Esta f ragmentação do conhecimento tem sido, ainda hoje, alvo de constantes crí t icas por parte daqueles envolvidos com aspectos profissionais da Educação Física (por exemplo, Bressan, 1979; 1982;Locke, 1977, I 990; Siedentop, 1 990) e de p reocupações por parte dos pesquisadores cujos interesses es tão direcionados no sentido de promover a in tegração entre a teoria e a prá t ica (por exemplo, Corbin, 1993; Newel l , 1990b, 1990c; Park, 1991). De fato, uma das consequênc ia s do "movimento disciplinar" foi uma ênfase quase que exclusiva ao estudo científico do movimento humano, o que resultou num abandono de estudos profissionalizantes e aplicados que abordassem problemas relevantes encontrados na prática da Educação Física. Alguns acreditam que se foi longe demais nessa tendênc ia (veja, por exemplo, Ellis, 1 988). Para essas pessoas, as necessidades da prof issão devem orientar a natureza e con teúdo da atividade a c a d é m i c a de uma á rea (E l l i s , 1990), ou seja, as necessidades correntes e futuras da profissão devem ditar os tipos de perguntas a serem formulados pelos pesquisadores associados à área. Dentro dessa linha de rac ioc ín io , a busca do conhecimento pelo conhecimento deve acontecer nas áreas de conhecimento comumente denominadas de puras ou bás icas , em que não se tem p reocupações com a apl icação prática por não possuir v inculação a nenhuma prática profissional específ ica. Todavia, essa propos ição de que a E d u c a ç ã o Física, enquanto uma área profissionalizante, tem base própr ia capaz de garantir o seu auto-desenvolvimento, mantendo uma independênc ia em re lação às pesquisas básicas, não tem sido sustentada na prática. De acordo com Revista de Divu lgação Cientifica do Mestrado e Doutorado em Educação Física Wade (1 990), excetuando-se as tradicionais pesquisas em anál ise do ensino e anál ise do comportamento de professores e administradores, não foram desenvolvidas linhas de pesquisa claramente definidas, objetivando uma investigação sis temática de temas profissionalizantes relevantes para que os seus resultados pudessem ser colocados à d i s p o s i ç ã o e à d i s c u s s ã o dos cursos de p r e p a r a ç ã o profissional. Pesquisadores e n v o l v i d o s c o m o es tudo de aspectos profissionalizantes têm produzido muitos ensaios ou artigos de tomada de pos ição , mas tem faltado um esforço mais s i s temát ico no sentido de se conduzir estudos empír icos para buscar evidências que suportem as ideias e pensamentos apresentados. As i m p l i c a ç õ e s dessa e s p e c i a l i z a ç ã o e f r a g m e n t a ç ã o do conhecimento e a escassez de pesquisas aplicadas acerca de temas profissionalizantes, na p reparação profissional, têm sido claras no sentido de que as diferentes sub-disciplinas de pesquisa têm sido incorporadas no cur r ícu lo como disciplinas teór icas e os problemas enfrentados na p r o d u ç ã o do conhecimento têm sido diretamente transferidos para a p reparação profissional. Em função disso, cada disciplina curricular tem desenvolvido o seu con t eúdo espec í f ico isoladamente e não tem havido c o m u n i c a ç ã o e a r t i cu lação efetivas entre as diferentes disciplinas. O resultado tem sido a fo rmação de profissionais com capacidade analítica, mas com grandes dificuldades em sintetizar conhecimentos. Essa c a r a c t e r í s t i c a de p r e p a r a ç ã o profissional tem-se const i tu ído um fator ampliador da dis tância entre a teoria e a prát ica, pois, a a tuação profissional exige justamente a in tegração e s ín tese de conhecimentos. A dificuldade encontrada na s í n t e s e dos conhecimentos e a consequente dif iculdade na sua apl icação têm causado, frequentemente, o abandono da teoria enquanto instrumento valioso de auxí l io à prát ica. Evidentemente, esse tipo de comportamento n ã o condiz com os p r i n c í p i o s b á s i c o s de uma prof issão academicamente orientada. Decerto, n ã o é s imples de f in i r c laramente que t i po de conhecimento é necessár io à prát ica profissional. Para pessoas de t e n d ê n c i a mais a c a d é m i c a , os profissionais com o d o m í n i o de conhecimentos oriundos de pesquisas básicas estão melhor preparados para atuar do que aqueles com o d o m í n i o de conhecimentos profissionais e aplicados. O principal argumento que sustenta essa assunção é de que os conhecimentos aplicados são normalmente muito 21 Universidade G a m a Filho especí f icos e difíceis de serem generalizados. Por outro lado, para pessoas de t endênc ia mais profissional, os conhecimentos que os profissionais necessitam são aplicados e não bás icos . O argumento por elas apresentado é de que os conhecimentos bás icos têm sido produzidos de forma fragmentada e não existe uma co r re spondênc ia entre eles e a s i tuação real de prát ica. Basicamente, essa disputa em torno do corpo de conhecimentos em que se fundamenta a prática profissional tem se desencadeado tendo como cri tér io único a sua utilidade prát ica . Neste particular, é preciso enfatizar que a re levância do corpo de conhecimentos não pode ser medida somente pela sua eficácia na so lução de problemas imediatos encontrados na prática (Tani, no prelo). Ele tem uma função muito mais ampla, pois a sua presença é, por exemplo, uma cond ição sine qua non para distinguir-se uma profissão de uma o c u p a ç ã o . A principal d i fe rença entre o c u p a ç ã o e prof issão, segundo Lawson (1984), é que numa o c u p a ç ã o as pessoas aceitam e deixam vár ios trabalhos ou tarefas e o seu m é t o d o de trabalho é dependente da t radição ou tentativa e erro. Enquanto isso, numa profissão, as pessoas estão comprometidas com uma carreira, em que a maneira de executar o seu trabalho está baseada no conhecimento sobre a e s sênc ia do se rv iço que oferecem e sobre a pessoa a quem prestam esse serv iço . A lém do mais, pelo fato do própr io conhecimento mudar com as t ransformações sociais, essas pessoas são capazes de adaptar ou alterar a sua maneira de trabalhar. A i n d a n ã o há c o n c o r d â n c i a sobre o n ú c l e o b á s i c o de conhecimento teór ico e a c a d é m i c o que um profissional da á rea deve possuir para ser claramente identificado como tal. Esse é um assunto muito importante, pois ele define a estrutura e a o r g a n i z a ç ã o das faculdades não só em termos de p r e p a r a ç ã o profissional, como t a m b é m em termos de p rodução de conhecimentos (Razor, 1988 ). Embora cada inst i tu ição desenvolva um curr ícu lo consistente com sua particular mis são , em c o n s o n â n c i a com as particularidades e ex igênc ia s locais, uma profissão é geralmente caracterizada pela a d e r ê n c i a a certas c o n c e p ç õ e s fundamentais sobre a natureza e extensão de conhecimentos que os seus membros devem possuir (Park, 1991). N a realidade, os profiss ionais devem domina r n ã o só conhecimentos teór icos mas t a m b é m habilidades e sensibilidades profissionais (Lawson, 1984). ° ° A «• r w f - u - . r i c Dtr\rie* innpirn v 3. n. 2. D. 9 - 5 0 , dez. 1996 Revisla de Divu lgação Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Física A o meu ver, ambos os conhecimentos - a c a d é m i c o s e profissionais - são importantes e n e c e s s á r i o s para a a t u a ç ã o e, consequentemente, para a preparação profissional e, portanto, entendo que a busca de autenticidade e respeitabilidade profissionais implica a e l a b o r a ç ã o e desenvolvimento de um corpo de conhecimentos, a c a d é m i c o s e profissionais, a t ravés de pesquisas e a sua u t i l ização para melhorar a qualidade da prát ica profissional (veja, por exemplo, Park, 1991). A o s cursos de p r e p a r a ç ã o p ro f i s s i ona l cabe a responsabilidade de selecionar e organizar esses conhecimentos em função do perfil do profissional que se pretende formar, e de transmiti- los organizadamente a t r a v é s do conjunto de suas d i sc ip l inas curriculares. Neste sentido, o que se necessita é uma estrutura a c a d é m i c a claramente articulada e acei tável que organize a p rodução e s i s t e m a t i z a ç ã o de conhecimentos a c a d é m i c o s e profissionais devidamente identificados e caracterizados. Essa p ropos ição é reforçada quando se c o m e ç a a detectar, no Brasil, vár ios indicadores que evidenciam a ausência de uma estrutura que oriente e integre num todo a p r o d u ç ã o de conhecimentos, a p r epa ração profissional e a pós -g raduação . A crescente subd iv i são da área com a c r iação de diferentes sub-áreas , cada qual com suas o rgan i zações própr ias como a B iomecân ica , a Historia da E d u c a ç ã o Física e a E d u c a ç ã o Física Adaptada j á é uma realidade, e pode levar a uma maior f r agmen tação do conhecimento. Os programas de pós - g r a d u a ç ã o existentes refletem diferentes conce i tuações do corpo de conhecimentos entre as universidades. As áreas de concen t r ação e as suas respectivas nomenclaturas, de tão variadas que são, difici lmente f azem t ransparecer que pe r tencem a uma mesma á r e a de conhecimento. A divers i f icação dos programas de g raduação c o m e ç a a criar uma confusão em re lação a t í tulosde grau a ser outorgado. As d e n o m i n a ç õ e s de departamentos mesclam nomenclaturas tradicionais profissionalmente orientadas, com nomenclaturas mais recentes academicamente orientadas. Em 1981, Harris assim descreveu a Educação Física: Uma casa dividida, com uma o rgan ização inadequada de ensino e pesquisa; com uma falha de in te rp re tação de um corpo de conhecimentos apropriado; com uma disputa interna de poder; com uma redundânc ia de foco; e com um bando de organizações e sociedades representando áreas especializadas que falharam em solucionar os problemas dela. Motus Corporis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 9-50, dez. 1996 23 Universidade Gama Filho É para essa E d u c a ç ã o Fís ica que estamos caminhando ou queremos caminhar, seguindo os mesmos passos e os mesmos perca lços? Se um dos atributos singulares do ser humano é a sua capacidade de aprender das exper iênc ias de outros, não poderia a nossa Educação F í s i ca evitar aquelas etapas p r o b l e m á t i c a s que os outros pa í ses enfrentaram como a f ragmentação do conhecimento, a disputa em torno da caracter ização da Educação Física como uma área académica ou profissional, as d ivergências em re lação a nomenclatura da área, entre outras, e dar um salto qualitativo? Naturalmente, a definição de identidade a c a d é m i c a e a sua conso l idação a t ravés de pesquisas abrangentes e profundas será um empreendimento extremamente complexo e difícil por vár ias razões . Em primeiro lugar, não será fácil definir um paradigma para a área no momento em que a própr ia c iência , como um todo, passa por uma verdadeira metamorfose (Prigogine & Stengers, 1984), procurando libertar-se de um paradigma caracterizado pelo reducionismo, determinismo e linearidade para assumir um paradigma em que ques tões como propriedades emergentes, au to -o rgan ização , ordem e desordem c o m p õ e m o centro das p r e o c u p a ç õ e s , como v i s to anteriormente. Em segundo lugar, definir o seu objeto de estudo e buscar metodologias de inves t igação adequadas, num momento em que as diferentes áreas do conhecimento têm procurado desenvolver pesquisas crescentemente temáticas , de característ ica multidisciplinar, com a util ização de tecnologias altamente sofisticadas, fruto do avanço notável nas c iênc ias da c o m p u t a ç ã o , cons t i tu i r -se-ão outro grande desafio para a área. Entretanto, tratando-se de um problema vital para a área, não é necessár io maiores argumentos sobre a necessidade e importância de se apresentar propostas, fomentar discussões e buscar so luções . U M A PROPOSTA DE ESTRUTURA ACADÉMICA A d i scussão ep i s t emológ ica sobre a identidade a c a d é m i c a da Educação Física, no Brasil , teve um impulso inicial com as ref lexões de Cunha (1988) que resultaram na p ropos ição de uma C iênc i a da Motricidade Humana. Gradativamente, esse assunto vem se tornando um foco de forte atenção (por exemplo, Bracht, 1993; 1995a; Lovisolo, 1992; Santin, 1995a) e certa " t e n s ã o " (Bracht, 1995b; Gaya, 1994; o A Motus Corooris. Rio d& Jan&iro, v. 3, n. 2. p. 9-50, dez. 1996 Revista de Divu lgação Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Física Ghiraldel l i Júnior , 1995; Lovisolo, 1995; Santin, l 995b; Taffarel & Escobar, 1994) no meio a c a d é m i c o . Entretanto, a maioria desses estudos tem enfocado ques tões conceituais e não tem resultado na p ropos i ção concreta de uma estrutura a c a d é m i c a para a área. Embora a d i scussão sobre a estrutura a c a d é m i c a da área não seja ainda muito difundida em nosso meio, existe hoje uma v isão bastante aceita de que há necessidade de uma área de conhecimento que se preocupe em estudar o movimento humano de fornia abrangente e profunda, em m ú l t i p l o s n íve i s de aná l i s e , desde o nível mais m i c r o s c ó p i c o (por exemplo, b ioqu ímico ) até o mais m a c r o s c ó p i c o (por exemplo, an t ropo lóg ico) . Há t a m b é m uma c o m p r e e n s ã o de que, em função dessas carac ter í s t icas , a d e n o m i n a ç ã o E d u c a ç ã o Fís ica torna-se muito restritiva e deixa de ser adequada para expressar toda a a b r a n g ê n c i a dessa á rea de conhecimento (Renson, 1989). N o contexto internacional , d e n o m i n a ç õ e s como Cineant ropologia (Renson, 1989), Motricidade Humana (Cunha, 1988; Oro, 1994; Tojal , 1994), C iênc ia do Movimento Humano (Brooke & Whi t ing , 1973), Cinesiologia (Arno ld , l 993; Newel l , 1989, 1990a; Roberts, 1985; Wade, 1991), Ciência do Exercício (Katch, 1989,1990), Ciência do Esporte (Thomas, l 987) e vár ias outras (mais de uma centena de d e n o m i n a ç õ e s , segundo Razor & Brassie, l 990) têm sido utilizadas para substituir a E d u c a ç ã o Física, tanto como d e n o m i n a ç ã o de uma área a c a d é m i c a como t a m b é m nome de departamentos e cursos de p r e p a r a ç ã o profissional . A m u d a n ç a de nomenclatura tem sido defendida com base em diferentes argumentos como, por exemplo, separar os aspectos disciplinares e a c a d é m i c o s dos prá t icos numa tentativa de obter respeitabilidade académica , uma maneira de os a c a d é m i c o s evitarem o estigma de serem vistos como professores prá t icos e t a m b é m como um esforço legí t imo para.redefinir a á rea (Wade & Baker, 1990). N a busca de uma m e l h o r d e n o m i n a ç ã o que f a c i l i t e a iden t i f i cação da identidade a c a d é m i c a da área, tenho sugerido e adotado o termo Cinesiologia (Tani , 1989; 1995a; 1995b) que é o mais difundido entre eles e que significa, literalmente, estudo do m o v i m e n t o (ve ja N e w e l l , 1990a, para maiores deta lhes) . A Cinesiologia poderia ser definida como uma área do conhecimento que tem como objeto de estudo o movimento humano, com o seu foco de p r eocupações centrado no estudo de movimentos genér icos Motus Corporis, Rio de Joneiro, v. 3, n. 2, p. 9-50. dez. 1996 25 Universidade Gama Filho (postura, locomoção , manipulação) e específicos do esporte, exercício, g inást ica , jogo e dança . A de l imi tação do objeto de estudo, a t ravés do estabelecimento de um foco, não deve ser entendido como uma camisa de força, mas sim como uma forma de organizar e orientar a p rodução e s i s t emat ização do conhecimento. Na realidade, nunca foi fácil, e es tá se tornando cada vez mais difícil estabelecer-se uma "reserva de mercado" de um determinado objeto de estudo para uma certa área , particularmente em termos de pesquisa bás ica . A C i n e s i o l o g i a t e r i a a c a r a c t e r í s t i c a de uma á r e a de conhecimento, mais do que de uma discipl ina a c a d é m i c a . Uma disciplina a c a d é m i c a é normalmente identificada por possuir: (a) um ob j e to de estudo p r ó p r i o ; (b ) uma m e t o d o l o g i a de estudo especializada, e (c) um paradigma p r ó p r i o identif icado por um conjunto de teorias, que resulta num corpo de conhecimentos único (Ross, 1978). Estes requisitos são normalmente preenchidos pelas disciplinas tradicionais, verticalmente estruturadas, como no caso da A n a t o m i a , F i s io log ia , Psicologia , Soc io logia e A n t r o p o l o g i a . Entretanto, a Cinesiologia tem uma carac ter í s t ica muito peculiar no sentido de que ela abrange estudos desde os níveis mais microscópicos até os mais mac roscóp i cos , transcendendo os limites dasdisciplinas tradicionais. Essa abrangênc ia da Cinesiologia traz dificuldades em relação a sua identidade ep i s t emológ ica e me todo lóg ica , pois a pluralidade se apresenta como uma carac ter í s t ica inerente e como uma c o n d i ç ã o indispensável para o sucesso do empreendimento. Por outro lado, ela tem o p r i v i l é g i o de ser uma das poucas á r ea s em que há uma perspectiva concreta de integrar conhecimentose descobertas de várias disciplinas em torno de um mesmo objeto de estudo (Park, 1991). A Cinesiologia teria uma estrutura transdisciplinar (Henry, 1978; Lawson & Morford , 1979; Renson, 1989; Rose, 1986) e seria cons t i tu ída de t rês grandes sub-áreas de inves t igação , quais sejam, a B i o d i n â m i c a do Movimen to Humano, o Comportamento M o t o r Humano e os Estudos Sóc io -Cu l tu ra i s do Movimento Humano - Figura' 1 (Tani , 1989). Numa v isão mais integrativa e s i s t émica da ciência , com preocupações de evitar a crescente espec ia l i zação e f r a g m e n t a ç ã o , estas s u b - á r e a s i n c o r p o r a r i a m as d i fe ren tes especialidades hoje existentes, para fomentar uma maior comunicação interna e estimular a rea l ização de estudos integrativos e t emá t i cos . * ,o ^ r n n n c p / o cie Janeiro, v. 3. n. 2, p. 9-50, dez. 1996 Revista de Divu lgação Científ ica du Mestrado e Doutorado em Educação Física A B i o d i n â m i c a do Movimento Humano englobaria a B i o q u í m i c a do E x e r c í c i o , a F i s i o l o g i a do E x e r c í c i o , a B i o m e c â n i c a e a Cineantropometria. O Comportamento Motor Humano, por sua vez, i n c o r p o r a r i a o C o n t r o l e M o t o r , a A p r e n d i z a g e m M o t o r a , o Desenvolvimento Motor e a Psicologia do Esporte. Finalmente, a sub-área de Estudos Sócio-Cul tura is do Movimento Humano reuniria a Sociologia, a His tór ia , a Antropologia, a Filosofia, a Ét ica e a Esté t ica do Movimento Humano/Esporte. Abordagens integradas no estudo do movimento humano j á são uma realidade em muitos centros a v a n ç a d o s . Por exemplo, o estudo da c o o r d e n a ç ã o e controle de m o v i m e n t o s t em e x i g i d o cada vez mais a i n t e g r a ç ã o de conhecimentos , metodologias e e s f o r ç o s de prof iss ionais da Neuro f i s io log ia , do Compor tamento M o t o r e da B i o m e c â n i c a (veja,por exemplo, Requin & Stelmach, 1991; Stelmach & Requin, 1992). A Cinesiologia estudaria não só os mecanismos e funções do C I N E S I O L O G I A BIODINÂMICA DO MOVIMENTO HUMANO COMPORTAMENTO MOTOR HUMANO ESTUDOS SÓCIO- CULTURAIS DO MOVIMENTO HUMANO PEDAGOGIA DO MOVIMENTO HUMANO ADAPTAÇÃO DO MOVIMENTO HUMANO E D U C A Ç Ã O FÍSICA Figura 1: Estrutura Académica de Cinesiologia e Educação Física (Tani. 1989). Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9-50. dez. 1996 27 Universidade Gama Filho movimento humano, mas t ambém os processos de m u d a n ç a que o mesmo manifesta ao longo do seu c i c l o de v ida , seja como consequênc ia do desenvolvimento ou da aprendizagem. Ela estudaria t ambém o significado bio-psico-sócio-cultural do movimento humano em suas diferentes formas de m a n i f e s t a ç ã o e, neste sentido, necessitaria modificar a v isão restrita de movimento de outrora, passando a cons iderá - lo na re lação d i n â m i c a entre o ser humano e o meio ambiente. E preciso ver o movimento como um sistema organizado horizontalmente a t ravés da in teração entre os elementos que o c o m p õ e m e estruturado verticalmente em múl t ip los níveis , assumindo c a r a c t e r í s t i c a do que é comumente denominado de complexidade organizada. E, por ser complexo, ele deve ser merecedor de uma abordagem em diferentes níveis de anál ise . N a realidade, com essas co locações , es tá - se enfatizando a re levânc ia do paradigma s i s témico para a es t ru turação dessa área de conhecimento. O paradigma s is témico pode ser descrito de diferentes formas. Por exemplo, como uma visão s i s témica (Laszlo, 1 972), em que o todo não é visto como somató r io de partes, mas sim como algo que surge da interação das partes. A visão s is témica procura entender o todo não a partir das partes, mas sim a partir do todo identificar a função das partes e a re lação que as partes man têm entre si para que o objetivo do todo seja a lcançado . E uma visão do todo organizado hierarquicamente, ou seja, em diferentes níveis em que a relação todo- parte n ã o é absoluta, mas relat iva. Em outras palavras, ela é h o l o n ô m i c a (Koestler, 1967). O paradigma s i s témico implica uma v isão de sistemas abertos, isto é, sistemas que interagem com o meio ambiente at ravés da troca de matér ia /energia e informação e que estão em constante busca de estados mais complexos de o r gan i zação via a d a p t a ç ã o . Sistemas abertos são sistemas em não equ i l íb r io que mudam, evoluem e evitam o aumento de entropia previsto pela 2 a lei da t e r m o d i n â m i c a (Ber t a l an f fy , 1968). Recentes a v a n ç o s do paradigma s is témico têm projetado uma visão de sistemas d inâmicos não- l ineares , em que a in teração entre os componentes faz surgir uma ordem m a c r o s c ó p i c a emergente não p rev i s íve l a partir do conhecimento das partes, e esta ordem macroscópica é retroalimentada influenciando o comportamento das partes (Lewin , 1993). Entendendo-se que f enómenos e eventos complexos podem, dentro do paradigma s i s témico , ser analisados em diferentes níveis , 0 0 « „ ^ , „ „ , i r ranrio irrnczírn, w n ? n . 9 - 5 0 . dez. 1 9 9 0 Revista de Divu lgação Cientificado Mestrado e Doutorado em Educação Física onde os modos de desc r ição , embora i r redut íveis , são vistos como complementares (Pattee, 1978), acredita-se que o conjunto das con t r ibu ições de estudos, dentro dessa v isão do movimento humano, possa resul tar num corpo de conhec imentos coerentemente organizados, capaz de evidenciar uma identidade a c a d é m i c a claramente definida. Nessa perspectiva, para que a Cinesiologia possa ser bem sucedida, é fundamental a c o m p r e e n s ã o de que, em cada nível de anál i se , existem epistemologias e metodologias adequadas (veja, por exemplo, Arno ld , 1993; Estes, 1994; Park, 1991), mesmo que de forma provisór ia , carac ter í s t ica essa inerente à c iência . Se, por exemplo, a fenomenologia e a he rmenêu t i c a são consideradas abordagens ep i s t emo lóg i ca s e me todo lóg i ca s apropriadas para se estudar f enómenos macroscóp icos em nível sócio-cul tural de anál ise , a abordagem experimental tem mostrado sua ef icácia nos estudos em níveis mais microscópicos . Certamente, a possibilidade de sucesso da abordagem he rmenêu t i c a é remota na B ioqu ímica do Exerc íc io , assim como da abordagem experimental na Antropologia do Jogo. A l é m disso, apesar de int imamente relacionadas, é importante distinguir-se epistemologia reducionista e metodologia reducionista. A busca da r e l ação causa-efeito simples, p r o p o s i ç ã o b á s i c a do reducionismo, tem-se mostrado limitada no estudo de sistemas não - lineares, o que remete à necessidade de uma m u d a n ç a pa rad igmát i ca nas pesquisas bás icas . Entretanto, as l imi tações do reducionismo enquanto metodologia têm sido t ambém impostas pelo próprio es tágio de desenvolvimento da ciência e tecnologia. Muitas vezes, a natureza do problema a ser investigado sugere prontamente uma epistemologia mais adequada, mas não os detalhes m e t o d o l ó g i c o s necessár ios para a operac iona l ização do estudo. Por exemplo, o problema da ava l i ação da veracidade de uma particular in terpre tação constitui-se uma das grandes dificuldades em estudos sóc io-cul tura is (Harris, 1981). Naturalmente, a abordagem de um determinado objeto de estudo exige constantes ape r f e i çoamen tos , não só m e t o d o l ó g i c o s como t a m b é m conceituais e teór icos , e isso remete à necessidade de se manter sintonia com as d i scussões e evo luções do pensamento científico que são essencialmente d inâmicas . A Cinesiologia não pode deixar de acompanhar as mudanças paradigmát icas da própria ciência . Mui tos estudos conduzidosna área ainda têm como background o paradigma da c iênc ia c láss ica , onde f e n ó m e n o s são vistos como Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9 - 5 0 , dez. 7 9 9 6 29 Universidade Gama Filho complexidades desorganizadas, e o pensamento anal í t ico o ún ico aceito e valorizado (Bertalanffy, 1968). Entretanto, os recentes avanços na c iênc ia t êm exigido dos pesquisadores da á rea r e f l exões profundas. Desordem tem sido considerada fonte de ordem. Observa-se au to -o rgan ização no mundo físico e o mesmo mecanismo c o m e ç a a ser desvendado no mundo b i o lóg i c o e soc io lóg ico . Parecem existir p r inc íp ios de o rgan ização universais que se aplicam a todos os sistemas d i n â m i c o s , conforme previa Bertalanffy (1968). A c iênc ia dirige sua a t enção ao comum, às s e m e l h a n ç a s , à essência . Fala-se em nova s íntese (Laszlo, 1994). A teoria do caos deu o pon tapé inicial e a teoria da complexidade revela que descontinuidades ocorrem quando sistemas d i n â m i c o s se colocam no l imite do caos, dando origem a um salto qualitativo ( L e w i n , 1993). A t rans ição de fase é observada não só no mundo físico (Haken, 1977) como t a m b é m no mundo biológico, por exemplo, na c o o r d e n a ç ã o de movimentos (Kelso, 1984). Deve-se esclarecer, entretanto, que não se está aqui propondo simplisticamente que essas novas ideias, h ipóteses e p ropos i ções das meta-teorias da ciência sejam imediatamente transferidas ao universo da ver i f icação empí r i ca nas diferentes áreas , mas sim ressaltar que cabe ao pesquisador estar em sintonia com esses a v a n ç o s sob pena de ficar desatualizado e descontextualizado. As sub-á reas de B iod inâmica e Comportamento Motor , onde o mé todo experimental é predominante, têm uma his tór ia mais longa de pesquisa. A sub-á rea de Estudos Sóc io -Cul tu ra i s , por outro lado, é mais incipiente. "Neste sentido, é urgente a necessidade de se estimular e fomentar estudos nessa área, como por exemplo, pesquisas sobre o significado da atividade motora, sejam elas a t r a v é s da abordagem e p i s t e m o l ó g i c a e m e t o d o l ó g i c a da fenomenologia , h e r m e n ê u t i c a ou teoria c r í t i ca (veja, por exemplo, Bain , 1990; Fahlberg & Fahlberg, 1994; Fahlberg, Fahlberg & Gates, 1992; Harris, 1981). Como a génese dessas abordagens está na crí t ica à abordagem positivista, experimental e quantitativa, e grande parte das pesquisas conduzidas em B i o d i n â m i c a e Comportamento Motor e s t ão dentro dessa abordagem, muitos pesquisadores da sub-área de Estudos Sócio- Culturais fazem da cr í t ica a essas duas sub-á reas o seu objeto de p r e o c u p a ç õ e s , e não t êm apresentado perspectivas concretas de pesquisa que enfoquem o f enómeno em si, ou seja, linhas de pesquisa ... r>,_ ^ , ™ ^ , r „ w n ? n ç>_ 5 n çjez IQÇ>6 Revista de D i v u l g a ç ã o Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Fís ica claramente delineadas (veja, por exemplo, Park, 1987, 1991). E fundamental reconhecer-se não só as potencialidades, como t a m b é m as l i m i t a ç õ e s das d i f e ren tes abordagens f ren te à complexidade. Na troca de farpas entre duas abordagens vistas de forma polarizada - pos i t iv i smo de um lado e fenomenologia / he rmenêu t ica /c r í t i ca de outro -, não raro, são ressaltadas apenas as potencialidades de uma em con t rapos ição às l imi tações da outra, o que pode induzir à "miop ia" académica . • Acredito que é na qualidade dos estudos em diferentes n íve is de anál i se , segundo diferentes epistemologias e metodologias, que devemos di r ig i r nossos esforços . N ã o basta adotar uma abordagem, é preciso prat icá-la , testá-la , aperfe içoá- la e isso se dá conduzindo-se pesquisas qualitativamente ace i táveis . Aí reside t a m b é m a v i são de c i ênc ia que cada pesquisador possui e o consequente cr i té r io de cientificidade que adota para avaliar os estudos. Nesse universo, é m u i t o c o m u m t a m b é m o pesquisador estabelecer dois p ó l o s dicotomizados - racionalismo lóg ico ou relat ivismo c é p t i c o - e posicionar-se num deles, o que é muito c ó m o d o mas igualmente perigoso, pois descarta o esforço de síntese. A o meu ver, não existem verdades absolu tas , mas e x i s t e m a s s e r ç õ e s baseadas em probabilidades e não em certeza que sobrevivem ao criticismo a partir de m ú l t i p l a s perspectivas (Bain , 1990). Como coloca Chalmers (1990), não há m é t o d o s ou p a d r õ e s universais, mas há p a d r õ e s historicamente contingentes impl íc i tos em prát icas bem sucedidas. A ciência , dentro dessa perspectiva, pode ser vista como um processo con t í nuo de busca da verdade, verdade essa que poderá nunca ser a l cançada , mas que a busca em si deixa como resultado um rico pa t r imôn io a ser ainda mais explorado. Normalmente, uma determinada abordagem traz impl íc i to na sua cons t rução , nos seus argumentos e nas suas propostas, cr í t icas a outras abordagens. Neste sentido, é mais construtivo fazer essas d i fe renças transparecerem naturalmente nos estudos que se realizam dentro de uma abordagem do que continuar insistindo em apontar as d i fe renças , ou seja, fazer com que a qualidade do estudo evidencie por si mesma o potencia l de c o n t r i b u i ç ã o dessa abordagem. Estabelecer d e m a r c a ç õ e s r íg idas , mais do que estimular, inibe o dinamismo do empreendimento acadêmico-c ien t í f i co . Impor tante ressaltar que as pesquisas desenvolvidas em Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9-50. dez. 1996 31 Universidade Gama Filho Cinesiologia seriam de natureza básica, ou seja, sem p reocupação com a so lução de problemas prát icos . Os conhecimentos produzidos pela Cinesiologia poderiam ser utilizados em pesquisas aplicadas não apenas pela E d u c a ç ã o Física, agora no sentido mais restrito, como t a m b é m por outras á r e a s ap l icadas que necess i t a r i am de conhecimentos acerca do movimento humano como a Fisioterapia e a Terapia Ocupacional, só para citar algumas delas. A E d u c a ç ã o Física, neste contexto, caracterizaria uma área de pesquisa eminentemente aplicada, de p r e o c u p a ç ã o p e d a g ó g i c a e profissional, cujos conhecimentos serviriam de base para a e laboração e desenvolvimento de programas de Educação Física em nível formal (escolar ) e n ã o f o r m a l ( T a n i , 1989). Ass im f ica c laramente caracterizada a d i s t i nção e as r e l ações entre a Cinesiologia e a E d u c a ç ã o Física. A E d u c a ç ã o Física estudaria academicamente os aspectos pedagóg i cos e profissionais a ela pertinentes a t ravés de pesquisas aplicadas. Essas pesquisas impl icar iam em s ín tese de conhecimentos produzidos pela Cinesiologia nas suas t rês sub-áreas - B i o d i n â m i c a do M o v i m e n t o Humano, Comportamento Moto r Humano e Estudos Sóc io-Cul tu ra i s do Movimento Humano -, a lém de uma in teração com outras á reas , particularmente a E d u c a ç ã o e a Medicina, como tem ocorrido historicamente. A Educação Física seria cons t i tu ída de duas sub-áreas : Pedagogia do Movimento Humano e A d a p t a ç ã o do Movimento Humano. A Pedagogia do Movimento Humano já é uma s u b - á r e a t r ad ic iona l que dispensa maiores exp l i cações . A A d a p t a ç ã o do Movimento Humano seria responsável por estudos que procuram produzir conhecimentos que sirvam de base para o desenvolvimento de programas de E d u c a ç ã o Fís ica a p o p u l a ç õ e s especiais, não só de portadores de de f ic iênc ias , mas t a m b é m de gestantes, cardiopatas, a smá t i cos e assim por diante. Para uma melhor c o m p r e e n s ã o da re lação entre Cinesiologia e outras áreas que tratam do movimento humano, e tomando o Esportecomo outro exemplo, é possível adotar o seguinte raciocínio: o esporte enquanto f e n ó m e n o constitui-se uma das formas de man i fe s t ação do m o v i m e n t o humano e, como t a l , seria ob je to de estudo da C i n e s i o l o g i a . Por out ro lado, o Esporte, enquanto uma á r e a profissionalizante, caracterizaria uma área de pesquisa aplicada, cuja p r e o c u p a ç ã o seria de produzir conhecimentos capazes de solucionar problemas prá t icos da vida real, a t ravés de suas duas sub-á reas : _ _ . . ,. ^ v , ^ , w . o,v~, ria inneim v. 3. n. 2. p. 9-50. Pez. 1996 Revista de Divu lgação Cientifica do Mestrado e Doutorado em Educação Física Treinamento Esportivo e Admin i s t r ação Esportiva (Figura 2). Essas duas sub-á reas t a m b é m j á têm uma longa t rad ição em nosso meio, dispensando, portanto, maiores exp l i cações . p E S Q U I S. A B Á S I C A CINES IOLOGIA B I O D I N Â M I C A D O M O V I M E N T O H U M A N O C O M P O R T A M E N T O M O T O R H U M A N O E S T U D O S S Ó C I O - C U L T U R A I S D O M O V I M E N T O H U M A N O T R E I N A M E N T O E S P O R T I V O A D M I N I S T R A Ç Ã O E S P O R T I V A ESPORTE Figura 2: Estrutura Académica de Cinesiologia e Esporte. Embora fuja um pouco do tema central desse trabalho, uma c o n s i d e r a ç ã o acerca da d i s t inção e re lação entre os conceitos de E d u c a ç ã o F í s i ca e Esporte se faz oportuna. As s e m e l h a n ç a s e d i fe renças entre Educação Física e Esporte, enquanto f e n ó m e n o s ou p rá t i cas sociais, t êm sido objeto de i n ú m e r o s estudos. Uns t êm destacado as s e m e l h a n ç a s , outros as d i fe renças , mas no geral os argumentos apresentados têm sido suficientemente esclarecedores para mostrar que se trata de dois f enómenos distintos, porém relacionados (para uma anál i se mais detalhada veja, por exemplo, Bett i , 1991). O Esporte tem sido conceituado como uma a ç ã o social institucionalizada, convencionalmente regrada, que se desenvolve com Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9-50. dez. 1996 33 Universidade G a m a Filho base lúdica , em forma de c o m p e t i ç ã o entre duas ou mais partes oponentes ou contra a natureza, cujo objetivo é, a t r avés de uma c o m p a r a ç ã o de desempenhos, designar o vencedor ou registrar o recorde; seu resultado é determinado pela habilidade e es t ra tég ia do par t ic ipante , e é para este grat i f icante tanto i n t r í n s e c a como extrinsecamente (Bett i , 1991:24). Entretanto, em função da ênfase a determinados aspectos, o Esporte pode assumir características diferenciadas como, por exemplo, o esporte-rendimento, em que a busca de resultados e recordes é o seu objetivo maior, e o Esporte enquanto con teúdo a ser desenvolvido na Educação Física, ou seja, habilidades e conhecimentos específ icos que possibilitem o aluno a c o m p r e e n d ê - l o como elemento que pode contribuir para o seu bem estar geral e a pra t icá- lo ao longo de sua vida (Figura 3). C O N C E I T O D E E S P O R T E Obje t iva o ESPORTE/ RENDIMENTO MÁXIMO E S P O R T E Visa a C O M P E T I Ç Ã O Ocupa - se c om T A L E N T O P reocupa -se c om POTENC IAL Subme te a T R E I N A M E N T O Or ien ta -se para ESPEC IF IC IDADE Enfa t iza o P R O D U T O Resu l ta em I N O V A Ç Ã O P A T R I M Ô N I O C U L T U R A L D A H U M A N I D A D F E S P O R T E / C O N T E Ú D O DA E D U C A Ç Ã O FÍSICA ÓTIMO A P R E N D I Z A G E M P E S S O A C O M U M P O T E N C I A L E L IM I TAÇÃO PRÁTICA G E N E R A L I D A D E P R O C E S S O D I F U S Ã O Figura 3: O Conceito de Esporte . ^ _ . „ „ „ v n.v-, w<= I n n o l r n V 3. D. 2 . D . 9 - 5 0 . CfeZ. 1996 Revista de Divu lgação Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Fís ica O esporte-rendimento caracteriza-se, entre outras coisas, pelos seguintes aspectos: ele objetiva o m á x i m o em termos de rendimento pois visa a c o m p e t i ç ã o ; ocupa-se com o talento e portanto preocupa- se essencialmente com o potencial das pessoas; submete pessoas a treinamento com o r i en t ação para a especificidade, ou seja, uma modalidade específ ica; enfatiza o produto e resulta em constante inovação. O interesse principal do esporte-rendimento é a perpetuação do sistema ou a sua au to -p rese rvação e o sistema só se perpetua com recordes. Os motivos desse interesse podem ser culturais, económicos , pol í t icos e ideológicos . Numa perspectiva diferente, o Esporte pode ser visto como um pa t r imôn io cultural da humanidade e, como tal , um c o n t e ú d o a ser transmitido a t r avés do processo educacional. A f i n a l , um dos grandes objetivos da Educação é a t r ansmissão do pa t r imônio cultural da humanidade. As c r i anças de hoje devem ter acesso a todo o pa t r imôn io cultural criado, aper fe içoado, transformado e transmitido de g e r a ç ã o para ge ração . Isso implica duas atividades relacionadas, mas que necessitam ser diferenciadas: a aquis ição dos conhecimentos acerca do Esporte e a aqu is ição de habilidades motoras especí f icas do Esporte. Quando se discute se o Esporte, tal como se apresenta, é compa t íve l com objetivos educacionais e, portanto, pode constituir- se ou não con t eúdo a ser ensinado na Educação Física, a p o l é m i c a gira em torno da aquis ição de habilidades motoras, sobretudo quando a ê n f a s e é dada ao aspecto de c o m p e t i ç ã o com todas as suas consequênc ias físicas, ps icológicas e sociais (Tani, Teixeira & Ferraz, 1994). Se cabe à Educação Física projetar um sistema que possibilite a todas as c r i a n ç a s explorar ao m á x i m o suas potencialidades, especialmente motoras, respeitadas as suas caracter ís t icas individuais e l imi tações (Tani , Manoel , Kokubun & Proença , 1988), a u t i l ização do Esporte como conteúdo a ser ensinado merece cuidados conceituais e m e t o d o l ó g i c o s adequados (Bett i , 1991; Mar iz de Oliveira , 1988). O Esporte c o m e c o n t e ú d o da E d u c a ç ã o Fís ica tem as seguintes c a r a c t e r í s t i c a s : objet iva o ó t i m o de rendimento, respeitando as característ icas individuais, as expectativas e as aspirações das pessoas; ocupa-se com a pessoa comum, preocupando-se não apenas com o seu potencial mas t a m b é m com a sua l imi tação; visa à aprendizagem e portanto submete pessoas à prát ica vista como um processo de /c r^rymryris r?in de Janeiro, v. 3. n. 2. o. 9 - 5 0 . dez. 1996 35 Universidade Gama Filho solução de problemas motores; orienta-se para a generalidade, dando oportunidades de acesso a diferentes modalidades; enfatiza o processo e n ã o o produto em forma de rendimentos ou recordes, e essa or ien tação resulta na difusão do esporte como um pat r imônio cultural. O importante é compreender que o Esporte enquanto fenómeno é o b j e t o de p r e o c u p a ç ã o a c a d é m i c a da C i n e s i o l o g i a . Os conhecimentos produzidos pela Cinesiologia acerca do f enómeno Esporte, por exemplo, as O l imp íadas com todas as suas impl icações , podem fazer parte do conteúdo a ser trabalhado pela Educação Física no ensino formal, desde que devidamente selecionados e organizados à luz dos seus objetivos especí f icos , para dar, aos escolares, o acesso a conhecimentos sobre um importante p a t r i m ô n i o cul tura l da humanidade. Quando o Esporte é visto na perspectiva de con teúdo da Educação Física, ele se transforma em objeto de estudo a ser investigado, por exemplo, em termos de metodologia de ensino das habilidades, tanto pela sub-área de Pedagogia como Adap tação do Movimento Humano. Os conhecimentos assim produzidos poderão ser utilizadospela Educação Física, tanto no ensino formal como não formal, para auxiliar escolares e não escolares a adquirirem habilidades motoras específicas do Esporte com o objetivo de melhorar a qualidade de suas vidas. Um aspecto fundamental da presente proposta é a d is t inção clara de duas áreas, uma preocupada com aspectos académicos acerca do movimento humano (Cinesiologia), e a outra preocupada com aspectos profissionalizantes e aplicados do mesmo objeto de estudo ( E d u c a ç ã o F í s i c a e Esporte) . A i n t e n ç ã o é que ambas sejam fortalecidas, cada qual dentro da sua especificidade, ou seja, com pesquisas devidamente caracterizadas e identificadas. Nos E U A , por exemplo, essas duas áreas não foram diferenciadas, ao cont rár io , colocadas sob uma mesma estrutura. N o meu entender, muitas das d ive rgênc ias e conflitos que se alastraram por longos anos em torno da ques t ão "disciplina académica versus p ro f i s são" foram causados por essa não diferenciação. Atr ibuir à Cinesiologia pesquisas t ambém aplicadas de cunho profissionalizante, simplesmente perpetua a ambiguidade e inibe o crescimento de ambas. Espera-se que a estrutura proposta, diferenciando as áreas a c a d é m i c a (Cinesiologia) e profissionalizante ( E d u c a ç ã o Física e Esporte) , es t imule a p r o d u ç ã o de conhec imentos , f ac i l i t e a i „ o ^ o . ^ n rip-7 1996 Revista de Divu lgação Cientifica do Mestrado e Doutorado em Educação Física s i s t emat ização dos mesmos e t a m b é m contribua para a es t ru tu ração dos cursos de p repa ração profissional. A p r e p a r a ç ã o prof iss ional é um processo extremamente complexo . Ela imp l i ca , antes de mais nada, uma f i losof ia de p repa ração profissional que defina claramente o perfil profissional da pessoa que se quer formar . Esse p e r f i l , por sua vez, e s t á intimamente relacionado às necessidades sociais e às carac te r í s t icas do mercado de trabalho, ambas de natureza mui to d i n â m i c a . A p r e p a r a ç ã o profissional exige, desta forma, r e f l exões amplas e profundas e, portanto, não se constitui objetivo do presente trabalho discuti-la exaustivamente. Todavia, o entendimento de que a ex is tênc ia de um corpo de conhecimentos que dê suporte a c a d é m i c o e c ien t í f i co à p rá t i ca p rof i ss iona l é uma c o n d i ç ã o fundamental para a p r e p a r a ç ã o profissional, foi um tema central desse estudo. Mui to se discute sobre qual seria o n ú c l e o b á s i c o de conhecimentos de um curso de p r e p a r a ç ã o p r o f i s s i o n a l . Uns t ê m defendido conhec imen tos eminentemente profissionalizantes. Outros t ê m se colocado no ex t remo oposto , defendendo conhec imentos essencialmente académicos . Conforme foi colocado anteriormente, no meu entender, ambos os conhecimentos são importantes. Há que se ter uma formação bás ica de conhecimentos a c a d é m i c o s amplos e gerais sobre o objeto de estudo - mov imen to humano -, assim como uma f o r m a ç ã o específ ica de conhecimentos profissionalizantes e aplicados, úteis na s o l u ç ã o de problemas que surgem na a t u a ç ã o prof iss ional . A p r e p a r a ç ã o profissional não deve visar à f o r m a ç ã o de um mero solucionador de problemas prát icos, mas sim de um profissional com conhecimentos amplos, capaz de reflet ir cr i t icamente sobre os problemas, anal.isando-os num contexto mais geral e colocando-os numa perspectiva diferente, quando pertinente. Cabe aos cursos de p r e p a r a ç ã o profissional selecionar e organizar esses conhecimentos em função do perfil do profissional que se quer formar, e d i sseminá- los de forma sequencial e organizada a t ravés do conjunto de suas disciplinas curriculares, ou seja, de uma grade curricular coerentemente estruturada. Uma vez definido o conteúdo a ser trabalhado no curso de preparação profissional, existem vár ias alternativas sobre a maneira de d i s seminá - lo . Uma delas, que tem sido adotada com frequência , parte dos conhecimentos mais Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9-50. dez. 1996 37 Jniversidade Gama Filho genéricos aos espec í f icos , implicando o estudo dos conhecimentos i a Cinesiologia primeiro e então os conhecimentos da Educação Física ou Esporte, dependendo da área de fo rmação escolhida. A imp lan tação do bacharelado fo i um importante passo no sentido da concre t i zação de uma proposta de p repa ração profissional baseada em um corpo de conhecimentos. O objetivo p rec ípuo de um curso de bacharelado é formar profissionais com o d o m í n i o do corpo e spec í f i co de conhecimentos da área . Uma vez detentor desses conhecimentos, cabe ao bacharel t r ans fo rmá- los em "instrumento" de trabalho para solucionar problemas especí f icos que possam surgir em diferentes segmentos de sua a tuação profissional. Para concluir, a Figura 4 apresenta uma ideia de uma estrutura administrativa capaz de abrigar, sob um mesmo teto, as áreas de conhecimento que foram apresentadas e discutidas no presente trabalho. Evidentemente, essa estrutura se aplica às universidades, particularmente àque las em que a Educação Fís ica se constitui uma unidade independente, cabendo aos departamentos e ins t i tu ições isoladas de ensino superior optar por uma estrutura mais restrita centrada em uma ou mais á r e a s , dependendo da sua v o c a ç ã o inst i tucional ou part icular m i s s ã o , e em conformidade com as carac te r í s t icas e ex igênc ias locais e regionais. Faculdade de Cinesiologia, E d u c a ç ã o F í s i ca e Esporte Departamento de Cinesiologia B i o d i n â m i c a do Movimento H umano Com porta mento Motor Humano Es t u d o s S ó c i o - Culturais d o M o v i m e n t o Humano Departamento de E d u c a ç ã o F í s i ca Pedagogia do M o v i m e n t o Humano Adaptação d o M o v i m e n t o Humano Departamento de Esporte Treinamento Esportivo Adminis tração Esportiva Figura 4: Estrutura Administrativa para Cinesiologia, Educação Física e Esporte. o rs o-m dez. 1996 ^ ^ l ^ ^ e D o u r a d o em Fd - " " w o r a ú o e m Educação Física Notas: R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S A R N O L D , P.J. (1993). Kinesiology and the professional preparation o f the movement teacher. Journal o f Human Movement Studies. (25): 203-231. B A I N , L . L . (1990). Visions and voices. Quest. (42): 1-12. B E R T A L A N F F Y , L . V . (1968). General systems theory. N e w Y o r k : George Braziller. B E T T I , M . (1991) . 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