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2017 - 07 - 18 Curso Avançado de Processo Civil - Volume 2 - Edição 2016 QUINTA PARTE - SENTENÇA CAPÍTULO 22. REMESSA NECESSÁRIA Capítulo 22. REMESSA NECESSÁRIA 22.1. Noções gerais O ordenamento estabelece que a solução judicial de determinadas hipóteses de litígios apenas será apta a transitar em julgado depois de ser examinada, obrigatoriamente, por dois graus de jurisdição. Nesses casos, a sentença proferida em primeiro grau tem de necessariamente ser examinada pelo grau de jurisdição superior, mesmo não sendo interposta apelação por qualquer das partes. É o que o Código denomina remessa necessária. Está prevista no art. 496 do CPC/2015. A ideia subjacente a tal instituto é a de que determinadas causas, pela relevância dos bens jurídicos nela envolvidos, não podem ter a submissão ao duplo grau de jurisdição subordinada à mera vontade das partes. A remessa necessária substituiu a antiga apelação ex officio, prevista no art. 822 do CPC de 1939, que tinha supostamente natureza jurídica de recurso. A apelação ex officio devia ser interposta na própria sentença, mediante declaração do juiz, nas seguintes ações: de anulação de casamento, separação amigável e decisões contra União, Estado ou Município. No entanto, é interessante observar que a revisão obrigatória da sentença pelo grau de jurisdição superior não surgiu com o Código de 1939, mas remonta, no processo civil brasileiro, ao século XIX. Em 1831, foi editada lei que impunha ao juiz, nas situações em que proferisse sentença contra a Fazenda Nacional, o dever de recorrer, ou seja, pedir sua revisão, para instância superior. E ainda antes disso, desde o século XIV, o direito português já contemplava hipóteses de "apelação obrigatória" - inspiradas no direito canônico.1 No cenário atual, o instituto da remessa necessária revela-se anacrônico. Como se verá adiante, a lei reserva-o basicamente para sentenças proferidas contra a Fazenda Pública. No entanto, hoje, os entes da Administração Pública são defendidos por procuradorias organizadas, competentes e idôneas. Há regras claras norteando o modo como os procuradores públicos devem atuar - prevendo inclusive procedimentos específicos para a dispensa de interposição de recurso por motivos justificáveis e responsabilização de quem deixa injustificadamente de recorrer. A previsão da remessa implica uma inexplicável desconfiança na correta atuação desses órgãos e mecanismos. Além disso, como não há mais um legítimo fundamento que justifique esse tratamento diferenciado em favor da Administração Pública, é difícil defender a compatibilidade da remessa necessária como o princípio constitucional da isonomia (no entanto - destaque-se - o STF jamais reputou tal instituto inconstitucional). Precisamente por isso, a comissão de juristas responsável pelo anteprojeto do CPC/2015 chegou a propor a abolição da remessa necessária. No entanto, acabou vencida pela forte resistência apresentada por representantes das Administrações Públicas federal, estaduais e municipais. 22.2. Denominação do instituto A remessa necessária também é conhecida por reexame necessário, remessa obrigatória, remessa de ofício, remessa ex officio ou duplo grau de jurisdição obrigatório. O CPC de 2015 adota o termo remessa necessária e o utiliza, por exemplo, nos arts. 942, § 4.º, II, 947 e 978, parágrafo único. A rigor, o nome mais adequado seria reexame necessário (ou obrigatório), amplamente adotado pela doutrina na vigência do CPC/1973. Afinal, não se trata apenas do dever de o juízo a quo remeter o processo ao Tribunal. Mais do que isso, há a obrigatoriedade de o Tribunal reexaminar a sentença proferida. 22.3. Natureza jurídica A doutrina majoritária concorda que a remessa necessária não é um recurso. Falta-lhe o atributo da voluntariedade na sua interposição - aspecto essencial à caracterização de um recurso no direito positivo brasileiro (v. n. 23.1). Além disso, a remessa necessária não se encontra no rol das espécies de recurso previstos no art. 994 do CPC/2015, nem está prevista como tal em qualquer lei federal esparsa (v. n. 23.3 adiante). Nem todo meio de revisão de decisão judicial é recurso. A remessa é, então, usualmente compreendida como condição legal de eficácia definitiva da sentença, uma vez que essa somente transitará em julgado após a reapreciação da decisão pelo Tribunal hierarquicamente superior ao qual está vinculado o juiz da demanda. Enfim, tal como no caso dos recursos, a função da remessa necessária é a de tentar assegurar um maior controle da qualidade da sentença proferida. Mas o mecanismo empregado para tanto não é um instrumento de manejo voluntário - como o é o recurso -, e sim a estipulação, pela própria lei, de uma condição para que a sentença possa transitar em julgado. Merece ser enquadrado entre os instrumentos de revisão das decisões judiciais. Mas não é propriamente um meio de impugnação das decisões e tampouco um recurso. A inobservância da remessa necessária impede o trânsito em julgado. Esse entendimento está explicitado na Súmula 423 do STF (editada ainda na vigência do CPC de 1939), que estabelece que "não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege". 22.4. Hipóteses de cabimento 22.4.1. Sentenças contrárias à Fazenda Pública A diretriz estabelecida pelo Código de Processo Civil é a da observância da remessa necessária de sentenças contrárias à União, Estados, Municípios e Distrito Federal, bem como suas autarquias e fundações de direito público (essas últimas, a rigor, também têm natureza de autarquia). Trata-se das pessoas jurídicas de direito público interno (art. 41 do CC/2002), às quais tradicionalmente se confere a denominação de "Fazenda Pública". Portanto, em regra, a remessa necessária não se aplica a pessoas jurídicas de direito privado, nem mesmo aquelas que integram a Administração Pública indireta, como é o caso de empresas públicas e sociedades de economia mista. Exceções podem ser estabelecidas por leis esparsas (v. alguns exemplos adiante). O art. 496 do CPC/2015 enuncia duas hipóteses de cabimento do reexame de ofício que podem ser reconduzidas a uma. No inc. I, mencionam-se as sentenças contrárias à Fazenda Pública. No inc. II, alude-se às sentenças de procedência de embargos à execução fiscal. Ocorre que a execução fiscal apenas pode ser promovida por entes da Fazenda Pública (v. vol. 3, cap. 27). Daí que as sentenças de procedência dos embargos à execução fiscal sempre são contrárias à Fazenda Pública. Ou seja, a hipótese do inc. II já estaria abrangida pela do inc. I. 22.4.2. Exceções Mas não é toda sentença desfavorável à Fazenda Púbica que se submete ao reexame de ofício. Os §§ 3.º e 4.º do art. 496 do CPC/2015 estabelecem exceções de duas distintas ordens. A primeira consiste em um limite quantitativo, de dimensão econômica (art. 496, § 3.º, do CPC/2015). Não há remessa necessária de sentenças cuja condenação ou proveito econômico para o vitorioso tenha valor certo e líquido de até: (I) mil salários mínimos, quando contrárias à União e respectivas autarquias e fundações; (II) quinhentos salários mínimos, quando contrárias aos Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações ou os Municípios que constituam capitais dos Estados; e (III) cem salários mínimos, no caso de todos os demais municípios e respectivas autarquias e fundações. O CPC/2015, ao prever expressamente que o valor deve ser líquido, recepcionou orientação do STJ já sumulada, no sentido de que as hipóteses de dispensa da remessa necessária por limite de valor, somente incidem quando for líquida a sentença (Súmula 490). A segunda exceção concerne a um limite qualitativo, de consonância da sentença com orientação jurisprudencial ou administrativa assente (art. 496, § 4.º, do CPC/2015). Assim, não se submeterão ao reexame necessário as sentenças em concordância com:(I) súmula de Tribunal superior; (II) acórdão proferido em procedimento de resolução de recursos repetitivos no STF ou STJ; (III) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; ou (IV) entendimento que esteja em conformidade com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa. 22.4.3. A inexistência do recurso - O conhecimento e a extensão do recurso No Código anterior, nas hipóteses de reexame de ofício, determinava-se que o juiz remetesse o processo para o Tribunal, houvesse ou não apelação (art. 475, § 1.º, do CPC/1973). No CPC/2015, o dever de remessa está limitado aos casos em que não houver apelação. A regra é em certa medida compreensível: se a Fazenda Pública já recorreu, fazendo com isso que o pronunciamento vá ao reexame do Tribunal, é desnecessária a sobreposição de medidas. Mas merece ressalvas: (1.ª) o recurso interposto pela Fazenda Pública pode ser parcial, ou seja, não atingir todo o objeto de sua sucumbência na causa. Por exemplo, ela foi condenada a pagar dez milhões e recorre apenas pedindo a redução da condenação para seis milhões. Contra uma parte da condenação, de seis milhões, não há impugnação recursal. Contra essa parcela - e ressalvada a hipótese do art. 496, § 4.º, do CPC/2015 -, impõe-se reexame de ofício; (2.ª) o recurso interposto pela Fazenda não é conhecido, por falta de cumprimento dos pressupostos de admissibilidade recursal (v. cap. 23, adiante). A hipótese equivale à de não-interposição de recursos, para o fim de definição do cabimento do reexame necessário. O recurso interposto, por não preencher os pressupostos de admissibilidade, não permitirá o reexame da solução dada ao mérito da causa. Então, terá de haver reexame de ofício - observados os limites dos §§ 3.º e 4.º do art. 496 do CPC/2015. 22.4.4. O reexame necessário na ação monitória A ação monitória é um procedimento especial de processo de conhecimento em que, em determinadas condições, a tutela jurisdicional condenatória pode ser produzida independentemente de sentença: a própria decisão inicial do juiz, fundada em cognição sumária, constituirá título executivo judicial, se o réu não opuser embargos monitórios (art. 700 e ss., v. vol. 4, cap. 11). Quando for ré a Fazenda Pública, se ela não interpuser tais embargos, não haverá a imediata formação do título executivo. Ressalvados os limites dos §§ 3.º e 4.º do art. 496 do CPC/2015, haverá reexame necessário, para só depois, se houver confirmação da decisão pelo Tribunal, formar-se o título executivo (art. 701, § 4.º, do CPC/2015). Trata-se, portanto, de caso em que o reexame necessário não incide sobre sentença, mas sobre decisão interlocutória. 22.4.5. Duas hipóteses ainda controvertidas quanto ao cabimento da remessa necessária Mas não é apenas no procedimento monitório que uma decisão interlocutória pode vir a produzir resultado estável contra a parte sucumbente. Há pelos menos outros dois casos no Código, relativamente aos quais não há regra expressa quanto à remessa necessária. A decisão concessiva de tutela antecipada antecedente pode estabilizar-se, quando não for objeto de recurso (art. 304 do CPC/2015 - v. cap. 42, adiante). Nessa hipótese, não fará coisa julgada (art. 304, § 6.º, do CPC/2015), mas produzirá efeitos por tempo indeterminado. Sua desconstituição depende de nova ação, com prazo decadencial de dois anos (art. 304, §§ 2.º, 3.º e 5.º, do CPC/2015). Discute-se se tal decisão que concede tutela antecipada em caráter antecedente submeter-se-ia à remessa necessária, quando não houvesse agravo contra ela. A questão ainda está em aberto, mas parece que a resposta deve ser negativa. O caráter excepcional da regra do reexame necessário não autoriza sua interpretação ampliativa. Não hipótese, não se tem a solução do conflito mediante cognição exauriente, mas apenas a estabilização de resultados práticos, ainda revisáveis. A submissão ao reexame necessário dependeria de regra expressa, como há na ação monitória. Questão outra reside em saber se, não havendo recurso da Fazenda Pública, sempre se estabilizará a tutela antecipada contra ela concedida em caráter antecedente (v. cap. 42, adiante). O segundo caso é ainda mais delicado. O art. 356 do CPC/2015 autoriza o juiz a julgar antecipadamente parte do mérito da causa, remetendo o restante à instrução probatória. Nessa hipótese, tem-se a solução da causa mediante cognição exauriente e apta a fazer coisa julgada (art. 502 do CPC/2015), mas veiculada em decisão interlocutória (v. cap. 12, acima). Pela letra do art. 496 do CPC/2015, não seria caso de reexame necessário, aplicável apenas à "sentença". Mas aqui parece mais difícil rejeitar o reexame de ofício apenas invocando o princípio hermenêutico de que exceções devem ser interpretadas estritamente. A rigor, trata-se de pronunciamento com a mesma eficácia e autoridade que a sentença de mérito (diferentemente da decisão da tutela antecipada antecedente). Apenas o veículo formal do pronunciamento é outro - decisão interlocutória em lugar de sentença. Nessa ordem de ideias, não faria sentido que uma sentença condenatória contra um Município (não capital de Estado) no valor de cem salários mínimos se submetesse ao reexame e outra condenação, no valor de cinco mil salários mínimos, contra esse mesmo Município (eventualmente até no mesmo processo), não se submetesse apenas porque veiculada em interlocutória. Mas existe ainda outro argumento contrário ao reexame obrigatório nessa hipótese. Estabeleceu-se para a decisão interlocutória de mérito do art. 356 do CPC/2015 um regime de eficácia mais intenso do que o da própria sentença final. A interlocutória de mérito, em princípio, é desde logo eficaz, pois o recurso cabível contra ela, o agravo de instrumento (arts. 356, §§ 2.º e 5.º, e 1.015, II, do CPC/2015), não tem efeito suspensivo automático (art. 995 do CPC/2015) - diferentemente da sentença final, que é objeto de apelação, que em regra tem efeito suspensivo (art. 1.012 do CPC/2015). Some-se a isso a previsão de "dispensa" de caução para a execução provisória - disposição cujo exato sentido também é controverso (v. vol. 3, cap. 16), mas que também sugere alguma especial eficácia da decisão em questão. A ausência de reexame estaria em consonância com esse contexto. A questão ainda precisará ser amplamente debatida pela doutrina e os Tribunais - até que se consolide uma orientação. 22.4.6. Ações de competência originária dos Tribunais: ausência de reexame Não há reexame de decisões contrárias à Fazenda Pública proferidas em ações de competência originária de Tribunais (ex.: mandado de segurança contra atos de determinadas autoridades; ação rescisória etc.). Aqui se trata de orientação pacífica. Tal conclusão não se funda apenas no argumento literal, no sentido de que os pronunciamentos nos Tribunais são "acórdãos" e não "sentenças". Mais que isso, há a constatação de que a causa já está sendo julgada por órgão que normalmente delibera de forma colegiada e é formado, em tese, por julgadores mais experientes. Some-se a isso o fato de que, no mais das vezes, nem mesmo cabe recurso ordinário (equivalente à apelação contra decisões de primeiro grau - v. cap. 28, adiante) contra acórdãos proferidos contrariamente à Fazenda em ações de competência originária. 22.4.7. Previsões de remessa necessária em leis esparsas Existem ainda outras hipóteses de cabimento da remessa necessária que estão previstas em legislação extravagante. É o que se dá, por exemplo, com as sentenças concessivas de mandado de segurança (art. 14, § 1.º, da Lei 12.016/2009) e as sentenças que extinguem a ação popular por carência de ação ou improcedência do pedido (art. 19 da Lei 4.717/1965). 22.5. Processamento Nas hipóteses em que a lei prevê a remessa necessária, ultrapassado o prazo sem quea apelação seja interposta, o juiz deve ordenar que os autos do processo sejam remetidos ao grau de jurisdição superior. Se não fizer o encaminhamento, o presidente do Tribunal tem o dever de avocá-los (art. 496, § 1.º, do CPC/2015). Lembre-se que, quando o recurso da Fazenda for apenas parcial, a parcela não recorrida em princípio, também ficará sujeita ao reexame de ofício, nos limites em que esse é cabível (n. 22.4.3, acima). Deve-se observar que, ainda que seja de iniciativa do juiz o encaminhamento dos autos para reapreciação, não existe nenhum inconformismo com a sentença pelo julgador, muito menos, sucumbência dele. Não há também estipulação de prazo para sua remessa, logo, não se pode falar em preclusão. Contudo, em nome da celeridade processual, é dever do juiz fazê-lo tão logo decorra o prazo para a interposição de apelação pelas partes. A remessa dos autos à instância superior pode ser determinada a qualquer tempo, de ofício pelo juiz, por avocação do Tribunal ou, ainda, por requerimento de qualquer uma das partes. Bem como não necessita atender os requisitos e os princípios recursais (ver cap. 23, adiante). O relator da remessa necessária no Tribunal pode negar-lhe conhecimento ou provimento liminarmente, conforme orientação jurisprudencial já consolidada na vigência do Código anterior (STJ, Súmula 253). Do acórdão proferido no julgamento da remessa necessária é cabível a interposição de embargos declaratórios, recurso extraordinário e recurso especial, desde que atendidos os seus requisitos específicos de admissibilidade. 22.6. A vedação da reforma para pior Abraçando o entendimento de que o instituto foi criado exclusivamente para proteger a Fazenda Pública, a Súmula 45 do STJ proíbe a reformatio in pejus ("reforma para pior" - v. n. 23.8.1, adiante), por ocasião do julgamento do reexame necessário. Ou seja, a decisão do Tribunal, na remessa obrigatória, não pode agravar a derrota já sofrida pela Fazenda em primeiro grau: se não for para cassar a sentença ou reformá-la para eliminar ou reduzir o resultado desfavorável à Fazenda, cabe ao Tribunal apenas manter a sentença como estava. Autorizada doutrina discorda desse entendimento jurisprudencial consagrado. Argumentam esses autores que a proibição de reforma para pior apenas se justifica no âmbito dos recursos, em que há o manejo voluntário de uma faculdade processual pela parte - hipótese em que a piora da situação da parte recorrente seria incompatível com o caráter garantístico de que se reveste o recurso. Tal óbice, segundo essa vertente doutrinária, não se poria no reexame necessário. Mas, ainda que a vedação à reformatio in pejus tenha um papel garantístico relevante, seu fundamento técnico concerne à extensão do efeito devolutivo do recurso: apenas é remetido ao Tribunal, para que ele possa rever aquilo que foi objeto de recurso. A parcela da decisão do processo não recorrida, não vai ao Tribunal: o Tribunal não tem competência relativamente a ela. A questão está em saber se, no reexame necessário, toda a decisão da causa é enviada ao Tribunal, para reexame, ou se apenas aquela parcela relativamente à qual a Fazenda foi derrotada. A resposta correta é essa segunda. Basta considerar que, quando a Fazenda é vitoriosa, nem há remessa necessária. Logo, o Tribunal não tem como rever a parte da decisão que foi favorável à Fazenda, pois tal parcela decisória não está abrangida pelo efeito devolutivo do reexame. Assim, tanto quanto no recurso, não cabe reformatio in pejus no reexame necessário. Noções gerais Denominação do instituto Natureza jurídica Condição de eficácia definitiva da sentença Cabimento art. 496 CPC/2015 Sentença proferida contra a Fazenda Pública Exceções Limite quantitativo Limite qualitativo Recurso parcial interposto pela Fazenda Pública Recurso da Fazenda Pública não conhecido Ação monitória Hipóteses controvertidas Ações de competência originária dos tribunais Previsões em leis esparsas Processamento Não se sujeita à preclusão Celeridade Requisitos e princípios recursais - não exigíveis Julgamento monocrático Recursos A vedação da reforma para pior Doutrina Complementar · Humberto Theodoro Júnior (Curso..., 56. ed., vol. 1, p. 1.083) para o autor "em tais casos, cumpre o juiz, de ofício, determinar a subida dos autos ao Tribunal se a Fazenda Pública não interpuser apelação no prazo legal. Se não o fizer, o presidente do Tribunal poderá avocá-los para que o reexame necessário seja cumprido (art. 496, § 1.º, do CPC/2015). A novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. A sistemática do Código anterior complicava o julgamento do tribunal, que tinha de se pronunciar sobre dois incidentes - a remessa necessária e a apelação -, o que, quase sempre, culminava com a declaração de ter restado prejudicado o recurso da Fazenda Pública diante da absorção de seu objeto pelo decidido no primeiro expediente". · Leonardo Carneiro da Cunha (Breves..., p. 1.256) explica a evolução histórica do instituto, observando que "a remessa necessária originou-se no processo penal, como uma proteção ao réu, condenado à pena de morte. Consistia num recurso interposto pelo próprio juiz, motivo pelo qual era chamado de recurso de ofício. Estava previsto nas Ordenações Afonsinas e nas Manuelinas, surgindo várias exceções ao seu cabimento nas Ordenações Filipinas. Originário no processo penal, o recurso de ofício passou também a conter previsão para diversas causas civis, vindo a ser previsto para os casos de sentenças proferidas contra a Fazenda Nacional e das que anulavam o casamento. O CPC/1939 previa a apelação necessária ou ex officio no seu art. 822, nas seguintes hipóteses: (a) das sentenças de nulidade do casamento; (b) das sentenças homologatórias de desquite amigável; e (c) das proferidas contra a União, Estado e Município. O CPC/1973 manteve o recurso de ofício, retirando-lhe, contudo, a feição recursal para alojá-lo no capítulo referente à coisa julgada. O art. 475 do CPC/1973 dispunha, na sua redação originária, que estaria sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal a sentença (I) que anulasse o casamento; (II) proferida contra a União, o Estado e o Município; (III) que julgasse improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública. O art. 10 da Lei 9.469/1997, estendeu às autarquias e fundações públicas o benefício do reexame necessário. Com o advento da Lei 10.352/2001, foi revogada a primeira hipótese, deixando de haver remessa necessária quanto à sentença que anulasse o casamento. A segunda hipótese passou, então, a ser a primeira, aperfeiçoando-se sua redação para referir-se à sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal (que não estava previsto originariamente), o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público (incorporando previsão contida em lei esparsa). O antigo inc. III do art. 475 do CPC/1973 passou a ser o inc. II, contendo modificação terminológica. Em vez de se referir à improcedência da execução fiscal, passou-se a utilizar a expressão 'julgar procedentes os embargos à execução'". · Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (Novo Código..., p. 501) argumentam que "não se submetem ao reexame necessário as sentenças proferidas contra as empresas públicas e contra as sociedades de economia mista. As sentenças de mérito que apenas homologam, por exemplo, reconhecimento jurídico do pedido procedido pela Fazenda Pública (art. 487, III, a, CPC/2015) ou transação entre as partes (art. 487, III, b, CPC/2015), por não se caracterizarem como sentenças proferidas contraa Fazenda Pública, não se sujeitam ao duplo grau de jurisdição obrigatório". · Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Comentários..., p. 1.172) afirmam que "trata-se de condição de eficácia da sentença, que, embora existente e válida, somente produzirá efeitos depois de confirmada pelo Tribunal. Não é recurso por lhe faltar: tipicidade, voluntariedade, tempestividade, dialeticidade, legitimidade, interesse em recorrer e preparo, características próprias dos recursos. Enquanto não reexaminada a sentença pelo Tribunal, não haverá trânsito em julgado e, consequentemente, será ela ineficaz. A interpretação teleológica que se deve dar à norma de proteção sob análise, aliada à sua natureza jurídica de condição de eficácia da sentença, indica somente a sentença de mérito como o objeto da referida proteção. O controvertido instituto, não poucas vezes (e não sem razão, pela aplicação que se lhe tem dado), acoimado de inconstitucional, sofreu, na vigência do CPC/1973, mitigação legislativa (v. g. L 10352/01, LJEFed 13), deixando de incidir em numerosos casos, deixando de incidir em numerosos casos, razão bastante para orientar o intérprete a restringir sua aplicação, quando isso mostrar-se razoável (...). O novo CPC também operou mais algumas restrições à remessa necessária que visam limitar o abuso do instituto por parte da Fazenda Pública e dar maior garantia de satisfação àquele que vence demanda instaurada contra ela". · Ovídio A. Baptista da Silva (Curso de processo civil..., 8. ed., vol. 1, tomo 1, p. 375) comenta que "o caráter não recursal do reexame necessário é evidente. Basta observar que o pretenso recorrente é o próprio prolator da sentença que, como tal, jamais poderia ser considerado sucumbente nem poderia imaginar que o próprio juiz, ao submeter sua sentença ao crivo da instância superior, tivesse interesse em vê-la reformada, como todo recorrente deve ter. Como observa Alfredo Buzaid (Da apelação, n. 32), o juiz 'apelava' sem ser parte, sem ter sido vencido e sem ter interesse na reforma de sua sentença. É o que acontece, no regime vigente, com o reexame necessário do art. 475 do Código [1973], que configura uma forma, senão de impugnação das sentenças, ao menos de controle de sua legitimidade". · Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello (Primeiros..., p. 810), entendem que "não há remessa necessária de interlocutória típica - mesmo que dela caiba agravo - daquelas que não decidem o mérito. O mesmo se deve dizer de decisão que, acolhendo exceção de pré-executividade, extingue a execução fiscal. Trata-se de decisão que, embora não decida uma ação propriamente, resolve o mérito e transita em julgado". Além disso, afirmam que "se a sucumbência da Fazenda for parcial, ao Tribunal será licito, apenas, decidir sobre o(s) ponto(s) em que a Fazenda Pública se saiu derrotada alterar da decisão na medida em que a Fazenda tenha sido desfavorecida. No entanto, quando desta alteração, nada impede, a nosso ver, que a situação da Fazenda piore ainda mais". Enunciados do FPPC N.º 164. (Art. 496, CPC/2015) A sentença arbitral contra a Fazenda Pública não está sujeita à remessa necessária. N.º 233. Ficam superados os Enunciados 88, 169, 207, 255 e 390 da Súmula do STJ como consequência da eliminação dos embargos infringentes ("São admissíveis embargos infringentes em processo falimentar"; "São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança"; "É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem"; "Cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando se tratar de matéria de mérito"; "Nas decisões por maioria, em reexame necessário, não se admitem embargos infringentes").2 N.º 311. (Art. 496; art. 1.046, CPC/2015) A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da publicação em cartório ou disponibilização nos autos eletrônicos da sentença, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica os reexames estabelecidos no regime do art. 475 do CPC de 1973. N.º 312.(Art. 496, CPC/2015) O inciso IV do § 4.º do art. 496 do CPC aplica-se ao procedimento do mandado de segurança. N.º 342. (Art. 978, parágrafo único, CPC/2015) O incidente de resolução de demandas repetitivas aplica-se a recurso, a remessa necessária ou a qualquer causa de competência originária. Bibliografia Fundamental Humberto Theodoro Júnior, Cursodedireitoprocessualcivil, 56. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, vol. 1; Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo Código de Processo Civil comentado, São Paulo: Ed. RT, 2015; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT, 2015; Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. 1, tomo 1, 8. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008; Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas (coord.), Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT, 2015; _____, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello, Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, São Paulo: Ed. RT, 2015. Complementar Alfredo Buzaid, Da apelação ex officio no sistema do Código de Processo Civil, Estudos de direito I, São Paulo, Saraiva, 1972; André Luís Monteiro, Descabimento de embargos infringentes em reexame necessário: inconstitucionalidade do Enunciado 390 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, RePro 195/311; Araken de Assis, Admissibilidade dos embargos infringentes em reexame necessário. In: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. Teresa Wambier e Nelson Nery Jr. (coord.) São Paulo: RT, 2001; ______, Manual dos Recursos, 3. ed., São Paulo: Ed. RT, 2011; Athos Gusmão Carneiro, Questões polêmicas do novo código de processo civil, Doutrinas Essenciais de ProcessoCivil, vol. 1, p. 615, out. 2011; Bernardo Pimentel Souza, Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória, 2. ed., rev. e ampl. Belo Horizonte: Maza Edições, 2001; Délio Mota de Oliveira Júnior, Fernando Gonzaga Jayme e Joana Faria Salomé O reexame necessário no processo civil brasileiro: um mal desnecessário, RePro 220/375; Fabiano Carvalho, Ausência de apelação da Fazenda Pública, acórdão proferido em julgamento do reexame necessário e o cabimento de recurso especial, RePro 169/315; Francisco Glauber Pessoa Alves, A remessa necessária e suas mudanças, RT 810/62; Júlio César Rossi, O reexame necessário, Dialética 23/41; Leonardo José Carneiro da Cunha, A fazenda pública em juízo, 5. ed., São Paulo: Dialética, 2007; Luiz Manoel Gomes Júnior, A Lei 10.352, de 26.12.2001 - Reforma do Código de Processo Civil - Alterações na remessa obrigatória e no processamento dos recursos cíveis, RePro 105/97; Maurício Giannico, Remessa obrigatória e o princípio da isonomia, RePro 111/93; Mirna Cianci, O reexame necessário na atual reforma processual - Lei 10.352/2001, RT 804/54; Nelson Nery Junior, Código de Processo Civil comentado, 12. ed., rev. atual. ampl., São Paulo: RT, 2011; Nilson Martins Lopes Júnior, Sentenças ilíquidas e remessa necessária, RePro 161/339; Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de processo civil, vol. 1, tomo 1, 8. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008; Paulo Magalhães Nasser, Considerações sobre o direito intertemporal e o reexame necessário: a supressão de hipótese de reexame necessário exclui a sujeição ao duplo grau de jurisdição de sentenças proferidas antes da vigência da lei nova, mas que ainda aguardam o reexame?, RePro 166/136. FOOTNOTES 1 Sobre o tema, Eduardo Talamini, "Eficácia e autoridade da sentença canônica",em Revista de Processo, v. 107, 2002. 2 . Sobre o tema, veja-se Eduardo Talamini: "Não cabimento de embargos infringentes em reexame necessário". Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 31, set. 2009, disponível em: [www.justen.com.br//informativo.php?&informativo="31&artigo=916&l=pt#]." © desta edição [2016]
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