Buscar

Tani Go - Cinesiologia Educação Física e Esporte: Ordem emanante do caos na estrutura acadêmica

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

SUMÁRIO 
• C I N E S I O L O G Í A , E D U C A Ç Ã O F Í S I C A E ESPORTE: 
O R D E M E M A N A N T E D O C A O S 
N A E S T R U T U R A A C A D É M I C A 
Go Tani 
• H E G E M O N I A E L E G I T I M I D A D E 
N A S C I Ê N C I A S DOS ESPORTES 
Hugo Lovisolo 
• POR U M A T E O R I A D A P R Á T I C A 
Mauro Betti 
Revista de D i v u l g a ç ã o Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Física 
CINESIOLOGÍA, EDUCAÇÃO FÍSICA E 
ESPORTE: ORDEM E M A N A N T E DO CAOS NA 
ESTRUTURA ACADÉMICA 
Go Tani 
I N T R O D U Ç Ã O 
Os ú l t i m o s 15 anos têm sido, para a E d u c a ç ã o Fís ica , um 
per íodo marcado por importantes acontecimentos. O pr imeiro deles 
fo i , sem dúv ida , a i m p l a n t a ç ã o dos cursos de p ó s - g r a d u a ç ã o no final 
da d é c a d a de 70 e início da d é c a d a seguinte. De certa forma, ela 
introduziu, na prát ica , a E d u c a ç ã o Física à universidade, abrindo as 
suas portas para uma maior in teração com a comunidade a c a d é m i c a . 
Uma das c o n s e q u ê n c i a s dessa abertura fo i a r e v e l a ç ã o clara e 
inequ ívoca da sua fragilidade em termos de c o n t e ú d o , evidenciando 
a ins ip iênc ia enquanto uma área de conhecimento. Esse contato mais 
direto com outras áreas possibilitou alguns parâmet ros de comparação , 
a té en t ão desconhecidos, para uma a u t o - a v a l i a ç ã o . Por outro lado, a 
mesma abertura intensificou o f luxo de ideias, conhecimentos e 
tecnologias que estimularam a pesquisa, mostrando uma d i m e n s ã o 
adormecida da E d u c a ç ã o Fís ica com enorme campo a ser explorado 
e desenvolvido. 
A implan tação dos primeiros cursos de pós -g raduação coincidiu 
t a m b é m com o regresso ao País de um n ú m e r o substancial de mestres 
e doutores formados no Exterior que trouxeram novas c o n c e p ç õ e s de 
E d u c a ç ã o Fís ica , academicamente orientadas e cientificamente mais 
sól idas . Isso deu um grande impulso à Educação Física, especialmente 
em termos de pesquisa, com a c r i ação de novos labora tór ios e grupos 
de estudo, particularmente em áreas diferentes daquelas em que a 
E d u c a ç ã o Fís ica no Brasil j á possuia alguma t rad ição , quais sejam, a 
Universidade Gama Filho 
Fisiologia do Exerc íc io e a B i o m e c â n i c a . 
O segundo acontecimento importante observado nesses úl t imos 
anos fo i a r ees t ru tu ração dos cursos de p r epa ração profissional com a 
i m p l a n t a ç ã o do bacharelado. Na realidade, a R e s o l u ç ã o no.3 do 
Conselho Federal de E d u c a ç ã o , de 16 de junho de 1987, provocou 
uma verdadeira c o n v u l s ã o nas ins t i tu ições de nível superior em 
E d u c a ç ã o F í s i ca , quando da sua p r o m u l g a ç ã o . Uma estrutura 
a c a d é m i c a e administrativa que permaneceu estagnada por longos 
anos, alheia ao dinamismo da sociedade e da cultura de uma forroa 
geral, viu-se diante de uma incerteza assustadora: como enfrentar o 
desafio de um novo curso de p r e p a r a ç ã o profissional com uma 
estrutura desacostumada com tudo que é novo? 
Certamente, não foi e não tem sido fácil, para os profissionais 
envolvidos, compreender o significado da m u d a n ç a e as caracter ís t icas 
e impl icações de um curso de bacharelado. Muitas vezes, as tentativas 
de c o m p r e e n d ê - l o s os têm remetido à uma ref lexão do que fizeram 
ao longo de toda a sua carreira, e isso tem provocado até a perda da 
n o ç ã o do que seja a l icenciatura, o ú n i c o curso de p r e p a r a ç ã o 
profissional desenvolvido até en t ão . 
A perspectiva de i m p l a n t a ç ã o do bacharelado provocou uma 
instabilidade no sistema. A instabilidade leva, em geral, à duas reações 
dis t intas . A p r ime i r a é a de procurar preservar a estabi l idade 
neutralizando as fontes de instabilidade, o que resulta na m a n u t e n ç ã o 
do status quo. A segunda é a de fazer da instabilidade uma fonte de 
nova ordem, ou seja, a busca de uma nova estabilidade num nível 
superior de o rgan ização e complexidade (Prigogine & Stengers, 1984). 
Ela parte do pressuposto de que instabilidade é salutar e necessá r i a 
para qualquer processo de m u d a n ç a , pois só há desenvolvimento se 
houver m u d a n ç a e m u d a n ç a implica em instabilidade ou quebra de 
estabilidade. 
Infelizmente, parece que a E d u c a ç ã o Fís ica tem optado, ao 
menos nesse início, pela primeira alternativa, pois o que se c o m e ç a a 
presenciar é o mecanismo de feedback atuar com toda a sua força no 
sentido de preservar ao m á x i m o a estabilidade vigente. Esse es fo rço 
pode ser percebido de vár ias formas: mudar o nome da discipl ina 
sem alterar o seu con teúdo , aumentar o n ú m e r o isciplinas pela simples 
d i v i s ã o do c o n t e ú d o j á desenvolvido, mudar a estrutura curricular 
sem mudar a c o n c e p ç ã o subjacente e assim por diante. N o entanto, 
Revista de D i v u l g a ç ã o Científ ica do Mestrado e Doutorado em F d u c a ç ã o Fís ica 
se a E d u c a ç ã o F í s i ca pretende sintonizar-se com o d inamismo 
carac te r í s t i co da c iênc ia e tecnologia e responder adequadamente às 
mudanças sociais e às consequentes al terações no mercado de trabalho, 
ela não poderá ficar alheia, por muito tempo, ao segundo t ipo de 
reação à instabilidade acima descrita. 
O terceiro acontecimento importante foi o repensar da Educação 
Física Escolar (Tani, no prelo). Após um período de relativo abandono, 
em função da ên fase ao Esporte, a E d u c a ç ã o F í s ica Escolar foi 
colocada na ordem do dia das d i s cus sões a c a d é m i c a s , não só nas 
universidades, como t a m b é m nos eventos c ient í f icos e p e d a g ó g i c o s 
realizados em diferentes pontos do País . Um dos frutos desse pe r íodo 
de maior a t e n ç ã o à E d u c a ç ã o Física Escolar é a ex i s tênc ia , hoje, de 
uma quantidade substancial de p u b l i c a ç õ e s , das mais variadas 
abordagens, à d i s p o s i ç ã o dos professores envolv idos com esse 
segmento de a tuação profissional. Sem dúv ida , algo impensáve l a té 
a d é c a d a de 80, em que praticamente toda a literatura provinha de 
autores estrangeiros, traduzida para o por tuguês , sobre temas variados 
mas nem sempre com imp l i cações diretas para a E d u c a ç ã o Física 
Escolar. 
Em 1988 publicamos um l ivro intitulado " E d u c a ç ã o Física 
Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista" (Tani , 
Manoel , Kokubun & Proença) , em cuja in t rodução d e f e n d í a m o s a 
necessidade de abordagens diversificadas para a E d u c a ç ã o Física 
Escolar. N o nosso entender, a p r o p o s i ç ã o de diferentes abordagens, 
a lém de enriquecer as d i s cus sões , poderia, com o tempo, convergir 
progressivamente em d i reção à uma proposta curricular capaz de 
satisfazer adequadamente as expectativas e necessidades dos nossos 
escolares. Em outras palavras, a diversidade de c o n t r i b u i ç õ e s seria 
um pré - requ i s i to para um a v a n ç o qualitativo. E, portanto, um mot ivo 
de sa t i s fação constatar, na literatura atual, diferentes abordagens para 
a E d u c a ç ã o Fís ica Escolar (veja, por exemplo, Bett i , 1991; Castelani 
Filho, l 9 8 8 ; D a ó l i o , 1995; Faria Júnior , 1981; Ferreira, 1984; Freire, 
1989; Mar iz Oliveira, Betti & Mariz de Oliveira, 1988; Medina, 1 983; 
Moreira , 1 991 ; Negrine, 1 983; Oliveira , 1980; Soares et a l i i , 1992; 
Taffarel, 1985; só para citar algumas publ icações em forma de livros), 
que se constituem alternativas concretas às duas abordagens até en tão 
h e g e m ó n i c a s , aquela de o r i e n t a ç ã o para o esporte e aquela de 
o r i en t ação para a ap t idão física. 
Universidade Gama Killig 
Todavia, apesar dessa s i tuação favorável da Educação Física 
Escolar em c o m p a r a ç ã o a alguns anos atrás , um problema central 
ainda persiste, visto que a propos ição de diferentesabordagens não 
foi acompanhada de uma análise rigorosa da relação entre a disciplina 
curricular de Educação Física e a sua respectiva área de conhecimento. 
Se comparado à outras disciplinas curriculares, observa-se que a Física 
existe independentemente do ensino da Física, da mesma forma a 
Q u í m i c a , a Matemát ica , a Biologia e assim por diante (Tani , 1991). 
Neste sentido, cabe indagar: qual seria a área de conhecimento 
correspondente ao ensino da Educação Física? Qual seria o seu objeto 
de estudo, e que tipo de conhecimento estaria ela produzindo? Enfim, 
qual seria o con teúdo do conhecimento a ser trabalhado na Educação 
Física Escolar? 2 
Em s ín tese , esse conjunto de acontecimentos, nos ú l t imos 
quinze anos, provocou, na Educação Física, uma ampla ref lexão da 
sua própr ia identidade, dando origem a uma fase de tu rbu lênc ias em 
que aspectos como prepa ração profissional, a tuação profissional, 
identidade académica , pesquisa e pós -g raduação foram questionados 
e discutidos (veja, por exemplo, Moreira, 1992; Passos, 1988; SBDEF, 
1992). Numa perspectiva Kuhniana (Kuhn, 1970), a Educação Fís ica 
mergulhou numa fase de crise, onde a necessidade de m u d a n ç a 
conceituai, estrutural e operacional foi reconhecida por uns, descartada 
por outros, e isto gerou choques entre o velho e o novo em 
praticamente tudo que a envolve. 
Como n ã o poderia deixar de ser, o processo v i v i d o pela 
Educação Física, nestes ú l t imos anos, t a m b é m refletiu o p rópr io 
processo pelo qual passou a sociedade brasileira como um todo, ou 
seja, de ref lexão e questionamento de sua estrutura e o rgan ização 
política, social, cultural e económica . O momento histórico favoreceu 
não apenas as d i scussões académicas sobre problemas específ icos da 
área, mas t a m b é m ques tões mais amplas, particularmente aquelas 
relacionadas à matriz Filosófica das diferentes v isões de E d u c a ç ã o 
F í s i c a , de c i ê n c i a e de un ive r s idade . H o u v e t a m b é m uma 
ideo log ização e pol i t ização das d i scussões e as disputas decorrentes 
extrapolaram, muitas vezes, a esfera do a c a d é m i c o , e provocaram 
confrontos entre correntes com propostas de mudar a Educação Física, 
quando, na verdade, o oponente comum a ser combatido seria aquela 
corrente estagnada avessa a qualquer tipo de m u d a n ç a . Parecia que a 
Revista de Divu lgação Cientificado Mestrado e Doutorado cm Educação Física 
Educação Fís ica não estava preparada para conviver num ambiente 
de diversidade e pluralidade de conhecimentos, ideias e pos ições , 
onde o confli to e debate a c a d é m i c o s fossem estimulados, mas que, 
ao f inal , a força do argumento prevalecesse, mesmo que em caráter 
p rov i só r io , visto ser essa uma carac te r í s t i ca inerente a qualquer 
empreendimento cient í f ico. 
N o bojo dessas d i scussões , não raro a c iência foi colocada 
como o vi lão da his tór ia . Ressalte-se, entretanto, que, na maioria das 
vezes, a c iênc ia que se criticava era a chamada c iênc ia c láss ica , 
caracterizada, entre outras coisas, pelo reducionismo, determinismo 
e linearidade, e não a c iência atual, onde ques tões como propriedades 
emergentes, au to -o rgan ização , não- l inear idade , ordem e desordem 
são alguns dos tóp icos que c o m p õ e m o centro das p reocupações (por 
exemplo, Jantsch. 1980; Lewin, 1993; Prigogine & Stengers, 1984; 
Yates, 1987). Além disso, as d i ferenças e re lações entre c iência , 
tecnologia e t é cn i ca (Bunge, 1981), e entre pesquisa aplicada e 
pesquisa básica, foram frequentemente desconsideradas. Em outras 
palavras, a c iência foi descontextualizada, tanto espacialmente como 
temporalmente, e essa atitude fez revelar o quão necessá r io se faz 
uma incursão mais profunda sobre a história da ciência , a filosofia da 
c iênc ia e a epistemologia em nosso meio. Lamentavelmente, ainda é 
comum rotular-se essa reflexão, sobre a macro-v isão da ciência, como 
uma viagem estratosférica desprovida de qualquer significado prát ico, 
isto é, um filosofar no sentido pejorativo (Manoel, 1995). 
Paralelamente às mudanças internas à área, têm ocorrido, nestes 
ú l t imos anos, m u d a n ç a s significativas no plano social e profissional. 
Comparado a alguns anos atrás, existem sinais evidentes de que a 
consc i ênc i a sobre a impor tânc ia da atividade física para a qualidade 
de v i d a ou bem estar geral das pessoas, t em m e l h o r a d o 
gradativamente. Em termos concretos, há mais pessoas de diferentes 
idades, de diferentes camadas sociais e de ambos os sexos, praticando 
atividade física regular, caminhando e correndo pelas ruas e parques 
da cidade. As re iv ind icações por espaços adequados à prá t ica de 
atividades físicas no planejamento urbano e residencial têm crescido. 
H á maior n ú m e r o de pessoas frequentando as chamadas "academias 
de g inás t i ca" . O n ú m e r o de pessoas com acesso a programas de 
atividades f ís icas orientadas nos p rópr ios locais de trabalho tem 
aumentado significativamente. Há maior número de pacotes turíst icos 
Motus Corporis. Rio c/e Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9-50. dez. 13 
Universidade Gama Filho 
e de lazer que incluem programas de atividades físicas, e assim por 
diante. 
Infelizmente, parece que a universidade está novamente "a 
reboque" dessas m u d a n ç a s sociais, em vez de an tec ipá- las e or ientá-
las. Por exemplo, entre os muros da universidade, há muito tempo se 
conhecia os efeitos benéf icos da atividade física regular, s i s temát ica 
e orientada. Entretanto, tudo indica que a E d u c a ç ã o Física não foi 
eficiente na d i s seminação social desse conhecimento, seja a t ravés de 
seus cursos de p repa ração profissional, de suas pesquisas ou de seus 
cursos de ex t ensão à comunidade. Neste particular, os meios de 
c o m u n i c a ç ã o de massa, não questionando aqui os seus objetivos 
táci tos ou subjacentes, têm tido influências muito mais decisivas para 
a fo rmação dessa consc iênc ia sobre os benef íc ios da atividade física 
(veja, por exemplo, Okuma, 1990). 
Essas m u d a n ç a s sociais t êm criado novas alternativas de 
emprego aos profissionais da área. Se há quinze anos, a maioria dos 
formandos se empregava no ensino formal, hoje são poucos os que 
seguem esse caminho (Mar iz de Oliveira, 1988). É nít ida a crescente 
redução de demanda por professores para atuarem nas escolas. O 
mercado de trabalho está totalmente aberto para novas o p ç õ e s de 
carreira. Se a E d u c a ç ã o Física consegu i rá ou não ocupar esse espaço 
d e p e n d e r á , fundamentalmente, da qualidade de s e r v i ç o s que os 
profissionais da área serão capazes de oferecer, e isto está diretamente 
v inculado à qualidade da p r e p a r a ç ã o prof iss ional . Todavia , a 
preparação profissional depende, por sua vez, do suporte de uma 
á r e a de c o n h e c i m e n t o c la ramente d e f i n i d a e em constante 
desenvolvimento (Tani , 1992b). 
No meu entender, aí reside o grande desafio da Educação Física. 
Ela é uma área com curta história académica e, em decor rênc ia disso, 
enfrenta problemas que se estendem desde a def in ição clara de sua 
identidade enquanto á rea de conhecimento, a té a i m p l a n t a ç ã o e 
i m p l e m e n t a ç ã o de linhas de pesquisa devidamente delineadas, a 
o r ga n i z ação e s i s t ema t i zação dos conhecimentos produzidos e a 
d i s s e m i n a ç ã o desses conhecimentos a t r a v é s dos seus cursos de 
p reparação profissional. Daí a per t inência do debate que a SBDEF 
ora promove. O objetivo desse trabalho é trazer uma con t r ibu ição à 
essa importante d iscussão , procurando sintetizar e ampliar algumas 
ques tões j á abordadas em textos anteriores (Tani , 1988; 1989; 1991; 
Revista de Divu lgação Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Fís ica 
1992a; 1992b; 1995a; 1995b; 1996;no prelo), para en tão apresentar 
uma proposta de estrutura a c a d é m i c a para a área. 
ESTABELECIMENTO DO PROBLEMA 
A prepa ração de professores para atuarem no ensino formal , 
entendida como a sua função prec ípua e específ ica , foi p r e o c u p a ç ã o 
central da E d u c a ç ã o Fís ica durante longo tempo. Os cursos de 
p repa ração profissional caracterizavam-se, basicamente, por uma 
estrutura curr icular composta de t r ês grupos de disciplinas: (a) 
d i s c i p l i n a s academicamen te o r i en tadas , que o f e r e c i a m os 
conhecimentos teór icos provenientes das chamadas c iênc ias m ã e s ; 
(b) disciplinas orientadas às atividades, que eram centradas em jogo , 
esporte, dança , g inás t ica e rec reação ; e (c) disciplinas de o r i en tação 
pedagóg ica , que discutiam aspectos relacionados com o ensino no 
sentido amplo. 
Esta maneira de entender e desenvolver a E d u c a ç ã o Fís ica 
prevaleceu por longo tempo, apesar de várias l imitações a ela inerentes 
como, por exemplo, o cará te r muito gené r i co das disciplinas de 
or ien tação pedagógica , a falta de integração destas com as disciplinas 
orientadas às atividades, a simples r e p r o d u ç ã o de t é c n i c a s de 
movimento nas disciplinas orientadas às atividades e a superficialidade 
dos conhecimentos teór icos desenvolvidos. 
Invariavelmente, os cu r r í cu lo s de p r e p a r a ç ã o profissional 
privilegiavam as disciplinas orientadas às atividades que , a pr incípio , 
l idar iam com os c o n t e ú d o s mais e spec í f i cos da á rea (veja, por 
exemplo, Gallardo, 1988). Entretanto, na prát ica, elas limitavam-se 
a oferecer atividades e não conhecimentos estruturados acerca dessas 
atividades. O seu con t eúdo consistia de procedimentos de ensino 
relacionados às atividades anteriormente descritas, baseados em 
intu ição , exper i ênc ia e senso comum, ou seja, às tão conhecidas 
sequênc ia s pedagóg icas preestabelecidas. 
Todavia, o problema maior, subjacente a todas essas l imitações, 
era a ausênc ia de um corpo de conhecimentos acadêmico-c ien t í f i cos 
p rópr ios da Educação Física. Essencialmente, a E d u c a ç ã o Fís ica se 
apoiava numa muleta falsa, pois ela acreditava que os conhecimentos 
t eór icos abrangentes e profundos de que necessitava vinham das 
c iênc ias m ã e s , quando, na realidade, a Antropologia, a Sociologia, a 
Psicologia, a Fisiologia, entre outras, nunca se preocuparam em 
1 K 
Universidade Gama Filho 
produzi-los. A E d u c a ç ã o Física não apenas acreditava que o seu 
c o n t e ú d o era cons t i tu ído , na sua maior parte, de material tomado 
dessas disciplinas, como t ambém que os seus pr inc íp ios poderiam 
ser formulados a partir dos conhecimentos bem estabelecidos em 
cada uma delas. Isso foi um grande equ ívoco . A Educação Física 
estava, de fato, esvaziada de con teúdo e dessa forma não justificava 
sequer a sua p r e s e n ç a no ensino superior, como um curso de 
p repa ração profissional academicamente orientado, muito menos na 
universidade, enquanto uma área de conhecimento (Tani, 1988; 1989). 
Em suma, a visão da Educação Física, centrada na p repa ração 
profissional, e a consequente ênfase histórica à pres tação de serv iços 
ou ao aspecto profissional, inibiu a es t ru turação de um corpo de 
conhecimentos que, além de proporcionar identidade a c a d é m i c a à 
área , pudesse fornecer sus ten tação teórica e científ ica à prá t ica e à 
p repa ração profissional. 
E demais conhecido que, embora preocupar-se em contribuir 
para as pessoas seja fundamental para uma p r o f i s s ã o , o n ã o 
desenvolvimento de um corpo de conhecimentos capaz de dar uma 
sus ten tação acadêmico-c ien t í f i ca à prát ica profissional coloca em 
cheque não apenas a sua autenticidade, mas t a m b é m a sua própria 
sobrev ivênc ia (Lawson, 1984; Morford , 1972; Tani , 1988; 1989). 
A l é m disso, dessa d e f i n i ç ã o de identidade enquanto á r e a de 
conhecimento e a consequente p rodução , o rgan ização e difusão de 
conhecimentos depende, fundamentalmente, a j u s t i f i c a t i v a da 
p e r m a n ê n c i a , ou n ã o , da E d u c a ç ã o F í s i ca no contexto de uma 
universidade. 
No cenário internacional, um importante passo para transformar 
essa estrutura tradicional da Educação Física deu-se em meados da 
década de 60, quando nos E U A , se iniciou um amplo movimento 
para a ca rac te r ização da Educação Física enquanto uma disciplina 
a c a d é m i c a (Henry , 1964; 1978). N o Bras i l , os impactos desse 
movimento c o m e ç a r a m a ser sentidos apenas no início da d é c a d a de 
80, quando da implantação dos cursos de pós-graduação estrito senso. 
Mais recentemente, suas influências têm chegado t a m b é m aos cursos 
de g raduação , a t ravés da implan tação dos cursos de bacharelado. 
Embora as d iscussões a respeito das caracter ís t icas desse movimento 
e de suas impl icações ainda não sejam um lugar comum no nosso 
meio, os seus desdobramentos têm sido documentados em vár ios 
*/int,,<: nnrnnr/s. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p . 9 - 5 0 . dez. 1996 
Revista de Divu lgação Cientifica do Mestrado c Doutorado em Fducação Física 
trabalhos (Canfield, I993; Kokubun, 1995; Lima, 1994; Manoel , 
1986; Mar iz de Oliveira, 1988; Tani , 1988, 1989; Teixeira, 1993), 
mot ivo pelo qual uma aná l i se mais detalhada será aqui omit ida. 
Mesmo assim, alguns aspectos dessa t r ans fo rmação da Educação 
Física merecem ser abordados, pois tanto os seus pontos positivos 
como negativos c o m e ç a m a influenciar profundamente a Educação 
Física em nosso país . 
Duas poss íve is estruturas foram propostas e discutidas para o 
desenvolvimento de estudos em Educação Física, uma de cará ter 
interdisciplinar e outra transdisciplinar (crossdisciplinar). De acordo 
com Brooks (1981) , a estrutura interdiscipl inar signif ica que a 
disciplina está baseada nos conhecimentos fornecidos por várias outras 
disciplinas. Estabelece-se, dessa forma, uma certa d e p e n d ê n c i a da 
E d u c a ç ã o F í s i c a em r e l a ç ã o a discipl inas t radicionais como a 
Anatomia, a Fisiologia, a Psicologia, a Sociologia e a Antropologia, 
pois ela se caracterizaria pela apl icação dessas disciplinas a problemas 
espec í f i cos da área . A estrutura interdisciplinar ficou claramente 
evidenciada quando se associou o nome de uma determinada disciplina 
tradicional a um objeto específ ico da nossa área para a fo rmação de 
sub-á reas de inves t igação , como ocorreu, por exemplo, no caso da 
Psicologia do Esporte, Sociologia do Esporte e His tór ia do Esporte. 
Entretanto, a estrutura interdisciplinar foi e tem sido objeto de 
muitas crít icas, porque, além do problema da dependência que poderia 
resultar, em úl t ima instância, em coop tação dessas sub-áreas pelas 
d i s c ip l i na s m ã e s , sem nenhuma c o n t r i b u i ç ã o e fe t iva para a 
e s t ru tu ração e desenvolvimento da E d u c a ç ã o Fís ica enquanto uma 
disciplina a c a d é m i c a , ela implicava uma ausênc ia de o r i en tação no 
sentido da i n t e g r a ç ã o horizontal ou t e m á t i c a do conhecimento 
(Lawson & Morford , 1979). 
A dependênc i a da Educação Física em re lação às disciplinas 
m ã e s não se manifestava apenas em termos da " ' impor t ação" de 
conhecimentos, mas t a m b é m de profissionais para desenvolverem 
os seus c o n t e ú d o s nos cursos de p reparação profissional. Para esses 
profissionais, a estrutura interdisciplinar, obviamente, era mais prática 
e conveniente, pois implicava apenas a a p l i c a ç ã o das teorias e 
metodologias de pesquisa próprias da sua área de formação académica 
aos problemas da E d u c a ç ã o Física. 
Henry (1964; 1978), entretanto, p r o p ô s que a d isc ip l ina 
Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p . 9-50. dez. 1996 
Universidade Gama Filho 
a c a d ém i c a de E d u c a ç ã o Física teria uma estrutura transdisciplinar, 
pois não consistia da ap l i cação das disciplinas tradicionais ao estudo 
da atividade física ou performance humana. Se assim fosse, ela não 
seria uma disc ip l ina a c a d é m i c a , mas sim uma á r e a t é c n i c a ou 
profissional. Pelo cont rár io , a Educação Física seria cons t i tu ída de 
certas po rções dessas disciplinas e cabia a ela in tegrá- las e ampl iá -
las. O foco de a tenção seria o estudo do movimento humano, no 
sent ido amplo , a t r a v é s de uma s é r i e de estudos organizados 
horizontalmente, como t a m b é m verticalmente, em profundidade. 
O pon tapé inicial dado por Henry ( 1964), cujas p ropos ições se 
cons t i tu í ram um verdadeiro paradigma para a Educação Física, foi 
fundamental para a def in ição do seu con teúdo , mas vár ios outros 
estudos (por exemplo, Brown, 1967; Metheny, 1967;Nixon , 1967; 
Phenix , 1967; Ra r i ck , 1967; Steinhaus, 1967) c o n t r i b u í r a m 
significativamente para estabelecer a estrutura inicial da disciplina 
a c a d é m i c a de Educação Física, que possibilitou o desenvolvimento 
de estudos e pesquisas devidamente identificados. Essa iniciativa foi 
imediatamente seguida por vár ios profissionais, particularmente por 
aqueles engajados em pesquisas nas universidades, caracterizando 
aquilo que é comumente denominado de "movimento disciplinar" 
da E d u c a ç ã o Fís ica . Para esses profissionais, a E d u c a ç ã o Física 
s ignif icava mais do que uma á r ea cuja responsabilidade era a 
p r epa ração de professores para atuar nas escolas (Lawson, 1984). 
Eles viam a Educação Física como uma área de estudo relacionada 
com a inves t igação da natureza e significado do movimento humano 
em suas vár ias formas, e t a m b é m com o estudo não só do como, mas 
do p o r q u ê da atividade física ( K r o l l , 1982). Esse movimento trouxe 
profundas modi f i cações na área não apenas em termos de pesquisa, 
mas t a m b é m de p repa ração profissional e pós -g raduação . 
Os anos que se seguiram foram caracterizados por um crescente 
interesse pela pesquisa, e a t endênc ia observada foi a e spec ia l i zação 
cada vez mais intensa dos temas investigados que, por sua vez, deu 
origem à c r i ação de vá r i a s sub-disciplinas, cada qual com seus 
ojpjetivos e p reocupações académicas própr ias . Essas sub-disciplinas 
se organizaram de tal maneira que criaram suas assoc iações própr ias , 
seus congressos e s p e c í f i c o s e seus v e í c u l o s de p u b l i c a ç ã o 
especial izados. As pr inc ipa is sub-disc ipl inas que emerg i ram 
inicialmente foram as de Fisiologia do Exerc í c io , B i o m e c â n i c a , 
18 Motus Corporis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 9-50, dez. 1996 
9 
Revista de Divulgação Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Física 
Aprendizagem Motora / Psicologia do Esporte, Sociologia e Educação 
do Esporte, H i s t ó r i a e Fi losof ia da E d u c a ç ã o F í s i ca e Teor ia 
Administrat iva em Esporte e Educação Física (Park, 1989). Como se 
pode observar , a e m e r g ê n c i a de sub-d i sc ip l inas n ã o seguiu 
estritamente uma estrutura inter ou transdisciplinar, dificultando a 
v i sua l i zação de uma estrutura coerente para a área. 
N a â n s i a de obter, o mais r á p i d o p o s s í v e l , o status e a 
respeitabilidade a c a d é m i c o s , esse movimento deu muita ênfase à 
pesquisa básica, estimulando e valorizando sobremaneira aquelas sub-
disciplinas de inves t igação mais relacionadas às c iênc ias naturais, 
em detrimento de pesquisas relacionadas às ciências sociais e humanas 
e, principalmente, de pesquisas aplicadas comprometidas com solução 
de problemas enfrentados na prática profissional. O resultado concreto 
desse investimento foi um inegável avanço aeadêmico-c ien t í f i co , 
evidenciado, entre outras coisas, pelo aumento significativo no volume 
de estudos conduzidos, no n ú m e r o de per iód icos especializados, na 
quant idade de eventos c i e n t í f i c o s real izados, no n ú m e r o de 
publ icações até mesmo em per iódicos de reputação em áreas de maior 
t r ad ição académica . Por outro lado, não foi poss ível observar um 
impacto mais significativo dos conhecimentos produzidos na melhoria 
da prát ica profissional. 
Inicialmente, acreditou-se que as pesquisas desenvolvidas 
nessas sub-disciplinas pudessem contribuir para a fo rmação de um 
corpo integrado de conhecimentos que desse identidade a c a d é m i c a à 
á rea e s u s t en t ação t eór ica à prá t ica e à p r e p a r a ç ã o profissional. 
Entretanto, em função da influência do paradigma cient íf ico adotado 
das c i ê n c i a s naturais, de ca rac te r í s t i ca eminentemente ana l í t i ca , 
c o m e ç a r a m a se desenvolver pesquisas que enfocavam aspectos cada 
vez mais especí f icos acerca do f enómeno movimento humano. A 
inco rporação desse paradigma fez com que a in tegração horizontal e 
vertical dos conhecimentos produzidos se tornasse cada vez mais 
difícil , caracterizando, desta forma, o processo de f r agmen tação do 
conhecimento (Hoffman, 1985; Tani , l 988; Thomas, 1987). 
É amplamente reconhecido que a i n t eg ração horizontal t 
vert ical dos conhecimentos é fundamental para dar identidade 
a c a d é m i c a a uma área de conhecimento. Embora haja dúv idas se ; 
e s p e c i a l i z a ç ã o das sub -d i s c ip l i na s leva necessar iamente ; 
f r agmen tação do conhecimento (Greendorfer, I987; Thomas, 198; 
Motus Corporis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 9-50, dez. 1996 1< 
I Iniversidade Gatna Filho 
), esta tem, seguramente, i m p l i c a ç õ e s diretas na a p l i c a ç ã o dos 
conhecimentos à prát ica profissional. Ela é produto de um problema 
ep i s t emológ ico e metodo lóg ico de s impl i f icação excessiva do objeto 
de estudo nas pesquisas. Com o objetivo de assegurar a fidedignidade 
dos resultados, os pesquisadores cont ro lam rigorosamente as 
var iáve is , mas isso leva à falta de cor respondênc ia entre os resultados 
de pesquisa e a situação real, ou seja, compromete a validade ecológica 
dos resultados e consequentemente a sua aplicabilidade (Tani, 1 988). 
Argumentos foram apresentados no sentido de que a omis são 
em re lação aos problemas que surgem em s i tuações prát icas foi a 
grande r e s p o n s á v e l pela e s p e c i a l i z a ç ã o e p r o l i f e r a ç ã o de sub-
disciplinas que cont r ibuí ram para a f ragmentação do conhecimento 
(Broekhoff, 1982). Esta f ragmentação do conhecimento tem sido, 
ainda hoje, alvo de constantes crí t icas por parte daqueles envolvidos 
com aspectos profissionais da Educação Física (por exemplo, Bressan, 
1979; 1982;Locke, 1977, I 990; Siedentop, 1 990) e de p reocupações 
por parte dos pesquisadores cujos interesses es tão direcionados no 
sentido de promover a in tegração entre a teoria e a prá t ica (por 
exemplo, Corbin, 1993; Newel l , 1990b, 1990c; Park, 1991). 
De fato, uma das consequênc ia s do "movimento disciplinar" 
foi uma ênfase quase que exclusiva ao estudo científico do movimento 
humano, o que resultou num abandono de estudos profissionalizantes 
e aplicados que abordassem problemas relevantes encontrados na 
prática da Educação Física. Alguns acreditam que se foi longe demais 
nessa tendênc ia (veja, por exemplo, Ellis, 1 988). Para essas pessoas, 
as necessidades da prof issão devem orientar a natureza e con teúdo 
da atividade a c a d é m i c a de uma á rea (E l l i s , 1990), ou seja, as 
necessidades correntes e futuras da profissão devem ditar os tipos de 
perguntas a serem formulados pelos pesquisadores associados à área. 
Dentro dessa linha de rac ioc ín io , a busca do conhecimento pelo 
conhecimento deve acontecer nas áreas de conhecimento comumente 
denominadas de puras ou bás icas , em que não se tem p reocupações 
com a apl icação prática por não possuir v inculação a nenhuma prática 
profissional específ ica. 
Todavia, essa propos ição de que a E d u c a ç ã o Física, enquanto 
uma área profissionalizante, tem base própr ia capaz de garantir o seu 
auto-desenvolvimento, mantendo uma independênc ia em re lação às 
pesquisas básicas, não tem sido sustentada na prática. De acordo com 
Revista de Divu lgação Cientifica do Mestrado e Doutorado em Educação Física 
Wade (1 990), excetuando-se as tradicionais pesquisas em anál ise do 
ensino e anál ise do comportamento de professores e administradores, 
não foram desenvolvidas linhas de pesquisa claramente definidas, 
objetivando uma investigação sis temática de temas profissionalizantes 
relevantes para que os seus resultados pudessem ser colocados à 
d i s p o s i ç ã o e à d i s c u s s ã o dos cursos de p r e p a r a ç ã o profissional. 
Pesquisadores e n v o l v i d o s c o m o es tudo de aspectos 
profissionalizantes têm produzido muitos ensaios ou artigos de tomada 
de pos ição , mas tem faltado um esforço mais s i s temát ico no sentido 
de se conduzir estudos empír icos para buscar evidências que suportem 
as ideias e pensamentos apresentados. 
As i m p l i c a ç õ e s dessa e s p e c i a l i z a ç ã o e f r a g m e n t a ç ã o do 
conhecimento e a escassez de pesquisas aplicadas acerca de temas 
profissionalizantes, na p reparação profissional, têm sido claras no 
sentido de que as diferentes sub-disciplinas de pesquisa têm sido 
incorporadas no cur r ícu lo como disciplinas teór icas e os problemas 
enfrentados na p r o d u ç ã o do conhecimento têm sido diretamente 
transferidos para a p reparação profissional. Em função disso, cada 
disciplina curricular tem desenvolvido o seu con t eúdo espec í f ico 
isoladamente e não tem havido c o m u n i c a ç ã o e a r t i cu lação efetivas 
entre as diferentes disciplinas. O resultado tem sido a fo rmação de 
profissionais com capacidade analítica, mas com grandes dificuldades 
em sintetizar conhecimentos. Essa c a r a c t e r í s t i c a de p r e p a r a ç ã o 
profissional tem-se const i tu ído um fator ampliador da dis tância entre 
a teoria e a prát ica, pois, a a tuação profissional exige justamente a 
in tegração e s ín tese de conhecimentos. A dificuldade encontrada na 
s í n t e s e dos conhecimentos e a consequente dif iculdade na sua 
apl icação têm causado, frequentemente, o abandono da teoria enquanto 
instrumento valioso de auxí l io à prát ica. Evidentemente, esse tipo de 
comportamento n ã o condiz com os p r i n c í p i o s b á s i c o s de uma 
prof issão academicamente orientada. 
Decerto, n ã o é s imples de f in i r c laramente que t i po de 
conhecimento é necessár io à prát ica profissional. Para pessoas de 
t e n d ê n c i a mais a c a d é m i c a , os profissionais com o d o m í n i o de 
conhecimentos oriundos de pesquisas básicas estão melhor preparados 
para atuar do que aqueles com o d o m í n i o de conhecimentos 
profissionais e aplicados. O principal argumento que sustenta essa 
assunção é de que os conhecimentos aplicados são normalmente muito 
21 
Universidade G a m a Filho 
especí f icos e difíceis de serem generalizados. Por outro lado, para 
pessoas de t endênc ia mais profissional, os conhecimentos que os 
profissionais necessitam são aplicados e não bás icos . O argumento 
por elas apresentado é de que os conhecimentos bás icos têm sido 
produzidos de forma fragmentada e não existe uma co r re spondênc ia 
entre eles e a s i tuação real de prát ica. 
Basicamente, essa disputa em torno do corpo de conhecimentos 
em que se fundamenta a prática profissional tem se desencadeado 
tendo como cri tér io único a sua utilidade prát ica . Neste particular, é 
preciso enfatizar que a re levância do corpo de conhecimentos não 
pode ser medida somente pela sua eficácia na so lução de problemas 
imediatos encontrados na prática (Tani, no prelo). Ele tem uma função 
muito mais ampla, pois a sua presença é, por exemplo, uma cond ição 
sine qua non para distinguir-se uma profissão de uma o c u p a ç ã o . A 
principal d i fe rença entre o c u p a ç ã o e prof issão, segundo Lawson 
(1984), é que numa o c u p a ç ã o as pessoas aceitam e deixam vár ios 
trabalhos ou tarefas e o seu m é t o d o de trabalho é dependente da 
t radição ou tentativa e erro. Enquanto isso, numa profissão, as pessoas 
estão comprometidas com uma carreira, em que a maneira de executar 
o seu trabalho está baseada no conhecimento sobre a e s sênc ia do 
se rv iço que oferecem e sobre a pessoa a quem prestam esse serv iço . 
A lém do mais, pelo fato do própr io conhecimento mudar com as 
t ransformações sociais, essas pessoas são capazes de adaptar ou alterar 
a sua maneira de trabalhar. 
A i n d a n ã o há c o n c o r d â n c i a sobre o n ú c l e o b á s i c o de 
conhecimento teór ico e a c a d é m i c o que um profissional da á rea deve 
possuir para ser claramente identificado como tal. Esse é um assunto 
muito importante, pois ele define a estrutura e a o r g a n i z a ç ã o das 
faculdades não só em termos de p r e p a r a ç ã o profissional, como 
t a m b é m em termos de p rodução de conhecimentos (Razor, 1988 ). 
Embora cada inst i tu ição desenvolva um curr ícu lo consistente 
com sua particular mis são , em c o n s o n â n c i a com as particularidades 
e ex igênc ia s locais, uma profissão é geralmente caracterizada pela 
a d e r ê n c i a a certas c o n c e p ç õ e s fundamentais sobre a natureza e 
extensão de conhecimentos que os seus membros devem possuir (Park, 
1991). N a realidade, os profiss ionais devem domina r n ã o só 
conhecimentos teór icos mas t a m b é m habilidades e sensibilidades 
profissionais (Lawson, 1984). 
° ° A «• r w f - u - . r i c Dtr\rie* innpirn v 3. n. 2. D. 9 - 5 0 , dez. 1996 
Revisla de Divu lgação Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Física 
A o meu ver, ambos os conhecimentos - a c a d é m i c o s e 
profissionais - são importantes e n e c e s s á r i o s para a a t u a ç ã o e, 
consequentemente, para a preparação profissional e, portanto, entendo 
que a busca de autenticidade e respeitabilidade profissionais implica 
a e l a b o r a ç ã o e desenvolvimento de um corpo de conhecimentos, 
a c a d é m i c o s e profissionais, a t ravés de pesquisas e a sua u t i l ização 
para melhorar a qualidade da prát ica profissional (veja, por exemplo, 
Park, 1991). A o s cursos de p r e p a r a ç ã o p ro f i s s i ona l cabe a 
responsabilidade de selecionar e organizar esses conhecimentos em 
função do perfil do profissional que se pretende formar, e de transmiti-
los organizadamente a t r a v é s do conjunto de suas d i sc ip l inas 
curriculares. Neste sentido, o que se necessita é uma estrutura 
a c a d é m i c a claramente articulada e acei tável que organize a p rodução 
e s i s t e m a t i z a ç ã o de conhecimentos a c a d é m i c o s e profissionais 
devidamente identificados e caracterizados. 
Essa p ropos ição é reforçada quando se c o m e ç a a detectar, no 
Brasil, vár ios indicadores que evidenciam a ausência de uma estrutura 
que oriente e integre num todo a p r o d u ç ã o de conhecimentos, a 
p r epa ração profissional e a pós -g raduação . A crescente subd iv i são 
da área com a c r iação de diferentes sub-áreas , cada qual com suas 
o rgan i zações própr ias como a B iomecân ica , a Historia da E d u c a ç ã o 
Física e a E d u c a ç ã o Física Adaptada j á é uma realidade, e pode levar 
a uma maior f r agmen tação do conhecimento. Os programas de pós -
g r a d u a ç ã o existentes refletem diferentes conce i tuações do corpo de 
conhecimentos entre as universidades. As áreas de concen t r ação e as 
suas respectivas nomenclaturas, de tão variadas que são, difici lmente 
f azem t ransparecer que pe r tencem a uma mesma á r e a de 
conhecimento. A divers i f icação dos programas de g raduação c o m e ç a 
a criar uma confusão em re lação a t í tulosde grau a ser outorgado. As 
d e n o m i n a ç õ e s de departamentos mesclam nomenclaturas tradicionais 
profissionalmente orientadas, com nomenclaturas mais recentes 
academicamente orientadas. 
Em 1981, Harris assim descreveu a Educação Física: Uma casa 
dividida, com uma o rgan ização inadequada de ensino e pesquisa; 
com uma falha de in te rp re tação de um corpo de conhecimentos 
apropriado; com uma disputa interna de poder; com uma redundânc ia 
de foco; e com um bando de organizações e sociedades representando 
áreas especializadas que falharam em solucionar os problemas dela. 
Motus Corporis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 9-50, dez. 1996 23 
Universidade Gama Filho 
É para essa E d u c a ç ã o Fís ica que estamos caminhando ou queremos 
caminhar, seguindo os mesmos passos e os mesmos perca lços? Se 
um dos atributos singulares do ser humano é a sua capacidade de 
aprender das exper iênc ias de outros, não poderia a nossa Educação 
F í s i ca evitar aquelas etapas p r o b l e m á t i c a s que os outros pa í ses 
enfrentaram como a f ragmentação do conhecimento, a disputa em 
torno da caracter ização da Educação Física como uma área académica 
ou profissional, as d ivergências em re lação a nomenclatura da área, 
entre outras, e dar um salto qualitativo? 
Naturalmente, a definição de identidade a c a d é m i c a e a sua 
conso l idação a t ravés de pesquisas abrangentes e profundas será um 
empreendimento extremamente complexo e difícil por vár ias razões . 
Em primeiro lugar, não será fácil definir um paradigma para a área 
no momento em que a própr ia c iência , como um todo, passa por uma 
verdadeira metamorfose (Prigogine & Stengers, 1984), procurando 
libertar-se de um paradigma caracterizado pelo reducionismo, 
determinismo e linearidade para assumir um paradigma em que 
ques tões como propriedades emergentes, au to -o rgan ização , ordem e 
desordem c o m p õ e m o centro das p r e o c u p a ç õ e s , como v i s to 
anteriormente. Em segundo lugar, definir o seu objeto de estudo e 
buscar metodologias de inves t igação adequadas, num momento em 
que as diferentes áreas do conhecimento têm procurado desenvolver 
pesquisas crescentemente temáticas , de característ ica multidisciplinar, 
com a util ização de tecnologias altamente sofisticadas, fruto do avanço 
notável nas c iênc ias da c o m p u t a ç ã o , cons t i tu i r -se-ão outro grande 
desafio para a área. Entretanto, tratando-se de um problema vital 
para a área, não é necessár io maiores argumentos sobre a necessidade 
e importância de se apresentar propostas, fomentar discussões e buscar 
so luções . 
U M A PROPOSTA DE ESTRUTURA ACADÉMICA 
A d i scussão ep i s t emológ ica sobre a identidade a c a d é m i c a da 
Educação Física, no Brasil , teve um impulso inicial com as ref lexões 
de Cunha (1988) que resultaram na p ropos ição de uma C iênc i a da 
Motricidade Humana. Gradativamente, esse assunto vem se tornando 
um foco de forte atenção (por exemplo, Bracht, 1993; 1995a; Lovisolo, 
1992; Santin, 1995a) e certa " t e n s ã o " (Bracht, 1995b; Gaya, 1994; 
o A Motus Corooris. Rio d& Jan&iro, v. 3, n. 2. p. 9-50, dez. 1996 
Revista de Divu lgação Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Física 
Ghiraldel l i Júnior , 1995; Lovisolo, 1995; Santin, l 995b; Taffarel & 
Escobar, 1994) no meio a c a d é m i c o . Entretanto, a maioria desses 
estudos tem enfocado ques tões conceituais e não tem resultado na 
p ropos i ção concreta de uma estrutura a c a d é m i c a para a área. 
Embora a d i scussão sobre a estrutura a c a d é m i c a da área não 
seja ainda muito difundida em nosso meio, existe hoje uma v isão 
bastante aceita de que há necessidade de uma área de conhecimento 
que se preocupe em estudar o movimento humano de fornia abrangente 
e profunda, em m ú l t i p l o s n íve i s de aná l i s e , desde o nível mais 
m i c r o s c ó p i c o (por exemplo, b ioqu ímico ) até o mais m a c r o s c ó p i c o 
(por exemplo, an t ropo lóg ico) . Há t a m b é m uma c o m p r e e n s ã o de que, 
em função dessas carac ter í s t icas , a d e n o m i n a ç ã o E d u c a ç ã o Fís ica 
torna-se muito restritiva e deixa de ser adequada para expressar toda 
a a b r a n g ê n c i a dessa á rea de conhecimento (Renson, 1989). N o 
contexto internacional , d e n o m i n a ç õ e s como Cineant ropologia 
(Renson, 1989), Motricidade Humana (Cunha, 1988; Oro, 1994; 
Tojal , 1994), C iênc ia do Movimento Humano (Brooke & Whi t ing , 
1973), Cinesiologia (Arno ld , l 993; Newel l , 1989, 1990a; Roberts, 
1985; Wade, 1991), Ciência do Exercício (Katch, 1989,1990), Ciência 
do Esporte (Thomas, l 987) e vár ias outras (mais de uma centena de 
d e n o m i n a ç õ e s , segundo Razor & Brassie, l 990) têm sido utilizadas 
para substituir a E d u c a ç ã o Física, tanto como d e n o m i n a ç ã o de uma 
área a c a d é m i c a como t a m b é m nome de departamentos e cursos de 
p r e p a r a ç ã o profissional . A m u d a n ç a de nomenclatura tem sido 
defendida com base em diferentes argumentos como, por exemplo, 
separar os aspectos disciplinares e a c a d é m i c o s dos prá t icos numa 
tentativa de obter respeitabilidade académica , uma maneira de os 
a c a d é m i c o s evitarem o estigma de serem vistos como professores 
prá t icos e t a m b é m como um esforço legí t imo para.redefinir a á rea 
(Wade & Baker, 1990). 
N a busca de uma m e l h o r d e n o m i n a ç ã o que f a c i l i t e a 
iden t i f i cação da identidade a c a d é m i c a da área, tenho sugerido e 
adotado o termo Cinesiologia (Tani , 1989; 1995a; 1995b) que é o 
mais difundido entre eles e que significa, literalmente, estudo do 
m o v i m e n t o (ve ja N e w e l l , 1990a, para maiores deta lhes) . A 
Cinesiologia poderia ser definida como uma área do conhecimento 
que tem como objeto de estudo o movimento humano, com o seu 
foco de p r eocupações centrado no estudo de movimentos genér icos 
Motus Corporis, Rio de Joneiro, v. 3, n. 2, p. 9-50. dez. 1996 25 
Universidade Gama Filho 
(postura, locomoção , manipulação) e específicos do esporte, exercício, 
g inást ica , jogo e dança . A de l imi tação do objeto de estudo, a t ravés 
do estabelecimento de um foco, não deve ser entendido como uma 
camisa de força, mas sim como uma forma de organizar e orientar a 
p rodução e s i s t emat ização do conhecimento. Na realidade, nunca foi 
fácil, e es tá se tornando cada vez mais difícil estabelecer-se uma 
"reserva de mercado" de um determinado objeto de estudo para uma 
certa área , particularmente em termos de pesquisa bás ica . 
A C i n e s i o l o g i a t e r i a a c a r a c t e r í s t i c a de uma á r e a de 
conhecimento, mais do que de uma discipl ina a c a d é m i c a . Uma 
disciplina a c a d é m i c a é normalmente identificada por possuir: (a) um 
ob j e to de estudo p r ó p r i o ; (b ) uma m e t o d o l o g i a de estudo 
especializada, e (c) um paradigma p r ó p r i o identif icado por um 
conjunto de teorias, que resulta num corpo de conhecimentos único 
(Ross, 1978). Estes requisitos são normalmente preenchidos pelas 
disciplinas tradicionais, verticalmente estruturadas, como no caso da 
A n a t o m i a , F i s io log ia , Psicologia , Soc io logia e A n t r o p o l o g i a . 
Entretanto, a Cinesiologia tem uma carac ter í s t ica muito peculiar no 
sentido de que ela abrange estudos desde os níveis mais microscópicos 
até os mais mac roscóp i cos , transcendendo os limites dasdisciplinas 
tradicionais. 
Essa abrangênc ia da Cinesiologia traz dificuldades em relação 
a sua identidade ep i s t emológ ica e me todo lóg ica , pois a pluralidade 
se apresenta como uma carac ter í s t ica inerente e como uma c o n d i ç ã o 
indispensável para o sucesso do empreendimento. Por outro lado, ela 
tem o p r i v i l é g i o de ser uma das poucas á r ea s em que há uma 
perspectiva concreta de integrar conhecimentose descobertas de várias 
disciplinas em torno de um mesmo objeto de estudo (Park, 1991). 
A Cinesiologia teria uma estrutura transdisciplinar (Henry, 
1978; Lawson & Morford , 1979; Renson, 1989; Rose, 1986) e seria 
cons t i tu ída de t rês grandes sub-áreas de inves t igação , quais sejam, a 
B i o d i n â m i c a do Movimen to Humano, o Comportamento M o t o r 
Humano e os Estudos Sóc io -Cu l tu ra i s do Movimento Humano -
Figura' 1 (Tani , 1989). Numa v isão mais integrativa e s i s t émica da 
ciência , com preocupações de evitar a crescente espec ia l i zação e 
f r a g m e n t a ç ã o , estas s u b - á r e a s i n c o r p o r a r i a m as d i fe ren tes 
especialidades hoje existentes, para fomentar uma maior comunicação 
interna e estimular a rea l ização de estudos integrativos e t emá t i cos . 
* ,o ^ r n n n c p / o cie Janeiro, v. 3. n. 2, p. 9-50, dez. 1996 
Revista de Divu lgação Científ ica du Mestrado e Doutorado em Educação Física 
A B i o d i n â m i c a do Movimento Humano englobaria a B i o q u í m i c a do 
E x e r c í c i o , a F i s i o l o g i a do E x e r c í c i o , a B i o m e c â n i c a e a 
Cineantropometria. O Comportamento Motor Humano, por sua vez, 
i n c o r p o r a r i a o C o n t r o l e M o t o r , a A p r e n d i z a g e m M o t o r a , o 
Desenvolvimento Motor e a Psicologia do Esporte. Finalmente, a 
sub-área de Estudos Sócio-Cul tura is do Movimento Humano reuniria 
a Sociologia, a His tór ia , a Antropologia, a Filosofia, a Ét ica e a 
Esté t ica do Movimento Humano/Esporte. Abordagens integradas no 
estudo do movimento humano j á são uma realidade em muitos centros 
a v a n ç a d o s . Por exemplo, o estudo da c o o r d e n a ç ã o e controle de 
m o v i m e n t o s t em e x i g i d o cada vez mais a i n t e g r a ç ã o de 
conhecimentos , metodologias e e s f o r ç o s de prof iss ionais da 
Neuro f i s io log ia , do Compor tamento M o t o r e da B i o m e c â n i c a 
(veja,por exemplo, Requin & Stelmach, 1991; Stelmach & Requin, 
1992). 
A Cinesiologia estudaria não só os mecanismos e funções do 
C I N E S I O L O G I A 
BIODINÂMICA 
DO 
MOVIMENTO 
HUMANO 
COMPORTAMENTO 
MOTOR HUMANO 
ESTUDOS 
SÓCIO-
CULTURAIS 
DO 
MOVIMENTO 
HUMANO 
PEDAGOGIA 
DO 
MOVIMENTO 
HUMANO 
ADAPTAÇÃO 
DO 
MOVIMENTO 
HUMANO 
E D U C A Ç Ã O FÍSICA 
Figura 1: Estrutura Académica de Cinesiologia e 
Educação Física (Tani. 1989). 
Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9-50. dez. 1996 27 
Universidade Gama Filho 
movimento humano, mas t ambém os processos de m u d a n ç a que o 
mesmo manifesta ao longo do seu c i c l o de v ida , seja como 
consequênc ia do desenvolvimento ou da aprendizagem. Ela estudaria 
t ambém o significado bio-psico-sócio-cultural do movimento humano 
em suas diferentes formas de m a n i f e s t a ç ã o e, neste sentido, 
necessitaria modificar a v isão restrita de movimento de outrora, 
passando a cons iderá - lo na re lação d i n â m i c a entre o ser humano e o 
meio ambiente. E preciso ver o movimento como um sistema 
organizado horizontalmente a t ravés da in teração entre os elementos 
que o c o m p õ e m e estruturado verticalmente em múl t ip los níveis , 
assumindo c a r a c t e r í s t i c a do que é comumente denominado de 
complexidade organizada. E, por ser complexo, ele deve ser merecedor 
de uma abordagem em diferentes níveis de anál ise . 
N a realidade, com essas co locações , es tá - se enfatizando a 
re levânc ia do paradigma s i s témico para a es t ru turação dessa área de 
conhecimento. O paradigma s is témico pode ser descrito de diferentes 
formas. Por exemplo, como uma visão s i s témica (Laszlo, 1 972), em 
que o todo não é visto como somató r io de partes, mas sim como algo 
que surge da interação das partes. A visão s is témica procura entender 
o todo não a partir das partes, mas sim a partir do todo identificar a 
função das partes e a re lação que as partes man têm entre si para que 
o objetivo do todo seja a lcançado . E uma visão do todo organizado 
hierarquicamente, ou seja, em diferentes níveis em que a relação todo-
parte n ã o é absoluta, mas relat iva. Em outras palavras, ela é 
h o l o n ô m i c a (Koestler, 1967). O paradigma s i s témico implica uma 
v isão de sistemas abertos, isto é, sistemas que interagem com o meio 
ambiente at ravés da troca de matér ia /energia e informação e que estão 
em constante busca de estados mais complexos de o r gan i zação via 
a d a p t a ç ã o . Sistemas abertos são sistemas em não equ i l íb r io que 
mudam, evoluem e evitam o aumento de entropia previsto pela 2 a lei 
da t e r m o d i n â m i c a (Ber t a l an f fy , 1968). Recentes a v a n ç o s do 
paradigma s is témico têm projetado uma visão de sistemas d inâmicos 
não- l ineares , em que a in teração entre os componentes faz surgir 
uma ordem m a c r o s c ó p i c a emergente não p rev i s íve l a partir do 
conhecimento das partes, e esta ordem macroscópica é retroalimentada 
influenciando o comportamento das partes (Lewin , 1993). 
Entendendo-se que f enómenos e eventos complexos podem, 
dentro do paradigma s i s témico , ser analisados em diferentes níveis , 
0 0 « „ ^ , „ „ , i r ranrio irrnczírn, w n ? n . 9 - 5 0 . dez. 1 9 9 0 
Revista de Divu lgação Cientificado Mestrado e Doutorado em Educação Física 
onde os modos de desc r ição , embora i r redut íveis , são vistos como 
complementares (Pattee, 1978), acredita-se que o conjunto das 
con t r ibu ições de estudos, dentro dessa v isão do movimento humano, 
possa resul tar num corpo de conhec imentos coerentemente 
organizados, capaz de evidenciar uma identidade a c a d é m i c a 
claramente definida. Nessa perspectiva, para que a Cinesiologia possa 
ser bem sucedida, é fundamental a c o m p r e e n s ã o de que, em cada 
nível de anál i se , existem epistemologias e metodologias adequadas 
(veja, por exemplo, Arno ld , 1993; Estes, 1994; Park, 1991), mesmo 
que de forma provisór ia , carac ter í s t ica essa inerente à c iência . Se, 
por exemplo, a fenomenologia e a he rmenêu t i c a são consideradas 
abordagens ep i s t emo lóg i ca s e me todo lóg i ca s apropriadas para se 
estudar f enómenos macroscóp icos em nível sócio-cul tural de anál ise , 
a abordagem experimental tem mostrado sua ef icácia nos estudos 
em níveis mais microscópicos . Certamente, a possibilidade de sucesso 
da abordagem he rmenêu t i c a é remota na B ioqu ímica do Exerc íc io , 
assim como da abordagem experimental na Antropologia do Jogo. 
A l é m disso, apesar de int imamente relacionadas, é importante 
distinguir-se epistemologia reducionista e metodologia reducionista. 
A busca da r e l ação causa-efeito simples, p r o p o s i ç ã o b á s i c a do 
reducionismo, tem-se mostrado limitada no estudo de sistemas não -
lineares, o que remete à necessidade de uma m u d a n ç a pa rad igmát i ca 
nas pesquisas bás icas . Entretanto, as l imi tações do reducionismo 
enquanto metodologia têm sido t ambém impostas pelo próprio es tágio 
de desenvolvimento da ciência e tecnologia. Muitas vezes, a natureza 
do problema a ser investigado sugere prontamente uma epistemologia 
mais adequada, mas não os detalhes m e t o d o l ó g i c o s necessár ios para 
a operac iona l ização do estudo. Por exemplo, o problema da ava l i ação 
da veracidade de uma particular in terpre tação constitui-se uma das 
grandes dificuldades em estudos sóc io-cul tura is (Harris, 1981). 
Naturalmente, a abordagem de um determinado objeto de 
estudo exige constantes ape r f e i çoamen tos , não só m e t o d o l ó g i c o s 
como t a m b é m conceituais e teór icos , e isso remete à necessidade de 
se manter sintonia com as d i scussões e evo luções do pensamento 
científico que são essencialmente d inâmicas . A Cinesiologia não pode 
deixar de acompanhar as mudanças paradigmát icas da própria ciência . 
Mui tos estudos conduzidosna área ainda têm como background o 
paradigma da c iênc ia c láss ica , onde f e n ó m e n o s são vistos como 
Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9 - 5 0 , dez. 7 9 9 6 29 
Universidade Gama Filho 
complexidades desorganizadas, e o pensamento anal í t ico o ún ico 
aceito e valorizado (Bertalanffy, 1968). 
Entretanto, os recentes avanços na c iênc ia t êm exigido dos 
pesquisadores da á rea r e f l exões profundas. Desordem tem sido 
considerada fonte de ordem. Observa-se au to -o rgan ização no mundo 
físico e o mesmo mecanismo c o m e ç a a ser desvendado no mundo 
b i o lóg i c o e soc io lóg ico . Parecem existir p r inc íp ios de o rgan ização 
universais que se aplicam a todos os sistemas d i n â m i c o s , conforme 
previa Bertalanffy (1968). A c iênc ia dirige sua a t enção ao comum, 
às s e m e l h a n ç a s , à essência . Fala-se em nova s íntese (Laszlo, 1994). 
A teoria do caos deu o pon tapé inicial e a teoria da complexidade 
revela que descontinuidades ocorrem quando sistemas d i n â m i c o s se 
colocam no l imite do caos, dando origem a um salto qualitativo 
( L e w i n , 1993). A t rans ição de fase é observada não só no mundo 
físico (Haken, 1977) como t a m b é m no mundo biológico, por exemplo, 
na c o o r d e n a ç ã o de movimentos (Kelso, 1984). 
Deve-se esclarecer, entretanto, que não se está aqui propondo 
simplisticamente que essas novas ideias, h ipóteses e p ropos i ções das 
meta-teorias da ciência sejam imediatamente transferidas ao universo 
da ver i f icação empí r i ca nas diferentes áreas , mas sim ressaltar que 
cabe ao pesquisador estar em sintonia com esses a v a n ç o s sob pena 
de ficar desatualizado e descontextualizado. 
As sub-á reas de B iod inâmica e Comportamento Motor , onde 
o mé todo experimental é predominante, têm uma his tór ia mais longa 
de pesquisa. A sub-á rea de Estudos Sóc io -Cul tu ra i s , por outro lado, 
é mais incipiente. "Neste sentido, é urgente a necessidade de se 
estimular e fomentar estudos nessa área, como por exemplo, pesquisas 
sobre o significado da atividade motora, sejam elas a t r a v é s da 
abordagem e p i s t e m o l ó g i c a e m e t o d o l ó g i c a da fenomenologia , 
h e r m e n ê u t i c a ou teoria c r í t i ca (veja, por exemplo, Bain , 1990; 
Fahlberg & Fahlberg, 1994; Fahlberg, Fahlberg & Gates, 1992; Harris, 
1981). Como a génese dessas abordagens está na crí t ica à abordagem 
positivista, experimental e quantitativa, e grande parte das pesquisas 
conduzidas em B i o d i n â m i c a e Comportamento Motor e s t ão dentro 
dessa abordagem, muitos pesquisadores da sub-área de Estudos Sócio-
Culturais fazem da cr í t ica a essas duas sub-á reas o seu objeto de 
p r e o c u p a ç õ e s , e não t êm apresentado perspectivas concretas de 
pesquisa que enfoquem o f enómeno em si, ou seja, linhas de pesquisa 
... r>,_ ^ , ™ ^ , r „ w n ? n ç>_ 5 n çjez IQÇ>6 
Revista de D i v u l g a ç ã o Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Fís ica 
claramente delineadas (veja, por exemplo, Park, 1987, 1991). 
E fundamental reconhecer-se não só as potencialidades, como 
t a m b é m as l i m i t a ç õ e s das d i f e ren tes abordagens f ren te à 
complexidade. Na troca de farpas entre duas abordagens vistas de 
forma polarizada - pos i t iv i smo de um lado e fenomenologia / 
he rmenêu t ica /c r í t i ca de outro -, não raro, são ressaltadas apenas as 
potencialidades de uma em con t rapos ição às l imi tações da outra, o 
que pode induzir à "miop ia" académica . • 
Acredito que é na qualidade dos estudos em diferentes n íve is 
de anál i se , segundo diferentes epistemologias e metodologias, que 
devemos di r ig i r nossos esforços . N ã o basta adotar uma abordagem, 
é preciso prat icá-la , testá-la , aperfe içoá- la e isso se dá conduzindo-se 
pesquisas qualitativamente ace i táveis . Aí reside t a m b é m a v i são de 
c i ênc ia que cada pesquisador possui e o consequente cr i té r io de 
cientificidade que adota para avaliar os estudos. Nesse universo, é 
m u i t o c o m u m t a m b é m o pesquisador estabelecer dois p ó l o s 
dicotomizados - racionalismo lóg ico ou relat ivismo c é p t i c o - e 
posicionar-se num deles, o que é muito c ó m o d o mas igualmente 
perigoso, pois descarta o esforço de síntese. A o meu ver, não existem 
verdades absolu tas , mas e x i s t e m a s s e r ç õ e s baseadas em 
probabilidades e não em certeza que sobrevivem ao criticismo a partir 
de m ú l t i p l a s perspectivas (Bain , 1990). Como coloca Chalmers 
(1990), não há m é t o d o s ou p a d r õ e s universais, mas há p a d r õ e s 
historicamente contingentes impl íc i tos em prát icas bem sucedidas. 
A ciência , dentro dessa perspectiva, pode ser vista como um processo 
con t í nuo de busca da verdade, verdade essa que poderá nunca ser 
a l cançada , mas que a busca em si deixa como resultado um rico 
pa t r imôn io a ser ainda mais explorado. 
Normalmente, uma determinada abordagem traz impl íc i to na 
sua cons t rução , nos seus argumentos e nas suas propostas, cr í t icas a 
outras abordagens. Neste sentido, é mais construtivo fazer essas 
d i fe renças transparecerem naturalmente nos estudos que se realizam 
dentro de uma abordagem do que continuar insistindo em apontar as 
d i fe renças , ou seja, fazer com que a qualidade do estudo evidencie 
por si mesma o potencia l de c o n t r i b u i ç ã o dessa abordagem. 
Estabelecer d e m a r c a ç õ e s r íg idas , mais do que estimular, inibe o 
dinamismo do empreendimento acadêmico-c ien t í f i co . 
Impor tante ressaltar que as pesquisas desenvolvidas em 
Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9-50. dez. 1996 31 
Universidade Gama Filho 
Cinesiologia seriam de natureza básica, ou seja, sem p reocupação 
com a so lução de problemas prát icos . Os conhecimentos produzidos 
pela Cinesiologia poderiam ser utilizados em pesquisas aplicadas não 
apenas pela E d u c a ç ã o Física, agora no sentido mais restrito, como 
t a m b é m por outras á r e a s ap l icadas que necess i t a r i am de 
conhecimentos acerca do movimento humano como a Fisioterapia e 
a Terapia Ocupacional, só para citar algumas delas. 
A E d u c a ç ã o Física, neste contexto, caracterizaria uma área de 
pesquisa eminentemente aplicada, de p r e o c u p a ç ã o p e d a g ó g i c a e 
profissional, cujos conhecimentos serviriam de base para a e laboração 
e desenvolvimento de programas de Educação Física em nível formal 
(escolar ) e n ã o f o r m a l ( T a n i , 1989). Ass im f ica c laramente 
caracterizada a d i s t i nção e as r e l ações entre a Cinesiologia e a 
E d u c a ç ã o Física. A E d u c a ç ã o Física estudaria academicamente os 
aspectos pedagóg i cos e profissionais a ela pertinentes a t ravés de 
pesquisas aplicadas. Essas pesquisas impl icar iam em s ín tese de 
conhecimentos produzidos pela Cinesiologia nas suas t rês sub-áreas 
- B i o d i n â m i c a do M o v i m e n t o Humano, Comportamento Moto r 
Humano e Estudos Sóc io-Cul tu ra i s do Movimento Humano -, a lém 
de uma in teração com outras á reas , particularmente a E d u c a ç ã o e a 
Medicina, como tem ocorrido historicamente. A Educação Física seria 
cons t i tu ída de duas sub-áreas : Pedagogia do Movimento Humano e 
A d a p t a ç ã o do Movimento Humano. A Pedagogia do Movimento 
Humano já é uma s u b - á r e a t r ad ic iona l que dispensa maiores 
exp l i cações . A A d a p t a ç ã o do Movimento Humano seria responsável 
por estudos que procuram produzir conhecimentos que sirvam de 
base para o desenvolvimento de programas de E d u c a ç ã o Fís ica a 
p o p u l a ç õ e s especiais, não só de portadores de de f ic iênc ias , mas 
t a m b é m de gestantes, cardiopatas, a smá t i cos e assim por diante. 
Para uma melhor c o m p r e e n s ã o da re lação entre Cinesiologia e 
outras áreas que tratam do movimento humano, e tomando o Esportecomo outro exemplo, é possível adotar o seguinte raciocínio: o esporte 
enquanto f e n ó m e n o constitui-se uma das formas de man i fe s t ação do 
m o v i m e n t o humano e, como t a l , seria ob je to de estudo da 
C i n e s i o l o g i a . Por out ro lado, o Esporte, enquanto uma á r e a 
profissionalizante, caracterizaria uma área de pesquisa aplicada, cuja 
p r e o c u p a ç ã o seria de produzir conhecimentos capazes de solucionar 
problemas prá t icos da vida real, a t ravés de suas duas sub-á reas : 
_ _ . 
. ,. ^ v , ^ , w . o,v~, ria inneim v. 3. n. 2. p. 9-50. Pez. 1996 
Revista de Divu lgação Cientifica do Mestrado e Doutorado em Educação Física 
Treinamento Esportivo e Admin i s t r ação Esportiva (Figura 2). Essas 
duas sub-á reas t a m b é m j á têm uma longa t rad ição em nosso meio, 
dispensando, portanto, maiores exp l i cações . 
p 
E 
S 
Q 
U 
I 
S. 
A 
B 
Á 
S 
I 
C 
A 
CINES IOLOGIA 
B I O D I N Â M I C A 
D O 
M O V I M E N T O 
H U M A N O 
C O M P O R T A M E N T O 
M O T O R H U M A N O 
E S T U D O S 
S Ó C I O -
C U L T U R A I S 
D O 
M O V I M E N T O 
H U M A N O 
T R E I N A M E N T O 
E S P O R T I V O 
A D M I N I S T R A Ç Ã O 
E S P O R T I V A 
ESPORTE 
Figura 2: Estrutura Académica de Cinesiologia e Esporte. 
Embora fuja um pouco do tema central desse trabalho, uma 
c o n s i d e r a ç ã o acerca da d i s t inção e re lação entre os conceitos de 
E d u c a ç ã o F í s i ca e Esporte se faz oportuna. As s e m e l h a n ç a s e 
d i fe renças entre Educação Física e Esporte, enquanto f e n ó m e n o s ou 
p rá t i cas sociais, t êm sido objeto de i n ú m e r o s estudos. Uns t êm 
destacado as s e m e l h a n ç a s , outros as d i fe renças , mas no geral os 
argumentos apresentados têm sido suficientemente esclarecedores para 
mostrar que se trata de dois f enómenos distintos, porém relacionados 
(para uma anál i se mais detalhada veja, por exemplo, Bett i , 1991). 
O Esporte tem sido conceituado como uma a ç ã o social 
institucionalizada, convencionalmente regrada, que se desenvolve com 
Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9-50. dez. 1996 33 
Universidade G a m a Filho 
base lúdica , em forma de c o m p e t i ç ã o entre duas ou mais partes 
oponentes ou contra a natureza, cujo objetivo é, a t r avés de uma 
c o m p a r a ç ã o de desempenhos, designar o vencedor ou registrar o 
recorde; seu resultado é determinado pela habilidade e es t ra tég ia do 
par t ic ipante , e é para este grat i f icante tanto i n t r í n s e c a como 
extrinsecamente (Bett i , 1991:24). 
Entretanto, em função da ênfase a determinados aspectos, o 
Esporte pode assumir características diferenciadas como, por exemplo, 
o esporte-rendimento, em que a busca de resultados e recordes é o 
seu objetivo maior, e o Esporte enquanto con teúdo a ser desenvolvido 
na Educação Física, ou seja, habilidades e conhecimentos específ icos 
que possibilitem o aluno a c o m p r e e n d ê - l o como elemento que pode 
contribuir para o seu bem estar geral e a pra t icá- lo ao longo de sua 
vida (Figura 3). 
C O N C E I T O D E E S P O R T E 
Obje t iva o 
ESPORTE/ 
RENDIMENTO 
MÁXIMO 
E S P O R T E 
Visa a C O M P E T I Ç Ã O 
Ocupa - se c om T A L E N T O 
P reocupa -se c om POTENC IAL 
Subme te a T R E I N A M E N T O 
Or ien ta -se para ESPEC IF IC IDADE 
Enfa t iza o P R O D U T O 
Resu l ta em I N O V A Ç Ã O 
P A T R I M Ô N I O 
C U L T U R A L 
D A 
H U M A N I D A D F 
E S P O R T E / C O N T E Ú D O 
DA E D U C A Ç Ã O FÍSICA 
ÓTIMO 
A P R E N D I Z A G E M 
P E S S O A C O M U M 
P O T E N C I A L E 
L IM I TAÇÃO 
PRÁTICA 
G E N E R A L I D A D E 
P R O C E S S O 
D I F U S Ã O 
Figura 3: O Conceito de Esporte 
. ^ _ . „ „ „ v n.v-, w<= I n n o l r n V 3. D. 2 . D . 9 - 5 0 . CfeZ. 1996 
Revista de Divu lgação Científ ica do Mestrado e Doutorado em Educação Fís ica 
O esporte-rendimento caracteriza-se, entre outras coisas, pelos 
seguintes aspectos: ele objetiva o m á x i m o em termos de rendimento 
pois visa a c o m p e t i ç ã o ; ocupa-se com o talento e portanto preocupa-
se essencialmente com o potencial das pessoas; submete pessoas a 
treinamento com o r i en t ação para a especificidade, ou seja, uma 
modalidade específ ica; enfatiza o produto e resulta em constante 
inovação. O interesse principal do esporte-rendimento é a perpetuação 
do sistema ou a sua au to -p rese rvação e o sistema só se perpetua com 
recordes. Os motivos desse interesse podem ser culturais, económicos , 
pol í t icos e ideológicos . 
Numa perspectiva diferente, o Esporte pode ser visto como 
um pa t r imôn io cultural da humanidade e, como tal , um c o n t e ú d o a 
ser transmitido a t r avés do processo educacional. A f i n a l , um dos 
grandes objetivos da Educação é a t r ansmissão do pa t r imônio cultural 
da humanidade. As c r i anças de hoje devem ter acesso a todo o 
pa t r imôn io cultural criado, aper fe içoado, transformado e transmitido 
de g e r a ç ã o para ge ração . Isso implica duas atividades relacionadas, 
mas que necessitam ser diferenciadas: a aquis ição dos conhecimentos 
acerca do Esporte e a aqu is ição de habilidades motoras especí f icas 
do Esporte. 
Quando se discute se o Esporte, tal como se apresenta, é 
compa t íve l com objetivos educacionais e, portanto, pode constituir-
se ou não con t eúdo a ser ensinado na Educação Física, a p o l é m i c a 
gira em torno da aquis ição de habilidades motoras, sobretudo quando 
a ê n f a s e é dada ao aspecto de c o m p e t i ç ã o com todas as suas 
consequênc ias físicas, ps icológicas e sociais (Tani, Teixeira & Ferraz, 
1994). Se cabe à Educação Física projetar um sistema que possibilite 
a todas as c r i a n ç a s explorar ao m á x i m o suas potencialidades, 
especialmente motoras, respeitadas as suas caracter ís t icas individuais 
e l imi tações (Tani , Manoel , Kokubun & Proença , 1988), a u t i l ização 
do Esporte como conteúdo a ser ensinado merece cuidados conceituais 
e m e t o d o l ó g i c o s adequados (Bett i , 1991; Mar iz de Oliveira , 1988). 
O Esporte c o m e c o n t e ú d o da E d u c a ç ã o Fís ica tem as seguintes 
c a r a c t e r í s t i c a s : objet iva o ó t i m o de rendimento, respeitando as 
característ icas individuais, as expectativas e as aspirações das pessoas; 
ocupa-se com a pessoa comum, preocupando-se não apenas com o 
seu potencial mas t a m b é m com a sua l imi tação; visa à aprendizagem 
e portanto submete pessoas à prát ica vista como um processo de 
/c r^rymryris r?in de Janeiro, v. 3. n. 2. o. 9 - 5 0 . dez. 1996 35 
Universidade Gama Filho 
solução de problemas motores; orienta-se para a generalidade, dando 
oportunidades de acesso a diferentes modalidades; enfatiza o processo 
e n ã o o produto em forma de rendimentos ou recordes, e essa 
or ien tação resulta na difusão do esporte como um pat r imônio cultural. 
O importante é compreender que o Esporte enquanto fenómeno 
é o b j e t o de p r e o c u p a ç ã o a c a d é m i c a da C i n e s i o l o g i a . Os 
conhecimentos produzidos pela Cinesiologia acerca do f enómeno 
Esporte, por exemplo, as O l imp íadas com todas as suas impl icações , 
podem fazer parte do conteúdo a ser trabalhado pela Educação Física 
no ensino formal, desde que devidamente selecionados e organizados 
à luz dos seus objetivos especí f icos , para dar, aos escolares, o acesso 
a conhecimentos sobre um importante p a t r i m ô n i o cul tura l da 
humanidade. Quando o Esporte é visto na perspectiva de con teúdo 
da Educação Física, ele se transforma em objeto de estudo a ser 
investigado, por exemplo, em termos de metodologia de ensino das 
habilidades, tanto pela sub-área de Pedagogia como Adap tação do 
Movimento Humano. Os conhecimentos assim produzidos poderão 
ser utilizadospela Educação Física, tanto no ensino formal como 
não formal, para auxiliar escolares e não escolares a adquirirem 
habilidades motoras específicas do Esporte com o objetivo de melhorar 
a qualidade de suas vidas. 
Um aspecto fundamental da presente proposta é a d is t inção 
clara de duas áreas, uma preocupada com aspectos académicos acerca 
do movimento humano (Cinesiologia), e a outra preocupada com 
aspectos profissionalizantes e aplicados do mesmo objeto de estudo 
( E d u c a ç ã o F í s i c a e Esporte) . A i n t e n ç ã o é que ambas sejam 
fortalecidas, cada qual dentro da sua especificidade, ou seja, com 
pesquisas devidamente caracterizadas e identificadas. Nos E U A , por 
exemplo, essas duas áreas não foram diferenciadas, ao cont rár io , 
colocadas sob uma mesma estrutura. N o meu entender, muitas das 
d ive rgênc ias e conflitos que se alastraram por longos anos em torno 
da ques t ão "disciplina académica versus p ro f i s são" foram causados 
por essa não diferenciação. Atr ibuir à Cinesiologia pesquisas t ambém 
aplicadas de cunho profissionalizante, simplesmente perpetua a 
ambiguidade e inibe o crescimento de ambas. 
Espera-se que a estrutura proposta, diferenciando as áreas 
a c a d é m i c a (Cinesiologia) e profissionalizante ( E d u c a ç ã o Física e 
Esporte) , es t imule a p r o d u ç ã o de conhec imentos , f ac i l i t e a 
i „ o ^ o . ^ n rip-7 1996 
Revista de Divu lgação Cientifica do Mestrado e Doutorado em Educação Física 
s i s t emat ização dos mesmos e t a m b é m contribua para a es t ru tu ração 
dos cursos de p repa ração profissional. 
A p r e p a r a ç ã o prof iss ional é um processo extremamente 
complexo . Ela imp l i ca , antes de mais nada, uma f i losof ia de 
p repa ração profissional que defina claramente o perfil profissional 
da pessoa que se quer formar . Esse p e r f i l , por sua vez, e s t á 
intimamente relacionado às necessidades sociais e às carac te r í s t icas 
do mercado de trabalho, ambas de natureza mui to d i n â m i c a . A 
p r e p a r a ç ã o profissional exige, desta forma, r e f l exões amplas e 
profundas e, portanto, não se constitui objetivo do presente trabalho 
discuti-la exaustivamente. 
Todavia, o entendimento de que a ex is tênc ia de um corpo de 
conhecimentos que dê suporte a c a d é m i c o e c ien t í f i co à p rá t i ca 
p rof i ss iona l é uma c o n d i ç ã o fundamental para a p r e p a r a ç ã o 
profissional, foi um tema central desse estudo. Mui to se discute sobre 
qual seria o n ú c l e o b á s i c o de conhecimentos de um curso de 
p r e p a r a ç ã o p r o f i s s i o n a l . Uns t ê m defendido conhec imen tos 
eminentemente profissionalizantes. Outros t ê m se colocado no 
ex t remo oposto , defendendo conhec imentos essencialmente 
académicos . Conforme foi colocado anteriormente, no meu entender, 
ambos os conhecimentos são importantes. Há que se ter uma formação 
bás ica de conhecimentos a c a d é m i c o s amplos e gerais sobre o objeto 
de estudo - mov imen to humano -, assim como uma f o r m a ç ã o 
específ ica de conhecimentos profissionalizantes e aplicados, úteis na 
s o l u ç ã o de problemas que surgem na a t u a ç ã o prof iss ional . A 
p r e p a r a ç ã o profissional não deve visar à f o r m a ç ã o de um mero 
solucionador de problemas prát icos, mas sim de um profissional com 
conhecimentos amplos, capaz de reflet ir cr i t icamente sobre os 
problemas, anal.isando-os num contexto mais geral e colocando-os 
numa perspectiva diferente, quando pertinente. 
Cabe aos cursos de p r e p a r a ç ã o profissional selecionar e 
organizar esses conhecimentos em função do perfil do profissional 
que se quer formar, e d i sseminá- los de forma sequencial e organizada 
a t ravés do conjunto de suas disciplinas curriculares, ou seja, de uma 
grade curricular coerentemente estruturada. Uma vez definido o 
conteúdo a ser trabalhado no curso de preparação profissional, existem 
vár ias alternativas sobre a maneira de d i s seminá - lo . Uma delas, que 
tem sido adotada com frequência , parte dos conhecimentos mais 
Motus Corporis. Rio de Janeiro, v. 3. n. 2. p. 9-50. dez. 1996 37 
Jniversidade Gama Filho 
genéricos aos espec í f icos , implicando o estudo dos conhecimentos 
i a Cinesiologia primeiro e então os conhecimentos da Educação Física 
ou Esporte, dependendo da área de fo rmação escolhida. 
A imp lan tação do bacharelado fo i um importante passo no 
sentido da concre t i zação de uma proposta de p repa ração profissional 
baseada em um corpo de conhecimentos. O objetivo p rec ípuo de um 
curso de bacharelado é formar profissionais com o d o m í n i o do corpo 
e spec í f i co de conhecimentos da área . Uma vez detentor desses 
conhecimentos, cabe ao bacharel t r ans fo rmá- los em "instrumento" 
de trabalho para solucionar problemas especí f icos que possam surgir 
em diferentes segmentos de sua a tuação profissional. 
Para concluir, a Figura 4 apresenta uma ideia de uma estrutura 
administrativa capaz de abrigar, sob um mesmo teto, as áreas de 
conhecimento que foram apresentadas e discutidas no presente 
trabalho. Evidentemente, essa estrutura se aplica às universidades, 
particularmente àque las em que a Educação Fís ica se constitui uma 
unidade independente, cabendo aos departamentos e ins t i tu ições 
isoladas de ensino superior optar por uma estrutura mais restrita 
centrada em uma ou mais á r e a s , dependendo da sua v o c a ç ã o 
inst i tucional ou part icular m i s s ã o , e em conformidade com as 
carac te r í s t icas e ex igênc ias locais e regionais. 
Faculdade de Cinesiologia, E d u c a ç ã o F í s i ca e Esporte 
Departamento de 
Cinesiologia 
B i o d i n â m i c a 
do 
Movimento 
H umano 
Com porta 
mento 
Motor 
Humano 
Es t u d o s 
S ó c i o -
Culturais 
d o 
M o v i m e n t o 
Humano 
Departamento de 
E d u c a ç ã o F í s i ca 
Pedagogia 
do 
M o v i m e n t o 
Humano 
Adaptação 
d o 
M o v i m e n t o 
Humano 
Departamento de 
Esporte 
Treinamento 
Esportivo 
Adminis tração 
Esportiva 
Figura 4: Estrutura Administrativa para Cinesiologia, Educação Física e 
Esporte. 
o rs o-m dez. 1996 
^ ^ l ^ ^ e D o u r a d o em Fd 
- " " w o r a ú o e m Educação Física Notas: 
R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S 
A R N O L D , P.J. (1993). Kinesiology and the professional preparation 
o f the movement teacher. Journal o f Human Movement Studies. 
(25): 203-231. 
B A I N , L . L . (1990). Visions and voices. Quest. (42): 1-12. 
B E R T A L A N F F Y , L . V . (1968). General systems theory. N e w Y o r k : 
George Braziller. 
B E T T I , M . (1991) . E d u c a ç ã o f í s i ca e sociedade. S ã o Paulo: Movimento . 
B R A C H T , V . (1993). Educação física/ciências do esporte: que c iência 
é essa? Revista Brasileira de C iênc ia s do Esporte. (14): 111-1 17. 
B R A C H T , V . (1995a). As c i ê n c i a s do esporte no Bras i l : uma 
ava l i ação crí t ica. I n : A . Ferreira Neto, S.V. Goellner & V . Bracht 
(Orgs.). As c i ênc ias do esporte no Brasil. Campinas: Autores 
Associados. 
B R A C H T , V . (1995b). Mas, afinal, o que estamos perguntando com 
a pergunta "o que é e d u c a ç ã o f í s i ca?" Movimento . (2) : I - V I I I . 
BRESSAN, E.S. (1979). 2001: The profession is dead - was it murder 
or suicide? Quest. (31): 77-82. 
B R E S S A N , E.S. (1982) . A n academic d i sc ip l ine for phys ica l 
education: What a fine mess! In : L . L . Gedvilas (Ed.). Proceedings 
Motus Corporis. Rio de Janeiro. , 3. n 2, p 9.5Q ^ ^ ^ 
Jniversidade Gama Filho 
o f the National Association for Physical Education in Higher 
Education. Volume I I I . Champaign, I L : Human Kinetics. 
B R O E K H O F F , J. (1982). A discipline - who needs it? Proceedings 
o f the National Association for Physical Education in Higher 
Education.

Outros materiais