Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI SERVIÇOS PÚBLICOS INTRODUÇÃO Para que uma atividade seja considerada serviço público, o ordenamento jurídico do Estado em questão deverá dizer que é. Razões históricas, políticas e econômicas norteiam o legislador na definição das atividades que considerará serviço público. Para que uma atividade seja considerada serviço público, basta ser tida como tal pela lei. A Constituição Federal é o primeiro diploma para análise, verificando-se as atividades que seu legislador tratou como serviço público. Depois, analisa-se a legislação infraconstitucional que também poderá definir atividades outras, não incluídas na Constituição Federal, como serviço público, desde que não invada o campo da atividade econômica, deixado pelo constituinte à livre iniciativa dos particulares (art. 170). Assim é que, por exemplo, o artigo 21, X, da Constituição Federal dispõe que o serviço postal e o correio aéreo nacional são serviços públicos, como também o é o serviço de gás canalizado, tratado no artigo 25, § 2º, da Constituição Federal. O legislador infraconstitucional também define atividades não constantes da CF como serviço público, dentro do limite já tratado, valendo como exemplo, na esfera municipal, o serviço funerário. Trata-se de atividade que não foi definida na carta magna como serviço público e igualmente não enquadrável como atividade econômica, daí porque a disposição do legislador municipal considerando serviço público. Diante, então, de uma atividade considerada serviço público, cuja titularidade é do Estado, o regime jurídico aplicável é o de direito público. Paralelamente aos serviços públicos, existem os serviços governamentais, cuja noção será feita de modo breve. O Estado, além de titularizar serviços públicos, pode, excepcionalmente, exercer atividade econômica e, quando assim age, não presta serviço público, mas apenas serviço governamental. A exploração da atividade econômica pelo Estado dá-se nos termos do artigo 173 da Constituição Federal, ou seja, quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme estabelecido em lei. O Estado também pode explorar a atividade econômica em regime de monopólio, conforme artigo 177 da Constituição Federal. Nas hipóteses, o Estado valer-se-á de empresas pública e de sociedades de economia mista, submetidas ao direito privado, embora sujeito a derrogações pelo direito público. Diante disso, pode-se apontar a seguinte conclusão: o Estado presta serviços públicos e também serviços governamentais (estes não são serviços públicos haja vista a divergência de regime a que se submete). CONCEITO Maria Sylvia Zanella di Pietro define o serviço público como “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público”. Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, considera serviço público “toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – 2 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – , instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo”. Para Hely Lopes Meirelles “serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controle estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado”. ELEMENTOS De qualquer um dos três conceitos acima, é possível destacar três elementos básicos: o elemento subjetivo, o elemento material e o elemento formal. O ELEMENTO SUBJETIVO É o Estado o titular do serviço público, que poderá prestá-lo centralizadamente – por meio dos próprios órgãos que formam a Administração Direta das pessoas políticas (União, Estados- membros, Municípios e Distrito Federal) – ou descentralizadamente – por meio de pessoas criadas pelo Estado para tal fim ou mediante concessão ou permissão. O ELEMENTO FORMAL Corresponde ao regime jurídico de direito público aplicável ao serviço público. Ressalte-se que alguns autores, como é o caso da Maria Sylvia Zanella di Pietro, consideram que o regime jurídico a que se submete o serviço público pode ser total ou parcialmente público. Assim, para os serviços públicos que não sejam caracterizáveis como comerciais ou industriais (conforme classificação adiante feita), o regime jurídico é de direito público. Para os serviços públicos comerciais ou industriais, o regime jurídico é híbrido, podendo ser aplicável o regime jurídico de direito público ou privado, dependendo do caso. O pessoal das estatais, que presta serviço comercial ou industrial, é regido pela CLT, com algumas derrogações por normas de direito público; os bens das estatais, que não sejam afetados ao serviço público, submetem-se ao direito privado, ocorrendo o inverso com os bens afetados à realização do serviço público. O ELEMENTO MATERIAL O serviço público corresponde a uma atividade de interesse público, conforme definido em lei. PRINCÍPIOS Podem ser destacados os seguintes princípios aplicáveis ao serviço público: o da continuidade do serviço público, o da igualdade dos usuários e o da mutabilidade do regime jurídico. O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO Também denominado princípio da permanência do serviço público. Significa que o serviço público deve ser prestado sem interrupção ou suspensão. Esta a razão porque no campo dos contratos administrativos, não se admite, via de regra, a invocação da “exceção de contrato não cumprido” pelo contratado e se conferem à Administração Pública as prerrogativas de rescindir unilateralmente o contrato por inadimplência do contratado 3 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI ou por interesse público e de utilizar bens e pessoal do contratado para dar continuidade à execução do serviço. No que se refere ao exercício da função pública, pela aplicação do princípio da continuidade, destaca-se a questão referente à greve, a ser exercida nos termos e limites estabelecidos em lei. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS USUÁRIOS Chamado ainda de princípio da universalidade ou da generalidade, significa que o serviço público deve ser prestado indistintamente ao público em geral; desde que o interessado em usufruir um serviço público satisfaça as condições legais, ele tem direito à efetiva fruição do serviço; não se admitem diferenças de caráter pessoal. O PRINCÍPIO DA MUTABILIDADE DO REGIME JURÍDICO Pode ser ainda denominado como princípio da flexibilidade dos meios aos fins. Como o interesse público é cambiável, isto é, modificável no tempo e no espaço, não há direito adquirido, de quem quer que seja, que impeça a modificação na prestação do serviço público para o bom atendimento do serviço público. Assim é que nos contratos administrativos pertinentes à prestação de serviço público, admite- se a alteração unilateral das cláusulas regulamentares ou de serviço, como também a rescisão unilateral do contrato, tudo por motivo de interesse público. Trata-se da presença das cláusulas exorbitantes e derrogatóriasde direito comum, cuja aplicação decorre do princípio ora tratado. Há quem destaque este princípio com o nome de princípio da eficiência. CLASSIFICAÇÃO A classificação dos serviços públicos varia conforme o doutrinador. Destaca-se a mais usual: SERVIÇOS PÚBLICOS EXCLUSIVOS E NÃO EXCLUSIVOS DO ESTADO São serviços públicos exclusivos aquelas atividades que somente podem ser prestadas pelo Estado ou por quem dele receba delegação. Exemplo: o serviço de transporte coletivo urbano. O particular poderá receber a incumbência de exercer o serviço público, mediante, ordinariamente, concessão e permissão de serviço público. São serviços públicos não exclusivos do Estado as atividades que, ao mesmo tempo, podem ser prestadas pelo Estado e pelos particulares, sendo que, nesta última hipótese, o particular não recebe delegação do poder público. Se a atividade for prestada pelo Estado, haverá serviço público. Se a atividade foi prestada pelos particulares, não haverá serviço público, mas atividade particular. São exemplos dos serviços públicos não exclusivos do Estado: saúde, previdência social, assistência social e educação. Eventual ingerência das normas de direito público quanto ao controle e à fiscalização dos serviços públicos não privativos do Estado é decorrente do Poder de Polícia. SERVIÇOS UTI SINGULI E UTI UNIVERSI Serviços uti singuli ou individuais são os que são prestados a usuários certos e determinados, podendo ser mensurada a utilização que cada um faz do serviço público. São remunerados por taxa ou tarifa, excluindo-se a remuneração por imposto.Ex: serviço de água e energia domiciliar. 4 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI Serviços uti universi ou gerais são os que são prestados à coletividade em geral, sem possibilidade de aferição do quantum cada membro da coletividade usufrui o serviço público. Daí porque devem ser remunerados por impostos. Ex: serviço de iluminação pública, de segurança, de saneamento, etc. Ressalte-se que quanto ao serviço de iluminação pública está prevista a instituição de contribuição no art. 149A da CF. SERVIÇOS PÚBLICOS (PROPRIAMENTE DITOS) E SERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA O critério de diferenciação entre os serviços públicos propriamente ditos e os serviços de utilidade pública é a essencialidade ou não do serviço. Caracteriza-se como serviço público propriamente dito o prestado pela Administração Pública para a sobrevivência da sociedade e do Estado, tal como o serviço de preservação da saúde pública. São chamados de pró-comunidade. O serviço de utilidade pública, por sua vez, visa a oferecer uma utilidade ao administrado para lhe propiciar maior conforto. São chamados também de prócidadão. Ex: o serviço de transporte coletivo, de água domiciliar, de telefone. Para Hely Lopes Meirelles, os serviços públicos propriamente ditos somente podem ser prestados pelo Poder Público, sem delegação a terceiros, haja vista envolverem atos de império e medidas compulsórias em relação aos administrados. Já os serviços de utilidade pública podem ser prestados pela Administração Pública ou por seus delegados. Há quem repudie a classificação, como o faz Antônio Carlos Cintra do Amaral, na obra Concessão de Serviço Público, Malheiros Editores: “Outro equívoco é falar-se em serviço essencial. A prestação dos serviços públicos é dever do Poder Público, que pode prestá-los direta ou indiretamente. Se uma determinada atividade foi definida pelo ordenamento jurídico como “serviço público”, ela é essencial à comunidade. Não há serviços públicos essenciais e serviços públicos não-essenciais. Nem serviços públicos mais essenciais e menos essenciais. O Poder Público tem o dever de prestar, adequada e continuamente, todos os serviços públicos, como tais definidos pelo ordenamento jurídico. Pode simplesmente optar entre a prestação direta e indireta. É possível distinguir serviços públicos de utilização obrigatória, como o fornecimento de água e esgotamento sanitário, e de utilização facultativa, como os demais. Mesmo essa distinção, porém, não significa que haja serviços públicos mais importantes (ou essenciais) do que outros. Todos são, à luz do Direito, igualmente importantes (ou essenciais)”. SERVIÇOS PÚBLICOS PRÓPRIOS E SERVIÇOS PÚBLICOS IMPRÓPRIOS Os serviços públicos próprios correspondem às atividades assumidas pelo Estado como suas, podendo prestá-las centralizada ou descentralizadamente. Os serviços públicos impróprios correspondem às atividades econômicas desenvolvidas pelos particulares, mas sujeitas à fiscalização e controle do Poder de Polícia. Na verdade, os serviços públicos impróprios não são considerados serviços públicos no sentido técnico-jurídico do termo. Corresponde ao que parte da doutrina denomina de serviços públicos autorizados. Ex: serviços de seguro e previdência privada, de táxi, de despachantes, de guarda particular de residências e estabelecimentos. Hely Lopes Meirelles confere conteúdo divergente à classificação. Para o autor, a diferença entre serviços públicos próprios e impróprios reside no critério da essencialidade ou não do serviço somado ao sujeito que o exerce. Assim, serviços próprios “são aqueles que se relacionam intimamente com as atribuições do Poder Público (segurança, polícia, higiene e saúde públicas) e 5 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI para a execução dos quais a Administração usa de sua supremacia sobre os administrados. Por esta razão só devem ser prestados por órgãos ou entidades públicas sem delegação a particulares”. Serviços públicos impróprios “são os que não afetam substancialmente as necessidades da comunidade, mas satisfazem a interesses comuns de seus membros e por isso a Administração os presta remuneradamente, por seus órgãos, ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais) ou delega a sua prestação a concessionários, permissionários ou autorizatários”. SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS, COMERCIAIS OU INDUSTRIAIS E SOCIAIS Serviços administrativos são os executados pela Administração com a finalidade de atender suas necessidades internas, bem como para preparar outros serviços que serão prestados à sociedade. Hely Lopes Meirelles cita os serviços da imprensa oficial e os das estações experimentais. O serviço comercial ou industrial é conceituado por Maria Sylvia Zanella di Pietro como “aquele que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para atender às necessidades coletivas de ordem econômica”. Trata-se dos serviços de transportes, energia elétrica, telecomunicações e outros previstos nos artigos 21, XI e XII, e 25, § 2º, da CF. Para Hely Lopes Meirelles, os serviços comerciais ou industriais correspondem com aquelas atividades prestadas nos termos do artigo 173 da Constituição Federal. No entanto, nesta hipótese, não se tem serviço público, mas serviço governamental, como visto inicialmente. Serviços sociais são os que visam a atender aos direitos sociais do homem. Admite-se a atuação do Estado e também da iniciativa privada. Ex: saúde, previdência, cultura, meio ambiente, educação. FORMAS DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO Já se viu que o serviço público é de titularidade do Poder Público. No que se refere à prestação do serviço público, no entanto, é possível que seja efetivada pelo próprio Estado (por seus órgãos) ou por pessoas alheias. No primeiro caso, fala-se em Administração Centralizada e, no segundo, em Administração Descentralizada. Há centralização sempre que o Estado presta a atividadeadministrativa por si mesmo, através de suas repartições interiores, ou seja, seus órgãos. A descentralização pode se dar mediante a criação, pelo Poder Público, de uma pessoa jurídica de direito público ou privado a quem se transfere a titularidade e a execução de determinada atividade administrativa. Igualmente ocorre a descentralização ao se transferir somente a execução de certa atividade a uma pessoa jurídica de direito privado previamente existente. Hely Lopes Meirelles entende que o Estado pode criar pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela outorgar a titularidade e a execução de um serviço público, como pode simplesmente delegar a execução de um serviço público a um particular já existente: “A distinção entre serviço outorgado e serviço delegado é fundamental, porque aquele é transferido por lei e só por lei pode ser retirado ou modificado, e este tem apenas sua execução traspassada a terceiro, por ato administrativo (bilateral ou unilateral), pelo que pode ser revogado, modificado ou anulado, como o são os atos dessa natureza”. Embora a autarquia seja a pessoa jurídica melhor talhada para prestar um serviço público, tendo em vista sua personalidade de direito público, constata se que foram criadas pessoas jurídicas de direito privado que receberam a titularidade e a execução de serviço público. Como 6 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI ressalta Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “a diferença está em que os privilégios e prerrogativas são menores, pois a entidade só usufrui daqueles expressamente conferidos pela lei instituidora e reputados necessários para a consecução de seus fins”. Celso Antônio Bandeira de Mello é de opinião divergente. Sustenta que somente a pessoa jurídica de direito público é que pode titularizar o interesse público. As sociedades de economia mista e as empresas públicas, tendo em vista a personalidade jurídica de direito privado, podem receber tão somente a incumbência de prestar uma atividade pública, não podendo titularizar dita atividade. Não se deve confundir descentralização administrativa com desconcentração administrativa. Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, a descentralização difere da desconcentração “pelo fato de ser esta uma distribuição interna de competências, ou seja, uma distribuição de competências dentro da mesma pessoa jurídica. A descentralização supõe a existência de, pelo menos, duas pessoas entre as quais se repartem as competências”. A hierarquia, vínculo de autoridade que une os órgão e agentes, numa relação de superior a subalterno, somente existe onde haja desconcentração, não existindo na descentralização. Havendo descentralização, a entidade descentralizada está sujeita apenas a controle ou tutela por parte da pessoa jurídica que optou pela descentralização de certa atividade. A DESCENTRALIZAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO Como se viu, ocorre a descentralização do serviço público se o Estado cria pessoa jurídica, pública ou privada, para sua prestação, ou apenas se transfere o exercício do serviço público a um particular já existente. O Estado pode, então, criar as seguintes pessoas para a prestação do serviço público: autarquias, fundações governamentais, empresas públicas e sociedades de economia mista. Todas estas pessoas fazem parte da Administração Indireta. Se o Estado transferir a atividade para um particular já existente, haverá, basicamente, concessão ou permissão de serviço público. Os concessionários e permissionários de serviço público não fazem parte da Administração Indireta, ao menos segundo o Decreto-lei nº 200/67 que cuida da organização administrativa da União. Elas estariam incluídas na Administração descentralizada, mas não indireta. Lamentável a disciplina legislativa a respeito da matéria porque deveria coincidir o conceito de Administração Indireta com o de Administração Descentralizada, tal como coincide o de Administração Direta com o de Centralizada. Em doutrina, no entanto, os autores, por vezes, usam indistintamente as expressões Administração Indireta e Administração Descentralizada. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA São pessoas que compõem a Administração Pública Indireta: as autarquias, as fundações, as empresas públicas e as sociedades de economia mista. Cada uma delas será tratada a seguir. AUTARQUIAS CONCEITO E CARACTERÍSTICAS São pessoas jurídicas de direito público, criadas por lei, para a prestação de um serviço público. 7 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI Celso Antônio Bandeira de Mello define as autarquias como “pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa”. O Decreto-lei nº. 200/67, que trata da organização administrativa federal, conceitua a autarquia sem fazer referência ao traço que efetivamente interessa: a personalidade jurídica de direito público. Confira-se: “autarquia é o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”. As autarquias têm em comum com as pessoas políticas (União, Estados membros, Distrito Federal e Municípios), a personalidade jurídica de direito público, apartando-se, no entanto, por não possuírem capacidade política ou autonomia, mas tão somente capacidades administrativa, financeira e técnica. Por possuírem personalidade jurídica de direito público, alguns autores entendem que as autarquias são predispostas a prestar serviço público, definindo as como serviços públicos descentralizados. Também em decorrência da personalidade jurídica de direito público é que as autarquias se submetem a regime jurídico de direito público, fazendo jus aos mesmos privilégios e prerrogativas da Administração Pública, bem como se sujeitando às mesmas restrições. Seus atos são administrativos, dotados dos atributos da presunção de legitimidade e veracidade, imperatividade, autoexecutoriedade e tipicidade. Os seus contratos são administrativos, marcados pela presença das cláusulas exorbitantes e derrogatórias de direito comum. Seus bens são públicos e impenhoráveis. A execução contra a autarquia submete-se ao disposto no artigo 100 da Constituição Federal e aos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil. Têm privilégios processuais: juízo privativo, prazos dilatados (em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar), duplo grau de jurisdição. CRIAÇÃO E EXTINÇÃO As autarquias devem ser criadas por lei específica, conforme o disposto no artigo 37, XIX, da Constituição Federal. Vale dizer, para a criação de cada autarquia, há que se existir lei própria. Da mesma forma, para extinção, há a necessidade de lei específica. Trata se da aplicação do princípio do paralelismo das formas. CONTROLE OU TUTELA A autarquia não está sujeita à hierarquia da pessoa política que se decidiu pela sua criação, mas apenas submetida ao controle ou tutela a ser exercido pela pessoa política responsável pelo seu surgimento. Trata-se de controle destinado a assegurar que a autarquia cumpra seus fins institucionais. Na esfera federal recebe o nome de Supervisão Ministerial (Decreto-lei nº. 200/67). Os poderes do controlador não se presumem, só existem na exata extensão conferida por lei. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o controle “é o poder que assiste à Administração Central de influir sobre elas com o propósito de conformá-las ao cumprimento dos objetivos públicos em vista dos quais foram criadas, harmonizandoas com a atuação administrativa global do Estado”. 8 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI RESPONSABILIDADE DAS AUTARQUIAS As autarquias respondem pelas suas obrigações, com responsabilidade subsidiária da pessoa política que as instituiu. Conforme artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, as autarquias têm responsabilidade objetiva pelos danos causados pelos seus agentes. CLASSIFICAÇÃO DAS AUTARQUIAS As autarquias podem ser classificadas: Quanto à capacidade administrativa: 1 ) geográfica ou territorial: possui capacidade genérica para exercer as múltiplas atividades no âmbito de seu território. No Brasil, é o caso dos territórios federais. 2 ) de serviço ou institucional: possui capacidade específica. Ex: INSS. Quanto à estrutura: 1 ) fundacional: é a de base patrimonial, são as fundações governamentais com personalidade de direito público. Ex: a maioria das universidades públicas. 2 ) corporativa: é a de base associativa. Ex: CREA, CRM. Com relação às autarquias corporativas que fiscalizam o exercício das profissões, como ocorre com o CREA e o CRM, têm competência para exercer a chamada polícia das profissões, que originariamente seria atribuição do poder público. Assim, as autarquias corporativas têm competência para a fiscalização do exercício profissional e para exercer o poder disciplinar. O poder público transfere tal atribuição às ordens profissionais. Trata-se de autarquias sob regime especial, notadamente porque seus dirigentes são escolhidos pelos próprios pares, mediante eleição, bem como porque não se sujeitam a controle ou tutela por parte da Administração Centralizada. Há autores, como Odete Medauar, que sustentam não fazerem tais autarquias parte da Administração Indireta. Quanto à OAB, a doutrina sempre a considerou como autarquia sob regime especial. O Superior Tribunal de Justiça, embora dissentindo quanto à natureza da contribuição parafiscal que a OAB recebe, bem como quanto à legislação a que se submete a execução de seus créditos, ora reconhecendo a aplicação da Lei 6.830/80, ora reconhecendo a aplicação do Código de Processo Civil, afirma que a OAB é autarquia sob regime especial, excluindo-a do controle ou tutela por parte da Administração Direta. No entanto, o STF, na ADIN 3.026-4/DF, entendeu que a OAB não é entidade da Administração Indireta da União, considerando-a como um serviço público independente e excluindo-a do elenco das autarquias especiais e estabelecendo que não está sujeita a controle da Administração. A decisão foi proferida na apreciação da constitucionalidade do artigo 79, parágrafo 1º, da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB). Como bem ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Com essa decisão, a OAB passa a ser considerada como pessoa jurídica de direito público no que esta tem de vantagens (com todos os privilégios da Fazenda Pública, como imunidade tributária, prazos em dobro, prescrição quinquenal, etc.), mas não é considerada pessoa jurídica de direito público no que diz respeito às restrições impostas aos entes da Administração Pública direta e indireta (como licitação, concurso público, controle). A decisão é absolutamente inaceitável quando considera que a OAB, da mesma forma 9 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI que as demais entidades profissionais, desempenha atividade típica do Estado (poder de polícia, no qual se insere o poder disciplinar) e, portanto, função administrativa descentralizada pelo Estado. Ela se enquadra tanto no conceito de serviço estatal descentralizado, que constava da Lei nº 6.016/43, como se enquadra como atividade típica do Estado, constante do artigo 5º, I, do Decreto- lei nº 200. O acórdão do Supremo Tribunal Federal, com todo o respeito que é devido à instituição, criou uma fórmula mágica para subtrair a OAB do alcance das normas constitucionais pertinentes à Administração Pública indireta, quando essas normas imponham ônus ou restrições, sem, no entanto, retirar-lhe os privilégios próprios das demais pessoas jurídicas de direito público” (Direito Administrativo, 22ª edição, pág. 432). AGÊNCIAS REGULADORAS As agências reguladoras são autarquias sob regime especial. A existência de autarquias sob regime especial não configura novidade em nosso Direito. Assim é que as universidades são autarquias sob regime especial, visto que gozam de um teor de independência maior em relação às demais autarquias, submetidas que estão a dirigentes escolhidos pela própria comunidade acadêmica, para cumprimento de mandado a prazo certo, o que reduz a ingerência do Poder Executivo. A inovação, então, está na utilização da nomenclatura “agência reguladora”, de inspiração norte-americana. As agências reguladoras são, portanto, autarquias sob regime especial, criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades. Podem ser destacadas as seguintes atividades sujeitas à fiscalização e controle das agências atualmente existentes: 1 ) serviços públicos privativos do Estado: ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), criada pela Lei 9.427/96; ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), criada pela Lei 9.472/97; ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), criadas pela Lei 10.233/01; ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), criada pela Lei nº 11.182/05. 2 ) serviços públicos não privativos do Estado: ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, antes ANVS, criada pela Lei 9.782/99; denominada ANVISA pela MP 2.190-34/01); ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), criada pela Lei 9.961/00; 3 ) atividades de fomento e fiscalização de atividade privada: ANCINE (Agência Nacional do Cinema), criada pela MP 2.281/01, alterada pela Lei 10.454/02; 4 ) atividades relacionadas com a indústria do petróleo: ANP (Agência Nacional do Petróleo), criada pela Lei 9.478/97; 5 ) atividades relacionadas com o uso do bem público: ANA (Agência Nacional de Águas), criada pela Lei 9.984/00. A QUESTÃO MAIS TORMENTOSA RESIDE EM SABER: EM QUE CONSISTE O PODER REGULADOR DE TAIS AGÊNCIAS? Como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, “em linha de princípio, a resposta não é difícil”. Tendo em vista o princípio da legalidade a que se submete a Administração Pública, nenhum ato normativo, portanto inferior à lei, pode criar direitos e obrigações inovando inicialmente na ordem jurídica. 10 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI Conclui o autor que “as determinações normativas advindas de tais entidades hão de se cifrar a aspectos estritamente técnicos, que estes, sim, podem, na forma da lei, provir de providências subalternas,... Afora isto, nos casos em que suas disposições se voltem para concessionários ou permissionários de serviço público, é claro que podem, igualmente, expedir as normas e determinações da alçada do poder concedente ou para quem esteja incluso no âmbito doméstico da Administração. Em suma: cabe-lhes expedir normas que se encontrem abrangidas pelo campo da chamada “supremacia especial”. Quanto ao aspecto técnico, por exemplo, a Lei 9.782/99, que criou a ANVISA, deu competência para estabelecer normas e padrões sobre “limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam riscos à saúde” (art. 7º, IV), cabe à Agência, por exemplo, explicitar o que se deva entender por contaminante, resíduo tóxico, desinfetante, etc, definindo os padrões e limites,questões eminentemente técnicas. OUTRA INDAGAÇÃO REFERE-SE AO REGIME ESPECIAL A QUE SE SUJEITAM AS AGÊNCIAS REGULADORAS. AFINAL, EM QUE CONSISTE TAL REGIME? Analisando-se as leis criadoras das agências reguladoras verifica-se que o único traço diferencial em relação às demais autarquias diz respeito à investidura e fixidez do mandato dos seus dirigentes. Os dirigentes devem ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal. Cumprem mandato a prazo certo. A fixidez do mandato impede que o Presidente da República exonere “ad nutum” os dirigentes das agências reguladoras. Relevante, ainda, indagar se o mandato do dirigente da agência reguladora pode exceder o mandato do governante que o nomeou. Para Celso Antônio Bandeira de Mello isso não é possível, visto ferir prerrogativas constitucionais do novo governante. AGÊNCIAS EXECUTIVAS A agência executiva foi inicialmente tratada na Lei 9.649/98 (dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios). Qualifica-se como agência executiva a autarquia ou fundação pública que tenha um plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional em andamento e haja celebrado contrato de gestão com o respectivo Ministério Supervisor. O Executivo dará à agência assim qualificada maior autonomia de gestão e assegurará o repasse de recursos para cumprimento das metas constantes do contrato de gestão, pelo prazo mínimo de um ano.A qualificação como agência executiva será feita por Decreto. A autarquia ou fundação qualificada como agência executiva goza de um benefício acrescentado à Lei nº. 8.666/93 pela Lei nº. 9.648/98, qual seja: a ampliação dos limites de isenção ao dever de licitar (vide artigo 24, § único da Lei nº. 8.666/93, com a redação dada pela Lei nº. 9.648/98). AS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS A Lei 11.107, de 06 de abril de 2.005, instituiu, como sub-espécie de autarquia, as associações públicas. 11 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI Referida lei disciplina a celebração do consórcio público entre os entes federados, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, estabelecendo que tal consórcio poderá se constituir em pessoa jurídica de direito público, denominada de associação pública. No caso, os entes federados assinam um protocolo de intenções, que deverá ser ratificado pela assembléia legislativa de cada um deles. Ao fazê-lo, cada ente federado estará criando, no interior de sua respectiva estrutura administrativa, uma associação pública. Ter-se-á, s.m.j., uma autarquia interfederativa. 12 DIREITO ADMINISTRATIVO PROFª CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI PERGUNTAS: 1) Como saber se uma certa atividade é considerada serviço público? 2) Diferencie os serviços públicos dos serviços governamentais. 3) Quais são os elementos do serviço público? Fale sobre eles. 4) Quais são os principais princípios do serviço público? Fale sobre eles. 5) Diferencie os serviços públicos exclusivos dos não exclusivos do Estado. 6) Diferencie os serviços públicos uti singuli dos uti universi. 7) Diferencie os serviços públicos propriamente ditos e dos serviços de utilidade pública. 8) Diferencie os serviços públicos próprios dos serviços públicos impróprios. 9) O que são serviços públicos administrativos, serviços públicos comerciais ou industriais e serviços públicos sociais? 10) Quais são as formas de prestação do serviço público? 11) Como pode se dar a descentralização do serviço público? Compare a outorga e a delegação de serviço público. 12) Quais são as entidades que compõem a Administração Indireta, segundo a legislação brasileira? 13) O que são e como são criadas as autarquias? 14) A que regime jurídico se submetem as autarquias? Explique. 15) A autarquia está sujeita à hierarquia da pessoa política que decidiu pela sua criação? Explique. 16) Fale sobre a responsabilidade das autarquias. 17) Classifique as autarquias quanto à capacidade administrativa e quanto à estrutura, explicando. 18) O que são Agências Reguladoras? Em que consiste o poder regulador de tais agências? 19) O que são Agências Executivas? 20) O que é o contrato de parceria público-privada? 21) Diferencie a concessão patrocinada da concessão administrativa no contrato de parceria público-privada? 22) O que é consórcio público? 23) O que são associações públicas?
Compartilhar