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Epidemiologia e Bioestatística Emanuel Giovani Cafofo Silva Isadora Janolio de Oliveira Nancy França Lo Man Hung Regiane Saturnino Gustavo da Cunha Rofino Hugo José Message Emanuel Giovani Cafofo Silva Isadora Janolio de Oliveira Nancy França Lo Man Hung Regiane Saturnino Gustavo da Cunha Rofino Hugo José Message EpIdEMIOLOGIa E BIOEStatíStICa Belo Horizonte Janeiro de 2017 COPYRIGHT © 2017 GRUPO ĂNIMA EDUCAÇÃO todos os direitos reservados ao: Grupo Ănima Educação Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610/98. Nenhuma parte deste livro, sem prévia autorização por escrito da detentora dos direitos, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravações ou quaisquer outros. Edição Grupo Ănima Educação Diretor Rogério Salles Loureiro Gerentes de Operações denise Elisabeth Himpel Gislene Garcia Nora de Oliveira Coordenadora de Produção Carolina alcântara de araújo Lopes Parecerista Helena Márcia de Oliveira Moraes Bernardino Ilustração e Capa VG Consultoria Equipe EaD Emanuel Giovani Cafofo Silva Graduação em Ciências Biológicas (Licenciatura), pelo Centro Universitário de Maringá. Mestrado em Zoologia, pela Universidade Federal do pará/Museu paraense Emílio Goeldi. doutorado em Ecologia de ambientes aquáticos Continentais (em andamento), pela Universidade Estadual de Maringá. Isadora Janolio de Oliveira Graduação em Ciências Biológicas (Licenciatura e Bacharelado), pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em projetos e planejamentos ambientais, pela Faculdade Cidade Verde. Mestranda do programa de Ecologia de Ambientes Aquáticos, com ênfase em Biologia Molecular, da Universidade Estadual de Maringá. Nancy França Lo Man Hung Graduação em Ciências Biológicas (Licenciatura e Bacharelado), pela Universidade Guarulhos. Mestrado em Zoologia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Regiane Saturnino Graduação - Em Ciências Biológicas - Bacharelado - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; Mestrado em Ecologia - Instituto Nacional de pesquisas da amazônia; Doutorado em Zoologia - Universidade Federal do pará/Museu paraense Emílio Goeldi FILIaÇÃO: Museu paraense Emílio Goeldi, Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia, Programa de Capacitação Institucional-PCI, CNpq. Gustavo da Cunha Rofino Graduação em Ciências Biológicas (Licenciatura), pelo Centro Universitário de Maringá. Pós-graduação em Controle de qualidade, gerenciamento de resíduos e gestão ambiental na indústria de alimentos, pela Universidade paranaense – UNIpaR. Hugo José Message Graduação em Ciências Biológicas (Licenciatura e Bacharelado), pela Universidade Estadual de Maringá. Mestrado em Ecologia de ambientes aquáticos Continentais, pela Universidade Estadual de Maringá. doutorado em Ecologia de ambientes aquáticos Continentais, pela Universidade Estadual de Maringá. Nível de eNsiNo Graduação Carga horária 80h Olá, sou o professor Emanuel, tenho formação e mestrado em zoologia. ao longo da minha carreira trabalhei com mosquitos vetores de algumas doenças, o que me qualifica falar para vocês um pouco a respeito de epidemiologia, trabalhei com a parte estatística em vários trabalhos, como analises estatísticas, inferências estatísticas, o que me qualifica também a falar de bioestatística, que é o título dessa disciplina que vocês estão cursando, epidemiologia e bioestatística. porque estudar epidemiologia? epidemiologia é importante pois ela analisa o processo de saúde e doenças nas populações humanas, e relaciona isso com as características das pessoas, com as características relativas ao tempo, e aos lugares onde as pessoas vivem, então essa é a importância de estudar a epidemiologia. E dentro de epidemiologia propriamente dita, o que vamos abordar? Iremos ver os aspectos introdutórios, a saúde baseada em evidencia dentro da epidemiologia, os indicadores epidemiológicos da epidemiologia descritiva, que mostra como apresentar os dados de epidemiologia, como representar, transcrever e expressar de uma maneira que fique acessível a todos e possa ser tomado as decisões em cima disso. Já na parte de bioestatística, muito sobre posta com a epidemiologia, iremos ver a importância da bioestatística, que podemos sintetizar como o resumo dos números e, da informações sobre os números para a tirada de conclusões. Muitas das medidas numéricas são do campo da epidemiologia também, então faz sentido, estudar essas duas disciplinas em conjunto. Iremos ver medidas descritivas, e quais são elas, mesmo que permite esses resumos numéricos dos dados e inferência estatística que é a parte da estatística que dá um poder de confiança nas conclusões que temos e, como fazer isso e os princípios e conceitos. além disso, iremos ver os aspectos que permitem fazer inferências de causalidade, o que vem a ser isso? determinado fator, determinada variável causa determinada doenças ou determinado problema processo de saúde e doença. Iremos ver analises exploratórios, como perceber padrões nos dados e como expressar esses dados graficamente, são muito uteis em relatórios, por exemplo. Iremos ver os principais desenhos amostrais, os principais estudos para coletar dados epidemiológicos, e até para entender os trabalhos que coletaram estes dados. também os testes utilizados nesses estudos, os testes estatísticos que usam inferências estatísticas, que comentei interiormente. Portanto, ao longo da disciplina é relevante que vocês vão pegando todas essas partes e responder perguntas relevantes no campo da epidemiologia, como por exemplo essa pergunta que vou lançar para vocês, para que vão pensando ao longo do aprendizado de vocês: a obesidade, que é um dos males de saúde do mundo moderno, ela é inapta, ou ela é adquirida? Ou seja, as pessoas já nascem com o habito de comer além do necessário, ou elas adquirem, elas aprendem a ser assim? Essa pergunta, é do campo da epidemiologia, mesmo que quando pensamos em epidemiologia, pensamos na palavra epidemia, com mosquitos e vetores de doenças, mas a epidemiologia não lida somente com esse tipo de problema de saúde, ela lida com tipos relativos a questões de obesidade, problemas relativos a mente, como Alzheimer, ou câncer que, também não tem um vetor, como uma bactéria ou um vírus. Então ela lida com todos os aspectos de saúde e doença. E nesse caso da obesidade, uma das coisas importantes que afeta a saúde é o fato que aumenta a hipertensão, pode dar problemas cardiovasculares, e até questões de aspectos sociais na vida das pessoas. É relevante considerar esse tipo de questão ao longo da disciplina, para você ficar melhor embasado e analisar a epidemiologia por vários aspectos. Recomendo que já tentem responder essa questão, pelos seguintes pontos vistas: aspectos sociais, aspectos individuais das pessoas ou clínicos, que podem ajudar responder essa questão de como achar informação para resolver essa questão para responder isso, como descrever essa informação de uma maneira adequada e, que tipo de variáveis afetam isso, essa questão da obesidade ser inata, ou ser adquirida. Espero que aproveitem muito bem o curso, obrigado pela atenção, e até mais! UNIDADE 1 .......................................................................................................................... 003 Epidemiologia e Bioestatística ...................................................................................... 004 Fundamentosteóricos e práticos da epidemiologia ............................................. 005 Clínica vs. Epidemiologia social .................................................................................... 017 atividades de Fixação - Resposta ................................................................................ 031 UNIDADE 2 .......................................................................................................................... 033 princípios da saúde baseada em evidências para tomada de decisões em saúde ........................................................................... 034 Definições ............................................................................................................................. 035 Evidências ............................................................................................................................. 048 tutorial ................................................................................................................................... 052 atividades de Fixação - Resposta ................................................................................ 063 UNIDADE 3 .......................................................................................................................... 065 Indicadores de saúde ........................................................................................................ 066 tipos de indicadores ......................................................................................................... 067 Indicadores de Morbidade .............................................................................................. 075 Indicadores de Mortalidade ............................................................................................ 078 Outros indicadores de saúde ......................................................................................... 086 atividades de Fixação - Resposta ................................................................................ 096 UNIDADE 4 .......................................................................................................................... 097 Epidemiologia descritiva ................................................................................................. 098 Coeficientes gerais e específicos ................................................................................. 099 Questões básicas de epidemiologia descritiva ....................................................... 103 Variáveis relativas às pessoas, lugar e tempo ......................................................... 105 atividades de Fixação - Resposta ................................................................................ 124 UNIDADE 5 .......................................................................................................................... 126 Medidas descritivas, inferência estatística e causalidade .................................. 127 Resumindo números ....................................................................................................... 128 Conceitos básicos de inferência estatística ............................................................. 142 Causalidade em epidemiologia e saúde .................................................................... 155 atividades de Fixação - Resposta ................................................................................ 161 UNIDADE 6 .......................................................................................................................... 162 análise exploratória e classificação de variáveis .................................................... 163 análise exploratória e resumo de dados ................................................................... 164 tipos de variáveis ............................................................................................................... 186 atividades de Fixação - Resposta ................................................................................ 190 UNIDADE 7 .......................................................................................................................... 192 Fontes para a pesquisa Epidemiológica: planejamento da Coleta de dados .............................................................................. 193 Fontes para a pesquisa ................................................................................................... 194 amostragem no Contexto Epidemiológico ............................................................... 199 Aleatorização ....................................................................................................................... 203 tamanho da amostra ....................................................................................................... 208 perda e Viés .......................................................................................................................... 213 atividades de Fixação - Resposta ................................................................................ 216 UNIDADE 8 .......................................................................................................................... 218 desenhos de Estudos Epidemiológicos e testes Estatísticos .......................... 219 principais delineamentos ............................................................................................... 220 testes Estatísticos Básicos ........................................................................................... 238 atividades de Fixação - Resposta ................................................................................ 255 REFERêNCIAS ................................................................................................................... 257 UNIDADE Epidemiologia e Bioestatística • Fundamentos teóricos e práticos da epidemiologia • Clínica vs. Epidemiologia social • Atividades de Fixação - Resposta EpidEmiologia E BioEstatística 005 unidade 1 Fundamentos teóricos e práticos da epidemiologia Introdução A epidemiologia é o “ramo das ciências da saúde que estuda, na população, a ocorrência, a distribuição e os fatores determinantes dos eventos relacionados com a saúde” (pEREIRa, 1995, p. 3) (Figura 1). Esse termo é composto por três palavras gregas: “epi” = sobre; “demos” = população; “logos” = estudo (BONIta; BEAGLEHOLE; KJELLSTROM, 2010). Várias definições distintas existem, e o conceito apresentado inicialmente é uma tentativa generalista de sintetizar essa diversidade de significados. FIGURA 1 - Epidemiologia Fonte: aURIELaKI, 123RF. EpidEmiologia E BioEstatística 006 unidade 1 Certamente, antes dos primeiros registros epidemiológicos documentados, várias ações epidemiológicas ocorreram, pois sempre grupos humanos conviveram com várias doenças e outros agentes ambientais que comprometem a saúde. Sem dúvida, muitas dessas abordagens envolvem esforços variados, procedimentos distintos e, às vezes, equivocados, contudo, o objetivo envolvia a melhoria da saúde humana. Os aspectos históricos da epidemiologia descritos a seguir são baseados em Buck et al. (1988). Cerca de 2400 anos atrás, Hipócrates já utilizava o termo “epidemion” no sentido de visita da doença em uma comunidade, incorporando aspectos coletivos das enfermidades. Na Idade Média (séculos V a XV), existem vários registros da peste negra, uma doença que assolou a Europa e desapareceu sem que muito pudesse ser feito a respeito (Figura 2). Sempre grupos humanos conviveram com várias doenças e outros agentes ambientais que comprometem a saúde. FIGURA 2 - Médico da Peste usando máscara com ervas aromáticas a fim de filtrar o ar pestilentoe um bastão para inspecionar os enfermos Fonte: WIKIMEDIA COMMONS, 2011, on-line. EpidEmiologia E BioEstatística 007 unidade 1 Os grãos guardados nas casas alimentavam ratos, e suas pulgas disseminavam a doença entre os moradores. possivelmente, o processo de urbanização gradual substituiu o rato negro (Figura 3) por rato norueguês, provavelmente menos propício à disseminação da doença. É justamente a respeito da peste negra o primeiro uso conhecido da palavra epidemiologia em sua forma atual, feito em um documento espanhol do século XVI. FIGURA 3 - Rato se alimentando de grãos Fonte: WIKIMEDIA COMMONS, 2015, on-line. Já no século XVIII são citados os primeiros registros de vacinas, indicando preocupação com a disseminação das doenças antes delas atingirem as pessoas. A preocupação com grupos de indivíduos passa ser relacionada também com atividades, como no caso de um estudo de 1789 envolvendo marinheiros com escorbuto. Do século XVIII ao XIX existem vários registros epidemiológicos EpidEmiologia E BioEstatística 008 unidade 1 sobre doenças infecciosas relativas à revolução industrial, muitos desses abordando fatores importantes na transmissão, como a importância da qualidade da água, saneamento e saúde pública. Nesse mesmo período existem também relatos de malária associada ao cultivo de arroz. Em 1851, ocorre a conferência sanitária em Paris, demonstrando o aumento da preocupação com as condições que promovem a saúde. Por volta de 1874, as origens das doenças são discutidas, com defensores da teoria dos miasmas (supostos gases causadores de doenças) argumentando contra os defensores do contágio, surgindo, por fim, a teoria dos germes como os causadores das doenças em 1890. No século XX, relevantes mudanças quanto às ideias das doenças são consideradas com maior enfoque, como, por exemplo, doenças causadas por deficiências nutricionais ou, ainda, sobre a relação do cigarro com o câncer em 1942. No Brasil, as primeiras ações epidemiológicas ocorreram em 1903, quando ocorreu a nomeação do médico Oswaldo Cruz na Diretoria-Geral da Saúde Pública, encarregado de combater febre amarela, varíola e peste negra no Rio de Janeiro (MEdRONHO et al., 2011). No Brasil, as primeiras ações epidemiológicas ocorreram em 1903, quando ocorreu a nomeação do médico Oswaldo Cruz na Diretoria-Geral da Saúde pública, encarregado de combater febre amarela, varíola e peste negra no Rio de Janeiro Notícia Como ossadas em obra do metrô reacenderam mito de valas de peste negra em Londres A epidemia de Peste Negra foi um dos momentos na história da humanidade em que vários princípios epidemiológicos foram aplicados. O impacto nas populações foi enorme e perdura até os dias atuais, misturando a verdade com a fantasia gerada pelo medo no imaginário das pessoas. a notícia a seguir explora o caminho traçado pelo metrô de Londres, em que desvia das valas comunitárias das vítimas da bactéria Yersinia pestis, disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/vert-aut-37429449>. Fonte: Elaborado pelo autor. EpidEmiologia E BioEstatística 009 unidade 1 QUESTÃO 1 - a epidemiologia é um termo que surgiu no século XVI em documentos europeus relacionados à peste negra. Desde então, o termo tem sido utilizado ao longo da história humana em diversas situações, envolvendo, principalmente, doenças infectocontagiosas. O estudo epidemiológico permitiu muitas vezes compreender o mecanismo de disseminação de várias doenças. Relacionado ao termo epidemiologia, assinale a alternativa correta: a. É a ciência da saúde que estuda, na população, a ocorrência, a distribuição e os fatores determinantes dos eventos relacionados com a saúde. b. a epidemiologia organiza documentos antigos europeus. c. A divulgação das doenças antigas é o principal foco da epidemiologia. d. apenas as doenças capazes de dizimar grande número de pessoas são estudadas na epidemiologia. e. apenas as doenças incapazes de dizimar grande número de pessoas são estudadas na epidemiologia. O gabarito se encontra no final da unidade. Saúde e Doença Um dos principais focos da epidemiologia é o estudo das doenças, como estão distribuídas e como os fatores biológicos e sociais a influenciam. De acordo com Pereira (1995), doença refere-se à “falta ou perturbação da saúde”, e saúde nada mais é do que a “ausência de doenças”. Na prática do dia a dia, as pessoas são rotuladas de saudáveis quando resultados dos exames indicam a ausência da anormalidade. De forma mais detalhada, a “saúde é um completo estado de bem- estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças” (ORGaNIZaÇÃO MUNdIaL da SaÚdE, 1948). doença também pode EpidEmiologia E BioEstatística 010 unidade 1 ser definida como uma enfermidade aguda ou crônica, que a pessoa contrai ou nasce com ela e acarreta em disfunções fisiológicas. além disso, quase sempre uma doença está relacionada com a manifestação de sinais e sintomas (GROSSMAN; PORTH, 2016). História Natural da Doença e seus modelos explicativos História natural da doença corresponde a qualquer processo envolvendo doenças no homem, segundo a definição de Leavell e Clark (1965). Esses autores dividem a história natural da doença em duas etapas principais: a pré-patogênese, que ocorre antes do adoecimento; a patogênese, dividida em partes ordenadas da seguinte maneira: • Patogênese precoce; • doença precoce discernível; • doença avançada; • Etapa final. • Convalescença-recuperação; • Estado crônico; • Invalidez; • Morte A explicação dessas etapas desde sempre fomentou a proposição de modelos explicativos variados ao longo do tempo: causas mágico-religiosas ou místicas, causas miasmáticas, causas sociais, unicausal, multicausal e tríade ecológica (FRANCO; PASSOS, 2011; TIETZMANN, 2014). Alguns desses modelos são, em princípio, excludentes entre si, contudo, alternativamente, alguns desses podem ser vistos em conjunto (BUSatO, 2016). A explicação dessas etapas desde sempre fomentou a proposição de modelos explicativos variados ao longo do tempo EpidEmiologia E BioEstatística 011 unidade 1 Nos tempos primitivos, o modelo mágico-religioso atribuía a origem das doenças a espíritos, e a saúde era proveniente de elementos naturais (BUSatO, 2016), persistindo até hoje em várias sociedades. Na Idade Média, foram propostas explicações envolvendo os mismas, que seriam odores venosos, gases, resíduos nocivos atmosféricos ou do solo, sendo disseminadas pelo vento até os indivíduos que então adoeciam (BUSATO, 2016). Desconsiderando as causas sobrenaturais, ao final do século XVII, ganha força um modelo que explica aspectos de saúde e doença com base em causas sociais (tIEtZMaNN, 2014). Em um contexto contemporâneo, existem também modelos atribuindo causas sociais associadas com aspectos biológicos (GALLEGUILLOS, 2014). Por outro lado, o modelo unicausal se baseia em evidências confiáveis para considerar organismos geralmente microscópicos (parasitas, bactérias, e vírus) como uma causa visível, identificável e única das doenças (BUSatO, 2016). Em contrapartida, o modelo que considera multicasualidade relaciona as doenças a diversas causas e fatores, passíveis de serem controlados coletivamente com baixos custos (GALLEGUILLOS, 2014). Por fim, o modelo denominado tríade ecológica considera os aspectos da história natural das doenças decorrente da interação de três fatores: Agentes, Meio ambiente e Hospedeiro Humano (LEaVEL; CLaRK, 1976). Conceitos e usos da epidemiologia a epidemiologia é baseada em um conjuntode conceitos, teorias e métodos que buscam compreender o processo de saúde e doença no âmbito individual e coletivo (FRaNCO; paSSOS, 2011). O objetivo geral da epidemiologia é reduzir os problemas de saúde na população. De acordo com Pereira (1995), existem três formas para reduzir situações problemáticas como: informação sobre a O modelo unicausal se baseia em evidências confiáveis para considerar organismos geralmente microscópicos (parasitas, bactérias, e vírus) como uma causa visível, identificável e única das doenças EpidEmiologia E BioEstatística 012 unidade 1 situação de saúde para toda a população; investigação dos fatores que influenciam no processo de saúde; avaliação do impacto das propostas para alterar a situação de saúde. Segundo Pereira (1995), a aplicação da epidemiologia está relacionada com: diagnóstico da situação de saúde; investigação etiológica (origem da doença); determinação de riscos das doenças; aprimoramento na descrição do quadro clínico; determinação de prognósticos; identificação de síndromes e classificação de doenças; verificação do valor de procedimentos diagnósticos; planejamento e organização de serviços; avaliação das tecnologias, programas ou serviços; embasamento para análises críticas de trabalhos científicos da área da saúde. As bases teóricas da epidemiologia são as ciências biológicas, sociais e a estatística. As biológicas referem-se aos conhecimentos acerca das características clínicas e patológicas, focando em descrever e classificar as doenças. As sociais buscam determinar a influência da organização social na prevenção, distribuição e cura das doenças. Já a abordagem estatística permite a visualização de padrões nem sempre evidentes nos dados epidemiológicos. Além disso, o nascimento da estatística tem um caráter social como a epidemiologia. Estatística significa a “medida do Estado”, enquanto “Estado”, nesse caso, refere-se aos atributos da população do estado político (HaCKING, s.d.). Os parágrafos anteriores abordaram de maneira geral os aspectos de definição teórica e histórica da epidemiologia. Outro aspecto dessa ciência é o caráter essencialmente prático descrito nos subtópicos seguintes com base em Pereira (1995): 1. SELEÇÃO adEQUada da pOpULaÇÃO dE EStUdO: em geral, análises epidemiológicas são feitas com base em dois métodos, Censo e amostragem. Censo usa informações sobre uma população inteira, por exemplo, todos os brasileiros. Já amostragem usa informações de EpidEmiologia E BioEstatística 013 unidade 1 apenas algumas pessoas presentes na população. Nesse caso, cada pessoa corresponde a uma unidade amostral ou amostra, ou cada grupo de pessoas pode ser considerado amostra ou unidade amostral, conforme o objetivo de estudo. No caso das amostras, deve-se escolher muito bem a representatividade da amostra. Exemplo: qual a idade em que as pessoas são mais vulneráveis a picadas de mosquitos vetores no Brasil? Se o pesquisador usar apenas pessoas de um único posto de saúde (amostra) e concluir que crianças são mais vulneráveis, não é possível extrapolar esse resultado para o Brasil, pois a amostra não representou bem a diversidade de pessoas expostas aos mosquitos vetores. 2. apROpRIada aFERIÇÃO dOS EVENtOS E apRESENtaÇÃO DOS RESULTADOS: o modo como os dados são medidos e apresentados é importante. Em geral, os dados epidemiológicos são expressos em termos de coeficientes, ou seja, são expressos em termos de informações relativas a proporções dentro da amostragem. O cálculo de um coeficiente envolve a contagem de casos (numerador) divididos pelo número total da população de risco (denominador), e o resultado pode ser multiplicado por um valor constante para facilitar a interpretação. Exemplo: [(Nº de pessoas picadas por mosquitos (30) ÷ Nº total de pessoas do bairro (120) × constante (100)] = 25%. Ou seja, 25% das pessoas do bairro foram picadas por mosquitos. a Figura 4 resume o coeficiente e mostra as disciplinas que interagem com o numerador e o denominador. 3. CONtROLE daS VaRIÁVEIS CONFUNdIdORaS SOBRE OS RESULTADOS: os dados podem ter influências de fatores não esperados. Caso isso ocorra, as conclusões tiradas podem ser equivocadas. Exemplo: quais hospitais possuem maiores taxas de mortalidade, os pequenos ou os grandes? Não faz sentido essa comparação, sem que ajustes nos valores sejam feitos. Hospitais FIGURA 4 - Componentes de um coeficiente Fonte:pEREIRa, 1995 [adaptada]. EpidEmiologia E BioEstatística 014 unidade 1 FIGURA 4 - Componentes de um coeficiente Fonte: pEREIRa, 1995 [adaptada]. maiores recebem a maior parte dos casos graves, e estão em regiões mais populosas. O controle de variáveis confundidoras é feito tanto quando se planeja o estudo quanto durante a análise de dados ou nessas duas etapas. Até esse ponto foram abordados aspectos históricos, bases e conceitos da epidemiologia. Adiante, serão expostas duas abordagens da epidemiologia: a clínica e a social. O enfoque da epidemiologia ao longo do tempo oscila entre essas duas abordagens. Essa dicotomia é explicitada no tópico seguinte. EpidEmiologia E BioEstatística 015 unidade 1 QUESTÃO 2 - Os estudos epidemiológicos são baseados em metodologias amplamente utilizadas. a maneira como os dados epidemiológicos são coletados pode influenciar o resultado final, gerando resultados equivocados, caso determinados cuidados não sejam tomados. Para a seleção adequada da população de estudo existem dois métodos: o censo e a amostragem. de acordo com essas duas abordagens, assinale a correta: a. Censo é uma metodologia pouco utilizada, pois não é tão confiável como a amostragem. b. a amostragem é uma metodologia que se baseia na coleta de dados de uma parcela da população. Já o censo coleta informações de toda população. Entretanto, não há diferença significativa entre essas duas metodologias. c. a amostragem é mais utilizada que o censo, pois é mais robusta. d. A amostragem é quando se coleta informações de uma parcela da população, e uma boa amostragem garante que a amostra represente adequadamente todos da população. e. Censo representa a coleta de dados de todos os indivíduos da população e esse tipo de pesquisa é a mais comum. O gabarito se encontra no final da unidade. EpidEmiologia E BioEstatística 016 unidade 1 QUESTÃO 3 - A epidemiologia é, em essência, uma área multidisciplinar da saúde. As bases da epidemiologia incluem as ciências biológicas, sociais e a estatística. Originalmente, estatística significa a “medida do Estado”, sendo que “Estado”, nesse caso, refere-se aos atributos da população de um estado no sentido político. Atualmente, a estatística atua em vários campos além dos limites de sua definição original. De acordo com a importância da estatística como disciplina base da epidemiologia, assinale a alternativa correta: a. a estatística estuda, principalmente, dados políticos. b. Somente a ciência social utiliza estatística, uma vez que a estatística é uma medida do estado no sentido político. c. A estatística, quando analisa dados biológicos, é chamada de bioestatística e possibilita a constatação de padrões nem sempre visíveis nos dados sobre a saúde e doença. d. a epidemiologia é a principal fonte de dados para estudos estatísticos. e. Socialmente, a estatística não possui utilidade para a epidemiologia. O gabarito se encontra no final da unidade. “Conceitos Iniciais da Epidemiologia” autor: Isadora Oliveira EpidEmiologia E BioEstatística 017 unidade 1 Clínica vs. Epidemiologia sociala epidemiologia é abordada tanto por seus aspectos clínicos, sendo chamada de “Epidemiologia Clínica”, quanto por suas características sociais, sendo nomeada de “Epidemiologia Social” ou, simplesmente, “Epidemiologia” (FORattINI, 1990). Essa diferença de enfoque tem gerado conflitos, uma vez que a epidemiologia trabalha com populações enquanto a medicina clínica trabalha com o indivíduo, tem se sugerido que a epidemiologia clínica é uma contradição (BONIta; BEaGLEHOLE; KJELLStROM, 2010) (Figura 5). por outro lado, defensores do enfoque clínico criticam a epidemiologia com enfoque social por ser custosa e gerar resultados controversos (FEINStEIN, 1988). a epidemiologia é abordada tanto por seus aspectos clínicos, sendo chamada de “Epidemiologia Clínica”, quanto por suas características sociais, sendo nomeada de “Epidemiologia Social” FIGURA 5 - Epidemiologia social e seu enfoque na população X Epidemiologia clínica e seu enfoque no indivíduo Fonte: ISaBEL pOULIN, 123RF. EpidEmiologia E BioEstatística 018 unidade 1 Para compreender de maneira adequada a oposição apresentada, é relevante o conhecimento de cada abordagem para a formação de uma opinião crítica quanto aos argumentos de ambos os lados. Portanto, são apresentados detalhes tanto da epidemiologia “clínica” quanto da “social”. “História natural das doenças. autor: Emanuel Geovane “Vertentes da Epidemiologia” autor: Isadora Oliveira Epidemiologia clínica O surgimento de uma corrente mais centrada nos aspectos clínicos da epidemiologia ocorre no final do século XIX com a teoria do germe, permitindo a compreensão do papel dos micro-organismos na causa das doenças levando ações diretas nos pacientes para entender e controlar doenças (BARATA, 2005). Desde então, a epidemiologia clínica desenvolveu-se, e uma síntese organizada por Bonita, Beaglehole e Kjellström (2010) serve de base para os conceitos apresentados nos subtópicos 2.1.1 até 2.1.6: Normalidade e Anormalidade Os sinais e os sintomas podem ser classificados como normais ou anormais. Esses dois conceitos correspondem à frequência que sintomas/sinais ocorrem em um determinado número de pessoas. “Normal” corresponde a algo comum, no sentido de ser o mais frequente, refletindo bom estado de saúde. “Anormal” corresponde EpidEmiologia E BioEstatística 019 unidade 1 a um sintoma/sinal ocorrente em baixa frequência, geralmente associado a alguma doença. O limite exato em que se considera determinado valor normal ou anormal é baseado em critérios estatísticos ou biológicos. Entretanto, nem sempre é possível a detecção exata do limite, pois pode existir mudança gradual de normal para anormal. Caso seja possível identificar a anormalidade, o passo seguinte é o tratamento levando em conta os riscos, custos e benefícios. Testes diagnósticos Um valor anormal frequentemente indica a presença de uma doença. Essa conclusão pode ser confirmada por meio de testes diagnósticos ou rastreamento. Medidas laboratoriais microbiológicas, bioquímicas, fisiológicas ou anatômicas são exemplos de testes diagnósticos. Segue um exemplo de teste rápido. EpidEmiologia E BioEstatística 020 unidade 1 Tutorial Fonte: Elaborado pelos autores. EpidEmiologia E BioEstatística 021 unidade 1 Os testes comuns para doenças não transmissíveis geralmente apresentam maior acurácia, ou seja, teste com maior proporção de acerto nos resultados. Entretanto, nem sempre é possível estabelecer o limite exato determinado para o valor de confirmação da doença. portanto, é necessário conhecer todos os possíveis resultados do teste quanto à existência da doença (presente/ausente) e da confirmação desta pelo teste (positivo/negativo) (Figura 6). FIGURA 6 - Possíveis resultados de testes diagnósticos Fonte: BONIta, BEaGLEHOLE e KJELLStROM, 2010, p.137. EpidEmiologia E BioEstatística 022 unidade 1 A proporção de indivíduos verdadeiramente doentes que são identificados como doentes pelo teste (verdadeiros positivos) é chamada de Sensibilidade. Por outro lado, a proporção de indivíduos verdadeiramente sadios apontados pelo teste como sadios (sem a doença) é chamada de Especificidade (verdadeiros negativos). Sempre que em um grupo de pessoas estudadas aumenta a proporção de pacientes doentes indicados pelo teste (aumento na proporção de verdadeiros positivos), diminui a proporção de pessoas sadias que são indicadas pelo teste como doentes (diminuição na proporção de verdadeiros negativos). O inverso também é válido, ou seja, se a frequência de um diminuir, o outro aumenta. Uma vez que o teste pode fazer classificações incorretas, é relevante medir a proporção de verdadeiros doentes dentro do grupo apontado como doente pelo teste (verdadeiros positivos + falso positivo) por meio do Valor preditivo positivo. No mesmo sentido, o cálculo da proporção dos verdadeiramente sadios dentro do grupo apontado como sadio pelo teste (verdadeiros negativos + falso positivo) é feito por meio do Valor preditivo negativo. Sensibilidade e especificidade não variam substancialmente, a não ser por mudanças na técnica ou por erros na sua aplicação, ao contrário dos valores preditivos que dependem da prevalência (casos existentes) (pEREIRa, 1995). Essas características diferenciam a interpretação dos valores de sensibilidade e especificidade em relação aos valores preditivos (Tabela 1). EpidEmiologia E BioEstatística 023 unidade 1 TABELA 1 - Sensibilidade. especificidade e valores preditivos Valor preditivopositivo verdadeirospositivos verdadei � � � % �( ) = rrospositivos falsopositivos� �+ ×100 Valor preditivonegativo verdadeirosnegativos falsosn � � � % � � ( ) = eegativos verdadeirosnegativos+ × � 100 ( ) �% 100 � � verdadeiros positivosSensibilidade verdadeiros positivos falsonegativos = × + Especificidade verdadeirosnegativos falsospositivos ve % � � ( ) = + rrdadeirosnegativos� ×100 Fonte: pEREIRa, 1995, p.369. Nem sempre testes com as características citadas são disponíveis. além disso, provavelmente a elevada acurácia os torna caros e invasivos. Desse modo, testes mais simples e baratos são rotineiramente utilizados, e mesmo esses devem ter sua acurácia avaliada. História Natural e Prognóstico A história natural representa o desenvolvimento da doença ao longo do tempo, ou seja, como ocorre a evolução de certa doença. O prognóstico é a previsão das próximas etapas da doença. Quanto mais quantidade e qualidade de informações sobre a doença na população e em pequenos grupos de pacientes na mesma situação, bem como de dados clínicos do paciente, mais exato será o prognóstico. A forma de expressar o prognóstico é mediante a probabilidade de um evento particular vir a acontecer. Este deve incluir predições relativas à qualidade e tempo de vida do paciente. Esse refinamento é possível por meio de estudos de outros prognósticos, análises de sobrevivência e tabelas de sobrevida (sintetiza o padrão de mortalidade). A importância de estabelecer prognósticos seguros está relacionada com a escolha de um tratamento eficaz. O prognóstico é a previsão das próximas etapas da doença. EpidEmiologia E BioEstatística 024 unidade 1 Efetividade do tratamento O tratamento aplicado aos pacientes deve ser efetivo e aderente. Efetividade é a avaliação do impacto de certo tratamento em casos reais, ou seja, sem o controle artificial proporcionado por estudos laboratoriais. Por exemplo, um estudo de vacinação de uma doença permite avaliar quantas pessoas a vacina imunizou, em outras palavras,o quão ela foi efetiva (PEREIRA, 1995). Aderência refere-se à quantidade de pessoas que iniciou certo tratamento e continuou, sendo então um fator determinante na efetividade de um tratamento, já que a desistência do tratamento reduz a efetividade do mesmo. Algoritmos baseados em evidência Um algoritmo é a apresentação de uma informação para tomada de decisões por meio de passos baseados na lógica (LOHR, 1995). Os algoritmos são um meio de utilizar a evidência disponível em pesquisas científicas na prática clínica. Existem algoritmos disponíveis para muitas doenças, contendo informações para adaptação a cada realidade local. Por sua ação direcionada e adaptável ao contexto clínico e epidemiológico, é recomendável que os algoritmos sejam utilizados sempre que possível. Contextos nos quais ações adequadas e rápidas são necessárias constituem cenário em que algoritmos são utilizados. Um bom exemplo são acidentes durante atendimento clínico. Essa situação é crítica, pois pode adicionar uma via de disseminação de doenças, justamente quando o objetivo é conter agentes transmissores. Se o profissional de saúde ao coletar sangue de um paciente perfurar o próprio dedo com a agulha, as ações pós incidente podem ser guiadas com o uso de um algoritmo de investigação para acidentes com material biológico, a fim de verificar se houve contaminação com HIV. EpidEmiologia E BioEstatística 025 unidade 1 Prevenção e prática clínica Informações epidemiológicas contribuem para ações preventivas na atividade clínica em vários níveis dentro do processo de tratamento dos pacientes. Profissionais de saúde munidos de conhecimento epidemiológico são capazes de convencer seus pacientes a mudar seus hábitos visando à redução de riscos à saúde. Essa interação gera mudanças tanto por meio de alterações comportamentais quanto ao uso de medicamentos. Epidemiologia social Um breve histórico sobre epidemiologia já foi apresentado no início da unidade. Entretanto, neste tópico, vamos abordar de forma sucinta o contexto histórico da epidemiologia relacionado aos aspectos sociais. O embrião da ciência epidemiológica surgiu no século XVI. Porém, só no século XIX o estudo epidemiológico científico da sociedade se desenvolveu de maneira evidente na busca de causas e padrões populacionais de distribuição das doenças. a importância do fator social diminui no começo do século XX com o aumento do enfoque clínico. O retorno da junção das explicações sociais e a epidemiologia ocorreu apenas em 1960 com a emergência dos movimentos sociais, seguindo até o presente momento (KRIEGER, 2000). atualmente, as correntes de epidemiologia social não são simples continuidades dos efeitos históricos, como veremos adiante. De acordo com Hersch-Martínez (2013), há quatro áreas epidemiológicas atuais relacionadas com campos de conhecimento sociais: “epidemiologia crítica”, “epidemiologia cultural”, “epidemiologia popular” e “epidemiologia social”. Vamos apenas abordar a área “epidemiologia social”. Segundo Barata (2005), existem cinco teorias dentro da epidemiologia-social: a Ecoepidemiologia, a teoria do Capital Social, a perspectiva do O retorno da junção das explicações sociais e a epidemiologia ocorreu apenas em 1960 com a emergência dos movimentos sociais, seguindo até o presente momento EpidEmiologia E BioEstatística 026 unidade 1 Curso da Vida, a Teoria da Produção Social da Doença e a Teoria Ecossocial. a Ecoepidemiologia, segundo Susser e Susser (1998), é baseada na necessidade de incluir aspectos socioambientais no processo de compreensão e tomada de ações epidemiológicas, facilitado por inovações clínicas, tecnológicas e acessibilidade à informação. O “eco” de ecoepidemiologia vem da abordagem dos estudos ecológicos que lidam com várias situações nas quais as generalizações não são possíveis. Além disso, no caso da ecoepidemiologia, ocorre a segmentação dos níveis de organização, como: moléculas, células, tecidos, sistemas fisiológicos, indivíduos, populações, sociedades e ambiente físico. Nessa linha teórica, o epidemiologista deve ser capaz de unir informações a respeito de todos esses níveis em seu processo de entendimento e ações de prevenção e controle. a teoria do Capital Social considera que a desigualdade monetária na população gera perda da cooperação entre pessoas que, por sua vez, leva a maiores taxas de mortalidade (KaWaCHI et al., 1997). Nesse caso, cooperação entre pessoas corresponde ao termo capital social. a mortalidade considerada nessa teoria inclui fatores, como: mortalidade infantil, doenças cardíacas e cerebrovasculares, câncer e injúrias não intencionais. A proposta dessa teoria foi embasada na análise de uma grande base de dados dos Estados Unidos, levando em conta potenciais efeitos da pobreza e cor da pele nos resultados (KaWaCHI et al., 1997). Notícia Brasil vai produzir medicamento inovador contra tuberculose O que presidiários, você, tuberculose e câncer têm em comum? E como o enfoque epidemiológico social e clínico influem nessas relações? Clínicos percebem o quanto é eficiente unir todos os remédios do paciente em uma única dose, pois assim diminuem a chance de esquecimento e erros que comprometam o tratamento. Se isso é um problema para o paciente EpidEmiologia E BioEstatística 027 unidade 1 com acesso ao tratamento, é obviamente um problema muito maior para populações socialmente marginalizadas ou que vivem sem tratamentos adequados. Portanto, é relevante que informações epidemiológicas sociais, como a maior vulnerabilidade à tuberculose entre moradores de rua, justifiquem ações como a dose única e o direcionamento de esforços de saúde para determinados grupos. O câncer, por sua vez, entra nessa história na medida em que todos podemos desenvolvê-las, independente da população a que pertencemos. O tratamento para o câncer cria imunodepressão, que aumenta as chances de infecção por várias doenças, dentre essas, a tuberculose. Medicar moradores de rua, presidiários, portadores de HIV e indígenas diminui muito as chances de que você, em um eventual tratamento de câncer, contraia tuberculose, pois a “proteção do bando” diminui a probabilidade de contaminação por tuberculose. Nesse sentido, dose única para tuberculose, descrita na notícia, é uma medida muito conveniente e importante, pois reflete em toda a população. Fonte: VILLELa, Flávia. Brasil vai produzir medicamento inovador contra tuberculose. EBC Agência Brasil. 24 nov. 2014. Disponível em: <http:// agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-11/brasil-vai-produzir- medicamento-inovador-contra-tuberculose>. acesso em: 21 dez. 2016. a perspectiva do Curso da Vida considera que o contexto de vida de cada indivíduo determina aspectos da saúde (MaRMOt, 2001). Dois conceitos básicos são importantes para compreender essa teoria: fatores materiais que representam ganhos financeiros e bens associados; e fatores não materiais que correspondem ao sucesso em termos de posição hierárquica na sociedade. Um dos pontos de vista dessa teoria considera que ambos os fatores são importantes (MARMOT, 2002). Por outro lado, uma visão alternativa exclui o fator não material por falta de boas evidências (MACLEOD; SMITH, 2003). EpidEmiologia E BioEstatística 028 unidade 1 A Produção Social da Doença (LAURELL, 1981) implica em padrões de ocorrência de enfermidades relacionados com a organização social existente. por exemplo, de maneira geral, ao longo do tempo, as doenças infectocontagiosas têm deixado de ser incidentes, enquanto que as doenças cardíacas e deneoplasias estão no auge. Esse padrão é explicado pela estrutura social permitindo uma vida mais longa, contudo possibilitando o surgimento de doenças associadas à idade. O mesmo vale para classes sociais altas com maiores incidências de doenças cardiovasculares e do sistema nervoso central, e classes baixas com maiores incidências de doenças infectocontagiosas, em que os tipos de trabalho e a divisão social em classes explicam parte desses padrões. A Teoria Ecossocial (KRIEGER, 2002) une aspectos biológicos, sociais, históricos e ecológicos. O conjunto desses componentes forma a realidade em que o indivíduo e seu corpo se inserem e a maneira como a estruturação desses componentes é incorporada em diferentes níveis abaixo (sistemas fisiológicos, células) e acima (vizinhança, região, nação) do indivíduo e em distintos domínios (profissional, político, familiar). Juntamente com os componentes citados, os fatores tempo e espaço são levados em conta, e, nesse contexto, essa teoria pretende responder a seguintes questões: “quem e o que causa os padrões populacionais de saúde, doença e bem-estar no passado e no presente; e como as desigualdades sociais mudam os padrões populacionais da saúde?”. Mais do que simplesmente ser um conjunto das teorias citadas previamente e apenas reinterpretar fatores identificados por uma abordagem (ex.: biológica) sob o ponto de vista de outra (ex.: social), a teoria Ecossocial pretende viabilizar novas hipóteses. Justamente por abranger o indivíduo, seu corpo e aspectos biológicos, sociais e históricos, essa teoria tem sido utilizada em estudos epidemiológicos envolvendo questões relativas ao gênero e etnia. Justamente por abranger o indivíduo, seu corpo e aspectos biológicos, sociais e históricos, essa teoria tem sido utilizada em estudos epidemiológicos envolvendo questões relativas ao gênero e etnia. EpidEmiologia E BioEstatística 029 unidade 1 Epidemiologia, ou epidemiologias? O título desse subtópico corresponde ao editorial de 1990 da Revista de Saúde pública. a importância dos pontos de vista opostos é evidente nas palavras do editor, o médico epidemiologista Oswaldo paulo Forattini (1990, on-line): É pois evidente a tentativa de transformar a epidemiologia, dividindo-a em duas partes. Uma delas; inteiramente de ordem social, e a outra apenas como apêndice metodológico da ciência médica. Na primeira, está a pesquisa do conhecimento epidemiológico fundamentada na abordagem dos fatores sociais mediante a lógica do determinismo e da dialética. Na segunda, como refúgio da teoria da causalidade, dá- se ênfase aos fatores relacionados a problemas de ordem clínica. ao compararmos a Epidemiologia Clínica com a Epidemiologia Social nos tópicos anteriores, fica clara a carga prática da primeira e a carga teórica da segunda, bem como o enfoque clínico é detalhista e o social é generalista. O quanto essas distinções no modo de abordar o objeto de estudo implicam em separação ou conciliação entre as áreas depende do grau de interação entre componentes clínicos e sociais dos estudos epidemiológicos. Contudo, a opinião de Forattini é relevante nesse ponto: Em conclusão, o conhecimento epidemiológico deriva de pesquisa que, de maneira exclusiva, se interessa pelo seu desenvolvimento. Há que se evitar, por inconveniente, implicações desnecessárias, preservando a epidemiologia como campo único de estudo. E sem divisões conceituais que, sobre serem de pouca utilidade, somente propiciam a fragmentação estéril dessa ciência. Não há, e é de se duvidar que venha a haver a necessidade de mais de uma epidemiologia. A menos que pressões de outra ordem propiciem a criação de uma “epidemiologia política”. Mas isso nada terá a ver com a Ciência. “Teorias da Epidemiologia Social” autor: Isadora Oliveira EpidEmiologia E BioEstatística 030 unidade 1 Independentemente de haver uma conciliação ou uma divisão formal na disciplina, certamente a abordagem baseada em evidência terá um papel crucial no processo. Esses princípios que fundamentam a criação dos algoritmos baseados em evidência (tópico 2.1.5) podem ser o elo de conciliação em caso de unificação, ou em caso de separação, serão a via de comunicação entre as epidemiologias clínicas e sociais. QUESTÃO 4 - O enfoque da epidemiologia ao longo do tempo oscila entre assuntos clínicos e sociais. a corrente dos aspectos clínicos surge no final do século XIX com a teoria do germe, e continua até os dias atuais. Já a social surge no século XVI, mas ao longo do tempo perde a sua força, voltando apenas por volta de 1960, em meio a lutas sociais. atualmente, existem setores da epidemiologia que consideram que deva haver uma separação entre clínica e social. Diferencie essas duas vertentes. QUESTÃO 5 - atualmente, o campo da epidemiologia interage com vários aspectos das ciências sociais e humanas, como história, economia e política. Adicionalmente, aspectos biológicos e ecológicos como etnia, fatores ambientais e poluição também estão inseridos em vários conceitos epidemiológicos. Essas interações interdisciplinares se combinam sob a forma de teorias. É possível citar cinco teorias dentro da epidemiologia social. Compare as teorias: O gabarito se encontra no final da unidade. EpidEmiologia E BioEstatística 031 unidade 1 QUESTÃO 1 - a) Justificativa correta: Esse conceito reflete uma tentativa de explicação geral da epidemiologia, incluindo seus objetos de estudo: eventos relacionados à saúde e à população. QUESTÃO 2 - d) Justificativa correta: A amostragem corresponde à coleta de dados de uma parcela da população e a melhor forma de realizar a amostragem é representar toda a diversidade da população. QUESTÃO 3 - c) Justificativa correta: Independente da área em que a estatística é empregada, uma das suas principais finalidades é tornar explícitos padrões na distribuição dos dados analisados. QUESTÃO 4 - Sugestão de resposta: a epidemiologia clínica apresenta um estudo focado nos sintomas, alterações morfológicas e tratamento da doença. A epidemiologia social se preocupa em como as doenças estão distribuídas e quais são os fatores ambientais e sociais que influenciam a disseminação dessas doenças. Ou seja, o enfoque clínico é mais detalhista e o social é generalista. QUESTÃO 5 - Sugestão de resposta: a Ecoepidemiologia é baseada na necessidade de incluir aspectos socioambientais no processo de compreensão e tomada de ações epidemiológicas. Enquanto a Teoria do Capital Social não está associada com questões ambientais, mas sim em aspectos sociais que considera que a desigualdade monetária na população gera perda da cooperação entre pessoas que, por sua vez, levam a maiores taxas de mortalidade. Nesse caso, cooperação entre pessoas é uma das principais métricas consideradas como capital social. Já a perspectiva do Curso da Vida considera que o contexto de vida de cada indivíduo determina aspectos da saúde. A Produção Social da Doença também é focada no social e implica em padrões de ocorrência de enfermidades relacionados com a organização social existente. Por exemplo, de maneira geral, ao longo do tempo, as doenças infectocontagiosas têm deixado de ser incidentes, enquanto que as doenças cardíacas e de neoplasias estão no auge. Já a Teoria Ecossocial unifica aspectos biológicos, sociais, históricos e ecológicos. EpidEmiologia E BioEstatística 032 unidade 1 “Resumo da unidade” UNIDADE Princípios da saúde baseada em evidências para tomada de decisões em saúde • Definições • Evidências • Atividades de Fixação - Resposta EpidEmiologiaE BioEstatística 035 unidade 2 Definições imagine a seguinte situação: um paciente tem dor na região lombar. Ao fazer exames, recebe o diagnóstico de hérnia de disco. Entre fazer uma operação ou fisioterapia, o paciente prefere operar, pois considera que irá resolver seu problema mais rapidamente. Contudo, o profissional de saúde pondera que resolver usando fisioterapia pode ser menos arriscado, embora leve mais tempo. Os riscos e o tempo de recuperação dos dois procedimentos devem então ser levados em conta, então, como decidir? FIGURA 7 - Interação entre profissional de saúde e paciente Fonte: VadIM GUZHVa, 123RF. EpidEmiologia E BioEstatística 036 unidade 2 O contexto exposto anteriormente é uma das situações em que os princípios da saúde baseados em evidência podem ser usados. O uso desses princípios envolve atualização direcionada para resolver problemas práticos de saúde. Em epidemiologia e em todas as áreas da saúde, a atualização é extremamente importante para disponibilizar as melhores abordagens aos pacientes e populações expostas a algum risco. O conceito de “saúde baseada em evidência” (SBE) é derivado da “medicina baseada em evidência” (MBE), que é definida como: uso consciencioso, explícito e sensato da melhor evidência disponível na tomada de decisão sobre o cuidado ao paciente, acrescida da experiência do profissional da saúde e das preferências dos pacientes (SaCKEtt et al., 1996). Uma vez que essa proposta foi incorporada em outras disciplinas da saúde, o termo “médico” pode ser substituído para “profissional da saúde”, bem como ao lado do termo pacientes, é possível usar também “populações”. O início da prática baseada em evidência se deu no Canadá no início dos anos 1990 (CaStIEL; pÓVOa, s.d.). anos depois, na Inglaterra, a busca por otimização entre qualidade, eficiência e custos dos serviços de saúde promoveu ainda mais o uso da prática baseada em evidência (GERRISH; CLAYTON, 1998). Desde então, a SBE vem se desenvolvendo, existindo várias publicações sobre o assunto. Os conteúdos apresentados a seguir incluem tanto enfoque clínico no paciente, apresentado por Bosi (2012), quanto o enfoque epidemiológico na população. As ciências da saúde compartilham o objetivo de sempre cuidar do paciente ou da população. Ao usar a SBE, novas tecnologias em saúde (evidências) são encontradas. O emprego dessas inovações para a saúde do paciente não deve ser simplesmente baseado no achismo do profissional da saúde, mas sim no conhecimento científico por trás dessas inovações (SCHMIDT; DUNCAN, 2003). além disso, o método utilizado deve ser a melhor escolha em termos de eficácia, efetividade, eficiência, segurança, qualidade e custo. Em epidemiologia e em todas as áreas da saúde, a atualização é extremamente importante para disponibilizar as melhores abordagens aos pacientes e populações expostas a algum risco. EpidEmiologia E BioEstatística 037 unidade 2 A validação das ações baseadas em evidências aos pacientes (SaMpaIO et al., 2002) e o convívio com culturas profissionais que supervalorizam a rotina (MaRK; papadOpOULOS; SIGSWORtH, 1998) são algumas das primeiras situações encontradas pelo profissional de saúde ao utilizar a SBE. Outro desafio é a busca por boas evidências, proporcionadas por pesquisas de qualidades, publicadas geralmente na forma de artigos em revistas científicas. Geralmente, essas revistas indexadas são rigorosas na avaliação dos trabalhos, o que garante a qualidade do material publicado. a internet possibilitou um maior acesso a esses artigos. Essa disponibilidade facilita a escolha de evidências adequadas, utilizadas na prática para ações aliadas com conhecimento clínico, experiências, habilidades e valores adquiridos com base na observação e prática. Deste ponto em diante, a palavra “evidência” deve ser pensada principalmente como sinônimo de “artigos científicos contendo resultados inovadores e de boa qualidade”. QUESTÃO 1 - a busca constante de artigos é uma forma de atualização extremamente importante em epidemiologia, pois isso permite ao profissional da saúde melhores abordagens de tratamento e prevenção aos pacientes e populações expostas a algum risco. Relacionado a isso, existe o conceito de “saúde baseada em evidência” (SBE). Defina esse conceito. O gabarito se encontra no final da unidade. EpidEmiologia E BioEstatística 038 unidade 2 Aspectos teóricos de uma maneira simples e direta, uma dúvida é um problema que gera uma questão, que possui algumas respostas possíveis, chamadas de hipóteses (aZEVEdO, 2009), como pode ser visto no seguinte exemplo: Uma dúvida quanto ao melhor “procedimento” para prevenir a disseminação de uma doença em bairros → cria o problema sobre qual procedimento escolher → que se torna questão → qual procedimento é mais eficaz? → as possíveis respostas para essa questão são hipóteses: • o procedimento A é mais eficaz que o B; • o procedimento B é mais eficaz que o A; • os procedimentos A e B são igualmente eficazes. a simplicidade do exemplo apresentado anteriormente é proposital para apresentar o que é questão e o que é hipótese. Na prática dirigida por evidência, o exemplo anterior é complementado com algumas informações para construir uma questão bem formulada, na qual uma das hipóteses já é apresentada dentro da pergunta e informações sobre o objeto de estudo são adicionadas, compondo assim uma estrutura básica com informações sobre o (1) paciente/ população; (2) tratamento, diagnóstico ou agente de risco; (3) hipótese ou desfecho de interesse (Tabela 2). uma dúvida é um problema que gera uma questão, que possui algumas respostas possíveis, chamadas de hipóteses (2) TRATAMENTO, DIAGNÓSTICO OU AGENTE DE RISCO (3) HIPÓTESE OU DESFECHO DE INTERESSE PACIENTE POPULAÇÃO O procedimento A (tratamento) é mais eficiente que o procedimento B para prevenir a disseminação da doença X nas populações que vivem em bairros? TABELA 2 – Componentes básicos de uma questão bem formulada Fonte: BOSI, 2010 [adaptada]. EpidEmiologia E BioEstatística 039 unidade 2 Além da estrutura básica para se construir uma pergunta científica adequada no contexto da saúde baseada em evidência, existem quatro itens que também devem ser considerados, pois estes garantem a qualidade de uma boa pergunta. • (A) Situação clínica/epidemiológica (qual é o problema); • (B) Intervenção (qual é o tratamento de interesse a ser testado); • (C) Grupo de controle (nenhuma intervenção ou outra intervenção); • (D) Desfecho clínico (cura, falecimento, eliminação da doença na população). Mesmo que algum desses itens não estejam explícitos na questão, devem estar considerados no modo como a pesquisa por evidência será efetuada, ou seja, devem ser levados em conta em alguma das seguintes etapas: planejamento, análise estatística e conclusão. dessa maneira, as chances de ocorrerem erros ao longo de um projeto de pesquisa são menores. a Tabela 3, a seguir, aponta as equivalências entre os pontos básicos de uma questão (ver Tabela 2) e os itens que garantem a qualidade de uma questão. TABELA 3 – Relação entre os componentes básicos de uma questão e itens que garantem a qualidade de uma questão iteNs que garaNtem a qualidade de uma questão Intervenção (C) grupo de controle (D) desfecho clínico (A) situação clínica/ epidemiológica (doença) PoNtos básiCos de uma questão (2) Tratamento, diagnóstico ou agente de risco (3) Hipótese ou desfecho de interesse Paciente / população exemPlo O procedimento a É maiseficiente que o procedimento b Para prevenir a disseminação Da doença x nas populações que vivem em bairros? Fonte: BOSI, 2010 [adaptada]. EpidEmiologia E BioEstatística 040 unidade 2 Quanto mais atenção a situação real que gera a questão, melhor será a qualidade do projeto elaborado pela equipe de profissionais envolvidos e melhor será o resultado para o paciente (EpStEIN, 1999) (ref.) ou para a população. Além disso, quanto maior o tempo gasto, maiores serão os benefícios em termos de desenvolvimento e refinamento das capacidades críticas, práticas e técnicas de todos os colaboradores envolvidos. Contudo, é óbvio que o tempo gasto depende primordialmente da gravidade e limitações de cada caso, levando em conta os interesses do paciente ou população. As maneiras apresentadas para construir uma boa questão têm a finalidade de embasar aspectos metodológicos teóricos que garantam os melhores resultados possíveis, permitindo que o profissional de saúde, ao se deparar com uma dúvida, seja capaz de fazer e responder às seguintes perguntas: qual é o problema? Qual o diagnóstico? Que tipo de paciente/população? Como resolver/ atenuar o problema? Aspectos práticos O profissional iniciante na área de saúde possui dúvidas principalmente a respeito de aspectos gerais envolvendo a definição de doenças, construindo assim questões básicas. Contudo, ao longo da carreira surgirão questionamentos e dúvidas sobre o manuseio do paciente, a respeito de diagnóstico, tratamentos e prognóstico, sendo essas consideradas as questões clínicas. as questões básicas possuem as seguintes características: • Começam com: por que, como, quando, onde, o que, qual; • tratam de uma doença; • São relacionadas à etiologia, etiopatogenia, fisiopatologia e epidemiologia; Quanto mais atenção a situação real que gera a questão, melhor será a qualidade do projeto elaborado pela equipe de profissionais envolvidos e melhor será o resultado para o paciente EpidEmiologia E BioEstatística 041 unidade 2 • Exemplos: • Qual a causa da microcefalia associada ao vírus Zika? • por que o ebola causa hemorragias extremas? • Qual a frequência de mortalidade do ebola? As questões clínicas tratam dos cuidados de um paciente com uma doença específica e possuem as seguintes características: • A intervenção principal (ex.: exposição, método diagnóstico, fator prognóstico, tratamentos); • Uma intervenção de comparação; • desfechos clínicos; • Exemplos: • Os achados clínicos são suficientes para fazer um diagnóstico de pneumonia ou a radiografia do tórax é sempre necessária? • O prognóstico de um paciente com pneumonia comunitária tratado em ambulatório é pior do que aquele em nível hospitalar? Muitas questões de saúde construídas para a tomada de decisões baseadas em evidências misturam tanto aspectos das questões básicas quanto aspectos das questões clínicas. Profissionais envolvidos com a prática diária em hospitais são os mais favorecidos com as questões clínicas, pois lidam diretamente com o paciente. Por outro lado, profissionais que atuem com aspectos de saúde de domínio populacional são favorecidos, tanto com as questões básicas quanto com as questões clínicas. EpidEmiologia E BioEstatística 042 unidade 2 QUESTÃO 2 - O Zika Vírus, quando infecta uma grávida, pode desencadear processos que levam a várias mudanças no cérebro e no crânio do feto, resultando em microcefalia. Contudo, existem fetos com microcefalia associada ao Zika e fetos que apenas possuem crânios com medidas menores que a média. Por essa razão, um profissional se questiona: “Qual é a proporção de fetos com crânios pequenos que, de fato, apresentam microcefalia?” Dentro da classificação de dúvidas que ocorrem no contexto prático diário em um hospital, essa dúvida pode ser classificada como: a. É uma dúvida básica. b. É uma dúvida clínica. c. É uma dúvida social. d. É uma dúvida lógica. e. É uma dúvida ambulatorial. O gabarito se encontra no final da unidade. Uma boa estratégia é necessária para a construção de questionamentos adequados com dúvidas clínicas, básicas ou híbridas, contendo pontos principais e que tornam a questão relevante, otimizando entre os componentes relevantes e uma estrutura simples. Uma maneira prática e informativa para a construção de questões clínicas é por meio do ppR (LOpES, 2000). Nessa estrutura, a questão inclui dois componentes já citados: problema (P) e resultado (R), e apresenta o componente preditor (p), que corresponde a um fator de risco, de prognóstico ou de intervenção. A ordem dos componentes na construção da questão é a seguinte: Problema, preditor, Resultado (ppR). Uma boa estratégia é necessária para a construção de questionamentos adequados com dúvidas clínicas, básicas ou híbridas, contendo pontos principais e que tornam a questão relevante, otimizando entre os componentes relevantes e uma estrutura simples EpidEmiologia E BioEstatística 043 unidade 2 As questões estruturadas seguindo o PPR são perfeitamente adaptáveis no contexto epidemiológico, e a equivalência do PPR com os pontos básicos e os itens de qualidade é feita na Tabela 4. Nessa tabela, é possível notar que a abordagem ppR inclui todos os componentes básicos e que dão qualidade ao mesmo tempo que possui uma das estruturas mais simples de ser apresentada, sendo, portanto, uma boa opção para a construção de questões científicas para serem utilizadas na busca por evidências para a tomada de decisões em saúde. TABELA 4 – Relação entre os componentes básicos, itens que garantem a qualidade e a estrutura PPR na formulação de questões baseadas em evidência para tomada de decisões em saúde Itens que garantem a qualidade de uma questão (B) intervenção (C) grupo de controle (D) desfecho clínico (A) situação clínica/ epidemiológica (doença) Pontos básicos de uma questão (2) tratamento, diagnóstico ou agente de risco (3) hipótese ou desfecho de interesse (1) paciente / população EXEMPLO O procedimento A é mais eficiente que o procedimento B para prevenir a disseminação da doença X nas populações que vivem em bairros? EXEMPLO A doença X em populações de bairros nos quais o procedimento A foi utilizado ao invés do procedimento B é controlada de maneira mais eficaz? PPR P P R Fonte: BOSI, 2010 [adaptada]. EpidEmiologia E BioEstatística 044 unidade 2 Uma alternativa ao ppR é estratégia pICO, sendo estruturada com os seguintes componentes: • Paciente; População; Problema • Intervenção; Indicador • Comparação; Controle • Outcome -> inglês -> Resultado; Desfecho a Figura 8 exibe os itens constituintes na estratégia pICO. ambos os procedimentos contêm todas as estruturas teóricas necessárias para elaboração de uma boa pergunta no contexto da saúde baseada em evidências (Tabela 5). Na Tabela 6, temos alguns exemplos do uso da estratégia PICO em distintas situações. FIGURA 8 - Estratégia PICO e seus componentes estruturais Fonte: GLaSZIOU et al., 2003; SaNtOS; pIMENta; NOBRE, 2007 [adaptada]. EpidEmiologia E BioEstatística 045 unidade 2 TABELA 5 – Relação entre componentes básicos, itens que garantem a qualidade PPR e PICO na formulação de questões baseadas em evidência para tomada de decisões em saúde Itens que garantem a qualidade de uma questão INTERVENÇÃO (C) GRUPO DE CONTROLE (D) DESFECHO CLíNICO (A) SITUAÇÃO CLíNICA/ EPIDEMIOLÓGICA (DOENÇA) Pontos básicos de uma questão (2) Tratamento, diagnóstico ou agente de risco(3) Hipótese ou desfecho de interesse Paciente / população exemPlo O procedimento a É mais eficiente que o procedimento b Para prevenir a disseminação Da doença x nas populações que vivem em bairros? PPr P P R exemPlo A doença x em populações de bairros Nos quais o procedimento a foi utilizado ao invés do procedimento b É controlada de maneira mais eficaz? exemPlo A doença x, em populações de bairros Nos quais o procedimento a foi utilizado Ao invés do procedimento b, É controlada de maneira mais eficaz? PiCo P I C 0 Fonte: BOSI, 2010 [adaptada]. EpidEmiologia E BioEstatística 046 unidade 2 TABELA 6 - Exemplos de questões utilizando a metodologia PICO si t u a Ç ã o exemPlo P i C o questão C a so Um paciente de 34 anos com artrose sente dores agudas nos joelhos Homens, 34 anos, com artrose nas articulações do joelho Infiltração com ácido hialurônico Fisioterapia Diminuição de dor aguda Em homens adultos, a infiltração de ácido hialurônico comparado com fisioterapia, diminui dores agudas no joelho? et io lo g ia e F at o r es d e r is C o Os pais de um garoto de 5 anos com histórico de infecções repetidas na garganta consideram a retirada das amídalas, contudo eles se preocupam se a imunidade da criança será comprometida Crianças de 5 anos muito suscetíveis a infecções na garganta amigdalectomia Sem amigdalectomia Imunidade baixa Em crianças de 5 anos submetidas à amigdalectomia (comparadas com as que não se submetem), há menor imunidade no futuro? d ia g N Ó st iC o Uma senhora de 55 anos de idade acredita que o cateterismo possa apontar supostos problemas cardíacos que o ecocardiograma não diagnostica, uma vez que sua família apresenta histórico de cardiopatias Mulheres com 55 anos com histórico de cardiopatia na família cateterismo Alternativa menos invasiva - ecocardiograma Diagnóstico acurado Em mulheres idosas, o ecocardiograma é tão acurado quanto o cateterismo para diagnosticar cardiopatias? P r Ó g N Ó st iC o Uma mulher decide ser mãe aos 39 anos, contudo teme que sua idade avançada aumente as chances de complicações para ela e o feto Riscos para mãe e feto em mulheres grávidas aos 39 anos Gravidez em idades avançadas Gravidez em idades menos avançadas Complicações na gravidez para mãe e o feto Em mulheres ao redor dos 40 anos, as complicações na gravidez (em comparação com complicações em gravidez em mulheres mais jovens) são mais frequentes? Fonte: BOSI, 2010 [adaptada]. EpidEmiologia E BioEstatística 047 unidade 2 QUESTÃO 3 - É muito importante o modo como uma questão é construída para responder dúvidas sobre a temática da “saúde baseada em evidências”. Portanto, dúvidas nesse sentido devem apresentar tanto componentes básicos quanto qualitativos para garantir a melhor estruturação possível de um questionamento. Desse modo, qual é o significado das siglas PPR e PICO? a. passivo, pleno, resposta – preparo, indício, coleta, origem. . b. Alternativa: Preparo, plano, rastreio – política, internação, comando, ordem. c. Problema, preditor, resposta – paciente; intervenção; comparação; outcome d. alternativa: proposta, proatividade, comunidade – penalidade, incidência, compromisso, clínica, orçamento. e. Alternativa: Público, perfil, rotina – perímetro, interno, controle, órgão. O gabarito se encontra no final da unidade. De maneira geral, o fator tempo está sempre implícito na questão pICO, contudo, quando a variável temporal deve ser adicionada explicitamente à estratégia, recebe o nome de pICOt. Exemplo: a doença X, em populações de bairros nos quais o procedimento A foi utilizado ao invés do procedimento B, é controlada de maneira mais eficaz na época mais chuvosa? Nem todas as dúvidas vão poder ser respondidas usando os procedimentos apresentados, pois em determinados casos as evidências disponíveis podem não corresponder a situações reais. Além disso, sempre surgirão dúvidas que não foram abordadas em nenhum tipo de estudo. Essas situações contribuem para indisponibilizar evidências para muitas questões. EpidEmiologia E BioEstatística 048 unidade 2 portanto, é crucial o desenvolvimento de capacidades profissionais e pessoais oportunas para ultrapassar dificuldades na obtenção de boas evidências. Essa postura de aperfeiçoamento é fundamental para a prática da saúde baseada em evidências para a tomada de decisões. Por outro lado, essa limitação serve de estímulo para profissionais atuarem na criação de evidências adequadas para os demais, uma vez que tanto os novos problemas quanto trabalhos com baixa qualidade criam uma demanda por evidências de boa qualidade. Evidências é crucial o desenvolvimento de capacidades profissionais e pessoais oportunas para ultrapassar dificuldades na obtenção de boas evidências. FIGURA 9 - Pesquisa em saúde Fonte: StOKKEtE, 123RF. EpidEmiologia E BioEstatística 049 unidade 2 o acúmulo de informações de saúde é cada vez maior ao longo do tempo, aumentando as chances de que variados problemas de saúde sejam estudados e as informações estejam disponíveis. Entretanto, mesmo utilizando as dúvidas bem formuladas para iniciar uma busca otimizada, essa grande massa de informação é intimidadora. Apenas a acumulação de dados é contraprodutiva, pois dificilmente quem deseja uma informação específica irá encontrá-la em meio a todos os outros dados sem um mecanismo eficiente de busca rápida. Essa situação demanda curadoria adequada e um sistema de busca rápido, fácil e eficiente. Nesta seção, serão apresentadas formas do pesquisador poder responder as questões sobre saúde baseada em evidências apresentadas anteriormente, utilizando ferramentas disponibilizadas na internet. Como em várias outras áreas do conhecimento, cada vez mais existe o uso da informação disponível on-line, o que torna extremamente relevante o conhecimento desse mecanismo de busca. Encontrando evidências Uma vez que as evidências são publicações, representadas em grande parte por artigos em revistas científicas, o armazenamento desses dados deve permitir o acesso fácil ao conteúdo. Isso é feito por meio das bases de dados, que em termos práticos são como grandes bibliotecas na internet. toda biblioteca tem meios de acessar determinada publicação usando um sistema de busca, no caso das bases de dados on-line, o mecanismo de busca utiliza principalmente palavras-chave que são capazes de reunir todo o material relativo ao termo escolhido. Uma vez que as evidências são publicações, representadas em grande parte por artigos em revistas científicas, o armazenamento desses dados deve permitir o acesso fácil ao conteúdo. EpidEmiologia E BioEstatística 050 unidade 2 O gerenciamento das revistas científicas e seus artigos nas bases de dados é feito usando o sistema de indexação, que corresponde a atribuir um índice a cada revista, analogamente ao índice de um livro, permitindo assim o acesso direto à revista que contenha alguma informação relacionada à palavra-chave utilizada. Desse modo, uma palavra-chave se relaciona a um artigo em uma revista por meio da indexação. A relação indexador~palavras-chave é feita sem obedecer nenhuma estrutura,
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