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Capítulo 13. TEORIA GERAL DAS PROVAS

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2017 - 07 - 18 
Curso Avançado de Processo Civil - Volume 2 - Edição 2016
QUARTA PARTE - PROVAS
QUARTA PARTE - PROVAS
(Autores)
Luiz Rodrigues Wambier
Eduardo Talamini
Capítulo 13. TEORIA GERAL DAS PROVAS
13.1. Direito, fato e prova
Na sua qualidade de mecanismo regulador da vida em sociedade (v. vol. 1, cap. 1), a
norma jurídica é um comando abstrato, que só encontra campo para sua atuação concreta
quando um fato da vida se mostra adequado à sua incidência. Daí se dizer que o direito se
origina de fatos, pois a norma jurídica, tratada isoladamente dos fatos, não incide. Isso
ocorre apenas quando há uma situação concreta a ser por ela regulada. É possível afirmar
que as normas jurídicas dependem da ocorrência de situações de fato, no conjunto de
relações que se estabelecem na sociedade, para que possam "ter vida", fazendo-se sentir
na existência das pessoas e da sociedade como um todo, em sua complexa teia de relações.
Em outras palavras, por meio das normas jurídicas são descritas hipoteticamente
determinadas situações e são atribuídas, artificialmente, consequências específicas a tais
situações - levando-se em conta os valores eleitos pelos formuladores da ordem jurídica.
Na medida em que concretamente ocorra o fato que havia sido hipotética e abstratamente
previsto na norma (subsunção), esta é "aplicada" - ou seja, ela opera concretamente. Há a
incidência do seu mandamento. Essa é a dinâmica da norma.
Fato jurídico é todo aquele evento que está descrito no pressuposto de uma norma. É o
fato que, quando ocorre, tem o condão de provocar a incidência da norma. Eis por que se
fala que o fato jurídico é o que "gera efeitos jurídicos".
A incidência concreta dos mandamentos normativos dá-se assim que ocorrido o fato
previsto na norma. Em princípio, isso ocorre automaticamente, independentemente da
atuação do juiz. Todavia, é comum que surjam conflitos dentro da sociedade - seja porque
seus membros não estão de acordo quanto à efetiva ocorrência do fato que ensejaria a
aplicação da norma; seja porque discordam quanto aos efeitos jurídicos que devam
decorrer do fato ocorrido; ou seja, até porque, simplesmente, uma das partes nega-se a
submeter-se aos efeitos da norma. Assim, surge um conflito.
Como já visto, a jurisdição é a atividade do Estado destinada a, em última alternativa
(quando esgotadas ou proibidas as possibilidades mais simples, céleres e menos onerosas
de autocomposição), atuar em tais situações, eliminando o conflito. O juiz atua como
terceiro imparcial, "substituindo-se" aos sujeitos em conflito, para fazer valer
concretamente a incidência das normas. Em outras palavras, ele definirá quais as normas
que concretamente atuaram ou estão atuando.
Para desenvolver essa tarefa, o juiz averiguará quais os fatos que ocorreram
efetivamente e quais as consequências jurídicas desses fatos, ou seja, quais os
mandamentos das normas que estão concretamente incidindo. Portanto, o juiz, ao julgar:
- de um lado realiza juízos de fato (averiguação dos fatos que ocorreram);
- de outro lado, desenvolve juízos de direito (definição das consequências jurídicas dos
fatos que foram averiguados).
Toda essa explicação obviamente constitui enorme simplificação da realidade, como
costuma acontecer nas exposições didáticas. Nem todas as normas jurídicas apresentam
estrutura tão simples e direta, na modalidade "hipótese de incidência" - "mandamento". A
incidência da norma não se extrai muitas vezes de um singelo silogismo do tipo premissa
maior (hipótese de incidência), premissa menor (fato) e conclusão (mandamento). O
sentido da norma não está todo ele contido em sua letra. Tem extrema relevância o papel
desempenhado pelos agentes aplicadores do direito (e aqui a referência não se restringe
aos órgãos jurisdicionais), não apenas na "descoberta" do significado da norma, mas,
muito mais do que isso, na própria construção do seu sentido. Haverá ocasiões em que os
próprios fatos constituirão, em si mesmos, fonte jurídica (não sendo apenas acionadores
dos efeitos previamente estabelecidos na norma) - e assim por diante.
Mas o que aqui se expôs é suficiente para evidenciar que o tema das provas tem
natureza processual, e não de direito material. A atividade probatória é precisamente
aquela desenvolvida pelo juiz para reconstruir historicamente os fatos pretéritos. As
provas referem-se a um aspecto essencial da atividade desenvolvida pelo órgão
jurisdicional, a fim de ele cumprir sua função.
A questão foi controversa por muito tempo, estando hoje quase pacificada. Por uma
tradição histórica (de resto, nem tão antiga, pois começou com a codificação napoleônica),
as regras probatórias tanto no Brasil como em outros países foram inseridas nos códigos
de direito material e privado (C. Civil, Comercial etc.). Isso era resquício da antiga
concepção privatista do processo - que seria mera extensão, acessório, da relação de
direito material em que as partes estão envolvidas. Na medida em que se reconheceu a
autonomia da ação, da relação processual e o caráter público da função jurisdicional, não
há mais espaço para tal confusão.
O fato de normas sobre prova ou sobre qualquer outra matéria processual estarem
inseridas em códigos de direito privado não afeta seu caráter processual. E vice-versa.
Afinal, não é a localização topográfica da norma que determina sua natureza - e sim seu
objeto e sobretudo sua função.
Assim, a prova é o instrumento processual adequado a permitir que o juiz forme
convencimento sobre os fatos pertinentes à situação jurídica objeto da atuação
jurisdicional. Normalmente isso implica reconstrução histórica do passado, i.e.,
investigação de fatos pretéritos (p. ex., definir se houve empréstimo, se houve pagamento,
se um dos cônjuges cometeu falta grave, se a sociedade publicou todos os editais para
fazer sua assembleia etc.). Mas, em certas ocasiões, pode ser necessário aferir eventos
ainda vigentes (p. ex., identificar se o filho tem necessidade de receber alimentos e se o pai
tem condições de pagá-los etc.) ou sua perspectiva de ocorrência, continuidade ou
repetição no futuro (p. ex., definir se há o risco de rompimento de uma barragem, se o
paciente falecerá se não fizer uma cirurgia etc.).
Em outra perspectiva - igualmente válida e não excludente daquela relativa ao juiz -,
prova é o instrumento de que se valem as partes para demonstrar as alegações fáticas que
embasam suas pretensões de tutela jurisdicional ou suas defesas em face de tais
pretensões.
As normas sobre prova não se confundem com as normas sobre a forma dos atos
jurídicos - essas sim de direito material, conforme visto no n. 13.8, adiante.
13.2. Prova e verdade no processo civil
A averiguação dos fatos da causa, a reconstrução histórica de tais fatos, não é, em si
mesma, o objetivo final do processo. Escopo do processo é, repita-se, solucionar conflitos,
prestando-se tutela jurisdicional a quem tem razão, mediante a atuação da vontade
concreta do ordenamento jurídico. E a verificação dos fatos ocorridos é apenas um
importante passo, uma etapa, para a consecução desse objetivo.
Para atingir esse fim, o juiz deve fazer todo o possível para apurar a "verdade dos
fatos". Ocorre que a verdade (conceito absoluto) é inatingível. A falibilidade do ser
humano não lhe permite alcançá-la. Melhor dizendo: não lhe é dado propriamente saber
se e quando a está de fato alcançando. A possibilidade do erro é inerente a toda pesquisa,
a toda investigação - inclusive a pesquisa científica.
Mas isso não quer dizer que o juiz deva renunciar ao ideal de atingir a verdade. A meta
abstrata é sempre essa. No campo da pesquisa científica, diante do risco do erro, o
pesquisador nem por isso "joga a toalha" e desiste da busca da verdade. Ele está sempre à
procura de modos de diminuir esse risco. No processo, não há de ser diferente. Aliás, um
dos princípios formativos do processo é justamente esse: a seleçãode meios eficazes para
que se busque a verdade e se evite o erro (v. vol. 1, n. 3.2).
É inadequado distinguirem-se três graus de verdade, como fazia uma antiga doutrina:
(a) a verdade absoluta; (b) a verdade material (que seria a atingida no processo penal); (c)
e a verdade meramente formal (da qual se ocuparia o processo civil). Todo o processo
jurisdicional, na medida em que busca atuar a vontade concreta do ordenamento, visa
idealmente à verdade. Trabalha, por conta das limitações humanas, com a
verossimilhança, mas sempre buscando a verdade. Agora, existem também outros fatores
e valores a considerar:
- a impossibilidade de a controvérsia permanecer permanentemente não resolvida -
quando não se consegue apurar os fatos;
- existência de situações urgentes que exigem proteção provisória em vista da sua
aparência;
- as peculiaridades concretas da situação de direito material que, por vezes, são
incompatíveis com uma reconstrução probatória mais intensa;
- a necessidade de a produção das provas respeitar valores jurídicos fundamentais
(contraditório, intimidade, integridade física...).
Por essas razões é que o direito processual precisa também contemplar mecanismos
destinados a dar uma solução ao conflito mesmo quando não se possa atingir a verdade.
Mas mesmo esses mecanismos têm de ser concebidos à luz da ideia de que ao processo
interessa, sim, a verdade, como importante passo para a realização da justiça. É nesse
contexto que têm de ser compreendidos todos os institutos do direito probatório.
13.3. Os significados de "prova": atividade, meio e resultado
Prova, como muitas outras palavras empregadas no direito, é vocábulo com mais de
um significado. É expressão multissignificativa, polissêmica.
Em uma primeira acepção, prova é a atividade que se realiza com o objetivo de se
verificar a veracidade de algo. Em outros termos, é a atividade destinada a influenciar,
subsidiar o convencimento de alguém acerca da veracidade de uma afirmação. Nesse
sentido, no processo, fala-se em atividade probatória.
Ainda, em um segundo sentido, prova é o meio, o instrumento pelo qual essa atividade
se realiza. Nesse sentido, a expressão é utilizada no art. 369 do CPC/2015.
Por fim, "prova" designa o resultado atingido com aquela atividade; o convencimento
que o destinatário daquela atividade veio a adquirir quanto à veracidade daquilo que ela
pretendia verificar (no caso do processo, o convencimento do juiz). Por exemplo, quando o
juiz afirma na sentença que "houve prova do pagamento", ele quer com isso significar que
isso ficou provado, i.e., que ele concluiu isso a partir dos meios probatórios apresentados.
13.4. Os sujeitos da prova
13.4.1. O juiz como destinatário da prova
O destinatário último da prova é o juiz. No processo, a prova não se destina à parte que
a produz nem a seu adversário. Uma vez produzida, passa a integrar o acervo instrutório,
pouco importando quem teve a iniciativa de requerer sua produção. O juiz irá valer-se de
todos os elementos probatórios reunidos para formar sua convicção, motivadamente.
Nesse sentido é que tradicionalmente se afirma que a prova é um "assunto do juiz".
Sendo a prova o modo pelo qual o juiz passa a ter conhecimento dos fatos que envolvem a
relação jurídica posta à apreciação da jurisdição, é de todo evidente que o interesse em
provar está intimamente ligado ao interesse de dirigir ao juiz a prova, pois é a este que
cabe definir a solução jurídica adequada, a partir do convencimento que tiver dos fatos.
Por isso, toda a atividade probatória no curso do processo deve ser direcionada ao juiz,
que é o destinatário da prova, independentemente da opinião que a parte contrária possa
ter acerca dos fatos.
Claro que o cumprimento espontâneo do comando da norma jurídica pode ocorrer a
qualquer momento, inclusive durante o processo. Se alguém, já litigando, se convence da
razão de outrem por causa da prova produzida, cumpre-lhe dar fim ao litígio
espontaneamente, o que, aliás, não raro acontece. Mas isso é consequência reflexa da
prova, pois dentro do processo a prova se destina ao convencimento do juiz, que julgará
com base na demonstração da ocorrência dos fatos que as partes proporcionarem através
da prova.
13.4.2. Irrelevância da autoria da prova (princípio da comunhão da prova)
A constatação de que a prova não "pertence" à parte implica relevante consequência
prática. Uma vez produzida, a prova passa a integrar o processo, pouco importando quem
a produziu. Tanto que, como adiante se verá, a parte não pode seccionar a prova para
aproveitar apenas a parcela que lhe interessa. A prova é um todo, e como um todo deve
ser considerada.
A questão assume especial relevo quando o resultado probatório é contrário ao
interesse da parte que produziu aquela prova. Como a prova pertence ao processo, ainda
que venha em prejuízo da parte que a produziu, ela passa a integrar o arcabouço
instrutório (i.e., o conjunto de subsídios que o juiz usará para decidir), e seus efeitos
fazem-se sentir, cabendo ao juiz extrair as consequências do fato provado, pouco
importando quem foi o autor da prova.
Trata-se do princípio da aquisição processual, também conhecido como princípio da
comunhão da prova. Está expressamente consagrado no art. 371 do CPC/2015 ("O juiz
apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver
promovido...").
13.4.3. Os poderes instrutórios do juiz
Em outros tempos, o magistrado atuava como mero espectador da atividade probante
das partes, sem interferir na iniciativa ou condução da prova. Essa postura não é
compatível com o atual processo civil. Em regra, as partes têm pleno poder de levar ou
não ao Judiciário um conflito: podem resolvê-lo extrajudicialmente, mediante transação;
podem optar pela arbitragem - e assim por diante. Além disso, e mesmo no curso do
processo, em regra, as partes podem praticar atos de disposição material, transigindo,
renunciando à pretensão em que se funda a ação, no caso do autor, ou se submetendo a tal
pretensão, no caso do réu. No entanto, se as partes pretendem uma solução heterônoma
(uma solução "adjudicada", para usar expressão que vem ganhando força entre nós, por
influência da common law), ditada pelo juiz, esse tem plenos poderes para procurar
identificar a solução mais justa, correta e razoável para o caso. Para a correta aplicação da
ordem jurídica, o juiz precisa identificar com precisão os fatos ocorridos (para assim
definir as consequências jurídicas que estão a incidir). E para isso, é fundamental a
instrução probatória. Portanto, excluir ou limitar o poder judicial de instrução probatória
implicaria excluir ou afetar o próprio poder de proferir a decisão adequada.1
Por isso, o juiz tem o poder (e dever) de: (a) deferir as provas requeridas pelas partes
que sejam pertinentes; (b) indeferir aquelas que sejam inúteis; (c) e, não menos
importante, determinar de ofício as provas que se façam necessárias, i.e.,
independentemente da iniciativa das partes (art. 370, caput e parágrafo único do
CPC/2015).
A determinação de produção de provas de ofício, embora em consonância com as
premissas do caráter público da atuação jurisdicional, enfrenta dúvidas e resistências.
Teme-se que o juiz afronte o princípio da igualdade entre as partes e se torne parcial ao
produzir provas de ofício.
Mas, muitas vezes, quando determina a produção de uma prova, o juiz nem sequer
sabe a quem o resultado dela beneficiará (p. ex., a realização de uma perícia). Mas, mesmo
quando já é possível saber de antemão quem será o beneficiado por uma prova (p. ex., a
determinação de ofício de juntada aos autos de um documento, cujo conteúdo claramente
comprovará a afirmação de fato feita por uma parte), não se pode dizer que o juiz estará
sendo parcial ao determinar sua produção. Afinal, o "benefício" advirá em favor daquele
que tem razão. Não há nisso nenhuma ofensa à imparcialidade (tal comonão é parcial o
juiz proferir a sentença em favor da parte que tem razão): é da própria essência da
jurisdição, dar razão a quem... tem razão. Ofensivo à imparcialidade seria, nesse caso, o
juiz, sabendo da existência daquela prova, omitir-se de produzi-la, e assim beneficiar a
parte que não tem razão.
Evidentemente, o juiz não pode usar seus poderes instrutórios como pretexto para
simplesmente atuar indiscriminadamente em favor de uma das partes. Ele não pode se
tornar mero assistente de uma das partes em detrimento da outra. Mas isso é
perfeitamente controlável pelo dever de motivar as decisões judiciais e pela garantia do
contraditório. Caberá ao juiz, ressalvados os casos de urgência, dialogar previamente com
as partes, indicando que cogita produzir uma prova e ouvindo os argumentos delas a esse
respeito (art. 5.º, LV, da CF/1988; arts. 9.º e 10 do CPC/2015). A seguir, sua decisão sobre o
tema deverá ser fundamentada (art. 93, IX, da CF/1988; art. 11 do CPC/2015).
Além disso, o juiz deve sempre atentar para todos os princípios jurídicos envolvidos,
considerando diversos fatores: o tempo que já se gastou com o processo, os valores
patrimoniais e não patrimoniais envolvidos no litígio, a condição das partes e seu
comportamento no curso do processo, as efetivas chances de que a prova sirva para
esclarecer os fatos etc. A produção de provas de ofício tem de se mostrar proporcional e
razoável em face de todos esses fatores. Por exemplo, em uma ação de investigação de
paternidade, o juiz não se absterá de determinar o exame de DNA apenas porque as partes
não o requereram. A relevância do objeto do processo e a eficiência dessa prova pericial
aconselham intensamente a atividade probatória de ofício. Mas mude-se agora o exemplo:
em uma ação revisional de aluguel, ambas as partes contentam-se em produzir apenas
prova documental e testemunhal para demonstrar qual deve ser o valor da locação. As
partes nitidamente evitaram os custos da prova pericial. Ora, em um caso como esse,
eminentemente patrimonial, não será proporcional e razoável que o juiz, de ofício,
determine perícia de avaliação do imóvel.
Em suma, o poder instrutório do juiz existe para assegurar a tranquilidade necessária
para um julgamento adequado e razoável, quando a prova reunida no processo não for
suficiente para seu convencimento.
A admissibilidade de negócios jurídicos processuais versando sobre meios de prova ou
sobre a definição de questões fáticas controvertidas deverá tomar em conta
necessariamente essas premissas (v. a respeito, no vol. 1, o cap. 27, esp. n. 27.6.3).
13.4.4. O sistema da persuasão racional (livre convencimento motivado)
Os poderes do juiz estendem-se à avaliação da prova.
Historicamente, são conhecidos dois modelos extremos de avaliação da prova.
Um deles, o do livre convencimento puro, confere ao juiz o poder de decidir como bem
entender, conforme seu sentimento, sua intuição. Há total liberdade, para se decidir
inclusive contra as provas dos autos. Esse era o sistema vigente no processo romano
arcaico e clássico (o nome "sentença" vem daí: sententia, sentimento). No direito brasileiro,
o julgamento feito por tribunal de júri, no processo penal (art. 5.º, XXXVIII, da CF/1988), é o
que mais se aproxima desse modelo.
No outro extremo, está o sistema da tarifação legal da prova (ou da prova tarifária ou
da prova legal). A lei estabelece as regras de valoração da prova. Cada prova tem valor
inalterável e constante estabelecido normativamente. O juiz torna-se um órgão passivo,
sem qualquer autonomia para apreciar as provas. O legislador se substitui ao juiz, na
atividade de valorar o resultado probatório. Exemplos desse modelo, na história do
processo, tem-se no direito dos povos bárbaros (com as ordálias), no direito da época
feudal (o testemunho de um senhor feudal tinha o mesmo valor do que o de dez servos...)
e nas leis subsequentes à revolução francesa, que denotavam enorme desconfiança do
novo regime na figura do juiz, muito ligada aos desmandos do período anterior. O direito
brasileiro apresenta resquícios desse modelo, adiante examinados (n. 13.7.3).
Mas o modelo que preponderantemente vigora no processo civil brasileiro atual é o da
persuasão racional (ou livre convencimento motivado). O juiz tem liberdade na
apreciação da prova. Todavia, deve fundamentar, com base nos elementos instrutórios
reunidos no processo, o resultado a que chegou. Em outros termos, o juiz é livre no seu
convencimento, desde que justifique o resultado a que chegou.
Esse sistema preserva a independência da função jurisdicional e afasta o perigo de
arbítrios, caprichos e subjetivismo excessivo. Ele já decorreria da própria imposição
constitucional de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF/1988), reiterada em
termos gerais no Código de Processo Civil (arts. 11 e 489, § 1.º, do CPC/2015). Mas não
bastasse isso, o art. 371 do CPC/2015 consagra expressamente essa diretriz no campo
probatório: "O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito
que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu
convencimento".
13.4.5. O direito das partes à prova
Por todas as razões postas, o juiz é o destinatário principal da prova, sobretudo, no
curso do processo. Mas ele não é absolutamente o único a quem a prova interessa. A prova
também tem fundamental relevância para as partes.
Em primeiro lugar, existe inequivocamente uma garantia constitucional da prova - até
mesmo como expressão do acesso à justiça, ampla defesa e contraditório. As partes têm o
direito de provar as alegações que fazem no processo. Assim como se diz que de nada
adianta alguém apenas alegar sem nada provar, igualmente de nada adiantaria a
Constituição conceder aos jurisdicionados o direito de pedir proteção jurisdicional ou de
se defender, se não lhes assegurasse igualmente o direito de produzir provas para
respaldar suas pretensões e defesas.
Além disso, a consideração do resultado probatório é muito importante para as partes
dimensionarem suas efetivas razões, suas chances concretas na disputa. Já se destacou
acima que a prova exerce esse papel inclusive no curso do processo, quando uma parte, ao
ver que a produção probatória lhe é claramente desfavorável abre mão de sua pretensão
ou se submete à do adversário. Mas isso pode acontecer mesmo antes do início do
processo que tenha por objeto a solução do conflito entre as partes. As partes podem
tomar em conta, por exemplo, prova documental já existente - e assim avaliar suas
chances. Ou então pode ser instaurado um processo com o escopo único de produzir
provas (produção antecipada de provas - v. n. 13.12.5, adiante).
Nesse sentido, alude-se a um direito autônomo à prova. Vale dizer: o direito de
produzir uma prova não apenas como algo inserido já no contexto do exercício da ação ou
da defesa, mas algo que pode anteceder a tal exercício, funcionando até mesmo como
fator de aferição de sua viabilidade. Essa dimensão do direito à prova é explicitamente
considerada pelo Código de Processo Civil, que, ao tratar do procedimento de produção
antecipada da prova, prevê que o interesse do seu requerente pode cingir-se à avaliação
da viabilidade de uma futura e eventual demanda ou como subsídio para nortear uma
transação ou outra solução extrajudicial do litígio (art. 381, II e III, do CPC/2015 - v. n.
13.12.5, adiante).
13.4.6. A garantia do contraditório - Necessidade da prova nos autos
As partes não têm apenas o direito de produzir provas. Têm igualmente o direito de
acompanhar ativamente toda a atividade probatória. A garantia constitucional do
contraditório (art. 5.º, LV, da CF/1988), expressa-se em todos os momentos e atividades
processuais, mas assume especial relevância no campo das provas.
Assim, as partes têm o direito de:
- ser ouvidas sobre as provas requeridas pelo adversário;
- como já destacado, debater previamentecom o juiz a respeito das provas cuja
produção esse pretenda determinar de ofício;
- acompanhar o procedimento de produção de cada meio de prova - formulando
quesitos, indicando assistente técnico e, por meio desse, acompanhando os trabalhos
periciais; contraditando testemunhas, formulando-lhes perguntas, pleiteando acareações;
formulando perguntas no depoimento pessoal das partes; acompanhando a inspeção
judicial etc.;
- debater o resultado probatório, manifestando-se sobre o sentido, alcance e valor de
cada informação obtida com a produção das provas.
De resto, a garantia do contraditório não se exaure no direito de se manifestar. Mais
que isso, ela impõe a efetiva consideração pelo juiz das manifestações apresentadas, ainda
que seja para rejeitá-las, sempre fundamentadamente.
Corolário do contraditório em matéria de provas é o princípio da necessidade da prova
nos autos. O juiz apenas pode decidir com base em provas que tenham sido trazidas para
dentro do processo. É o tradicional brocardo "o que não está nos autos não está no
mundo". Longe de constituir mero formalismo, essa diretriz assegura o efetivo respeito ao
contraditório. De nada adiantaria exigir-se que toda a prova trazida ao processo se
submetesse ao contraditório se, em contrapartida, fosse dado também ao juiz decidir com
base em provas que não vieram ao processo e, portanto, não se submeteram ao
contraditório. Exigir que o juiz julgue com base na prova dos autos significa exigir que ele
julgue com base na prova que passou pelo crivo do contraditório.
13.4.7. Dever e ônus de colaborar com a instrução probatória
Aqueles que são terceiros em relação ao processo têm o dever (v. vol. 1, n. 2.3) de
colaborar com a instrução probatória (arts. 378 e 380 do CPC/2015). Por exemplo, se uma
testemunha, devidamente intimada, recusa-se a comparecer à audiência, além de ser
forçadamente conduzida a juízo (art. 455, § 5.º, 2.ª parte, do CPC/2015), responderá
inclusive penalmente (art. 330 do CP).
Tradicionalmente, afirma-se que as partes têm o ônus, e não propriamente o dever (v.
vol. 1, n. 2.3), de colaborar com a instrução probatória. Se a parte se nega a prestar
depoimento pessoal, ficará caracterizada a "confissão ficta" (art. 385, § 1.º, do CPC/2015).
Se a parte se recusa a exibir em juízo documento que está em seu poder e é relevante para
a causa, presumir-se-ão verdadeiros os fatos que seu adversário pretendia provar através
daqueles documentos (art. 400 do CPC/2015). O Código Civil explicitou duas outras regras
caracterizadoras desse ônus da parte de colaborar com a instrução probatória. Trata-se,
em verdade, de hipótese que já estava consagrada na jurisprudência, mediante a aplicação
do princípio geral ora mencionado. Nos termos do art. 231 do CC, "aquele que se nega a
submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa". E nos
termos do art. 232 do CC, "a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a
prova que se pretendia obter com o exame". Um exemplo - o mais frequente na prática -
basta para ilustrar a aplicação dessa regra. O réu na ação de investigação de paternidade
recusa-se a submeter ao exame de DNA. Diante disso, por um lado, não poderá ele
pretender sustentar que o autor da ação não se desincumbiu do ônus de provar a relação
de filiação (art. 231 do CC). A Lei 12.004/2009 explicitou a consequência aplicável a essa
hipótese, já antes consagrada jurisprudencialmente e extraível do art. 232 do CC a recusa
do réu em se submeter ao exame pode gerar a presunção de paternidade, "a ser apreciada
em conjunto com o contexto probatório" (art. 2.º, parágrafo único, da Lei 12.004/2009):
reputa-se que ele se negou a fazer o exame precisamente para evitar que se comprovasse
a filiação. Na falta do exame e de outros elementos instrutórios, o juiz pode se valer dessa
presunção para decidir a favor do autor.
Mas a contribuição da parte em face da instrução probatória não se cinge à esfera do
simples ônus. Pode também configurar-se dever de colaboração. A regra do art. 378 do CPC
do CPC/2015 é peremptória: "ninguém" se exime de colaborar com a instrução probatória,
nem mesmo as partes. Some-se a isso o dever de cooperação, consagrado no art. 6.º do
CPC/2015 ("Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em
tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva").
Quando se afirma haver o dever da parte em colaborar com a instrução probatória,
não se quer sustentar que a parte teria de até mesmo ter a iniciativa de produzir provas
que lhe sejam desfavoráveis. A parte tem o direito de apenas requerer as provas que
reputar mais adequadas para a comprovação de suas afirmações. É nesse sentido que se
deve compreender que a parte não pode ser forçada a produzir provas contra si mesma,
contida no caput do art. 379 do CPC/2015. Mas o dever põe-se em relação à produção
probatória em curso, requerida pelo adversário ou determinada de ofício pelo juiz. A
parte não pode criar obstáculos nem deixar de dar atendimento a providências que lhe
sejam determinadas (art. 379 do CPC/2015). Ônus e dever coexistem. Exemplo claro disso
tem-se na determinação de exibição de documento. Há um ônus de a parte exibir o
documento quando receber essa determinação (ressalvadas as hipóteses de legítima
recusa, a ser aferida pelo juiz). O descumprimento desse ônus, como dito, gera a
presunção de veracidade dos fatos que se pretendia provar com o documento. Mas há
também verdadeiro dever de exibição pela parte, como evidencia o parágrafo único do art.
400 do CPC/2015: "Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido". Ou seja, o
documento pode ser buscado e apreendido, à força, inclusive: isso constitui a imposição
forçada do específico dever de colaborar. O tema é retomado no n. 13.7.2, ao se tratar do
incidente de exibição documental.
13.4.8. Ônus da prova
Provar os fatos que embasam suas alegações e defesas, além de ser um direito
fundamental da parte, é também um ônus.
13.4.8.1. A categoria geral do ônus
A noção geral de ônus já foi objeto de exame, no vol. 1, n. 2.3. O ônus consiste na
atribuição de determinada incumbência a um sujeito no interesse desse próprio sujeito.
Ou seja, prescreve-se ao onerado uma conduta a adotar, pela qual ele poderá obter uma
vantagem ou impedir uma situação que lhe seja desfavorável. Como já se viu, ônus e dever
são figuras jurídicas distintas em pelo menos dois aspectos: (i) o dever implica um
correlato direito de outro sujeito, ou seja, é uma conduta que a lei prescreve no interesse
de outrem, enquanto que o ônus é estabelecido no interesse do próprio onerado; (ii) o
descumprimento do dever pode implicar a incidência de uma sanção, ao passo que a
inobservância do ônus apenas faz com que o onerado eventualmente perca a chance de
desfrutar de uma situação melhor.
13.4.8.2. O conceito de ônus da prova
Essas noções gerais aplicam-se ao ônus da prova, que pode ser conceituado como a
atribuição, à parte, da incumbência de comprovar fatos que lhe são favoráveis no
processo.
13.4.8.3. As funções do ônus da prova
O ônus da prova é de fundamental importância quando não há prova de determinado
fato no processo. Se a prova vem aos autos, independentemente de quem a produziu,
compete ao juiz reconhecer os efeitos que ela produz - independentemente de quem a
trouxe. Se há prova nos autos (ou seja, se ela foi produzida, não importando por quem), as
regras do ônus da prova são totalmente desnecessárias. Provados os fatos, o juiz tão
somente os adequará à norma jurídica pertinente.
Mas se não há prova, é necessário que o sistema trace os critérios a serem trilhados
pelo juiz para chegar à solução da demanda.
Isso porque o processo não pode durar indefinidamente em busca da verdade dos fatos
- sob pena de gerar ainda mais males às partes e à sociedade. É precisoque, em dado
momento, o processo acabe. Por outro lado, o juiz não se pode eximir de decidir apenas
porque não conseguiu formar convencimento sobre os fatos da causa. Então, há um
momento em que o processo precisa acabar e o juiz tem de sentenciar, tenha ou não
formado convencimento. É estritamente para essas situações que a lei fixa as regras sobre
distribuição do ônus da prova.
Há, como já se destacou, a possibilidade de o juiz determinar de ofício a produção de
uma prova. Mas, ainda que em tese exista esse poder, em termos concretos, é difícil o juiz
saber muitas vezes que prova produzir. Ou então, mesmo produzindo provas de ofício, o
juiz permanece sem uma conclusão probatória satisfatória. Permanece não sabendo se
determinados fatos ocorreram ou não.
Se todo o procedimento já se desenvolveu sem que o juiz conseguisse formar convicção
sobre a ocorrência ou inocorrência de determinado fato relevante para o julgamento da
causa, cabe-lhe aplicar as regras sobre ônus da prova, decidindo contra aquele a quem
cabia a prova de tal fato. Quem está em melhor condição de identificar as provas possíveis
e requerer sua produção são as partes. Mais do que isso, normalmente, a parte a quem
determinado fato favorecerá na solução do litígio é quem reúne os melhores meios e sabe
os melhores caminhos para a sua comprovação.
Nesse sentido, as regras sobre divisão do ônus da prova funcionam como uma "tábua
de salvação", um último recurso, para o juiz decidir nos casos em que fracassaram todos
os mecanismos disponíveis para a formação da convicção judicial (provas produzidas
pelas partes, provas produzidas de ofício, formação de presunções mediante a aplicação
das máximas da experiência [v. n. 13.11, abaixo] etc.).
Assim, mediante a distribuição do ônus da prova, estabelecem-se regras destinadas a
nortear a atividade do julgador e sistematiza-se o procedimento probatório, evitando-se
diligências desnecessárias e indesejáveis. Então, as normas sobre ônus probatório, por um
lado, são "regras de julgamento", isso é, são dirigidas ao julgador, no momento de
sentenciar. Por outro, fornecem parâmetros para as partes previamente estabelecerem
sua estratégia probatória: autor e réu primeiramente se concentrarão em provar os fatos
sobre os quais recaem os seus respectivos ônus da prova.
13.4.8.4. Ônus da prova é imperfeito
Como também já se viu no cap. 2 do vol. 1, existem ônus perfeitos e imperfeitos.
Perfeito é o ônus cuja inobservância gera necessariamente consequência negativa para o
onerado (ex.: ônus de apelar, em regra). Imperfeito é o ônus pode vir a gerar um resultado
desfavorável para a parte: provavelmente gerará, mas eventualmente não (ex.: contestar:
nem sempre incide o efeito principal da revelia, como visto no cap. 8).
O ônus de provar é um ônus imperfeito. A parte que não produz prova que lhe cabia
não será, necessariamente, a derrotada. E isso basicamente por dois motivos.
Primeiro, por força do princípio da comunhão da prova (n. 13.4.2, acima). O juiz, ao
apreciar e valorar a prova, terá liberdade para considerar todos os elementos instrutórios
constantes dos autos, independentemente de quem os produziu. E com base nisso,
eventualmente o juiz pode chegar àquele mesmo convencimento a que a prova objeto do
ônus o levaria. Assim, até mesmo uma prova produzida pelo adversário da parte que não
cumpriu o ônus probatório pode tornar irrelevante essa omissão.
Além disso, como já se viu (n. 13.4.3), também o juiz tem a possibilidade de produzir
provas de ofício - inclusive aquelas sobre as quais recaía o ônus da parte.
13.4.8.5. A distribuição legal do ônus da prova
Na distribuição do ônus da prova, o legislador toma em conta aquilo que
ordinariamente ocorre para supor que cada uma das partes é a maior interessada e é
quem está em melhores condições para fazer a prova do fato que embasa sua posição
jurídico-material ou que derruba a posição jurídico-material do adversário.
Assim, o art. 373 CPC/2015, distribui o ônus da prova conforme a posição processual
que a parte assume. Se ela está no polo ativo, compete-lhe provar o fato constitutivo de
seu pretenso direito. Se no polo passivo, cabe-lhe provar fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito alegado pelo autor. Não recai ônus da prova sobre o réu quando ele
não alega fato modificativo, impeditivo ou extintivo, mas apenas nega o fato constitutivo
do direito alegado pelo autor (v. vol. 1, n. 12.5.3, e, neste volume, n. 13.6.5, a seguir).
Fato constitutivo é aquele que tem o condão de gerar o direito postulado pelo autor e
que, se demonstrado, leva à procedência do pedido (ex.: na ação de cobrança de uma
quantia, o mútuo da quantia e o vencimento da dívida são os fatos constitutivos do direito
do autor). Fato impeditivo, modificativo ou extintivo é todo aquele que leva ao não
reconhecimento do direito alegado pelo autor. Impeditivo, porque obsta um ou alguns dos
efeitos que naturalmente ocorreriam da relação jurídica (ex., na ação de cobrança acima
referida, um vício de vontade no contrato de mútuo). Modificativo, porque implica a
alteração (diminuição ou mudança de natureza) do direito que derivaria do fato
constitutivo (ex., na ação de cobrança acima mencionada, um pagamento parcial).
Extintivo, porque fulminam no todo o direito invocado pelo autor, fazendo cessar a
relação jurídica original (ex., na ação de cobrança referida, o pagamento total da dívida,
ou seu perdão integral pelo credor etc.).
Questão difícil põe-se nos casos em que o autor propõe ação declaratória negativa de
um direito do réu e a fundamenta na inexistência do fato constitutivo de tal direito. Por
vezes, a ação declaratória negativa funda-se na ocorrência de um fato extintivo do direito
do réu. Por exemplo, o autor promove a ação pedindo que se declare que a dívida não
existe e fundamenta seu pedido na afirmação de que já a teria pago. Nesse caso, não há
maiores dificuldades quanto ao ônus da prova. É ônus do autor da ação provar o
pagamento, que, na relação de direito material, é fato extintivo do direito do credor, e, na
relação processual, é o fato constitutivo da pretensão declaratória negativa do autor. Mas
a questão fica mais intrincada quando a ação declaratória negativa do direito do réu
funda-se na tão só alegação da inexistência do fato constitutivo de tal direito. Por exemplo,
o autor promove a ação de declaração de inexistência da dívida e a fundamenta na
alegação de que jamais contraiu empréstimo ou assumiu qualquer outra obrigação
pecuniária junto ao réu. Nesse caso, não há como causa de pedir um fato extintivo,
modificativo ou impeditivo do direito de crédito, mas a tão só afirmação de que não existe
o fato constitutivo de tal direito. Daí se indaga de quem seria o ônus da prova? Do autor de
provar que não contraiu nenhuma obrigação junto ao réu? Ou do réu de provar o fato
constitutivo de seu direito? Importam as posições jurídico-materiais (credor x devedor) ou
processuais (autor x réu)? Se relevantes forem as primeiras, dir-se-á que é sempre ônus do
credor provar a existência do fato constitutivo de seu direito, mesmo quando ele é réu na
ação. Essa é a solução tradicionalmente adotada, por exemplo, no direito alemão. Já se o
que importar for a posição processual, no exemplo dado, é ônus do autor provar o suporte
fático que fundamenta sua ação, no caso, a inexistência de empréstimo ou outra
modalidade de contração negocial da obrigação. O art. 373, I e II, refere-se expressamente
às posições processuais dos sujeitos onerados (diferentemente do que se passa no direito
alemão, em que não há regra expressa, e a distribuição do ônus da prova deriva de
aplicação principiológica). Logo, a segunda solução é a mais compatível com ordenamento
brasileiro. Questão outra concerne a saber em que medida é possível produzir-se prova de
um fato negativo (i.e., da inexistência de um fato). Veja-se a respeito o n. 13.6.5, abaixo.
13.4.8.6. A (re)distribuiçãodinâmica do ônus da prova
O § 1.º do art. 373 do CPC/2015 autoriza o juiz a redistribuir o ônus da prova de modo
diverso do previsto na regra geral, se houver impossibilidade ou excessiva dificuldade no
cumprimento do encargo ou, ainda, se for mais simples a obtenção de prova do fato
contrário. Mas o juiz está proibido de proceder a tal redistribuição, se ela implicar a
atribuição à parte de ônus impossível ou excessivamente difícil de ser cumprido (§ 2.º).
Trata-se daquilo que a doutrina denomina de distribuição dinâmica do ônus da prova.2
A parte interessada pode requerer ao juiz que proceda a tal redistribuição, mas o juiz
deve agir até mesmo de ofício, uma vez presentes os requisitos.
Na tarefa de redistribuir o ônus da prova, não há margem para arbítrio nem
discricionariedade (no sentido estrito do termo) do juiz. O emprego do verbo "poderá" no §
1.º indica apenas a necessidade de exame de cada caso concreto. Como indicado antes, a
atribuição legal do ônus da prova toma em conta aquilo que ordinariamente acontece: a
parte a quem o fato interessa é que tem a melhor condição de prová-lo, se não o faz, isso
significa que provavelmente o fato não existe. Mas há casos concretos em que o juiz
verifica concretamente que é muito difícil ou até impossível à parte sobre quem recai o
ônus probatório provar o fato, ou que é muito mais fácil para a parte adversária fazê-lo.
Ou seja, o juiz constata que naquele específico processo a suposição desenvolvida pelo
legislador é inadequada. Por isso, a reformula no caso concreto.
Tal decisão há de ser fundamentada. Não bastasse a imposição geral extraível do art.
93, IX, da CF/1988, e do art. 11 do CPC/2015, o próprio art. 373, § 1.º, do CPC/2015 veicula
exigência específica nesse sentido - a evidenciar a importância que a motivação assume
em tal hipótese.
Da decisão que determina a redistribuição do ônus da prova ou o descarta cabe agravo
de instrumento (art. 1.015, XI do CPC/2015).
A parte a quem for imposto, mediante a redistribuição, o ônus da prova deverá
também receber a oportunidade de dele desincumbir-se. Há previsão expressa a respeito
na parte final do § 1.º do art. 373 do CPC/2015 - e, de resto, trata-se de imposição da
garantia constitucional do contraditório. Isso significa, em primeiro lugar, que a parte não
pode ser surpreendida por uma inversão do ônus da prova realizada apenas no momento
do julgamento da causa. Sempre que possível, o momento mais adequado para a
redistribuição é a fase de saneamento do processo, antes do início da fase de instrução
probatória (art. 357, III, do CPC/2015). Mas não fica vedada a redistribuição depois disso.
Por vezes, apenas depois do saneamento, já na fase probatória, o juiz constata a
configuração concreta dos pressupostos da redistribuição. Mais ainda, essa constatação
pode dar-se com a instrução já encerrada, com os autos já conclusos para julgamento, ou
mesmo em segundo grau de jurisdição. Mesmo nesses casos, a redistribuição do ônus da
prova é possível. Mas será imprescindível - sob pena de cerceamento de defesa, ofensa ao
contraditório e ao devido processo legal - reabrir a instrução probatório, dando à parte
onerada pela redistribuição nova oportunidade de requerer e produzir provas.
Há ainda outras leis que permitem ao juiz alterar a distribuição do ônus da prova em
determinadas situações. É o caso do art. 6.º, VIII, do CDC, segundo o qual cumpre ao juiz
inverter o ônus da prova em favor do consumidor quando esse for "hipossuficiente", ou
seja, não detiver condições técnicas, econômicas, socioculturais etc. para produzir a prova,
e forem verossímeis as alegações de fatos por ele feitas. Também aqui a atividade do juiz
não será arbitrária nem discricionária em sentido estrito, cabendo-lhe fundamentar a
decisão. E também aqui há de se dar a oportunidade para o fornecedor, após a inversão do
ônus da prova, dele desincumbir-se. Mas essa regra tende a perder grande parte de sua
relevância prática, diante daquela de caráter geral do art. 373, § 1.º, do CPC/2015 que lhe é
posterior e cujos pressupostos são mais flexíveis. De todo modo, cabe ao intérprete
identificar um campo de incidência autônoma da inversão do ônus probatório com base
no art. 6.º, VIII, do CDC - até porque ela figura no rol dos "direitos básicos" do consumidor.
Uma possível interpretação é no sentido de que, nas relações de consumo, presentes os
dois requisitos (verossimilhança e hipossuficiência), o critério para a redistribuição do
ônus da prova será ainda mais flexível do que o estabelecido na regra geral. Ou seja,
bastaria uma mais tênue indicação da dificuldade de produção da prova pelo consumidor
ou da maior facilidade de sua produção pelo fornecedor.
13.4.8.7. A redistribuição convencional do ônus da prova
O § 3.º possibilita às partes convenção a respeito do ônus probatório (que pode ser
celebrada até mesmo antes do processo), exceto quando se tratar de direito indisponível
ou quando a redistribuição convencional tornar excessivamente difícil o exercício do
direito de ação ou de defesa.
Trata-se de um negócio jurídico processual típico, i.e., expressamente previsto pelo
legislador (sobre os negócios processuais, v. vol. 1, cap. 27).
Nas relações de consumo, são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que
invertam ônus da prova em detrimento do consumidor (art. 51, VI, do CDC).
13.5. Objeto da prova
Devem-se provar fatos, não o direito. Pela máxima jura novit curia ("o tribunal conhece
o Direito"), tem-se que o direito alegado não é objeto da prova, mas apenas os fatos, ou
seja, aquilo que ocorreu de concreto no mundo. Também se diz da mihi factum, dabo tibi
jus ("dê-me o fato, que lhe dou o direito"), para significar que basta à parte demonstrar
que os fatos ocorreram para que o juiz aplique o direito correspondente.
Mas cabem aqui um esclarecimento adicional e uma exceção.
13.5.1. Afirmações de fatos
A rigor, não é propriamente o fato em si que é objeto de prova. Mas, sim, uma alegação,
uma afirmação, sobre a existência ou inexistência de um fato. É essa afirmação que é
posta à prova, que é testada como verdadeira ou falsa.
13.5.2. A excepcional exigência de prova do direito
A exceção ocorre quando se tratar de direito municipal, estadual, estrangeiro ou
consuetudinário (art. 376 do CPC/2015). Nesses casos, não apenas o conteúdo da norma,
mas também a sua vigência pode ter de ser provada pela parte que invoca tais normas.
A princípio, a parte não tem o ônus de produzir tal prova - diferentemente do que se dá
quanto à prova dos fatos, cuja oneração incide desde logo. Caberá ao juiz, se reputar
necessária, determinar à parte que produza a prova do direito.
Interpreta-se o art. 376 do CPC/2015 no sentido de que o direito municipal ou estadual
cuja prova de teor e vigência pode ser determinada pelo juiz é o de Município ou Estado
distinto daquele em que tramita o processo. Tal interpretação restritiva justifica-se em
face do caráter excepcional da regra.
Nesses casos, quando a ação ou a defesa se fundar em normas de direito estadual ou
municipal, cumpre à parte demonstrar sua vigência e teor - se assim determinar o juiz. Se,
por exemplo, se tratar de lei municipal, a prova desse direito poderá ocorrer, entre outras
hipóteses, através de uma certidão emanada da Câmara de Vereadores, dando conta da
sessão legislativa em que o ato normativo foi aprovado e atestando sua não revogação no
momento relevante para a causa. Aceita-se também a comprovação mediante a
apresentação de julgados ou manifestações doutrinárias que afirmem a vigência das
normas na época pertinente ao caso. No que tange ao direito consuetudinário, o meio
testemunhal é também adequado para provar que aquele costume vige naquela região.
A falta de tal prova, quando determinada pelo juiz, pode levar ao indeferimento da
pretensão, não porque o fato não tenha sido demonstrado, mas porque não houve a
certeza jurídica davigência do direito invocado.
13.6. Ainda o objeto da prova: fatos relevantes, controversos e determinados
Mas não é qualquer (afirmação de) fato que merece ser objeto de prova. Para tanto, é
preciso que o fato seja relevante, controvertido e determinado.
13.6.1. Fato relevante
Relevante é todo fato que sirva para influenciar o convencimento do juiz acerca da
vontade concreta da norma a ser atuada no caso. Por outro ângulo, é todo o fato que sirva,
direta ou indiretamente, para embasar as alegações das partes (o pedido do autor, a defesa
do réu).
O fato, sob o enfoque da relevância, pode ser classificado como principal ou
secundário.
Principais são os fatos que constituem o próprio pressuposto (enquadram-se na
hipótese de incidência) das normas cuja aplicação no caso concreto se discute. Ou seja, são
os fatos jurídicos, no sentido antes exposto: os fatos aptos a gerar os efeitos previstos nos
mandamentos normativos. Sob o ângulo subjetivo das partes, principais são os fatos
constitutivos do alegado direito do autor e os fatos extintivos, impeditivos e modificativos
de tal direito, eventualmente alegados pelo réu.
Secundários (ou simples ou meramente pertinentes) são os fatos que, embora não
integrem o pressuposto das normas em discussão, auxiliam na constatação da ocorrência
do fato principal. Em outros termos, são os fatos que embora não constituam o direito
discutido, nem o impeçam, extingam-no ou o modifiquem, contribuem para a constatação
da existência (ou inexistência) do fato constitutivo, extintivo, modificativo ou impeditivo.
Eles ajudam na formação do convencimento do juiz quanto à veracidade dos fatos
principais. Funcionam como indícios (v. n. 13.11, adiante).
Exemplificando: o réu sustenta a anulabilidade do contrato que o autor pretende ver
cumprido. Afirma ter havido coação, que é fato impeditivo do direito do autor (fato
principal, portanto). A prova da coação comumente é de difícil produção: ninguém
presenciou o ato, quem coage atua veladamente etc. Contudo, existe uma série de outros
fatos, diversos da coação, mas que poderão influenciar o convencimento do juiz quanto à
ocorrência dela (ex.: pessoas presenciaram ameaças anteriores por parte do autor;
correspondências emitidas pelo réu, antes da realização do suposto negócio, noticiando
que não pretendia realizá-lo em hipótese nenhuma, apesar de o autor vir insistindo em
sua celebração etc.). Estes são fatos secundários, simples, que também podem ser objeto
de prova. Uma vez demonstrados, eles podem contribuir, a depender do conjunto de
circunstâncias, para a conclusão do juiz de que houve a coação - a despeito de não se
produzir prova diretamente a respeito desse fato principal.
Assim, fatos outros que não os principais, para que sejam relevantes, hão de ser
pertinentes. Hão de contribuir, de algum modo, para formar a convicção do juiz. Aliás,
vale aqui uma observação de ordem prática. Na grande maioria dos casos, a prova acaba
tendo por objeto os fatos secundários e não os principais (em casos como no do exemplo,
de vícios de vontade, a prova dos fatos principais, muitas vezes, é quase impossível. Os
antigos falavam em probatio diabolica...).
13.6.2. Fato controvertido
Depois, para ser objeto de prova, o fato precisa ser controvertido, isso é, afirmado por
uma parte e não negado pela outra. Se as partes concordam quanto à veracidade do fato,
ele é incontroverso - e seria inútil ocupar-se em demonstrar aquilo que já está aceito como
demonstrado.
Nesse sentido, o art. 374 do CPC/2015 estabelece que não dependem de prova os fatos
afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária (inc. II), bem como os
admitidos no processo como incontroversos (inc. III).
A hipótese do inc. II concerne aos casos em que, ativamente, uma das partes afirma a
ocorrência do fato que lhe é desfavorável (confissão, de que se trata no cap. 14, a seguir).
Já o inc. III concerne aos casos em que uma das partes omite-se de impugnar o fato
afirmado pela outra, aceitando-o tacitamente como verdadeiro. Como cabe ao réu o ônus
da impugnação específica dos fatos articulados pelo autor (art. 341, caput, do CPC/2015),
aqueles que o réu não impugnar (vale dizer, aceitar como verdadeiros), em princípio, não
necessitam de prova. Em geral, isso também se aplica à hipótese de revelia, caso em que a
ausência de contestação acarreta a presunção de veracidade dos fatos aduzidos pelo autor
(art. 344 do CPC/2015).
Ambas as hipóteses podem ser reunidas em uma única, a dos fatos incontroversos.
Assim, fatos incontroversos são aqueles a respeito dos quais as partes não discutem. Em
princípio, como afirmado, será desnecessária a prova. As partes não têm interesse jurídico
para promovê-la. Nem há sentido, em princípio, em o juiz determinar a produção de
prova de ofício. Ressalvando-se casos excepcionais (p. ex., quando o juiz suspeitar que a
ausência de controvérsia presta-se a alguma simulação entre as partes), não cabe ao juiz
nessas hipóteses insistir quanto ao ponto que não gera disputas - até porque o tempo e os
recursos humanos e materiais são sempre escassos. Impõe-se que ele concentre seus
esforços e os da máquina judiciária no enfrentamento das questões fáticas e jurídicas que
ainda são controversas.
13.6.3. Fato notório
Merece referência à parte o fato notório. Nos termos do art. 374, I, do CPC/2015 ele
também independe de prova.
A lei não definiu o que é o fato notório - o que enseja alguma discussão. Uma razoável
definição de fato notório foi dada na doutrina italiana. Segundo tal concepção, são
reputados notórios os fatos cujo conhecimento faz parte da cultura normal de um
determinado círculo social ao tempo em que ocorre o julgamento. Desse conceito, destaca-
se o seguinte:
- a notoriedade não decorre da circunstância de um fato ser efetivamente conhecido
por todas as pessoas (ainda que só de uma região ou de uma época). Até porque isso é
impossível. A notoriedade decorre, isso sim, da circunstância de que seja normal o
conhecimento de um determinado fato por um tipo médio de homem, dotado de uma
cultura média (cultura em sentido amplo - não a técnica, científica, erudita etc. - mas sim a
decorrente do próprio convívio e experiência sociais);
- a notoriedade tem caráter extremamente relativo - estando vinculada a espaço, tempo
e grau cultural. O que é notório em uma região, não o é em outra. O fato notório em uma
dada época pode não o ser em outra;
- por outro lado, não basta que o juiz conheça o fato para que ele seja notório. Tem de
estar presente o requisito acima destacado. Aliás, pelo contrário, é até possível que o juiz,
pessoalmente não saiba da existência do fato - e este, nos termos acima expostos, mesmo
assim seja notório.
Pense-se nos seguintes exemplos: ter nevado em Curitiba, em julho de 1975; o dia em
que conquistou o pentacampeonato mundial de futebol masculino; a morte de Tancredo
Neves etc. Todos esses fatos são notórios, num dado limite de espaço e tempo. A
notoriedade da neve em julho de 1975 em Curitiba põe-se nos processos que tramitam
nessa cidade ou em sua região metropolitana - e na medida em que o tempo passa, talvez o
elemento de notoriedade se esmaeça mesmo naqueles limites territoriais. Na época, ou
alguns meses depois, a notoriedade desse fato estendia-se a todo o Brasil. Essa relatividade
é inerente ao fato notório.
Em certo sentido, o fato notório é enquadrável entre os incontroversos. A informação
assente numa dada comunidade dispensa prova.
Mas a desnecessidade de prova do fato notório comporta esclarecimento. Provar a
existência do fato notório é dispensável. Mas autorizada doutrina sustenta que a parte
pode propor-se a comprovar a inexistência do fato notório que se mostre relevante para a
causa. Na medida em que tal pretensão probatória revista-se de seriedade (a ser aferida
no contexto em que está inserida), deve ser acolhida.
13.6.4. Fato determinado
Por fim,o fato, como objeto de prova, tem de ser determinado, preciso. Há de se saber
exatamente o que se pretende provar.
Tal exigência se impõe até mesmo para que possa o juiz verificar a presença dos outros
dois requisitos (da relevância e da controvérsia).
Nesse ponto, cabe breve análise da chamada "prova da negação" - o que é objeto do
tópico seguinte.
13.6.5. Fato negativo e negativa de fatos: a prova da negação
O art. 341, caput, do CPC/2015 impõe ao réu o ônus da impugnação específica dos fatos
articulados pelo autor. Para impugnar os fatos, não se exige a afirmação de que ocorreram
de outro modo, que não o expressado pelo autor. Pode-se, tão somente, negá-los. É
perfeitamente possível que o réu apenas diga que o fato não aconteceu.
Nesse caso, de negativa de fatos, pela regra do ônus da prova, o réu estará isento de
qualquer atividade probatória, pois caberá ao autor provar que o fato existiu, e não ao réu
que tal fato não se deu.
Situação diversa ocorre em relação aos chamados fatos negativos. Nessa hipótese, não
há a afirmação da existência do fato pelo autor e a negativa pelo réu, mas, sim, a
afirmação de que a inocorrência de um fato gera um direito ou dá base a uma pretensão.
Afirma-se, portanto, um fato negativo - ou seja, afirma-se que um fato não aconteceu -, e
dessa inexistência é que se busca a consequência jurídica pretendida.
Exemplo: o Código Civil prevê que a servidão sobre imóveis pode ser cancelada pelo
interessado (o proprietário do prédio serviente) desde que este comprove o seu "não uso
durante dez anos contínuos" (art. 1.389, III, do CC). Então, na ação judicial de
cancelamento da servidão, o autor terá de provar um fato negativo, o não uso por dez
anos seguidos. Ou seja, o fato constitutivo do direito do autor ao cancelamento da servidão
é um fato negativo.
Outro exemplo, em que o fato negativo serve de causa de pedir da pretensão de tutela
jurisdicional, já foi dado acima, ao se tratar do ônus da prova: ação declaratória negativa
de um crédito fundada na afirmação da inexistência de empréstimo.
À primeira vista, pode parecer impossível a prova de um fato não ocorrido. Há até um
brocardo latino: "negativa non sunt probanda". A noção não é de todo correta. A prova da
negação só é impossível na medida que o chamado fato negativo seja indeterminado. Toda
a vez, contudo, que a negação seja perfeitamente determinável, desde que presentes os
outros requisitos, ela pode ser objeto de prova. É o que ocorre nos exemplos acima dados.
Aliás, em certos casos, é até difícil definir se um fato é positivo ou negativo. Como
afirmou um processualista clássico, toda a afirmação é ao mesmo tempo uma negação. Ou
seja, quando se afirma um fato, negam-se todos os outros com esse incompatíveis, e vice-
versa (se eu afirmo que Antonio estava em Curitiba no dia 20.05.2015, às 15h, eu nego que
ele estivesse em São Paulo, na mesma hora, no mesmo dia). Essa observação dá inclusive
uma solução prática para o problema: toda a vez que se fizer necessária a prova negativa
e essa não for diretamente possível, a prova da inocorrência de algo, far-se-á pela
comprovação de outro fato que afaste aquele cuja negação se pretende. Ressalve-se, de
resto, que há casos em que a prova negativa é até direta e objetivamente realizável (p. ex.,
situações em que determinado exame pericial pode constatar tanto a ocorrência quanto a
inocorrência de um fato, com o mesmo grau de acerto).
O problema insuperável, portanto, é o fato negativo indefinido. Esse é que
normalmente não pode ser objeto de prova - mas não por ser negativo e, sim, por ser
indeterminado. Se o locatário não desocupa o imóvel quando notificado, basta que se
prove que ainda se encontra ocupando-o; se o empreiteiro não executou a obra
contratada, pode-se provar que o material foi entregue, mas a construção não se realizou.
São todos fatos negativos definidos. O fato negativo indefinido, que em regra não
comporta prova, é aquele que demonstra uma universalidade de inocorrência. Não se
pode - ou é dificílimo - provar que alguém jamais viajou para Roma, ou que nunca possuiu
um anel. Em suma, indefinição é que não se prova, e não o fato negativo.
13.7. Meios de prova
Meios de prova são os diversos instrumentos pelos quais a constatação sobre a
ocorrência ou inocorrência dos fatos chega até o sujeito que precisa formar sua convicção
(no caso do processo, o juiz). São os mecanismos que permitem aos sujeitos do processo a
investigação sobre os fatos da causa.
13.7.1. A distinção entre o meio da prova e o seu resultado
O meio de prova não se confunde com o resultado do seu emprego, qual seja, o
convencimento que o juiz passa a ter da ocorrência ou inocorrência dos fatos.
A distinção é importante. Há casos em que o ordenamento desautoriza certos meios de
prova (por exemplo, não se admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação
de tempo de serviço para fins de aposentadoria, sendo necessário ao menos algum início
de prova escrita - Lei 8.213/1991, art. 55, § 3.º). Nesses casos, apesar de determinado meio
de prova ser vedado (no exemplo dado, prova exclusivamente testemunhal), pode o fato
obviamente ser demonstrado por outro meio (documentos, no exemplo).
Suponha-se que o meio de prova seja obstado porque ilícito (interceptação de conversa
telefônica, por exemplo). O resultado probatório atinente a tal prova (o teor da conversa
havida) pode vir a integrar o arcabouço instrutório do processo, desde que obtido por
outro meio lícito e não contaminado por aquele vedado - prova testemunhal, por exemplo.
Portanto, o meio de prova é apenas o mecanismo pelo qual se busca levar o juiz à
conclusão quanto à (in)ocorrência dos fatos. Essa conclusão, uma vez atingida,
consubstancia-se em resultado da prova.
13.7.2. A admissibilidade dos meios de prova - Meios típicos e atípicos
Vigora o princípio da ampla liberdade probatória. Aceita-se o emprego não apenas dos
meios de prova tipificados no ordenamento, mas de todos os demais que não sejam ilícitos
nem moralmente inadmissíveis (art. 369 do CPC/2015).
Assim, meios típicos de prova são os expressamente previstos na ordem jurídica. O
Código de Processo Civil contempla os seguintes: depoimento pessoal das partes,
documentos, oitiva de testemunha, perícias e inspeção judicial.
O Código alude ainda a ata notarial, confissão e exibição de documento ou coisa, mas
eles não constituem propriamente outros meios de prova, distintos dos acima referidos. A
ata notarial consiste em hipótese de documento público extrajudicial que, por força de seu
emprego cada vez mais frequente, mereceu atenção destacada do legislador. Portanto, é
uma espécie de prova documental. A exibição de documento ou coisa constitui a disciplina
de uma modalidade de produção da prova documental (i.e., atividade probatória), quando
o documento não está em poder daquele que requer sua produção. Por fim, a confissão
também não é meio de prova, mas resultado probatório, que pode ser obtido pelo
depoimento pessoal, por prova documental ou até testemunhal (v. cap. 14).
Mas também são admissíveis meios atípicos de prova, isso é, meios que, embora não
expressamente disciplinados na lei, permitem ao juiz a constatação da existência ou
inexistência de fatos. Para tanto, é preciso que tais meios atípicos não sejam ilícitos nem
moralmente inadmissíveis (art. 369 do CPC/2015; art. 5.º, LVI, da CF/1988).
A questão crucial, em matéria de prova atípica, reside em saber quando determinado
meio probatório pode ser verdadeiramente qualificado como atípico e admitido em nome
da liberdade das provas e quando ele não passa de deturpação ou desvio de um meio
típico de prova, produzido com um déficit garantístico ou de credibilidade. Pense-se no
seguinte exemplo: em vez de ir pessoalmente inspecionar um local, cujo exame é
fundamental para a solução do litígio (inspeção judicial, meio típico de prova - cap. 18,
adiante), o juizdetermina que o oficial de justiça proceda a tal verificação e depois lhe
relate suas conclusões. Isso é um meio atípico de prova ou uma inspeção judicial
terrivelmente mal feita, a ponto de estar desvirtuada em sua essência? Na medida em que
as garantias fundamentais sejam respeitadas (no exemplo dado, respeito ao contraditório
na própria produção da prova seria fundamental), o princípio da liberdade probatória
justifica a admissão de provas como essa. Mas ela não terá necessariamente o mesmo
valor que a prova típica. Além disso, na medida em que se identifiquem defeitos ou pontos
duvidosos na produção dessa prova, caberá a realização da prova típica, sempre que
possível.
O tema da ilicitude da prova é examinado a seguir.
Mas desde logo cabe ponderar qual o significado da referência a "meios moralmente
admissíveis" no texto legal. Esse é mais um dos campos em que o direito jurisdiciza a
moral. O meio probatório que for moralmente ilegítimo é vedado pelo ordenamento. Isso
significa que mesmo um meio que, em princípio, talvez pudesse ser considerado legal, na
medida em que imoral, não poderá ser utilizado. Tome-se como exemplo a gravação de
uma conversa telefônica ou presencial por um dos próprios interlocutores.
Diferentemente da interceptação feita por um terceiro (v. adiante), tal gravação é
reputada lícita. No entanto, a depender do contexto em que isso se faça, tal gravação
estará maculada por gravíssimo defeito ético.
13.7.3. Ausência de hierarquia entre os meios de prova - Exceções
Em regra, não há hierarquia entre os meios de prova. Como já destacado, o processo
civil brasileiro adota o sistema do livre convencimento motivado do juiz (art. 371 do
CPC/2015 - n. 13.4.4, acima). Vale dizer, não há prevalência de um meio probatório sobre
outro, podendo o juiz chegar à solução da lide com base nesta ou naquela prova, desde
que fundamente sua decisão.
Há, todavia, exceções à ausência de hierarquia dos meios de prova. São casos em que,
por força de expressa determinação legal, por um lado, o emprego de um meio de prova é
vedado ou restringido e, por outro, o convencimento do juiz fica, em certa medida, com
menor espaço de liberdade. São situações em que o magistrado não pode formar sua
convicção sobre determinado fato por outro meio de prova, que não o legalmente exigido.
Fala-se, nesses casos, de "tarifação legal" da prova: a própria lei dá um peso, um valor,
para a prova.
No CPC/2015 claramente evitam-se regras dessa natureza. Por exemplo, não foi
reiterada a norma, prevista no CPC/1973, que proibia prova exclusivamente testemunhal
para comprovar a existência de contratos em valor superior a dez salários-mínimos (art.
401 do CPC/1973). Mais do que isso, revogou-se o caput do art. 227 do Código Civil, que
estendia essa mesma limitação aos negócios jurídicos em geral (art. 1.072, II, do
CPC/2015,). Foi também revogado o art. 230 do CC, que previa que, nos casos em que a lei
excluísse o cabimento de prova testemunhal, também não seria admitida a prova
mediante o emprego de presunção, a não ser que se tratasse de presunção legal (art. 1.072,
II, do CPC/2015).
Mas ainda existem exemplos de tarifação legal da prova em leis esparsas. Retome-se o
já citado exemplo da proibição de prova meramente testemunhal para a demonstração de
tempo de serviço para o fim de aposentadoria (art. 55, § 3.º, da Lei 8.213/1991). Nesse caso,
a proibição tem caráter estritamente processual: o direito material, em regra, não exige,
para a caracterização da atividade laboral necessária para fins de aposentadoria, uma
contratação com forma escrita. Tanto é assim que bastará o início de prova escrita de fatos
secundários para a comprovação do tempo de serviço (p. ex., as certidões de nascimento
de filhos do sujeito que pretende comprovar o tempo de serviço, emitidas em diferentes
datas nos últimos trinta anos, nas quais consta, na qualificação do pai, a profissão de
"trabalhador rural").
Especialmente na doutrina, regras desse tipo são vistas com reserva. Muitos autores
reputam que elas ofendem as garantias constitucionais do acesso à justiça, do
contraditório e da ampla defesa (pois as partes são impedidas de usar todas as provas
possíveis para demonstrar sua razão) e a própria separação de poderes (pois o legislador
intromete-se em campo que, em princípio, deveria caber ao juiz: o da formação do
convencimento sobre fatos da causa).
No entanto, a jurisprudência - inclusive do STF e do STJ - não tem compartilhado dessa
orientação. Normalmente, tem admitido as regras legais sobre "tarifação" da prova.
13.8. As regras sobre a forma dos atos jurídicos: direito material
Devem ser diferenciadas as normas que limitam os meios de prova e a formação do
convencimento do juiz, examinadas no tópico anterior, das normas sobre a forma dos atos
jurídicos. Aquelas, como visto, são de direito processual; são propriamente regras sobre
prova. Essas segundas são de direito material. Estabelecem pressupostos formais para que
o ato jurídico, no plano do direito material, tenha existência jurídica, validade ou eficácia.
Considerem-se os seguintes exemplos, entre muitos:
(a) a necessidade de escritura pública para a validade do negócio jurídico de
transferência de imóveis (art. 108 do CC);
(b) a imprescindibilidade da inscrição na matrícula imobiliária para a existência de
transferência de propriedade de bem imóvel (art. 1.245 do CC);
(c) as exigências formais para a eficácia perante terceiros da transmissão de crédito
(art. 288 do CC);
(d) as formalidades "essenciais" para a celebração de cada uma das diversas
modalidades de testamento (arts. 1.864, 1.868 e 1.876 do CC etc.).
Essas exigências formais, reitere-se, estão no plano do direito material.
Nesses casos, não há propriamente nenhuma limitação probatória, processual. Não se
limita o convencimento do juiz; não se restringem os meios de prova. Simplesmente, se a
forma prevista em lei não é observada, o ato, no plano do próprio direito material, não
existe, ou não é válido, ou não é eficaz. Então, de nada adiantará, por exemplo, quinze
testemunhas declararem, de modo idôneo e consistente, que o réu "transferiu" para o
autor a propriedade de um imóvel - se não se procedeu ao registro do título translativo (o
contrato de compra e venda, de doação etc.) no Registro de Imóveis. Sem tal registro, não
existe, juridicamente, a transferência do imóvel (hipótese b, acima). Aliás, se o contrato em
questão não tiver sido celebrado mediante instrumento público, em regra, não haverá
sequer negócio jurídico válido de doação ou de compra e venda do imóvel (hipótese a,
acima). Os depoimentos testemunhais serão irrelevantes nesse contexto. Quando muito,
servirão para comprovar que réu pretendeu ou se comprometeu a transferir o imóvel ao
autor.
Nesse sentido é que se deve compreender o art. 406 do CPC/2015, que dispõe que
nenhuma outra prova pode suprir a falta de instrumento público, quando esse for da
substância do ato. Nessa hipótese, a exigência de instrumento público é regra do próprio
direito material. É o direito material que estabelece a forma que o ato deve seguir para
que ele tenha validade (arts. 104, III, e 166, IV, do CC). Por isso é que se afirma que o
instrumento público é da "substância" do ato.
A distinção entre normas processuais limitadoras dos meios probatórios (e do
convencimento judicial), por um lado, e normas materiais sobre a forma do ato jurídico,
por outro, não é mero capricho teórico. É relevante para fins práticos. Por exemplo, sob o
aspecto do direito intertemporal, em princípio, valem as normas processuais limitadoras
de meios de prova vigentes no momento do processo - sendo irrelevantes aquelas que
vigoravam na época dos fatos da causa. Em contrapartida, no que tange às normas
materiais sobre a forma do ato jurídico, valem as vigentes no momento da prática, da
constituição, do ato - sendo irrelevantes as normais em vigor no momentodo processo.
13.9. Prova emprestada
3
Embora normalmente a prova seja produzida dentro do processo em que os fatos
foram alegados, admite-se, dentro de certas condições, a utilização de prova obtida em
outro processo. É o que se denomina "prova emprestada" (art. 372 do CPC/2015). Nesses
casos, a prova é transportada do primeiro para o segundo processo sob a forma
documental. Ou seja, são apresentadas cópias dos documentos que a formalizaram no
processo de origem. Por exemplo, se o empréstimo é de uma prova testemunhal, são
trazidas para o segundo processo cópias da petição de requerimento da prova
testemunhal, da petição de arrolamento da testemunha, da decisão de deferimento da
prova, do termo de audiência em que a testemunha foi ouvida etc.
Para a validade da prova emprestada é necessário que:
(a) tenha sido regularmente produzida no processo de origem;
(b) a parte contra a qual ela vai ser usada tenha podido participar, em regime de
contraditório, do processo de origem, que precisa ter grau de cognição igual ou superior
ao do processo para o qual a prova está sendo emprestada; e
(c) seja ela submetida ao crivo do contraditório, no processo para o qual é trazida.
Não tem sido raro acontecer de se pretender (em ação de reparação de danos por
acidente de veículo, por exemplo) a utilização de depoimentos prestados perante a
autoridade policial, no inquérito que apura o fato sob o aspecto criminal. Parece que tal
prova é inadmissível, porque é sabido que o inquérito policial é peça meramente
informativa, inquisitorial e sem a garantia do contraditório. Por mais que se vislumbre o
princípio da economia processual, é necessário cercar a prova de garantias mínimas,
entre as quais o contraditório. A prova precisa provir de processo jurisdicional.
A especial peculiaridade da prova emprestada (que a diferencia da simples prova
documental, no segundo processo) reside em que, embora ingressando no segundo
processo sob a forma documental ela é apta a preservar o valor probatório da sua forma
original. Ou seja, se é emprestada uma prova pericial, ela funciona, no segundo processo,
também como perícia - e não simples documento; se o empréstimo é de uma prova
testemunhal, é como tal que ela é apta a valer no segundo processo - e assim por diante.
Seja como for, a exemplo de qualquer outra prova, a prova emprestada receberá do
julgador a carga valorativa compatível com a situação concreta. Vale aqui a regra geral do
art. 371 do CPC/2015.
13.10. Prova ilícita
A Constituição proíbe o emprego de provas ilícitas (art. 5.º, LVI, da CF: "são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos").
A proibição abrange tanto as provas produzidas com ofensa a normas do próprio
direito material (provas ilícitas em sentido estrito, na acepção adotada na doutrina),
quanto àquelas que violam as próprias normas processuais sobre a produção probatória
(provas ilegítimas, conforme a mesma classificação doutrinária).
Exemplos da primeira hipótese são as provas obtidas mediante tortura do depoente
(violação à integridade física), hipnose (violação à dignidade humana), furto de
correspondências ou interceptação telefônica (violação à intimidade e ao sigilo das
comunicações) etc. A interceptação telefônica é proibida no processo civil. A Constituição
(art. 5.º, XII) autoriza-a apenas para fins de investigação criminal e processo penal - desde
que previamente autorizada pelo juiz e tão somente nos estritos limites da lei que a
regulamenta, a Lei 9.296/1996, que restringe o seu emprego aos inquéritos e processos
penais que versem sobre crimes passíveis de pena de reclusão. A Lei 9.296/1996 também
veda o emprego da prova resultante da interceptação para qualquer outro fim - o que, a
rigor, impede o empréstimo dessa prova de um processo em que ela houver sido
legitimamente autorizada para outro em que originalmente ela jamais poderia ser
produzida.4
Exemplo da segunda hipótese é a prova produzida sem o respeito ao contraditório.
Discute-se sobre a aplicabilidade ao processo brasileiro da "teoria do fruto da árvore
envenenada", que considera que o ilícito na obtenção da prova contamina não apenas o
resultado havido, mas até as provas subsequentes que só puderam ser produzidas graças à
obtenção da prova ilícita. Por um lado, tal teoria impede o emprego de artifícios
destinados a legitimar a prova ilícita - no sentido de se atingir determinado resultado
probatório por meios ilícitos e depois tornar-se a produzir tal resultado por um meio lícito,
de que jamais se teria cogitado, se não fosse a prévia descoberta pela via ilícita. Mas, por
outro, aponta-se o risco de se inviabilizar o próprio direito fundamental à prova, mediante
tal "contaminação". No processo civil - cujos valores em jogo são significativamente
distintos daqueles envolvidos no processo penal - essa advertência merece especial
consideração, justificando a restrição do emprego da teoria em discurso apenas a casos
extremos, gravíssimos.
É também objeto de controvérsia jurisprudencial e doutrinária o exato alcance da
proibição de emprego de provas ilícitas. Três são as principais correntes sobre o tema:
a) obstativa: considera inadmissível a prova obtida por meio ilícito, em qualquer
hipótese e sob qualquer argumento, não cedendo mesmo quando o direito em debate
mostra elevada relevância axiológica. Essa corrente desconsidera a circunstância de haver
outros valores fundamentais também constitucionalmente protegidos e que podem ser
gravemente prejudicados com a proibição do emprego da prova ilícita;
b) permissiva: aceita a prova assim obtida, por entender que o ilícito se refere ao meio
de obtenção da prova, não a seu conteúdo. Entende que aquele que produziu o meio de
prova ilícito deve ser punido, mas o conteúdo probatório aproveitado. Essa concepção
gera o risco de incentivo à produção e ao emprego indiscriminados de provas ilícitas -
fortalecendo a incorreta noção de que os fins sempre justificam os meios;
c) intermediária (de ponderação de valores): admite a prova ilícita, dependendo dos
valores constitucionais em jogo. Aplica-se o princípio da proporcionalidade (v. vol. 1, cap.
3). Esta última parece ser a concepção que melhor se coaduna não apenas com a
relevância que a identificação dos fatos tem para o correto desempenho da função
jurisdicional, mas, sobretudo, com a multiplicidade de valores fundamentais e de
princípios vigentes na ordem constitucional. Sempre que a prova for obtida por meio
ilícito, deve ser tratada com extremas reservas. Em princípio, ela é inadmissível. Mas se o
direito em discussão for relevante, envolvendo questões de alta carga valorativa, é
admissível reconhecer-se eficácia a tal prova, limitadamente aos fins de proteção do bem
jurídico mais relevante no caso concreto. Pode-se exemplificar com temas costumeiros em
direito de família. A conversa telefônica clandestina não serve de prova na separação
judicial, mas sim, eventualmente, para a disputa sobre a guarda de filhos.
13.11. Indícios, máximas da experiência e presunções absolutas e relativas
A presunção relativa é uma operação mental pela qual, a partir de um fato conhecido
(indício ou fato secundário ou auxiliar), chega-se à razoável suposição de ser verdadeiro
um fato não conhecido (não diretamente provado, que é o fato principal).
Indício, portanto, é o nome que se dá ao fato que já está provado e que, embora não
sendo diretamente relevante para a causa, permite a formação de convencimento a
respeito de um fato diretamente relevante.
A presunção é dita relativa (juris tantum) quando, apesar de sua ocorrência, sucumbe
ante prova em contrário. Ou seja, o fato é presumido verdadeiro até que haja prova em
sentido contrário. A presunção relativa pode estar prevista expressamente na lei
("presunção legal") ou não ("presunção comum" ou "presunção hominis"). Em ambos os
casos, comporta prova em sentido contrário.
A terminologia

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