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PINTO, Anibal A CEPAL e o Problema do Progresso Técnico

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3
ANIBAL PINTO
A CEPAL E O PROBLEMA DO PROGRESSO TÉCNICO1
Á dedicação da CEPAL às questões relativas ao progresso
técnico ou, se se quer, à ciência e tecnologia, possui facetas algo
paradoxais. De um lado, à luz de seus trabalhos e documentos,
parece claro que o tema não tem sido uma de suas inquietações
principais. De outro lado, no entanto, não há dúvida de que o
assunto constitui um dos pilares teóricos daquilo que generica-
mente se denomina pensamento da CEPAL.
Desde seu inicio, com efeito, a instituição identificou esse
aspecto como um dos núcleos de sua concepção do sistema centro-periferia.
A respeito, podem citar-se muitas proposições que, de certo modo, chegaram
a ser clássicas na literatura econômica da região. Esta, certamente, é uma das
mais conhecidas e importantes:
"A propagação universal do progresso técnico desde os países origi-
nários ao resto do mundo tem sido relativamente lenta e irregular, se
se toma como ponto de enfoque o de cada geração. Ao longo do
período que transcorre desde a revolução industrial até a primeira
guerra, as novas formas de produzir na qual a técnica tem-se manifestado
incessantemente só abarcaram uma reduzida proporção da população
mundial.
O movimento inicia-se na Grã-Bretanha, continua com diferentes graus
de intensidade no continente europeu, adquire um impulso extraordi-
nário nos Estados Unidos, e abarca o Japão, quando este país se
empenha em assimilar rapidamente os modos ocidentais de produzir.
Foram formando-se assim os grandes centros industriais do mundo,
em torno dos quais, a periferia do novo sistema, vasta e heterogênea,
tinha escassa participação no melhoramento da produtividade." (CE-
PAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1949, pág. 3)
À primeira vista, a análise da assimetria na evolução e comportamento
daquele elemento fundamental não revela todas as suas implicações. No
entanto, a tese não só contradisse uma suposição até então dominante,
mas também abordou o exame das conseqüências e projeções dessa dispari-
dade sobre uma série de aspectos primordiais do problema do desenvolvi-
mento e do subdesenvolvimento.
Sobre o primeiro, é sabido que as duas correntes principais que aflo-
raram e prevaleceram no século XIX e ainda rivalizam neste — a que poderia
chamar-se liberal e a marxista —, coincidiam na visão de que o capitalismo
estender-se-ia urbi et orbi, reproduzindo em termos gerais as economias
centrais. Naturalmente, ambas as perspectivas diferiam em alto grau a res-
peito dos custos sociais da transformação e seus destinos posteriores, mas as
73
duas, vale a pena reiterar, confiavam em que a revolução das formas e modos
de produção — o progresso técnico, enfim — limparia os caminhos do desen-
volvimento das travas materiais, institucionais e culturais que amarravam as
comunidades pré-capitalistas em fases incipientes da evolução do sistema.2
Duas guerras mundiais e as grandes convulsões políticas e sociais da
primeira metade deste século romperam essa ilusão do século XIX. Era
evidente que, salvo contadas exceções - quase sempre de verdadeiras filiais
dos países centrais (como os domínio britânicos) - cem anos de laissez-faire,
livre comércio, irrestrito movimento de capitais e de ordem internacional
pós-napoleônico, não haviam logrado aquela suposta participação geral e
cada vez maior das potencialidades criadas pelo incessante avanço tecnoló-
gico. Pelo contrário, acentuara-se ainda mais a dicotomia centro-periferia,
mantiveram-se as funções tradicionais na divisão internacional do trabalho e
os contrastes relativos aos níveis de vida e à dinâmica de crescimento.
Apesar da evidência, não proliferaram análises e diagnósticos econô-
micos dessa realidade. Uma prova reveladora é constituída por boa parte da
produção jurídica e institucional, que se seguiu ao fim da Segunda Guerra
Mundial, a qual essencialmente procurava ressuscitar e fazer respeitar as regras
do jogo da ordem internacional pré-bélica. Da mesma forma, em outras
partes, primavam as explicações políticas, nas quais tudo terminava por ser
atribuído às relações de tipo Ímperíalista entre centro e periferia.
O fenômeno, com certeza, era muito mais complexo e para seu escla-
recimento contribuíram numerosos estudos solitários. Não é possível fazer
um inventário completo e justo de todos eles, mas pode-se afirmar sem
jactância que os documentos básicos da CEPAL e, certamente, a contribuição
pessoal do Dr. Raul Prebisch, fazem parte desse esforço.3
Escapa ao propósito e limite deste trabalho uma exposição detida das
novas concepções sobre o assunto em debate. Mas em relação ao tema que se
desenvolve é indispensável tentar uma formulação sintética das idéias da
CEPAL sobre progresso técnico e a operação do sistema centro-periferia.
Como se pode perceber no texto reproduzido, em primeiro lugar, se
contrastam os "diferentes graus de intensidade" com que se propagam "os
modos ocidentais de produção", com a "lenta e irregular" transmissão desse
processo "desde os países originários ao resto do mundo". Daí, pois, deriva
(ao contrário da suposição do século XIX) a tendência à concentração das
conquistas no pólo avançado, enquanto "a periferia do novo sistema, vasta
e heterogênea, tinha escassa participação no melhoramento da produtivi-
dade". Em poucas palavras, concentração de um lado, marginalização (rela-
tiva e absoluta) do outro.4
A que deveria atribuir-se esta evolução? No essencial existem dois
elementos. Por um lado, estão os diferentes perfis estruturais predominantes
74
no centro e na periferia. As economias industrializadas caracterizam-se pela
diversificação de seu aparelho produtivo, sua integração interna, sua relativa
homogeneidade, sua especialização manufatureira no comércio mundial e sua
condição de investidores e credores internacionais, o que redunda em altos
níveis de renda e elevada capacidade de acumulação e de criação científico-
-tecnológica.5
Falta esboçar o contraponto das realidades da periferia. Basta anotar
que, com as particularidades nacionais ou regionais do caso, sobressaem
traços bem diferentes e, em seus extremos, opostos.
Por outro lado, está o esquema de relações entre as duas esferas, deter-
minado principalmente por suas funções respectivas na divisão internacional
do trabalho.
Não é possível, nem necessário, voltar as digressões nesta matéria.
Lembremos somente a tese fundamental sobre a deterioração da relação de
preços do intercâmbio das economias primário-exportadoras.6 Ela sustenta,
por um lado como se sabe, que esse mecanismo permite aos países centrais
apropriar-se de uma parte variável dos incrementos da produtividade nas
exportações da periferia., e, por outro, reter para si os benefícios de seu
próprio progresso técnico.7
Note-se bem, porque é importante, que os contrastes estruturais e as
conseqüências da diferente especialização na economia internacional (por
exemplo a deterioração da relação de preços do intercâmbio) são facetas
complementares, mas diferentes, na existência e operação do sistema
centro-periferia. Dito de outra maneira, a concentração do progresso
técnico (e seus frutos) nas economias centrais (e a relativa marginalização
da periferia a este respeito) deriva, em primeiro lugar, do contraste
nos perfis estruturais já destacados. O comportamento dos preços rela-
tivos, por seu lado, acrescenta e reforça a tendência - a diferenciação
e distanciamento das duas esferas do sistema, mas não é a causa primordial
do fenômeno.
Colocando o problema em termos mais polêmicos, poder-se-ia sustentar
com fundamento que a "exploração" da periferia (implícita nas tendências
da relação de preços e, inclusive, nas transferências a título de serviço das
inversões) é secundária no conjunto de fatores que determinam o dinamismo
e crescimento das economias centrais e sua diferenciação a respeito da
periferia. Para confrontá-lo bastaria comparar a magnitude dasinversões
geradas internamente com o montante dos ganhos provenientes das fontes
antes mencionadas. No entanto, do ângulo da periferia, a exação ou transfe-
rência, feita segundo esses títulos, pode ter uma significação essencial para
suas possibilidades de acumulação, tanto mais se se leva em conta sua depen-
dência do exterior enquanto a bens de capital e divisas.
75
Este resumo muito rápido não tem por objeto chamar a atenção sobre a
preocupação e nexos gerais da atividade intelectual da CEPAL com os assun-
tos vinculados ao progresso técnico. O que se tenta mostrar é que as análises
e discussões sobre ciência e tecnologia — ao menos face aos problemas e
tarefas do desenvolvimento econômico e social — não podem desprender-se do
contexto global e do funcionamento e relações do sistema centro-periferia.
Só assim é possível vislumbrar as raízes profundas da chamada "brecha tecno-
lógica", como também compreender que o problema correlacionado da
concentração do progresso técnico nas economias centrais e a marginalização
relativa da periferia só pode resolver-se, à medida que se modifiquem os dados
e contrastes estruturais que o originam e também as formas de relaciona-
mento das duas esferas.
RECOLOCAÇÃO DO TEMA NO QUADRO DA INDUSTRIALIZAÇÃO
PERIFÉRICA E OS NOVOS NEXOS INTERNACIONAIS
Não há dúvida de que a digressão geral sobre esta matéria deve reformu-
lar-se à luz das importantes mudanças acarretadas pela diversificação dos
aparelhos produtivos nos decênios de pós-guerra, especialmente nas economias
latino-americanas de maior desenvolvimento relativo. São vários os aspectos
principais que reclamam atenção.
Em primeiro lugar, não há dúvida de que no interior dessas economias
ocorre um fenômeno visível de difusão do progresso técnico, que abarca todos
os setores, principalmente a indústria, os serviços privados e públicos vincu-
lados a essa atividade e, em menor grau, a parte das explorações agro-
-pecuárias. Transforma-se assim o padrão consagrado na fase de "crescimento
para fora", que no que respeita ao melhoramento dos níveis de produtividade,
tinha-se circunscrito ao chamado complexo exportador-importador, estabele-
cendo um quadro de "dualismo tecnológico" mais ou menos acentuado
segundo as realidades nacionais.8
Em segundo lugar, se bem que aquele processo em suas etapas iniciais
(grosso modo até o princípio ou meio dos anos cinqüenta), tenha se desen-"
volvido sem maior participação do' capital e da iniciativa estrangeira e dentro
do marco restrito dos mercados nacionais, houve uma modificação patente
nos períodos posteriores, sobretudo a partir da segunda metade dos anos
sessenta. '
De um lado, reforça-se a presença e papel das inversões externas, as
quais passam a ter uma significação primordial na nova diversificação do
sistema produtivo e, particularmente,nas atividades mais dinâmicas do
76
espectro industrial e dos serviços comerciais e financeiros complementares.
Com isso se produz uma ruptura decisiva com respeito aos destinos tradi-
cionais desse empreendimento: as exportações primárias e os serviços pú-
blicos.
Por outra parte, dilata-se e faz-se mais completa a representação do
setor externo de muitas destas economias, seja pelo fato anterior, seja
porque o dinamismo e os créditos dos países centrais permitem ampliar as
correntes de exportação e importação, seja porque começam a adquirir
algum relevo as exportações de manufaturas, seja, finalmente, porque os
acordos regionais e sub-regionais ajudam a superar o que, em seu tempo, a
CEPAL chamou industrialização em compartimentos estanques. Tudo isto,
em algumas das experiências mais dinâmicas, foi denominado um processo de
"internacionalização" das economias latino-americanas.
Seria absurdo negar a transcendência dessas e outras mutações asso-
ciadas, tanto mais quando se tem presente os principais argumentos críticos
a respeito dos inconvenientes e limitações do modo pretérito de relaciona-
mento internacional. Se antes se insistia na renúncia ou oposição do capital
estrangeiro na participação no desenvolvimento industrial e nas atividades
dirigidas ao mercado interno, agora, evidentemente acontecia o contrário, e
não somente para fabricar cosméticos ou bebidas gasosas. Se, em outro
tempo, lamentava-se a falta de canais adequados para conduzir o progresso
tecnológico das economias centrais para esta parte da periferia, agora, princi-
palmente através das empresas internacionais, parecia estabelecer-se uma
correia de transmissão, que sanava em alto grau este problema. E assim
poder-se-ia continuar com este contraponto.
Mas o reconhecimento e a valorização dessas mudanças não anula, mas
sim exige uma recolocação crítica da nova situação; não convém reproduzir
velhas posturas fora de contexto histórico, mas apreender a nova realidade que
emergiu no último decênio.
A preocupação com a intensidade, qualidade e condições da trans-
ferência de progresso técnico, e com o estado claramente insatisfatório
da criação e adaptação nacionais ou regionais da ciência e da tecnologia, é
testemunha de que as mudanças registradas têm estado longe de satisfazer as
aspirações latino-americanas na matéria.
Difundem-se, assim, reflexões críticas sobre a amplitude e as tendências
daquela difusão do progresso técnico que tem trazido consigo esta nova etapa
da diversificação produtiva, assim como seus reflexos sociais. Indo ao cerne
da questão: tem aumentado as dúvidas quanto à capacidade do processo para
estender-se a todo o corpo econômico e, dessa maneira, conseguir uma
integração e homogeneização do sistema que estabeleça as condições para
uma participação real e equitativa da grande maioria da população.
77
Com efeito, e sem negar absolutamente as mudanças antes assinaladas,
parece evidente que a dita extensão dos avanços da produtividade no
âmbito interno tem se circunscrito essencialmente a certas zonas metropoli-
tanas ou urbanas, a determinadas regiões e ao conjunto de empresas privadas e
públicas que compõem o chamado "estrato moderno" destas economias.
Os antecedentes desta situação básica são conhecidos e não é possível
reproduzi-los aqui em detalhe.9 No entanto, vale a pena ter presente as
dimensões aproximadas do problema. De acordo com estimativas a respeito
da situação da América Latina em seu conjunto, o chamado estrato ou
setor moderno empregaria ao redor de 15% da população ativa e geraria mais
de 60% da produção total. No outro extremo do espectro da produtividade
regional encontrar-se-iam as atividades do estrato "primitivo" ou de subsis-
tência, que ainda absorvem mais ou menos um terço da força de trabalho,
mas cuja contribuição ao produto não chega a 10%. Se comparamos as produ-
tividades por homem ocupado, comprovaremos que a do estrato moderno é
ao redor de seis vezes superior à média da economia, enquanto que a do
"primitivo" é inferior à quinta parte dessa média. Esta realidade, como é
óbvio, contrasta de maneira nítida com o perfil relativamente homogêneo das
economias industrializadas e também, seja dito de passagem, com o dos
sistemas infra-desenvolvidos, nos quais prima uma sorte de "homogeneidade
na pobreza".
A situação que emergiu significou deixar para atrás — pelo menos nas
economias de médio e maior desenvolvimento relativo - aquele esquema de
dualismo tecnológico, que pode ser característico do passado, abrindo
passagem para uma realidade muito mais complexa, com profunda heteroge-
neidade estrutural.
Esta, como se expõe num trabalho de Estúdio Econômico de América
Latina, 1973, poderia definir-se como uma situação:
" . . . em que existem grandes diferenças de produtividade e 'moderni-
dade' entre os setores de atividade econômica, e dentro deles, mas ao
mesmo tempo existem complexos vínculos de intercâmbio, domínio e
dependência dentro de uma 'estrutura' sócio-econômica nacional: em
contraposição a supostas situações 'dualistas', nas quais coexistemno
território nacional duas estruturas sócio-econômicas — uma 'moderna' e
outra 'tradicional' ou 'primitiva' -, com escasso intercâmbio entre elas
e pouca influência mútua.10
Como inevitável conseqüência dessa particular heterogeneidade das
atividades produtivas — e apesar de que este, por certo, não seja o único fator
que influi na matéria, os frutos do progresso técnico têm tendido a serem
78
acaparados de preferência por aqueles que se encontram mais vinculados
organicamente aos núcleos produtivos e territoriais do estrato moderno.11
Em outras palavras, uma difusão parcial e seletiva do progresso técnico tem
levado a uma nova modalidade de concentração do mesmo e, o que é mais
importante, de seus frutos. A relação entre os dois aspectos percebe-se muito
claramente se se considera a natureza dos bens e serviços que produzem
de preferência o setor modernizado. Em geral eles estão destinados, direta ou
indiretamente, a satisfazer os módulos de consumo dos grupos de maiores
rendas. À guisa de ilustração podem se considerar as cifras do quadro 1, que
mostram a participação de diversos estratos de renda no consumo dos bens e
serviços principais. Como poder-se-á verificar, os bens de consumo duráveis,
da mesma maneira que o serviço básico (transporte, moradia), são absorvidos
Quadro nº 1
AMÉRICA LATINA:a/ PARTICIPAÇÃO DE DIFERENTES
ESTRATOS DE POPULAÇÃO NO CONSUMO TOTAL
POR ALGUNS ITENS DE CONSUMO
(Ao redor de 1970)
Estratos de
população
Rubros de consumo
Alimentos, bebida e
tabaco
Indumentária
Moradiab/
Transporte
Bens de uso durável
Automóveis (compra)
Casas e apartamentos
(compra)
Móveis
Artefatos elétricos e
mecânicos
Total
20%
mais
pobre
5
2
2
1
1
-
2
2
1
3
50%
mais
pobre
23
14
15
5
6
1
9
5
5
15
20%
anterior
ao 10%
mais rico
29
32
29
25
26
13
29
16
37
28
10%
mais
rico
29
42
44
64
61
85
54
74
50
43
Total
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
Fonte: Estimativas da CEPAL à base de pesquisas nacionais.
a/ Média estimada à base de informações da Argentina, Brasil, Colômbia, Chile,
México, Paraguai, Peru, Honduras e Venezuela.
b/ O item moradia inclui: aluguéis, artigos têxteis para o lar, combustíveis, eletri-
cidade, gás, água e domésticas.
79
principalmente pelos 10% de renda mais alta. Como é óbvio, a média latino-
-americana esconde muitas diferenças nacionais.
PONTOS DE VISTA CONTRASTANTES
Nesta matéria, como se sabe, rivalizam dois pontos de vista centrais,
com todas as variedades e matizes de rigor. Por um lado, o daqueles que
sustentam que a difusão restrita do progresso técnico e seus benefícios — e a
modalidade ou estilo de desenvolvimento que envolve - não permite abrir
passagem a uma homogeneização do sistema a uma participação social
generalizada e, sobretudo, à superação do problema da pobreza crítica de
uma parte apreciável da população. Por outro lado, estão aqueles que pensam
que a resolução do problema depende basicamente da intensidade e persis-
tência do crescimento. Na medida que este se mantenha com taxas suficiente-
mente altas e em período bastante prolongado, posteriormente se conseguirão
aqueles objetivos, como ocorreu nas economias centrais. Este enfoque é o que
se chamou de "gotejamento" (trickledown effect).
Não é possível reproduzir aqui toda a cadeia de argumentos e réplicas
da polêmica. Como toda discussão projetada no tempo, regateia contestações
decisivas enquanto se fazem antecipações dificilmente demonstráveis da
futura evolução. Tal é o caso, por exemplo, da contenção importante da
primeira Unha de pensamento no sentido de que, pela sua própria natureza, a
modalidade atual de desenvolvimento não poderia alcançar as taxas de cresci-
mento necessárias e persistir durante o longo tempo requerido para conseguir
os propósitos buscados. Da mesma natureza é a objeção de que um eventual
endurecimento das tensões sociais frustraria esse caminho ou impediria de
contar com os prazos adequados para que essa forma de crescer materialize
toda sua potencialidade.12 Em ambos os casos, como em outros semelhantes,
não há lugar para vereditos inapeláveis.
Apesar disso, os antecedentes disponíveis autorizam investigar perspec-
tivas e opções razoáveis, ao menos para o conjunto da região, a qual, como se
compreende, gravitam consideravelmente as realidades de algumas de suas
economias maiores, como as do Brasil e México.
É o que se tem feito em diversos documentos da CEPAL,13 os
quais não deixam dúvidas a respeito de duas coisas: a) os obstáculos
manifestos que encontraria a modalidade prevalecente de desenvolvimento
para sustentar seu passo e, inclusive, perpetuar-se, ainda que sobre a base
de suposições bastante otimistas, e b) a improbabilidade de que se modere
a inclinação em direção à concentração do progresso técnico e de seus
frutos.
80
Conclusões similares, além do mais, derivam da experiência do decênio
passado, em especial no que se refere às tendências da distribuição da renda.
Se partimos do critério justificado de que existem relações patentes,
embora não simétricas, entre a concentração do progresso técnico e a estru-
tura mais ou menos polarizada da renda, as mudanças na segunda deveriam
lançar alguns indícios significativos sobre o grau de irradiação dos melhora-
mentos da produtividade.
O Quadro 2 apresenta alguns antecedentes principais sobre a matéria,
que refletem aproximadamente as mudanças ocorridas entre 1964 e 1970 na
participação de diferentes grupos sociais na renda da região.
Se atentarmos primeiro à metade inferior da pirâmide distributiva, é
fácil verificar que quase não se têm alteradas as participações dos 50% mais
pobres, igualmente que a dos sub-grupos correspondentes aos 30% inferiores
e aos 20% que precedem. Por outro lado, no entanto, têm havido pequenos
Quadro nº 2
AMÉRICA LATINA: INGRESSOS PER CAPITA EM DÓLARES
DE 1970 E MUDANÇAS NA PARTICIPAÇÃO DOS
DIFERENTES ESTRATOS SÓCIO-ECONÔMICOS NO
INGRESSO TOTAL DA REGIÃO
Estratos
30% mais pobres
20% seguintes
50% mais pobres
20% seguintes
20% anteriores ao
10% mais altas
10% mais altas
5% mais altas
Total
Participação na
renda total
que corresponde
a cada estrato
1960 1970
5,3
8,1
13,4
14,1
24,6
47,9
33,4
100,0
5,0
8,9
13,9
13,9
24,6
44,2
29,9
100,0
Incremento
per capita
dólares de
1970 a/
1960 1970
77
177
116
307
536
2.076
2.912
436
93
250
155
389
783
2.475
3.347
560
Incremento
da renda
per capita
Percen- Dólares
tual de 1970
19,7
40 0
32,6
25,9
45,3
17,7
14,1
27,5
16
73
39
82
247
399
435
124
Fonte: Estimativas da CEPAL com base em pesquisas nacionais.
Nota: A distribuição média da América Latina em 1970 se estimou à base de
informações de: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, México, Paraguai,
Honduras, Venezuela.
a/ Corresponde ao conceito de renda pessoal per capita.
81
incrementos absolutos de cada um dos estratos, com a particularidade de que
os 30% mais pobres exibem uma elevação menor que a média (19,7% contra
27,5% do total) e um insignificante aumento absoluto (16 dólares por habi-
tante no decênio). Em troca, os 20% que precedem assinalam um melhora-
mento percentual superior à média (40% face aos 27,5%) e uma maior
disponibilidade por habitante de 73 dólares em 1970, que pode comparar-se
com a do conjunto que chega a 124 dólares.
A respeito desta parte da estrutura, em conseqüência, ressalta a virtual
imobilidade da renda dos 30% mais pobres e um pequeno progresso dos 20%
seguintes, que lhes permite incrementar sua renda de 177 a 250 dólares por
habitante entre 1960 e 1970. De qualquer maneira, note-se bem, este modesto
avanço não obsta que, em conjunto, os 50% mais pobres só tenham mantido
sua cota no total da renda. Se bem que isso lhes permitiu elevar suarenda por
habitante em 32,6%, isto só significou em 1970 uma maior disponibilidade de
39 dólares anuais.
As mudanças parecem mais significativas no que respeita aos 50% de
renda mais alta. Apesar de que a representação percentual do conjunto, como
é lógico, também não se modifica: registram-se deslocamentos internos mais
marcados.
Salta à vista, desde logo, a elevação da cota correspondente aos 20%
anteriores aos 10% mais altos, que passa de 24,6% a 28%, o que representa o
incremento mais alto da renda por pessoa (45,3% contra uma média global
de 27,5%) e um aumento absoluto de 247 dólares em 1970 (face a 124 do
conjunto). Entretanto, como se vê, os 20% que se encontram sobre os 50%
mais pobres, mantêm aproximadamente suas posições relativas e exibem um
incremento absoluto de só 82 dólares ao fim do período, quantidade similar à
conseguida pelo 20% que lhes seguem na estrutura distributiva (73 dólares).
Por outro lado, o que pode surpreender à primeira vista, é que tanto
os 10% como os 5% de renda superior reduziram sua participação e, pelo
mesmo, os incrementos de suas rendas por pessoa são inferiores que os do
total (17,7 e 14,1%, respectivamente, face a 27,5%). Esta verificação, no
entanto, perde bastante de sua força ao se ter presente que as mudanças
absolutas de renda significam 399 dólares e 435 dólares de aumento para
cada um desses estratos, face ao melhoramento médio de 124 dólares, aos 39
dólares que corresponderam aos 50% mais pobres e aos 16 dólares que rece-
beram a mais os 30% da base da pirâmide.14.
De qualquer maneira, numa apreciação global, as variações anotadas
indicam uma certa "desconcentração na cúpula", relativa mas não insignifi-
cante e que favorece claramente ao grupo constituído pelos 20% anteriores
aos 10% mais altos, sem modificar as sensíveis vantagens absolutas nos níveis
mais altos.
82
Esta não é a ocasião para entrar numa análise detida da natureza e
repercussões dessas mutações.15 O que interessa para esta discussão é deixar
claro que a variedade de desenvolvimento recente tem alterado muito pouco
os níveis de renda e, por derivação, as condições de vida de uma grande parte
da população, em especial do terço mais pobre.
Pelo mesmo motivo e em relação ao ponto principal que se discute,
existe razão para se pensar que o progresso técnico não se tem difundido, ou o
tem feito em grau muito mesquinho, nas atividades onde se ocupa aquela
fração considerável dos habitantes.
CONTRADIÇÕES, RESPONSABILIDADES E POSSIBILIDADES
DO PROGRESSO TÉCNICO
O exposto anteriormente induz a examinar algumas questões muito
debatidas a respeito da significação, as responsabilidades e as possibilidades
do progresso técnico no desenvolvimento econômico-social.
Desde logo, como já se viu nas colocações iniciais da CEPAL, poucos
enfoques do processo de desenvolvimento deixam de assinalar seu papel
crucial, sobretudo se este é entendido na acepção mais ampla, que envolve
os avanços em matéria de organização, capacitação e gestão.
Apesar disso, os critérios atuais também refletem uma apreciação mais
crítica e, se se quer, desconfiada a respeito de sua incidência social.
Esta atitude ambivalente sem dúvida nutre-se do renovado testemunho
histórico sobre as contradições inerentes ao arranco do potencial científico
e tecnológico. A relação entre este e as artes destrutivas de guerras e conflitos
constitui, certamente, a raiz primeira cada vez mais inquietante dessas cavi-
lações. Mas a elas têm-se unido outras, não tão patentes e dramáticas como a
assinalada, mas de enorme e admitida transcendência para o futuro da huma-
nidade, como são os reflexos sobre o meio natural e a qualidade da vida, as
deformações de uma "economia do desperdício" ou as visões futuristas (e
pessimistas) sobre uma sociedade cibernética.
Estes critérios, até agora e com razão, têm se alastrado, de preferência,
nos países industrializados. Naqueles da periferia, em troca, predomina ainda
uma avaliação muito mais otimista e acrítica sobre o significado e contri-
buição do progresso técnico. Também são claras as causas deste modo de
pensar, que provêm tanto de estados incipientes de desenvolvimento como
da imagem evidentemente atrativa que continuam projetando as nações
centrais para a grande maioria.
Apesar disso, é fácil apreciar que países como os nossos já experimen-
taram algumas conseqüências daninhas do avanço tecnológico — como a
extração maciça e às vezes acompanhada de desaparecimento, de recursos
83
naturais não renováveis — eles enfrentam ainda outras dificuldades numa
fase prematura de sua evolução, como as congestões metropolitanas e todas
suas seqüelas concomitantes. Como se tem dito, na adolescência de sua mo-
dernização sofrem muitos mal-estares da idade adulta das civilizações indus-
triais ou pós-industriais, segundo a denominação de alguns.
Esta reflexão crítica deve servir, num primeiro momento, para nos
proteger de todo fetichismo tecnológico ou tecnocrata, que suponha que as
grandes incógnitas, desafios e tarefas do desenvolvimento da sociedade podem
resolver-se única ou principalmente com maiores doses de progresso técnico,
transferido ou criado; modificando as proposições de recursos dedicados à
pesquisa e desenvolvimento; melhorando as condições de aquisição e serviços,
ou estabelecendo o tecido institucional adequado. Todos estes são objetivos
legítimos e desejáveis, mas, ao fim, constituem apenas requisitos necessários
mas não suficientes.
Por outro lado, seria tanto mais errôneo supor, como às vezes se faz,
que o progresso técnico por si só é responsável pelas deficiências e proble-
mas, que se diagnosticam tanto nas economias industrializadas como naquelas
em via de desenvolvimento. Nem uma coisa nem outra; não é ele nem é o
elemento providencial nem é o grande causador dos mal-estares contempo-
râneos. Esta observação, certamente, não nega quer sua importância decisiva
no curso geral dos processos, quer sua influência no aparecimento ou agrava-
mento de muitos e sérios problemas. Na verdade, superando tais critérios,
cada vez se discerne, com maior clareza, que a questão está subordinada
aos marcos sociais e institucionais em que se desenvolve o progresso técnico.
Isto é, que o fundamental assenta em para que, para quem e como se emprega
e se mobiliza o potencial de avanço tecnológico.
Para circunscrever melhor o assunto, tome-se como ilustração a experi-
ência latino-americana comentada anteriormente.
Como se observou, a maior intensidade e difusão dos melhoramentos
da produtividade não extinguiu e, pelo contrário, às vezes agravou, alguns
velhos problemas da evolução regional, como as disparidades inter-setoriais
e intra-setoriais, os desníveis entre zona rural e urbana e entre regiões, a
repartição desigual da renda, a insuficiência do emprego ou as inclinações
(conjunturais e estruturais) ao desequilíbrio externo.
Mas esta realidade, evidentemente, não se pode atribuir só ou principal-
mente à influência da absorção científico-tecnológica, apesar de que seja
provável que as características da mesma tenham contribuído, em algum
grau e forma, para sua presença e evolução. Diversas análises da CEPAL, diga-
-se de passagem, deixaram evidente, faz tempo, algumas incongruências
básicas dessa transferência com respeito ao quadro que prevalece nas econo-
mias adolescentes.16
84
A raiz do assunto, como já se adiantou, está nas modalidades de cresci-
mento, que os países seguem ou escolhem ao determinar o caminho e os
destinos do progresso técnico. Dito de outra maneira, a uma estratégia implí-
cita ou expressa de atribuição de recursos corresponde outra, e coincidente,
de assimilação e utilização do avanço tecnológico.
Não é esta a ocasião para desentranhar o complexo feixe de elementos
históricos, econômicos e sócio-políticos que estão atrás daquela eleição ou
prática estratégica. Falta muito, além do mais, para elaborara teoria ou
hipótese satisfatória sobre a matéria.17
No entanto, essa consideração fundamental ajuda a colocar em termos
mais apropriados a discussão sobre as "responsabilidades" do progresso
técnico. Assim, por exemplo, poder-se-á argüir se a política ou a absorção
tecnológica tem cumprido cabalmente suas funções em relação à intensidade,
custos ou racionalidade das ações dentro do marco social de referência,
mas sem dúvida seria equivocado atribuir-lhe a origem dos problemas identifi-
cados, ou a falta de atenção ou correspondência ante objetivos comunitários,
que não estão presentes ou não conseguiram prioridade nas estratégias
nacionais de desenvolvimento.
Deste ângulo, em conseqüência, as alternativas para a política tecnoló-
gica seriam claras. Desde que mantida a modalidade de crescimento seria
preciso, no essencial, ajustar-se a ela e cumprir seus compromissos com a
maior eficiência possível. Se, pelo contrário, se pretendesse que ela operasse
de outra maneira e tendo em vista outras finalidades, seria condição indis-
pensável que estas últimas fossem estabelecidas por uma nova estratégia
econômica e social.
Em ambos os casos poder-se-ia sustentar que o progresso técnico é uma
variável dependente. O termo, no entanto, é pouco feliz na medida em que
sugere um fenômeno passivo ou reflexo. Não é nem um nem outro, como
bem se sabe, pela razão poderosa de que existem influências recíprocas entre
o estilo de desenvolvimento e o que fazer tecnológico, ainda que o primeiro
elemento seja o dominante. Sustenta-se com razão que as modalidades do
progresso técnico têm contribuído em "algum grau e forma" para a presença
e ainda agravamento de certos problemas chaves do crescimento latino-
-americano, do mesmo modo, pode-se argumentar que poderia contribuir ao
alívio dos mesmos e à materialização de outro padrão de desenvolvimento.
A questão, além do mais, deve colocar-se à luz das circunstâncias e
inquietações da política econômica latino-americana. Com diversos acentos
e orientações, em diferentes marcos político-institucionais, aflora na região
uma preocupação crescente frente aos problemas não resolvidos ou criados
pelas modalidades de desenvolvimento. Ela transparece nos pronunciamentos
públicos, nos planos de ação e nos debates de círculos influentes.
85
A partir do ângulo que nos interessa, as orientações positivas ou condu-
toras que derivam dessa reflexão crítica são fáceis de discernir. Às forças
centrípetas que alimentam a concentração do progresso técnico e de seus
benefícios deve suceder um impulso em direção à sua sustentada difusão,
que tenda à homogeneização do sistema produtivo, à atenuação sensível
dos desequilíbrios regionais e urbano-rurais, à integração interna, a novas
formas, menos precárias e mais fecundas, de relacionamento exterior e,
sobretudo e finalmente, a uma melhor distribuição da renda.
Diante de uma realidade semelhante — e quaisquer que sejam as apre-
ciações ou prescrições a respeito da tradução concreta ou final daquelas
inquietações -, é evidente que a política tecnológica não deveria aguardar
passivamente a definição completa ou rotunda de uma nova orientação
sobre o desenvolvimento, mas ir estabelecendo as bases para sua própria
reformulação.
NOTAS
(1) Veja-se, "Progresso Técnico y Desarrolo Sócioeconômico en América Latina",
ST/CEPAL/Conf. 53/L.2.
(2) Veja-se, por exemplo, a seguinte citação: "Com o rápido aperfeiçoamento dos
instrumentos de produção e com as comunicações infinitamente mais fáceis, a
burguesia atrai para a civilização até as nações mais bárbaras. O barateamento de
suas mercadorias é sua artilharia pesada e com ela derruba todas as muralhas
chinesas e obriga a capitular à xenofobia bárbara mais recalcitrante. Força todas as
nações a adotar, sob pena de sucumbir, os métodos de produção burgueses e as
obriga a aceitar a chamada civilização, quer dizer, a fazer-se burguesas. Em uma
palavra, cria um mundo a sua imagem e semelhança". Marx e Engels, Manifesto
Comunista, Editorial Universitária, Santiago de Chile, 1970.
(3) Vejam-se especialmente CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1949,
op. cit.; Raul Prebisch, El Desarrollo Econômico de América Latina y Algunos de
sus Principales Problemas, 1949, y Problemas Teóricos y Prácticos del Cresci-
miento Econômico, 1952. À guisa de ilustração da heterodoxia dos critérios
cepalinos; diante do pensamento tradicional, pode-se lembrar esta outra passagem:
"A maneira relativamente lenta como tem se propagado universalmente a técnica
moderna e a forma em que se distribuem seus frutos tem se traduzido em dife-
renças sensíveis no renda per capita e na produtividade das diferentes regiões
econômicas do mundo. Existem sem dúvidas forças naturais, talvez ainda muito
lentas, se os fatos são olhados com ampla perspectiva histórica, que tendem à
gradual nivelação dessas diferenças, e existe por outro lado, todo um corpo
de raciocínios, que supondo o livre jogo dessas forças, constrói um mundo abs-
trato, no qual a fluidez dos fatores de produção, seu livre e fácil deslocamento
desempenham função decisiva. Não coincidem as premissas destas abstrações com
as condições do mundo econômico, tal qual ele se apresenta para nós concreta-
mente, como se disse em outro lugar. E essa tendência à nivelação relativa das
rendas, que criaria oportunidades semelhantes para melhorar a produtividade nos
86
diferentes setores do campo internacional, não se tem manifestado na realidade,
nem sequer de forma apropriada, como tinham suposto esses raciocínios teó-
ricos". CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1949, op. cit., pág. 78.)
(4) Para um exame atualizado do tema, veja-se também CEPAL, Estúdio Econômico
de América Latina, 1971, Publicação das Nações Unidas, número de venda 73.II.
G.I, primeira parte.
(5) Estas características econômicas no máximo pretendem resumir como são os
países centrais e de nenhuma maneira por que chegaram a ser o que são, tema que
requer a consideração de outros aspectos, na maioria das vezes muito mais deci-
sivos que os estritamente econômicos. Tampouco se requer uma seqüência ou
relação causal entre os dois grupos de características, as de base e as que parecem
resultantes. Evidentemente existem nexos mútuos e circulares entre ambas. No
fim, trata-se do chamado "círculo virtuoso da riqueza".
(6) Para uma análise do problema à luz dos recentes aumentos de preços dos produtos
básicos, veja-se CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1973, E/CN.12/
/974, Santiago de Chile, julho de 1974, primeira parte.
(7) Sobre esse tópico particular, veja-se outra vez, entre outros: Raul Prebisch, El
Desarrolo Econômico en América Latina y Algunos de sus Principales Problemas,
op. cit., pág. 4 e seguintes. A respeito da significação relativa desta modalidade de
tributação face às transferências financeiras resultantes de inversões estrangeiras
(ponto que tem suscitado diversas polêmicas), pode-se considerar o seguinte
cálculo apresentado no Estúdio Econômico de 1971, op. cit., capítulo 2. Compa-
rando as perdas por deterioração da relação de intercâmbio no qüinqüênio 1966-
-1970 com os pagamentos correspondentes a lucros e juros da inversão direta,
tem-se que os primeiros estimam-se em 3.400 milhões de dólares, enquanto que os
segundos apenas chegam a 1.600 milhões no mesmo período.
(8) Sobre o assunto, a Cepal escrevia, por exemplo: " . . . os novos procedimentos de
produção penetram preferencialmente nas atividades relacionadas, de uma forma
ou de outra, com a exportação de alimentos e matérias primas. No exercício desta
função primária, que corresponde assim de fato à América Latina, houve desde o
começo uma rigorosa seleção de aptidões. Vastas regiões articulam-se então no
sistema econômico mundial, enquanto outras, não menos dilatadas e geralmente
de maior população, ficam fora de sua órbita até nossos dias . . . Subsistem assim
na América Latina extensasregiões, de importância demográfica relativamente
grande, nas quais as formas de exploração da terra e em conseqüência, o nível de
vida das massas é essencialmente pré-capitalista". (CEPAL, Estúdio Econômico de
América Latina, 1949, op. cit., pág. 4).
(9) Sobre a matéria veja-se especialmente CEPAL, Estúdio Econômico de América
Latina, 1968. Publicação das Nações Unidas, número de venda: E.70.II.1, cap. I,
pág. 24 e segs.; Estúdio Econômico de América Latina, 1969. Publicação das
Nações Unidas número de venda: S.71.II.G.1, cap. II, pág. 36 e segs.; Estúdio
Econômico de América Latina, 1970, Publicação das Nações Unidas, número
de venda: S.72.II.G.1, segunda parte, pág. 42 e segs.; América Latina y la Estra-
tégia Internacional de Desarrolo:Primera Evaluación Regional, E/Cn.l2/947/Rev.
1, primeira parte, 1973; Estúdio Econômico de América Latina, 1973, op. cit.,
terceira parte.
(10) Ampliando um pouco mais a definição anterior, "consideram-se modernas, em
geral, aquelas atividades que operam com formas relativamente eficientes de
organizações, em que a dotação de capital por pessoa ocupada e a conseqüente
87
produtividade são comparáveis ou se aproximam das similares de economias
industrializadas. Encontram-se atividades desta índole nos diferentes setores
econômicos definidos na sua acepção tradicional. Assim, por exemplo, neste
sentido é moderna boa parte da agricultura de exportação, a indústria organi-
zada em forma de unidades de certa magnitude, alguns estabelecimentos e
instituições financeiras etc. No outro extremo, no estrato primitivo, estão compre-
endidas tipicamente a agricultura de subsistência e as numerosas atividades
urbanas de provisão de bens e serviços de baixíssima produtividade, aonde se
trabalha sem uso de mecanização e com um capital fixo insignificante. Entre
ambos situa-se um estrato com grau médio de avanço técnico e de produtividade,
que é propriamente intermediário dentro das diferentes atividades". (CEPAL,
Naturaleza de Ias Estimaciones sobre Ia Distribución de Ia Fuerza de Trabajo,
según Estratos de Productividad, Santiago, noviembre de 1970, págs. 3 e 7).
(11) As chamadas periferias urbanas ou populações "marginais", que compõem o que
se chamou "urbanização da pobreza", constituem espécies de enclaves, não inte-
grados ou integrados parcial ou precariamente nos centros urbanos. Sobre estes
temas veja-se, do autor: "Concentración del Progresso Técnico y de sus Frutos
en el Desarrollo Latinoamericano", Trimestre econômico, n° 125,1965.
(12) Sobre esta questão, vejam-se as observações contidas no Estúdio Econômico de
América Latina, 1973, op. cit., 3a. parte.
(13) Veja-se, por exemplo, o capítulo II do estudo "Progresso Técnico y Desarrollo
Sócioeconômico en América Latina", 1974, ST/CEPAL/Conf. 53.L.2.
(14) De fato, o incremento absoluto dos 10% mais altos representa quase 31% do total.
O dos 20% anteriores a esses 10% superiores alcança a um importante 40% do
total, ou seja que ambos estratos somam mais de 70% do incremento total. Entre-
tanto, a cota respectiva dos 50% mais pobres é de pouco menos de 16%. Como se
compreende, essas diferenças têm uma importância fundamental para a compo-
sição da demanda e a atribuição correspondente dos recursos produtivos.
(15) A respeito das mudanças concomitantes relacionadas com a estrutura Ocupa-
cional, veja-se Estudo Econômico da América Latina, 1973, op. cit., 3º parte.
(16) A respeito das incongruências entre as técnicas produtivas modernas e os níveis
de renda e poupança, veja-se esta colocação:
"Quando aqueles, que hoje são grandes centros industriais, estavam em situação
comparável à que apresentam agora os países periféricos, e sua renda per capita
era relativamente pequena, a técnica produtiva exigia também um capital por
homem relativamente exíguo. Se se olhar bem, a poupança não é grande ou
pequena em si mesmo, senão em relação (-) à densidade de capital resultante do
progresso técnico. Neste sentido a poupança da América Latina, é em geral, muito
escassa, em comparação com as exigências da técnica moderna. Certamente no
começo da evolução industrial dos grandes países, a poupança espontânea tam-
pouco foi abundante, mas emtroca, a técnica não exigia então o grande coefici-
ente de capital por homem que hoje requer; as inovações técnicas somente pude-
ram ir se aplicando à medida que o aumento da produtividade, da renda e da
poupança as fazia economicamente possíveis e convenientes. Dito de outra
maneira, há que retroceder vários decênios, quando não um século, para encon-
trar rendas per capita análogas às que hoje se dão, geralmente, nos países latino-
-americanos. Mas naqueles tempos, a técnica capitalista estava ainda nas etapas
inferiores de seu desenvolvimento, enquanto agora se manifesta nessa forma de
88
elevada capitalização, que não está facilmente ao alcance da parca poupança
permitida na América Latina pela escassa renda prevalecente nela. Há de com-
preender-se, pois, que quanto mais tarde chega a técnica moderna a um país da
periferia, tanto mais agudo é o contraste entre a pequena soma de sua renda e a
considerável magnitude do capital necessário para aumentar rapidamente esta
renda. Por esta razão, se houve contrastes parecidos no desenvolvimento dos
grandes países, teriam sido muito menos intensos que os observados agora...
Em conseqüência, os países, que têm empreendido recentemente seu desenvolvi-
mento industrial, desfrutam, por um lado, a vantagem de encontrar nos grandes
centros uma técnica que custou a estes muito tempo e sacrifício; mas tropeçam,
em troca, com todas as desvantagens inerentes ao fato de seguir com atraso
a evolução dos acontecimentos". (CEPAL, Estúdio Econômico de América
Latina, 1949, op. cit., págs. 65 e 66).
Sobre as relações entre progresso técnico e a situação em matéria de oferta de
mão-de-obra, pode-se considerar o seguinte juízo: "No processo de extensão da
técnica produtiva moderna está ocorrendo assim um fato paradoxal. Países que
têm abundância virtual ou real de população ativa e escasso capital, as vêem
confrontados com uma técnica produtiva na qual uma das preocupações domi-
nantes - especialmente nos Estados Unidos — é economizar tanta mão-de-obra
quanto possível, graças a uma crescente quantidade de capital por homem. É
verdade que a evolução tecnológica tenta também aumentar a quantidade de
produção por unidade de capital, ao mesmo tempo que se economiza mão-de-
-obra. Mas se bem que ambos objetivos têm determinado crescentes inversões de
capital por homem, e podem se separar em abstrato, o desenvolvimento tecnoló-
gico os tem combinado de tal forma que, em geral, não seria possível determinar
qual parte das inversões responde ao objetivo de aumentar a quantidade de
produção por unidade de capital e qual parte aquele de economizar mão-de-
-obra... Pois bem, dada a forma simultânea em que ambos os objetivos vêm se
cumprindo e a indivisibilidade dos equipamentos, nos quais se concretiza o
processo tecnológico, as combinações a que se tem chegado na economia de um
país altamente industrializado e de alto capital por pessoa não podem desfazer-se
arbitrariamente e transformar-se em outras combinações, que se adaptem melhor
à realidade de um país menos desenvolvido e de disponibilidade muito inferior
de capital por pessoa". (Raul Prebisch, Problemas Teóricos y Prácticos del Cresci-
mientoEconômico, op. cit., pág. 18).
Quanto às contradições que derivam das exigências da técnica produtiva e o
tamanho dos mercados argumenta-se o seguinte: "Outra conseqüência impor-
tante da disparidade entre os graus de evolução da renda e da técnica produtiva
consiste na escassa intensidade da demanda que, em termos gerais, caracteriza a
grande parte da população latino-americana, apesar de sua magnitude numérica.
Não somente a falta de capital ou a destreza para manejá-lo opõe-se ao emprego
de elementos da técnica avançada, senão que a fraquezada demanda impede
também conseguir as vantagens da produção em grande escala. Também não se
concebe que limitações desta natureza tenham se oposto seriamente ao desenvol-
vimento da indústria nos grandes centros. A renda Originariamente exígua coin-
cidiu ali com formas de produção de escala proporcionalmente reduzida. Esta
escala foi crescendo com o tempo, conforme a maior produtividade aumentava
as rendas e com elas a demanda chamada a absorver o incremento de produção,
89
em quantidade, qualidade e variedade. Muito diferente é a situação dos países
que vão se incorporando agora à técnica industrial moderna. A demanda aqui é
fraca, porque a produtividade é pouca, e esta o é porque a exígua demanda
opõe-se, por sua vez, juntamente com outros fatores, ao emprego de elementos
de técnica mais avançada" (CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina,
1949, op. cit., págs. 66 e 67).
(17) Desde logo, a simples alusão a que a renda está muito mal distribuída passa por
alto o fato de que essa circunstância também predominou na experiência das
economias industrializadas, além de que essa concentração da renda, em alguma
medida, é conseqüência da que caracteriza a assimilação do progresso técnico.
A análise terá que integrar outros elementos particulares do chamado "capita-
lismo periférico", como o atraso agrícola que tem caminhado junto (em quase
todos os lugares) com a retenção de uma parcela importante da população ou a
contradição entre os consumos característicos da sociedade industrial opulenta
que se difundem restritamente, a atribuição de recursos que eles implicam e a
realidade da baixa renda média da maioria da população.
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