Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Doenças Infecciosas – Aula 7 – Tétano – 13/09/17 Introdução O tétano é causado pela toxina produzida por uma bactéria esporulada (Clostridium tetani), que é principalmente encontrada no solo. Em função disso, esta doença é referida como “doença telúrica” (telúrico = relativo à terra). Nunca encontramos o agente etiológico no ambiente, e sim os seus esporos, que não apresentam risco em um primeiro momento, mas em condições de anaerobiose se tornam muito patogênicos. O esporo só é destruído por autoclavação. Qualquer clostrídio é endêmico na propriedade, pois não é facilmente destruído, é resistente. Uma vez que entrou, não sai mais. Em uma condição de anaerobiose, o esporo encontra a situação ideal para a forma vegetativa. Nessa forma, ele elabora uma potente toxina, que só é liberada quando o microrganismo morre. A toxina tem afinidade pelo sistema nervoso central e realiza migração intraneural (vai “andando pelos neurônios”). O tétano causa uma paralisia espástica, ao contrário do botulismo, que é uma paralisia flácida. A toxina age inibindo a glicina, que é responsável pelo relaxamento muscular, de modo que o músculo fica contraído e não consegue mais relaxar. A posição clássica do tétano é o opistótono, na qual ocorre uma contração da musculatura axial. Tétano Toxi infecção altamente letal que atinge todos os mamíferos. Diz-se toxi infecção porque precisa haver a infecção e a forma vegetativa se reproduzindo e produzindo as toxinas. Sinonímias: Mal dos 7 dias; Tétano dos neonatos (população desinformada usava terra adubada como cicatrizante de cordão umbilical , que era justamente onde estavam os esporos, daí a morte de muitos neonatos); Lockjaw; Doença telúrica (em função do trismo de mandíbula, afetando o músculo masseter, evidenciando o riso sardônico). “Tétano” vem do grego antigo, significando “contrair e esticar”, padrão característico de sua manifestação clínica. Epidemiologia – Tétano humano Doença rara em países desenvolvidos e comum em países subdesenvolvidos, mas que vem diminuindo os casos com a vacinação, que é obrigatória. A Inglaterra tem o menor número de casos do mundo. Mortalidade = 50% pessoas >60 anos Modernos procedimentos previnem morte por falência respiratória Brasil 2001: 578 casos/ano Brasil 2011: 327 casos/ano As pessoas mais afetadas são os idosos e indivíduos abaixo de 5 anos. Queda no número de casos humanos no Brasil Vacinação de rotina em crianças e gestantes; há reforço na imunização dos grupos de risco (agricultores, trabalhadores da construção civil; veterinários [em função da mordedura dos animais]) e principalmente após enchentes e catástrofes. A vacina é feita a partir do toxoide orgânico (toxina tetânica inativada pelo calor) Tétano é uma doença inoculável. A bactéria precisa entrar (ser “inoculada”) e encontrar situações de anaerobiose. A mordedura é o principal exemplo dessa situação. Histórico A partir de 1842, com a morte de Charles Bell, a humanidade passa a ter mais noção a respeito da doença. Registro de Hipócrates, século V a.C: “Tetânico que passar do quarto dia estará salvo” 1884: descoberta a etiologia por Carle e Rattone a partir da lesão de mulher inoculada em coelho. 1892: Bhering e Kitasato encontraram um método de imunização eficaz com base na toxina envelhecida A primeira imunização passiva do tétano ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) 1925: produção da anatoxina (formol): toxina inativada pelo formol. Primeira toxina segura. ETIOLOGIA Família: Clostridiceae Gênero: Clostridium Espécie: Clostridium tetani Todos os bacilos são G-, com exceção do bacilo clostrídio, que é gram positivo. Características: Bacilo gram positivo; esporo terminal ou sub terminal; flagelos peritríquios; anaeróbio (ao contrário do que já foi dito, não é anaeróbio estrito). Tem um cultivo mais complicado porque deve ser em anaerobiose. Pode-se fazer também em Ágar Sangue. O isolamento e identificação do C. tetanii em determinados materiais não faz diagnóstico do tétano. A única coisa que fecha o diagnóstico, de fato, é a presença da toxina. Resistência Forma vegetativa: Sem resistência especial a detergentes, alta temperatura, água oxigenada e iodo. Em uma ferida, é importante que se limpe o ferimento e aplique água oxigenada, principalmente se for por suspeita de tétano. Forma esporulada: Resiste a álcool, fenol, formalina, fervura, ambiente, autoclave a 120ºC por 10 a 15 minutos. Não resiste a: fervura por 4 hs, 121⁰C 15 min, iodo, H2O2 Epidemiologia Todos os mamíferos são sensíveis ao tétano, mas especialmente equinos e humanos. Doença telúrica: esporo habita o solo e o TGI do homem e dos animais, sem causar doenças. Sem condições de anaerobiose, nada acontece. É uma doença individual, depende daquele indivíduo se infectar ou não. Não é contagiosa, uma vez que não há transmissão horizontal (animal-animal) Tem uma morbidade baixa, mortalidade baixa, mas uma letalidade alta. Surtos esporádicos Vacinação e aplicação de vermífugos em animais nas épocas de seca, com ventania, quando os solos estavam infestados de esporos. O esporo estava na pele do animal e o homem fazia a inoculação dele quando aplicava o medicamento injetável. Logo, os surtos ocorrem em situações propícias, sendo decorrente do manejo implementado. Existem relatos de animais, como eqüinos, se alimentarem de forrageiras grosseiras, causando lesões e ferimentos no trato digestivo. Quando o esporo passa por ali, ele fica preso na lesão, e a partir disso se desenvolve. Outras situações incluem castração, parição, corte de cauda e tosquia. Passa de situações únicas a individuais para se apresentar em surtos esporádicos Infecção natural Se dá a partir de acidentes traumáticos, em qualquer dos casos. Em situações acidentais, cirúrgicas, e por vias iatrogênicas (por exemplo, a vacinação). Qualquer ferimento puntiforme e lacerações são portas de entrada para os esporos do Tétano. Uma ferida (mesmo que profunda e cicatrizada) sempre vai justificar a presença do microrganismo. Mais frequentemente, os fatos que favorecem o desenvolvimento de tétano nas espécies: Todos: cicatrização de cordão umbilical; Em eqüinos: lesões de casco; castração; cicatrização de cordão umbilical e aparelho genital. Feridas penetrantes nos cascos de eqüinos são campeãs. Equino tem que ser vacinado, obrigatoriamente. Dentre as espécies, ele é o mais sensível à toxina tetânica. Em ovinos: tosquia e corte de cauda; Em suínos: castração e corte de umbigo; Em bovinos: parto, descorna, castração e aplicação da argola do focinho; por problemas de manejo. Em homem: Muitas formas. Veterinário quando lida com animais; feridas com metais enferrujados (os materiais enferrujados tendem a acumular maior sujidades, favorecendo o fenômeno imunológico do desvio da fagocitose); agricultores que constantemente mexem com terra (quanto mais adubada a terra, mais esporos); mordeduras e queimaduras (áreas necrosadas são áreas com baixo teor de oxigênio e favorecem a forma vegetativa). Patogenia O esporo é quem penetra (e, dependendo da sujidade do material, vai haver o desvio da fagocitose). Exotoxinas: Tetanospasmina e tetanolisina Tetanolisina: causa uma inflamação do tecido, aumentando a anaerobiose, favorecendo a multiplicação do clostrídio para ele produzir a tetanospasmina. Logo, ela funciona como “adjuvante”, que dá condições para a outra toxina atuar. Tetanoespasmina: Determinatoda a síndrome clínica do tétano. Codificada por plasmídeo que pode estar ausente (raro, mas há clostrídios tetânicos sem capacidade para produção das toxinas), é formada no local da invasão e migra pelos neurônios, sendo uma potente neurotoxina. Quanto mais distante do sistema nervoso central, maior o período de incubação (infecção -> manifestação clínica). Há uma cadeia pesada que facilita a toxina a entrar no neurônio, e uma cadeia leve responsável pela inibição da glicina, não permitindo o relaxamento dos músculos, levando à paralisia espástica. As duas toxinas são liberadas após a morte do esporo. Mecanismo de ação da toxina tetânica De uma maneira geral, o que ocorre é que a toxina é produzida no ponto de inoculação da ferida e, através dos fluidos biológicos, chega até o neurônio. Com um receptor especifico, ela “se cola” nas células nervosas e é internalizada através da cadeia pesada, ficando protegida num vacúolo e vai migrar através do axônio (transporte axonal retrógrado); é liberada no espaço pós-sináptico e vai entrar no neurônio inibidor (inibe a liberação da glicina e do GABA) e impede o relaxamento muscular. Em síntese: Inibe liberação de vesículas de glicina e GABA na fenda sináptica, neurotransmissores importantes para o relaxamento muscular. Ação da tetanospasmina na célula de Renshaw ou neurônio internuncial Age inibindo liberação da glicina (glicina é um neurotransmissor inibitório na medula espinhal que promove a descontração muscular) Neurônio motor permanece contraído espasticidade muscular Cliva a sinaptobrevina inibindo a liberação de : Glicina - neurotransmissor inibitório na medula espinhal GABA (gamma-aminobutyric) neurotransmissor no tronco cerebral - Perda do controle inibitório: espasmo motor, paralisia espástica - Ação na medula, tronco, nervos periféricos, junções neuromusculares - Aumenta a sensibilidade a estímulos externos. Diagnóstico clínico Sinais: locomoção dificultosa; rigidez geral ou localizada; cauda erguida na base ou em bandeira; narinas dilatadas; opistótono; orelha levantada e aproximada; masseter rígido (trismo); riso sardônico, convulsões. Morte - Devido a parada dos músculos respiratórios, diafragma e intercostais: principalmente. - Hipóxia - Pneumonia aspirativa - Hipertensão - Falência cardíaca Sintomas característicos Em bovinos e equinos, os sinais mais sugestivos são orelhas “em tesoura” e cauda em bandeira. - Rigidez - Postura de extensão da cabeça - Postura de cavalo de pau - Rigidez dos membros - Protusão da terceira pálpebra, estrabismo e pupilas fixas e dilatadas - Posição sugestiva: membros distendidos e afastados - Os animais apresentam salivação excessiva pois a mastigação fica prejudicada pela rigidez dos músculos masseter. Diagnóstico Sinais clínicos e anamnese: Sinais descritos anteriormente. Em relação à anamnese, tem que haver uma via inoculatória. Porém, não infrequentemente, a lesão cicatriza com o esporo internalizado, não podendo ser visualizada. Laboratorial: Mais difícil. Pode ser feito através do isolamento do agente e bacterioscopia a partir do pus ou raspagem de feridas. O isolamento é difícil, pois grande parte das vezes as feridas estão cicatrizadas e não são localizadas Pode-se fazer também inoculação em camundongo Macroscopia na necrópsia : não há lesão. Prognóstico Período de incubação vai depender: Da localização (quanto mais distante do SNC, maior) Da anaerobiose da ferida Cepa do clostrídio Produção de toxina Imunidade do hospedeiro (se foi vacinado, há quanto tempo, quantas doses...) Tratamento 3 princípios básicos: Relaxar a tetania, neutralizar a toxina livre, eliminar o agente etiológico que está produzindo a toxina. Manter o animal em lugar calmo, porque qualquer estímulo desencadeia os espasmos. Relaxar a tetania muscular através de miorrelaxantes: GRANDES ANIMAIS derivados promazínicos IM 8/8 h PEQUENOS ANIMAIS benzodiazepínicos 1mg/k IV 12/12 h Eliminar a toxina: por soro antitetânico. Via subcutânea; endovenoso em casos extremamente graves, sendo injetado lentamente; intramuscular. Posologia terapêutica: 1.000 a 5.000 ul/kg Profilática: 1.500 a 5.000 ul (vida média de 14 dias) O soro tem uma função terapêutica e profilática quando não se conhece a situação do animal. Eliminar o agente através de penicilina e metronidazol Debridamento e limpeza da ferida e infiltração de soro. H2O2 Permanganato de Potássio Tintura de iodo a 5% Outros cuidados sintomáticos : Acidose bicarbonato de sódio a 5 – 10% EV lentamente. Alimentação via sonda Sonda vesical eliminação da urina Profilaxia Médica: Aplicação do toxoide tetânico na porção medial do pescoço via IM com 1ª dose aos 3 meses; 2ª dose às 4 semanas após a primeira e reforço 1 ano depois. Revacinações a cada 5 anos. Procedimentos de emergência: fazer reforço do toxoide para animais já imunizados. Aplicar o toxoide com o soro em animais não imunizados (o soro tem imunidade imediata e de curta duração +/- 21 dias)
Compartilhar