Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
3 ANIBAL PINTO A CEPAL E O PROBLEMA DO PROGRESSO TÉCNICO1 Á dedicação da CEPAL às questões relativas ao progresso técnico ou, se se quer, à ciência e tecnologia, possui facetas algo paradoxais. De um lado, à luz de seus trabalhos e documentos, parece claro que o tema não tem sido uma de suas inquietações principais. De outro lado, no entanto, não há dúvida de que o assunto constitui um dos pilares teóricos daquilo que generica- mente se denomina pensamento da CEPAL. Desde seu inicio, com efeito, a instituição identificou esse aspecto como um dos núcleos de sua concepção do sistema centro-periferia. A respeito, podem citar-se muitas proposições que, de certo modo, chegaram a ser clássicas na literatura econômica da região. Esta, certamente, é uma das mais conhecidas e importantes: "A propagação universal do progresso técnico desde os países origi- nários ao resto do mundo tem sido relativamente lenta e irregular, se se toma como ponto de enfoque o de cada geração. Ao longo do período que transcorre desde a revolução industrial até a primeira guerra, as novas formas de produzir na qual a técnica tem-se manifestado incessantemente só abarcaram uma reduzida proporção da população mundial. O movimento inicia-se na Grã-Bretanha, continua com diferentes graus de intensidade no continente europeu, adquire um impulso extraordi- nário nos Estados Unidos, e abarca o Japão, quando este país se empenha em assimilar rapidamente os modos ocidentais de produzir. Foram formando-se assim os grandes centros industriais do mundo, em torno dos quais, a periferia do novo sistema, vasta e heterogênea, tinha escassa participação no melhoramento da produtividade." (CE- PAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1949, pág. 3) À primeira vista, a análise da assimetria na evolução e comportamento daquele elemento fundamental não revela todas as suas implicações. No entanto, a tese não só contradisse uma suposição até então dominante, mas também abordou o exame das conseqüências e projeções dessa dispari- dade sobre uma série de aspectos primordiais do problema do desenvolvi- mento e do subdesenvolvimento. Sobre o primeiro, é sabido que as duas correntes principais que aflo- raram e prevaleceram no século XIX e ainda rivalizam neste — a que poderia chamar-se liberal e a marxista —, coincidiam na visão de que o capitalismo estender-se-ia urbi et orbi, reproduzindo em termos gerais as economias centrais. Naturalmente, ambas as perspectivas diferiam em alto grau a res- peito dos custos sociais da transformação e seus destinos posteriores, mas as 73 duas, vale a pena reiterar, confiavam em que a revolução das formas e modos de produção — o progresso técnico, enfim — limparia os caminhos do desen- volvimento das travas materiais, institucionais e culturais que amarravam as comunidades pré-capitalistas em fases incipientes da evolução do sistema.2 Duas guerras mundiais e as grandes convulsões políticas e sociais da primeira metade deste século romperam essa ilusão do século XIX. Era evidente que, salvo contadas exceções - quase sempre de verdadeiras filiais dos países centrais (como os domínio britânicos) - cem anos de laissez-faire, livre comércio, irrestrito movimento de capitais e de ordem internacional pós-napoleônico, não haviam logrado aquela suposta participação geral e cada vez maior das potencialidades criadas pelo incessante avanço tecnoló- gico. Pelo contrário, acentuara-se ainda mais a dicotomia centro-periferia, mantiveram-se as funções tradicionais na divisão internacional do trabalho e os contrastes relativos aos níveis de vida e à dinâmica de crescimento. Apesar da evidência, não proliferaram análises e diagnósticos econô- micos dessa realidade. Uma prova reveladora é constituída por boa parte da produção jurídica e institucional, que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial, a qual essencialmente procurava ressuscitar e fazer respeitar as regras do jogo da ordem internacional pré-bélica. Da mesma forma, em outras partes, primavam as explicações políticas, nas quais tudo terminava por ser atribuído às relações de tipo Ímperíalista entre centro e periferia. O fenômeno, com certeza, era muito mais complexo e para seu escla- recimento contribuíram numerosos estudos solitários. Não é possível fazer um inventário completo e justo de todos eles, mas pode-se afirmar sem jactância que os documentos básicos da CEPAL e, certamente, a contribuição pessoal do Dr. Raul Prebisch, fazem parte desse esforço.3 Escapa ao propósito e limite deste trabalho uma exposição detida das novas concepções sobre o assunto em debate. Mas em relação ao tema que se desenvolve é indispensável tentar uma formulação sintética das idéias da CEPAL sobre progresso técnico e a operação do sistema centro-periferia. Como se pode perceber no texto reproduzido, em primeiro lugar, se contrastam os "diferentes graus de intensidade" com que se propagam "os modos ocidentais de produção", com a "lenta e irregular" transmissão desse processo "desde os países originários ao resto do mundo". Daí, pois, deriva (ao contrário da suposição do século XIX) a tendência à concentração das conquistas no pólo avançado, enquanto "a periferia do novo sistema, vasta e heterogênea, tinha escassa participação no melhoramento da produtivi- dade". Em poucas palavras, concentração de um lado, marginalização (rela- tiva e absoluta) do outro.4 A que deveria atribuir-se esta evolução? No essencial existem dois elementos. Por um lado, estão os diferentes perfis estruturais predominantes 74 no centro e na periferia. As economias industrializadas caracterizam-se pela diversificação de seu aparelho produtivo, sua integração interna, sua relativa homogeneidade, sua especialização manufatureira no comércio mundial e sua condição de investidores e credores internacionais, o que redunda em altos níveis de renda e elevada capacidade de acumulação e de criação científico- -tecnológica.5 Falta esboçar o contraponto das realidades da periferia. Basta anotar que, com as particularidades nacionais ou regionais do caso, sobressaem traços bem diferentes e, em seus extremos, opostos. Por outro lado, está o esquema de relações entre as duas esferas, deter- minado principalmente por suas funções respectivas na divisão internacional do trabalho. Não é possível, nem necessário, voltar as digressões nesta matéria. Lembremos somente a tese fundamental sobre a deterioração da relação de preços do intercâmbio das economias primário-exportadoras.6 Ela sustenta, por um lado como se sabe, que esse mecanismo permite aos países centrais apropriar-se de uma parte variável dos incrementos da produtividade nas exportações da periferia., e, por outro, reter para si os benefícios de seu próprio progresso técnico.7 Note-se bem, porque é importante, que os contrastes estruturais e as conseqüências da diferente especialização na economia internacional (por exemplo a deterioração da relação de preços do intercâmbio) são facetas complementares, mas diferentes, na existência e operação do sistema centro-periferia. Dito de outra maneira, a concentração do progresso técnico (e seus frutos) nas economias centrais (e a relativa marginalização da periferia a este respeito) deriva, em primeiro lugar, do contraste nos perfis estruturais já destacados. O comportamento dos preços rela- tivos, por seu lado, acrescenta e reforça a tendência - a diferenciação e distanciamento das duas esferas do sistema, mas não é a causa primordial do fenômeno. Colocando o problema em termos mais polêmicos, poder-se-ia sustentar com fundamento que a "exploração" da periferia (implícita nas tendências da relação de preços e, inclusive, nas transferências a título de serviço das inversões) é secundária no conjunto de fatores que determinam o dinamismo e crescimento das economias centrais e sua diferenciação a respeito da periferia. Para confrontá-lo bastaria comparar a magnitude dasinversões geradas internamente com o montante dos ganhos provenientes das fontes antes mencionadas. No entanto, do ângulo da periferia, a exação ou transfe- rência, feita segundo esses títulos, pode ter uma significação essencial para suas possibilidades de acumulação, tanto mais se se leva em conta sua depen- dência do exterior enquanto a bens de capital e divisas. 75 Este resumo muito rápido não tem por objeto chamar a atenção sobre a preocupação e nexos gerais da atividade intelectual da CEPAL com os assun- tos vinculados ao progresso técnico. O que se tenta mostrar é que as análises e discussões sobre ciência e tecnologia — ao menos face aos problemas e tarefas do desenvolvimento econômico e social — não podem desprender-se do contexto global e do funcionamento e relações do sistema centro-periferia. Só assim é possível vislumbrar as raízes profundas da chamada "brecha tecno- lógica", como também compreender que o problema correlacionado da concentração do progresso técnico nas economias centrais e a marginalização relativa da periferia só pode resolver-se, à medida que se modifiquem os dados e contrastes estruturais que o originam e também as formas de relaciona- mento das duas esferas. RECOLOCAÇÃO DO TEMA NO QUADRO DA INDUSTRIALIZAÇÃO PERIFÉRICA E OS NOVOS NEXOS INTERNACIONAIS Não há dúvida de que a digressão geral sobre esta matéria deve reformu- lar-se à luz das importantes mudanças acarretadas pela diversificação dos aparelhos produtivos nos decênios de pós-guerra, especialmente nas economias latino-americanas de maior desenvolvimento relativo. São vários os aspectos principais que reclamam atenção. Em primeiro lugar, não há dúvida de que no interior dessas economias ocorre um fenômeno visível de difusão do progresso técnico, que abarca todos os setores, principalmente a indústria, os serviços privados e públicos vincu- lados a essa atividade e, em menor grau, a parte das explorações agro- -pecuárias. Transforma-se assim o padrão consagrado na fase de "crescimento para fora", que no que respeita ao melhoramento dos níveis de produtividade, tinha-se circunscrito ao chamado complexo exportador-importador, estabele- cendo um quadro de "dualismo tecnológico" mais ou menos acentuado segundo as realidades nacionais.8 Em segundo lugar, se bem que aquele processo em suas etapas iniciais (grosso modo até o princípio ou meio dos anos cinqüenta), tenha se desen-" volvido sem maior participação do' capital e da iniciativa estrangeira e dentro do marco restrito dos mercados nacionais, houve uma modificação patente nos períodos posteriores, sobretudo a partir da segunda metade dos anos sessenta. ' De um lado, reforça-se a presença e papel das inversões externas, as quais passam a ter uma significação primordial na nova diversificação do sistema produtivo e, particularmente,nas atividades mais dinâmicas do 76 espectro industrial e dos serviços comerciais e financeiros complementares. Com isso se produz uma ruptura decisiva com respeito aos destinos tradi- cionais desse empreendimento: as exportações primárias e os serviços pú- blicos. Por outra parte, dilata-se e faz-se mais completa a representação do setor externo de muitas destas economias, seja pelo fato anterior, seja porque o dinamismo e os créditos dos países centrais permitem ampliar as correntes de exportação e importação, seja porque começam a adquirir algum relevo as exportações de manufaturas, seja, finalmente, porque os acordos regionais e sub-regionais ajudam a superar o que, em seu tempo, a CEPAL chamou industrialização em compartimentos estanques. Tudo isto, em algumas das experiências mais dinâmicas, foi denominado um processo de "internacionalização" das economias latino-americanas. Seria absurdo negar a transcendência dessas e outras mutações asso- ciadas, tanto mais quando se tem presente os principais argumentos críticos a respeito dos inconvenientes e limitações do modo pretérito de relaciona- mento internacional. Se antes se insistia na renúncia ou oposição do capital estrangeiro na participação no desenvolvimento industrial e nas atividades dirigidas ao mercado interno, agora, evidentemente acontecia o contrário, e não somente para fabricar cosméticos ou bebidas gasosas. Se, em outro tempo, lamentava-se a falta de canais adequados para conduzir o progresso tecnológico das economias centrais para esta parte da periferia, agora, princi- palmente através das empresas internacionais, parecia estabelecer-se uma correia de transmissão, que sanava em alto grau este problema. E assim poder-se-ia continuar com este contraponto. Mas o reconhecimento e a valorização dessas mudanças não anula, mas sim exige uma recolocação crítica da nova situação; não convém reproduzir velhas posturas fora de contexto histórico, mas apreender a nova realidade que emergiu no último decênio. A preocupação com a intensidade, qualidade e condições da trans- ferência de progresso técnico, e com o estado claramente insatisfatório da criação e adaptação nacionais ou regionais da ciência e da tecnologia, é testemunha de que as mudanças registradas têm estado longe de satisfazer as aspirações latino-americanas na matéria. Difundem-se, assim, reflexões críticas sobre a amplitude e as tendências daquela difusão do progresso técnico que tem trazido consigo esta nova etapa da diversificação produtiva, assim como seus reflexos sociais. Indo ao cerne da questão: tem aumentado as dúvidas quanto à capacidade do processo para estender-se a todo o corpo econômico e, dessa maneira, conseguir uma integração e homogeneização do sistema que estabeleça as condições para uma participação real e equitativa da grande maioria da população. 77 Com efeito, e sem negar absolutamente as mudanças antes assinaladas, parece evidente que a dita extensão dos avanços da produtividade no âmbito interno tem se circunscrito essencialmente a certas zonas metropoli- tanas ou urbanas, a determinadas regiões e ao conjunto de empresas privadas e públicas que compõem o chamado "estrato moderno" destas economias. Os antecedentes desta situação básica são conhecidos e não é possível reproduzi-los aqui em detalhe.9 No entanto, vale a pena ter presente as dimensões aproximadas do problema. De acordo com estimativas a respeito da situação da América Latina em seu conjunto, o chamado estrato ou setor moderno empregaria ao redor de 15% da população ativa e geraria mais de 60% da produção total. No outro extremo do espectro da produtividade regional encontrar-se-iam as atividades do estrato "primitivo" ou de subsis- tência, que ainda absorvem mais ou menos um terço da força de trabalho, mas cuja contribuição ao produto não chega a 10%. Se comparamos as produ- tividades por homem ocupado, comprovaremos que a do estrato moderno é ao redor de seis vezes superior à média da economia, enquanto que a do "primitivo" é inferior à quinta parte dessa média. Esta realidade, como é óbvio, contrasta de maneira nítida com o perfil relativamente homogêneo das economias industrializadas e também, seja dito de passagem, com o dos sistemas infra-desenvolvidos, nos quais prima uma sorte de "homogeneidade na pobreza". A situação que emergiu significou deixar para atrás — pelo menos nas economias de médio e maior desenvolvimento relativo - aquele esquema de dualismo tecnológico, que pode ser característico do passado, abrindo passagem para uma realidade muito mais complexa, com profunda heteroge- neidade estrutural. Esta, como se expõe num trabalho de Estúdio Econômico de América Latina, 1973, poderia definir-se como uma situação: " . . . em que existem grandes diferenças de produtividade e 'moderni- dade' entre os setores de atividade econômica, e dentro deles, mas ao mesmo tempo existem complexos vínculos de intercâmbio, domínio e dependência dentro de uma 'estrutura' sócio-econômica nacional: em contraposição a supostas situações 'dualistas', nas quais coexistemno território nacional duas estruturas sócio-econômicas — uma 'moderna' e outra 'tradicional' ou 'primitiva' -, com escasso intercâmbio entre elas e pouca influência mútua.10 Como inevitável conseqüência dessa particular heterogeneidade das atividades produtivas — e apesar de que este, por certo, não seja o único fator que influi na matéria, os frutos do progresso técnico têm tendido a serem 78 acaparados de preferência por aqueles que se encontram mais vinculados organicamente aos núcleos produtivos e territoriais do estrato moderno.11 Em outras palavras, uma difusão parcial e seletiva do progresso técnico tem levado a uma nova modalidade de concentração do mesmo e, o que é mais importante, de seus frutos. A relação entre os dois aspectos percebe-se muito claramente se se considera a natureza dos bens e serviços que produzem de preferência o setor modernizado. Em geral eles estão destinados, direta ou indiretamente, a satisfazer os módulos de consumo dos grupos de maiores rendas. À guisa de ilustração podem se considerar as cifras do quadro 1, que mostram a participação de diversos estratos de renda no consumo dos bens e serviços principais. Como poder-se-á verificar, os bens de consumo duráveis, da mesma maneira que o serviço básico (transporte, moradia), são absorvidos Quadro nº 1 AMÉRICA LATINA:a/ PARTICIPAÇÃO DE DIFERENTES ESTRATOS DE POPULAÇÃO NO CONSUMO TOTAL POR ALGUNS ITENS DE CONSUMO (Ao redor de 1970) Estratos de população Rubros de consumo Alimentos, bebida e tabaco Indumentária Moradiab/ Transporte Bens de uso durável Automóveis (compra) Casas e apartamentos (compra) Móveis Artefatos elétricos e mecânicos Total 20% mais pobre 5 2 2 1 1 - 2 2 1 3 50% mais pobre 23 14 15 5 6 1 9 5 5 15 20% anterior ao 10% mais rico 29 32 29 25 26 13 29 16 37 28 10% mais rico 29 42 44 64 61 85 54 74 50 43 Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 Fonte: Estimativas da CEPAL à base de pesquisas nacionais. a/ Média estimada à base de informações da Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, México, Paraguai, Peru, Honduras e Venezuela. b/ O item moradia inclui: aluguéis, artigos têxteis para o lar, combustíveis, eletri- cidade, gás, água e domésticas. 79 principalmente pelos 10% de renda mais alta. Como é óbvio, a média latino- -americana esconde muitas diferenças nacionais. PONTOS DE VISTA CONTRASTANTES Nesta matéria, como se sabe, rivalizam dois pontos de vista centrais, com todas as variedades e matizes de rigor. Por um lado, o daqueles que sustentam que a difusão restrita do progresso técnico e seus benefícios — e a modalidade ou estilo de desenvolvimento que envolve - não permite abrir passagem a uma homogeneização do sistema a uma participação social generalizada e, sobretudo, à superação do problema da pobreza crítica de uma parte apreciável da população. Por outro lado, estão aqueles que pensam que a resolução do problema depende basicamente da intensidade e persis- tência do crescimento. Na medida que este se mantenha com taxas suficiente- mente altas e em período bastante prolongado, posteriormente se conseguirão aqueles objetivos, como ocorreu nas economias centrais. Este enfoque é o que se chamou de "gotejamento" (trickledown effect). Não é possível reproduzir aqui toda a cadeia de argumentos e réplicas da polêmica. Como toda discussão projetada no tempo, regateia contestações decisivas enquanto se fazem antecipações dificilmente demonstráveis da futura evolução. Tal é o caso, por exemplo, da contenção importante da primeira Unha de pensamento no sentido de que, pela sua própria natureza, a modalidade atual de desenvolvimento não poderia alcançar as taxas de cresci- mento necessárias e persistir durante o longo tempo requerido para conseguir os propósitos buscados. Da mesma natureza é a objeção de que um eventual endurecimento das tensões sociais frustraria esse caminho ou impediria de contar com os prazos adequados para que essa forma de crescer materialize toda sua potencialidade.12 Em ambos os casos, como em outros semelhantes, não há lugar para vereditos inapeláveis. Apesar disso, os antecedentes disponíveis autorizam investigar perspec- tivas e opções razoáveis, ao menos para o conjunto da região, a qual, como se compreende, gravitam consideravelmente as realidades de algumas de suas economias maiores, como as do Brasil e México. É o que se tem feito em diversos documentos da CEPAL,13 os quais não deixam dúvidas a respeito de duas coisas: a) os obstáculos manifestos que encontraria a modalidade prevalecente de desenvolvimento para sustentar seu passo e, inclusive, perpetuar-se, ainda que sobre a base de suposições bastante otimistas, e b) a improbabilidade de que se modere a inclinação em direção à concentração do progresso técnico e de seus frutos. 80 Conclusões similares, além do mais, derivam da experiência do decênio passado, em especial no que se refere às tendências da distribuição da renda. Se partimos do critério justificado de que existem relações patentes, embora não simétricas, entre a concentração do progresso técnico e a estru- tura mais ou menos polarizada da renda, as mudanças na segunda deveriam lançar alguns indícios significativos sobre o grau de irradiação dos melhora- mentos da produtividade. O Quadro 2 apresenta alguns antecedentes principais sobre a matéria, que refletem aproximadamente as mudanças ocorridas entre 1964 e 1970 na participação de diferentes grupos sociais na renda da região. Se atentarmos primeiro à metade inferior da pirâmide distributiva, é fácil verificar que quase não se têm alteradas as participações dos 50% mais pobres, igualmente que a dos sub-grupos correspondentes aos 30% inferiores e aos 20% que precedem. Por outro lado, no entanto, têm havido pequenos Quadro nº 2 AMÉRICA LATINA: INGRESSOS PER CAPITA EM DÓLARES DE 1970 E MUDANÇAS NA PARTICIPAÇÃO DOS DIFERENTES ESTRATOS SÓCIO-ECONÔMICOS NO INGRESSO TOTAL DA REGIÃO Estratos 30% mais pobres 20% seguintes 50% mais pobres 20% seguintes 20% anteriores ao 10% mais altas 10% mais altas 5% mais altas Total Participação na renda total que corresponde a cada estrato 1960 1970 5,3 8,1 13,4 14,1 24,6 47,9 33,4 100,0 5,0 8,9 13,9 13,9 24,6 44,2 29,9 100,0 Incremento per capita dólares de 1970 a/ 1960 1970 77 177 116 307 536 2.076 2.912 436 93 250 155 389 783 2.475 3.347 560 Incremento da renda per capita Percen- Dólares tual de 1970 19,7 40 0 32,6 25,9 45,3 17,7 14,1 27,5 16 73 39 82 247 399 435 124 Fonte: Estimativas da CEPAL com base em pesquisas nacionais. Nota: A distribuição média da América Latina em 1970 se estimou à base de informações de: Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, México, Paraguai, Honduras, Venezuela. a/ Corresponde ao conceito de renda pessoal per capita. 81 incrementos absolutos de cada um dos estratos, com a particularidade de que os 30% mais pobres exibem uma elevação menor que a média (19,7% contra 27,5% do total) e um insignificante aumento absoluto (16 dólares por habi- tante no decênio). Em troca, os 20% que precedem assinalam um melhora- mento percentual superior à média (40% face aos 27,5%) e uma maior disponibilidade por habitante de 73 dólares em 1970, que pode comparar-se com a do conjunto que chega a 124 dólares. A respeito desta parte da estrutura, em conseqüência, ressalta a virtual imobilidade da renda dos 30% mais pobres e um pequeno progresso dos 20% seguintes, que lhes permite incrementar sua renda de 177 a 250 dólares por habitante entre 1960 e 1970. De qualquer maneira, note-se bem, este modesto avanço não obsta que, em conjunto, os 50% mais pobres só tenham mantido sua cota no total da renda. Se bem que isso lhes permitiu elevar suarenda por habitante em 32,6%, isto só significou em 1970 uma maior disponibilidade de 39 dólares anuais. As mudanças parecem mais significativas no que respeita aos 50% de renda mais alta. Apesar de que a representação percentual do conjunto, como é lógico, também não se modifica: registram-se deslocamentos internos mais marcados. Salta à vista, desde logo, a elevação da cota correspondente aos 20% anteriores aos 10% mais altos, que passa de 24,6% a 28%, o que representa o incremento mais alto da renda por pessoa (45,3% contra uma média global de 27,5%) e um aumento absoluto de 247 dólares em 1970 (face a 124 do conjunto). Entretanto, como se vê, os 20% que se encontram sobre os 50% mais pobres, mantêm aproximadamente suas posições relativas e exibem um incremento absoluto de só 82 dólares ao fim do período, quantidade similar à conseguida pelo 20% que lhes seguem na estrutura distributiva (73 dólares). Por outro lado, o que pode surpreender à primeira vista, é que tanto os 10% como os 5% de renda superior reduziram sua participação e, pelo mesmo, os incrementos de suas rendas por pessoa são inferiores que os do total (17,7 e 14,1%, respectivamente, face a 27,5%). Esta verificação, no entanto, perde bastante de sua força ao se ter presente que as mudanças absolutas de renda significam 399 dólares e 435 dólares de aumento para cada um desses estratos, face ao melhoramento médio de 124 dólares, aos 39 dólares que corresponderam aos 50% mais pobres e aos 16 dólares que rece- beram a mais os 30% da base da pirâmide.14. De qualquer maneira, numa apreciação global, as variações anotadas indicam uma certa "desconcentração na cúpula", relativa mas não insignifi- cante e que favorece claramente ao grupo constituído pelos 20% anteriores aos 10% mais altos, sem modificar as sensíveis vantagens absolutas nos níveis mais altos. 82 Esta não é a ocasião para entrar numa análise detida da natureza e repercussões dessas mutações.15 O que interessa para esta discussão é deixar claro que a variedade de desenvolvimento recente tem alterado muito pouco os níveis de renda e, por derivação, as condições de vida de uma grande parte da população, em especial do terço mais pobre. Pelo mesmo motivo e em relação ao ponto principal que se discute, existe razão para se pensar que o progresso técnico não se tem difundido, ou o tem feito em grau muito mesquinho, nas atividades onde se ocupa aquela fração considerável dos habitantes. CONTRADIÇÕES, RESPONSABILIDADES E POSSIBILIDADES DO PROGRESSO TÉCNICO O exposto anteriormente induz a examinar algumas questões muito debatidas a respeito da significação, as responsabilidades e as possibilidades do progresso técnico no desenvolvimento econômico-social. Desde logo, como já se viu nas colocações iniciais da CEPAL, poucos enfoques do processo de desenvolvimento deixam de assinalar seu papel crucial, sobretudo se este é entendido na acepção mais ampla, que envolve os avanços em matéria de organização, capacitação e gestão. Apesar disso, os critérios atuais também refletem uma apreciação mais crítica e, se se quer, desconfiada a respeito de sua incidência social. Esta atitude ambivalente sem dúvida nutre-se do renovado testemunho histórico sobre as contradições inerentes ao arranco do potencial científico e tecnológico. A relação entre este e as artes destrutivas de guerras e conflitos constitui, certamente, a raiz primeira cada vez mais inquietante dessas cavi- lações. Mas a elas têm-se unido outras, não tão patentes e dramáticas como a assinalada, mas de enorme e admitida transcendência para o futuro da huma- nidade, como são os reflexos sobre o meio natural e a qualidade da vida, as deformações de uma "economia do desperdício" ou as visões futuristas (e pessimistas) sobre uma sociedade cibernética. Estes critérios, até agora e com razão, têm se alastrado, de preferência, nos países industrializados. Naqueles da periferia, em troca, predomina ainda uma avaliação muito mais otimista e acrítica sobre o significado e contri- buição do progresso técnico. Também são claras as causas deste modo de pensar, que provêm tanto de estados incipientes de desenvolvimento como da imagem evidentemente atrativa que continuam projetando as nações centrais para a grande maioria. Apesar disso, é fácil apreciar que países como os nossos já experimen- taram algumas conseqüências daninhas do avanço tecnológico — como a extração maciça e às vezes acompanhada de desaparecimento, de recursos 83 naturais não renováveis — eles enfrentam ainda outras dificuldades numa fase prematura de sua evolução, como as congestões metropolitanas e todas suas seqüelas concomitantes. Como se tem dito, na adolescência de sua mo- dernização sofrem muitos mal-estares da idade adulta das civilizações indus- triais ou pós-industriais, segundo a denominação de alguns. Esta reflexão crítica deve servir, num primeiro momento, para nos proteger de todo fetichismo tecnológico ou tecnocrata, que suponha que as grandes incógnitas, desafios e tarefas do desenvolvimento da sociedade podem resolver-se única ou principalmente com maiores doses de progresso técnico, transferido ou criado; modificando as proposições de recursos dedicados à pesquisa e desenvolvimento; melhorando as condições de aquisição e serviços, ou estabelecendo o tecido institucional adequado. Todos estes são objetivos legítimos e desejáveis, mas, ao fim, constituem apenas requisitos necessários mas não suficientes. Por outro lado, seria tanto mais errôneo supor, como às vezes se faz, que o progresso técnico por si só é responsável pelas deficiências e proble- mas, que se diagnosticam tanto nas economias industrializadas como naquelas em via de desenvolvimento. Nem uma coisa nem outra; não é ele nem é o elemento providencial nem é o grande causador dos mal-estares contempo- râneos. Esta observação, certamente, não nega quer sua importância decisiva no curso geral dos processos, quer sua influência no aparecimento ou agrava- mento de muitos e sérios problemas. Na verdade, superando tais critérios, cada vez se discerne, com maior clareza, que a questão está subordinada aos marcos sociais e institucionais em que se desenvolve o progresso técnico. Isto é, que o fundamental assenta em para que, para quem e como se emprega e se mobiliza o potencial de avanço tecnológico. Para circunscrever melhor o assunto, tome-se como ilustração a experi- ência latino-americana comentada anteriormente. Como se observou, a maior intensidade e difusão dos melhoramentos da produtividade não extinguiu e, pelo contrário, às vezes agravou, alguns velhos problemas da evolução regional, como as disparidades inter-setoriais e intra-setoriais, os desníveis entre zona rural e urbana e entre regiões, a repartição desigual da renda, a insuficiência do emprego ou as inclinações (conjunturais e estruturais) ao desequilíbrio externo. Mas esta realidade, evidentemente, não se pode atribuir só ou principal- mente à influência da absorção científico-tecnológica, apesar de que seja provável que as características da mesma tenham contribuído, em algum grau e forma, para sua presença e evolução. Diversas análises da CEPAL, diga- -se de passagem, deixaram evidente, faz tempo, algumas incongruências básicas dessa transferência com respeito ao quadro que prevalece nas econo- mias adolescentes.16 84 A raiz do assunto, como já se adiantou, está nas modalidades de cresci- mento, que os países seguem ou escolhem ao determinar o caminho e os destinos do progresso técnico. Dito de outra maneira, a uma estratégia implí- cita ou expressa de atribuição de recursos corresponde outra, e coincidente, de assimilação e utilização do avanço tecnológico. Não é esta a ocasião para desentranhar o complexo feixe de elementos históricos, econômicos e sócio-políticos que estão atrás daquela eleição ou prática estratégica. Falta muito, além do mais, para elaborara teoria ou hipótese satisfatória sobre a matéria.17 No entanto, essa consideração fundamental ajuda a colocar em termos mais apropriados a discussão sobre as "responsabilidades" do progresso técnico. Assim, por exemplo, poder-se-á argüir se a política ou a absorção tecnológica tem cumprido cabalmente suas funções em relação à intensidade, custos ou racionalidade das ações dentro do marco social de referência, mas sem dúvida seria equivocado atribuir-lhe a origem dos problemas identifi- cados, ou a falta de atenção ou correspondência ante objetivos comunitários, que não estão presentes ou não conseguiram prioridade nas estratégias nacionais de desenvolvimento. Deste ângulo, em conseqüência, as alternativas para a política tecnoló- gica seriam claras. Desde que mantida a modalidade de crescimento seria preciso, no essencial, ajustar-se a ela e cumprir seus compromissos com a maior eficiência possível. Se, pelo contrário, se pretendesse que ela operasse de outra maneira e tendo em vista outras finalidades, seria condição indis- pensável que estas últimas fossem estabelecidas por uma nova estratégia econômica e social. Em ambos os casos poder-se-ia sustentar que o progresso técnico é uma variável dependente. O termo, no entanto, é pouco feliz na medida em que sugere um fenômeno passivo ou reflexo. Não é nem um nem outro, como bem se sabe, pela razão poderosa de que existem influências recíprocas entre o estilo de desenvolvimento e o que fazer tecnológico, ainda que o primeiro elemento seja o dominante. Sustenta-se com razão que as modalidades do progresso técnico têm contribuído em "algum grau e forma" para a presença e ainda agravamento de certos problemas chaves do crescimento latino- -americano, do mesmo modo, pode-se argumentar que poderia contribuir ao alívio dos mesmos e à materialização de outro padrão de desenvolvimento. A questão, além do mais, deve colocar-se à luz das circunstâncias e inquietações da política econômica latino-americana. Com diversos acentos e orientações, em diferentes marcos político-institucionais, aflora na região uma preocupação crescente frente aos problemas não resolvidos ou criados pelas modalidades de desenvolvimento. Ela transparece nos pronunciamentos públicos, nos planos de ação e nos debates de círculos influentes. 85 A partir do ângulo que nos interessa, as orientações positivas ou condu- toras que derivam dessa reflexão crítica são fáceis de discernir. Às forças centrípetas que alimentam a concentração do progresso técnico e de seus benefícios deve suceder um impulso em direção à sua sustentada difusão, que tenda à homogeneização do sistema produtivo, à atenuação sensível dos desequilíbrios regionais e urbano-rurais, à integração interna, a novas formas, menos precárias e mais fecundas, de relacionamento exterior e, sobretudo e finalmente, a uma melhor distribuição da renda. Diante de uma realidade semelhante — e quaisquer que sejam as apre- ciações ou prescrições a respeito da tradução concreta ou final daquelas inquietações -, é evidente que a política tecnológica não deveria aguardar passivamente a definição completa ou rotunda de uma nova orientação sobre o desenvolvimento, mas ir estabelecendo as bases para sua própria reformulação. NOTAS (1) Veja-se, "Progresso Técnico y Desarrolo Sócioeconômico en América Latina", ST/CEPAL/Conf. 53/L.2. (2) Veja-se, por exemplo, a seguinte citação: "Com o rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e com as comunicações infinitamente mais fáceis, a burguesia atrai para a civilização até as nações mais bárbaras. O barateamento de suas mercadorias é sua artilharia pesada e com ela derruba todas as muralhas chinesas e obriga a capitular à xenofobia bárbara mais recalcitrante. Força todas as nações a adotar, sob pena de sucumbir, os métodos de produção burgueses e as obriga a aceitar a chamada civilização, quer dizer, a fazer-se burguesas. Em uma palavra, cria um mundo a sua imagem e semelhança". Marx e Engels, Manifesto Comunista, Editorial Universitária, Santiago de Chile, 1970. (3) Vejam-se especialmente CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1949, op. cit.; Raul Prebisch, El Desarrollo Econômico de América Latina y Algunos de sus Principales Problemas, 1949, y Problemas Teóricos y Prácticos del Cresci- miento Econômico, 1952. À guisa de ilustração da heterodoxia dos critérios cepalinos; diante do pensamento tradicional, pode-se lembrar esta outra passagem: "A maneira relativamente lenta como tem se propagado universalmente a técnica moderna e a forma em que se distribuem seus frutos tem se traduzido em dife- renças sensíveis no renda per capita e na produtividade das diferentes regiões econômicas do mundo. Existem sem dúvidas forças naturais, talvez ainda muito lentas, se os fatos são olhados com ampla perspectiva histórica, que tendem à gradual nivelação dessas diferenças, e existe por outro lado, todo um corpo de raciocínios, que supondo o livre jogo dessas forças, constrói um mundo abs- trato, no qual a fluidez dos fatores de produção, seu livre e fácil deslocamento desempenham função decisiva. Não coincidem as premissas destas abstrações com as condições do mundo econômico, tal qual ele se apresenta para nós concreta- mente, como se disse em outro lugar. E essa tendência à nivelação relativa das rendas, que criaria oportunidades semelhantes para melhorar a produtividade nos 86 diferentes setores do campo internacional, não se tem manifestado na realidade, nem sequer de forma apropriada, como tinham suposto esses raciocínios teó- ricos". CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1949, op. cit., pág. 78.) (4) Para um exame atualizado do tema, veja-se também CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1971, Publicação das Nações Unidas, número de venda 73.II. G.I, primeira parte. (5) Estas características econômicas no máximo pretendem resumir como são os países centrais e de nenhuma maneira por que chegaram a ser o que são, tema que requer a consideração de outros aspectos, na maioria das vezes muito mais deci- sivos que os estritamente econômicos. Tampouco se requer uma seqüência ou relação causal entre os dois grupos de características, as de base e as que parecem resultantes. Evidentemente existem nexos mútuos e circulares entre ambas. No fim, trata-se do chamado "círculo virtuoso da riqueza". (6) Para uma análise do problema à luz dos recentes aumentos de preços dos produtos básicos, veja-se CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1973, E/CN.12/ /974, Santiago de Chile, julho de 1974, primeira parte. (7) Sobre esse tópico particular, veja-se outra vez, entre outros: Raul Prebisch, El Desarrolo Econômico en América Latina y Algunos de sus Principales Problemas, op. cit., pág. 4 e seguintes. A respeito da significação relativa desta modalidade de tributação face às transferências financeiras resultantes de inversões estrangeiras (ponto que tem suscitado diversas polêmicas), pode-se considerar o seguinte cálculo apresentado no Estúdio Econômico de 1971, op. cit., capítulo 2. Compa- rando as perdas por deterioração da relação de intercâmbio no qüinqüênio 1966- -1970 com os pagamentos correspondentes a lucros e juros da inversão direta, tem-se que os primeiros estimam-se em 3.400 milhões de dólares, enquanto que os segundos apenas chegam a 1.600 milhões no mesmo período. (8) Sobre o assunto, a Cepal escrevia, por exemplo: " . . . os novos procedimentos de produção penetram preferencialmente nas atividades relacionadas, de uma forma ou de outra, com a exportação de alimentos e matérias primas. No exercício desta função primária, que corresponde assim de fato à América Latina, houve desde o começo uma rigorosa seleção de aptidões. Vastas regiões articulam-se então no sistema econômico mundial, enquanto outras, não menos dilatadas e geralmente de maior população, ficam fora de sua órbita até nossos dias . . . Subsistem assim na América Latina extensasregiões, de importância demográfica relativamente grande, nas quais as formas de exploração da terra e em conseqüência, o nível de vida das massas é essencialmente pré-capitalista". (CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1949, op. cit., pág. 4). (9) Sobre a matéria veja-se especialmente CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1968. Publicação das Nações Unidas, número de venda: E.70.II.1, cap. I, pág. 24 e segs.; Estúdio Econômico de América Latina, 1969. Publicação das Nações Unidas número de venda: S.71.II.G.1, cap. II, pág. 36 e segs.; Estúdio Econômico de América Latina, 1970, Publicação das Nações Unidas, número de venda: S.72.II.G.1, segunda parte, pág. 42 e segs.; América Latina y la Estra- tégia Internacional de Desarrolo:Primera Evaluación Regional, E/Cn.l2/947/Rev. 1, primeira parte, 1973; Estúdio Econômico de América Latina, 1973, op. cit., terceira parte. (10) Ampliando um pouco mais a definição anterior, "consideram-se modernas, em geral, aquelas atividades que operam com formas relativamente eficientes de organizações, em que a dotação de capital por pessoa ocupada e a conseqüente 87 produtividade são comparáveis ou se aproximam das similares de economias industrializadas. Encontram-se atividades desta índole nos diferentes setores econômicos definidos na sua acepção tradicional. Assim, por exemplo, neste sentido é moderna boa parte da agricultura de exportação, a indústria organi- zada em forma de unidades de certa magnitude, alguns estabelecimentos e instituições financeiras etc. No outro extremo, no estrato primitivo, estão compre- endidas tipicamente a agricultura de subsistência e as numerosas atividades urbanas de provisão de bens e serviços de baixíssima produtividade, aonde se trabalha sem uso de mecanização e com um capital fixo insignificante. Entre ambos situa-se um estrato com grau médio de avanço técnico e de produtividade, que é propriamente intermediário dentro das diferentes atividades". (CEPAL, Naturaleza de Ias Estimaciones sobre Ia Distribución de Ia Fuerza de Trabajo, según Estratos de Productividad, Santiago, noviembre de 1970, págs. 3 e 7). (11) As chamadas periferias urbanas ou populações "marginais", que compõem o que se chamou "urbanização da pobreza", constituem espécies de enclaves, não inte- grados ou integrados parcial ou precariamente nos centros urbanos. Sobre estes temas veja-se, do autor: "Concentración del Progresso Técnico y de sus Frutos en el Desarrollo Latinoamericano", Trimestre econômico, n° 125,1965. (12) Sobre esta questão, vejam-se as observações contidas no Estúdio Econômico de América Latina, 1973, op. cit., 3a. parte. (13) Veja-se, por exemplo, o capítulo II do estudo "Progresso Técnico y Desarrollo Sócioeconômico en América Latina", 1974, ST/CEPAL/Conf. 53.L.2. (14) De fato, o incremento absoluto dos 10% mais altos representa quase 31% do total. O dos 20% anteriores a esses 10% superiores alcança a um importante 40% do total, ou seja que ambos estratos somam mais de 70% do incremento total. Entre- tanto, a cota respectiva dos 50% mais pobres é de pouco menos de 16%. Como se compreende, essas diferenças têm uma importância fundamental para a compo- sição da demanda e a atribuição correspondente dos recursos produtivos. (15) A respeito das mudanças concomitantes relacionadas com a estrutura Ocupa- cional, veja-se Estudo Econômico da América Latina, 1973, op. cit., 3º parte. (16) A respeito das incongruências entre as técnicas produtivas modernas e os níveis de renda e poupança, veja-se esta colocação: "Quando aqueles, que hoje são grandes centros industriais, estavam em situação comparável à que apresentam agora os países periféricos, e sua renda per capita era relativamente pequena, a técnica produtiva exigia também um capital por homem relativamente exíguo. Se se olhar bem, a poupança não é grande ou pequena em si mesmo, senão em relação (-) à densidade de capital resultante do progresso técnico. Neste sentido a poupança da América Latina, é em geral, muito escassa, em comparação com as exigências da técnica moderna. Certamente no começo da evolução industrial dos grandes países, a poupança espontânea tam- pouco foi abundante, mas emtroca, a técnica não exigia então o grande coefici- ente de capital por homem que hoje requer; as inovações técnicas somente pude- ram ir se aplicando à medida que o aumento da produtividade, da renda e da poupança as fazia economicamente possíveis e convenientes. Dito de outra maneira, há que retroceder vários decênios, quando não um século, para encon- trar rendas per capita análogas às que hoje se dão, geralmente, nos países latino- -americanos. Mas naqueles tempos, a técnica capitalista estava ainda nas etapas inferiores de seu desenvolvimento, enquanto agora se manifesta nessa forma de 88 elevada capitalização, que não está facilmente ao alcance da parca poupança permitida na América Latina pela escassa renda prevalecente nela. Há de com- preender-se, pois, que quanto mais tarde chega a técnica moderna a um país da periferia, tanto mais agudo é o contraste entre a pequena soma de sua renda e a considerável magnitude do capital necessário para aumentar rapidamente esta renda. Por esta razão, se houve contrastes parecidos no desenvolvimento dos grandes países, teriam sido muito menos intensos que os observados agora... Em conseqüência, os países, que têm empreendido recentemente seu desenvolvi- mento industrial, desfrutam, por um lado, a vantagem de encontrar nos grandes centros uma técnica que custou a estes muito tempo e sacrifício; mas tropeçam, em troca, com todas as desvantagens inerentes ao fato de seguir com atraso a evolução dos acontecimentos". (CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1949, op. cit., págs. 65 e 66). Sobre as relações entre progresso técnico e a situação em matéria de oferta de mão-de-obra, pode-se considerar o seguinte juízo: "No processo de extensão da técnica produtiva moderna está ocorrendo assim um fato paradoxal. Países que têm abundância virtual ou real de população ativa e escasso capital, as vêem confrontados com uma técnica produtiva na qual uma das preocupações domi- nantes - especialmente nos Estados Unidos — é economizar tanta mão-de-obra quanto possível, graças a uma crescente quantidade de capital por homem. É verdade que a evolução tecnológica tenta também aumentar a quantidade de produção por unidade de capital, ao mesmo tempo que se economiza mão-de- -obra. Mas se bem que ambos objetivos têm determinado crescentes inversões de capital por homem, e podem se separar em abstrato, o desenvolvimento tecnoló- gico os tem combinado de tal forma que, em geral, não seria possível determinar qual parte das inversões responde ao objetivo de aumentar a quantidade de produção por unidade de capital e qual parte aquele de economizar mão-de- -obra... Pois bem, dada a forma simultânea em que ambos os objetivos vêm se cumprindo e a indivisibilidade dos equipamentos, nos quais se concretiza o processo tecnológico, as combinações a que se tem chegado na economia de um país altamente industrializado e de alto capital por pessoa não podem desfazer-se arbitrariamente e transformar-se em outras combinações, que se adaptem melhor à realidade de um país menos desenvolvido e de disponibilidade muito inferior de capital por pessoa". (Raul Prebisch, Problemas Teóricos y Prácticos del Cresci- mientoEconômico, op. cit., pág. 18). Quanto às contradições que derivam das exigências da técnica produtiva e o tamanho dos mercados argumenta-se o seguinte: "Outra conseqüência impor- tante da disparidade entre os graus de evolução da renda e da técnica produtiva consiste na escassa intensidade da demanda que, em termos gerais, caracteriza a grande parte da população latino-americana, apesar de sua magnitude numérica. Não somente a falta de capital ou a destreza para manejá-lo opõe-se ao emprego de elementos da técnica avançada, senão que a fraquezada demanda impede também conseguir as vantagens da produção em grande escala. Também não se concebe que limitações desta natureza tenham se oposto seriamente ao desenvol- vimento da indústria nos grandes centros. A renda Originariamente exígua coin- cidiu ali com formas de produção de escala proporcionalmente reduzida. Esta escala foi crescendo com o tempo, conforme a maior produtividade aumentava as rendas e com elas a demanda chamada a absorver o incremento de produção, 89 em quantidade, qualidade e variedade. Muito diferente é a situação dos países que vão se incorporando agora à técnica industrial moderna. A demanda aqui é fraca, porque a produtividade é pouca, e esta o é porque a exígua demanda opõe-se, por sua vez, juntamente com outros fatores, ao emprego de elementos de técnica mais avançada" (CEPAL, Estúdio Econômico de América Latina, 1949, op. cit., págs. 66 e 67). (17) Desde logo, a simples alusão a que a renda está muito mal distribuída passa por alto o fato de que essa circunstância também predominou na experiência das economias industrializadas, além de que essa concentração da renda, em alguma medida, é conseqüência da que caracteriza a assimilação do progresso técnico. A análise terá que integrar outros elementos particulares do chamado "capita- lismo periférico", como o atraso agrícola que tem caminhado junto (em quase todos os lugares) com a retenção de uma parcela importante da população ou a contradição entre os consumos característicos da sociedade industrial opulenta que se difundem restritamente, a atribuição de recursos que eles implicam e a realidade da baixa renda média da maioria da população. 90
Compartilhar