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2017 - 07 - 18 Curso Avançado de Processo Civil - Volume 2 - Edição 2016 OITAVA PARTE - PRECEDENTES JUDICIAIS E OUTROS MECANISMOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS REITERADOS CAPÍTULO 38. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Capítulo 38. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE 38.1. Noções gerais O ordenamento brasileiro adota um duplo sistema de controle de constitucionalidade. Por um lado, vigoram mecanismos de controle direto e abstrato de constitucionalidade, cuja competência está concentrada no Supremo Tribunal Federal (no que tange à Constituição Federal). Nessa hipótese, examina-se diretamente a compatibilidade de um ato normativo com a Constituição, independentemente de um caso concreto. Reconhecendo-se a inconstitucionalidade, a norma é invalidada e suprimida do ordenamento. Tal invalidação tem eficácia erga omnes (aplica-se indistintamente a todas as pessoas, mesmo as que não participaram do processo). Integram o rol de instrumentos de controle direto a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade, a arguição de descumprimento de preceito fundamental e a súmula vinculante (que, em certo sentido, pode funcionar como uma ponte entre o controle incidental e o controle direto). Por outro lado, também existe no direito brasileiro o controle difuso de constitucionalidade. Todo juiz ou tribunal, em qualquer processo, pode examinar a constitucionalidade de um ato normativo relevante para o caso concreto. Nesse caso, o controle é incidental, no sentido de que o objeto do processo não é examinar, pura e simplesmente, se o ato normativo é constitucional. A aferição da constitucionalidade é apenas uma das várias etapas do julgamento do caso concreto. Se for considerada inconstitucional, a norma jurídica apenas não será aplicada àquele caso. Não haverá sua invalidação nem sua retirada do ordenamento - senão depois de, havendo o reconhecimento definitivo da inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (em grau recursal ou em ação originária), o Senado vir a "suspender a eficácia" de tal norma, extirpando-a do ordenamento (art. 52, X, da CF/1988). No entanto, a Constituição estabelece um requisito para a declaração de inconstitucionalidade nos tribunais. O reconhecimento da inconstitucionalidade de um ato normativo apenas pode ser emitido pelo órgão especial ou pelo plenário do tribunal (art. 97 da CF/1988). É o que se denomina "reserva de plenário". Isso se aplica tanto ao controle difuso, quanto ao controle concentrado. No próprio Supremo Tribunal, seja o controle incidental ou direto, a declaração de inconstitucionalidade deve fazer-se pelo seu plenário. Essa determinação constitucional torna necessária, na disciplina infraconstitucional, a previsão de um mecanismo que permita a manifestação do órgão especial ou plenário do tribunal, quando o processo tramita perante outro órgão. Afinal, a declaração de inconstitucionalidade em via incidental pode dar-se em qualquer caso. Em qualquer recurso ou processo de competência originária do tribunal, o colegiado pode precisar enfrentar a questão da inconstitucionalidade de um ato normativo. Não se vai, só por isso, atribuir-se sempre ao órgão especial ou ao plenário a competência para todos os recursos e ações originárias dos tribunais. Para que os tribunais sejam operacionais e funcionem minimamente, sua carga de trabalho precisa ser distribuída entre diferentes órgãos. Então, concebe-se um mecanismo pelo qual, quando um órgão fracionário do tribunal (i.e., um órgão que não o órgão especial ou o plenário), depara-se com uma possível inconstitucionalidade de ato normativo, ele transferirá o exame dessa específica questão ao órgão especial ou ao plenário. Depois de decidida a questão de constitucionalidade pelo plenário ou órgão especial, a competência será retomada pelo órgão fracionário, que aplicará ao caso em julgamento o entendimento adotado por aquele outro órgão. Esse é o incidente de arguição de inconstitucionalidade (arts. 948 a 950 do CPC/2015), também conhecido como "per saltum de inconstitucionalidade" ou, numa simplificação de linguagem, apenas "per saltum". 38.2. Natureza Jurídica Como o próprio nome o diz, trata-se de um simples incidente dentro de um processo em curso, e não de um novo processo. Há uma repartição funcional de competência por fase do processo: diferentes órgãos atuam conforme diferentes atos que tenham de ser praticados. Normalmente, a repartição funcional de competência por fase apresenta-se no sentido vertical: sucessivos graus de jurisdição atuando, conforme os recursos vão sendo interpostos. No caso em exame, essa distribuição funcional é horizontal: o plenário ou órgão especial não é hierarquicamente superior ao órgão fracionário. A decisão do recurso ou da ação de competência originária, nos casos em que o incidente de arguição de inconstitucionalidade é instaurado, assume o caráter de um ato subjetivamente complexo. O julgamento só se aperfeiçoa com a conjugação das manifestações de dois distintos órgãos: o plenário ou órgão especial decide a questão de constitucionalidade; o órgão fracionário, tomando em conta o juízo proferido no incidente, resolve as demais questões do caso. Nesse sentido, a resolução da questão de constitucionalidade é meramente incidental. Incorpora-se ao julgamento proferido pelo órgão fracionário. Esse é o ato revestido de comando jurisdicional próprio e autônomo, a ser observado pelas partes. O julgamento do incidente, além de uma eficácia geral vinculante média (de que se fala adiante), possui um comando "interno": uma determinação dirigida ao órgão fracionário, a fim de que esse observe, por ocasião do julgamento das restantes questões do caso, aquilo que decidiu o órgão especial ou plenário sobre a questão de constitucionalidade. Mas, além disso, e como se verá a seguir, a decisão do plenário ou órgão especial também serve para dispensar, em casos futuros, a nova instauração do incidente. Nesse sentido, ela tem uma eficácia externa. Há uma objetivação do incidente (ele repercute não apenas sobre as partes do processo em que foi instaurado, mas também sobre outros processos). Trata-se de uma vinculação média, nos termos indicados no n. 34.2.2, acima, e no tópico seguinte. 38.3. As hipóteses de instauração do incidente O juiz de primeiro grau detém competência para declarar incidentalmente, ele próprio, a inconstitucionalidade da norma. O incidente não se põe para essa hipótese. Aplica-se apenas a processos nos tribunais, desde que já não tramitem perante o órgão especial ou o plenário. Nos tribunais, o incidente aplica-se aos casos em que surja uma fundada dúvida acerca da legitimidade de atos normativos federais, estaduais ou municipais em face da Constituição Federal. Assim, abrange todas as espécies legislativas (art. 59 da CF/1988) e ainda os atos regulamentares - desde que, nesse último caso, impute-se ao ato uma ofensa direta à Constituição, e não a simples incompatibilidade com uma lei infraconstitucional que ele se destinava a regulamentar. A norma cuja constitucionalidade se questiona pode ser de direito processual ou material. Então, ela não precisa ser relevante para a solução do mérito da causa. Pode concernir apenas a aspectos processuais ou procedimentais. Mesmo nesse caso, terá de ser instaurado o incidente, no tribunal. O vício de inconstitucionalidade pode ter sido arguido por alguma das partes ou cogitado de ofício pelo juiz - o que é possível com base no iura novit curia (o órgão jurisdicional tem o dever de conhecer de ofício as normas jurídicas). Em ambos os casos, se o processo estiver tramitando perante órgão fracionário do tribunal, cumprirá instaurar-se o incidente. Mas, quando a inconstitucionalidade for aventada de ofício, sem que dela se tivesse antes cogitado no processo, caberá dar às partes a prévia oportunidade de manifestação sobre o tema (art. 5.º, LV, daCF/1988; arts. 9.º e 10 do CPC/2015). Não basta a questão da constitucionalidade de uma norma estar posta no processo, para que se instaure o incidente. Se o próprio órgão fracionário de plano descarta que o ato normativo seja inconstitucional, nem cabe o per saltum. Nesse caso, o próprio órgão fracionário emite o juízo incidental positivo de constitucionalidade e prossegue no exame das demais questões postas no processo. Já quando há dúvida acerca da constitucionalidade da norma, cumpre, em princípio instaurar o incidente. Pouco importa se a hipótese é de possível declaração de inconstitucionalidade com ou sem redução de texto. Inconstitucionalidade com redução de texto é a que se tem quando se constata que o dispositivo normativo é em si mesmo e por completo incompatível com a Constituição, não havendo como dele extrair nenhuma interpretação que o salve da inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade sem redução de texto consiste na censura, por incompatibilidade com a Constituição, de um sentido diretamente extraível da disposição normativa, quando há ao menos um outro que dela se possa extrair que seja constitucional. Em ambos os casos, em regra, o per saltum de inconstitucionalidade deve ter vez. Nenhum subterfúgio é admitido para evitar-se a instauração do incidente. Em princípio, no tribunal, toda não aplicação de ato normativo fundada em sua ilegitimidade constitucional, feita em termos expressos ou implícitos, deve respeitar a "reserva de plenário". Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 10: "Viola a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF/1988) a decisão de órgão fracionário de tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte". No entanto, simples juízo de plausibilidade acerca da possível inconstitucionalidade de uma norma, realizado, em cognição sumária, por ocasião do exame dos pressupostos para uma tutela urgente, não autoriza a instauração do incidente. Esse é destinado aos juízos definitivos de inconstitucionalidade. Vale dizer: o incidente deve ser instaurado quando é possível que se venha afirmar que uma norma é inconstitucional; e não quando a perspectiva é de, quando muito, apenas se afirmar que ela parece ser inconstitucional. Por último e não menos importante: se já houver anterior pronunciamento do plenário ou órgão especial do próprio tribunal ou do Supremo Tribunal Federal a respeito da constitucionalidade de determinada norma, não é necessária a instauração do incidente (art. 949, parágrafo único, do CPC/2015) - a não ser que, o órgão fracionário pretenda uma revisão da anterior orientação do seu próprio tribunal. Nessa hipótese, cabe nova instauração do incidente para reexame da questão, mediante decisão fundamentada do órgão fracionário que apresente elementos novos, ou antes, não considerados. Para que fique dispensado o per saltum, o anterior juízo sobre a (in)constitucionalidade acerca da norma não precisa provir do controle direito de constitucionalidade desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal, que tem força vinculante em sentido estrito ("vinculação forte"). Pode advir de decisão do plenário do Supremo proferida em controle incidental (e independentemente do exercício, pelo Senado, da competência do art. 52, X) ou mesmo do órgão especial ou plenário do próprio tribunal em que a questão de constitucionalidade então se põe para o órgão fracionário. Esse é um caso de força vinculante média da decisão declaratória de inconstitucionalidade pelo plenário ou órgão especial dos tribunais (v. n. 34.2.2, acima). Essa dispensa da reserva de plenário surgiu como construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e foi posteriormente incorporada ao ordenamento. Portanto, é considerada, pela corte que tem a última palavra sobre a interpretação constitucional, compatível com o art. 97 da CF/1988. 38.4. Competência e quórum de declaração de inconstitucionalidade Por força do art. 97 da CF/1988, a competência para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público é atribuída ao plenário do tribunal ou ao seu órgão especial. Vale dizer: nos tribunais que contemplarem, em sua estruturação interna, um órgão especial (colegiado que reúne uma parcela substancial dos integrantes da corte), a esse poderá ser atribuída a competência para o incidente. Nos tribunais que não contam com um órgão especial (exemplo: Supremo Tribunal Federal), a competência será do seu próprio plenário (colegiado que reúne todos os integrantes do tribunal). É necessário o voto da maioria absoluta (i.e., mais da metade) dos membros do colegiado competente, para que se reconheça a inconstitucionalidade. Importa o número de integrantes que o colegiado deve ter, e não o número de membros efetivamente investidos ou presentes à sessão de julgamento. Assim, se o plenário do Supremo Tribunal Federal é composto por onze membros, é necessário o voto de seis de seus ministros para que se declare a inconstitucionalidade. É irrelevante o fato de que algum ministro não tenha comparecido à sessão ou de que exista cargo vago no tribunal, de modo que, no momento, ele seja integrado por apenas dez ministros. O quórum de declaração da inconstitucionalidade sempre toma em conta o número de integrantes que o colegiado deveria ter, se todos os cargos estivessem ocupados e todos os seus ocupantes, presentes. 38.5. Legitimidade O incidente de arguição de inconstitucionalidade deve ser instaurado até de ofício. Assim, é possível também que qualquer das partes do processo, o Ministério Público (mesmo quando atua apenas como fiscal da lei), a Defensoria Pública (nos casos em que atuar) ou mesmo o amicus curiae que participe do processo apontem ao órgão jurisdicional a necessidade de sua instauração. A instauração do incidente, por sua vez, pressupõe que se tenha arguido a inconstitucionalidade de um ato normativo e que essa arguição seja tida por plausível. Como já dito, o próprio órgão jurisdicional pode suscitar de ofício a dúvida quanto à constitucionalidade da norma. Portanto, qualquer dos sujeitos acima indicados pode igualmente argui-la. 38.6. Procedimento Suscitada a inconstitucionalidade em controle difuso, o relator abrirá prazo para que se manifestem o Ministério Público e as partes. Em seguida, a questão é decidida pelo órgão fracionário (câmara, turma, seção, grupo de câmaras, câmaras reunidas etc.) competente para conhecer do processo (art. 948 do CPC/2015). Como a afirmação de constitucionalidade prescinde da reserva de plenário, se for rejeitada a arguição pelo órgão, o julgamento do processo seguirá normalmente (art. 949, I, do CPC/2015). Porém, se acolhida, o julgamento do processo será sobrestado e a questão será levada ao plenário do tribunal ou a seu órgão especial (art. 949, II, do CPC/2015). Conforme já indicado, o parágrafo único do art. 949 do CPC/2015 prevê que a arguição de inconstitucionalidade não será submetida ao pleno ou órgão especial caso esses ou o plenário do Supremo Tribunal Federal já se tenham pronunciado a respeito da questão. Ao órgão fracionário só é dado instaurar novamente o incidente se ele, diante de anterior manifestação do órgão especial ou plenário do seu próprio tribunal, pretender, por força de elementos antes não examinados, reabrir a discussão da questão (isso pressupõe que a norma já não tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal com força vinculante e eficácia erga omnes). Essa reabertura apenas se justifica em face de elementos verdadeiramente relevantes. Instaurado o incidente, ele será distribuído a um novo relator no plenário ou órgão especial, e esse remeterá cópia do acórdão do órgão fracionário (em que se decidiu pela instauração do incidente) a todos os magistrados. Em seguida, a sessão de julgamento é designada pelo presidente do tribunal(art. 950 do CPC/2015). Como já afirmado, de acordo com o art. 97 da CF/1988, a declaração de inconstitucionalidade somente se fará pelo voto da maioria absoluta dos membros do órgão (pleno do tribunal ou especial) que apreciar o incidente. Decidida a questão constitucional pelo órgão especial ou plenário, o processo retorna ao órgão fracionário para que esse leve adiante o julgamento do caso concreto, aplicando o juízo emitido por aquele outro órgão. 38.7. Intervenção de amici curiae O código autoriza a manifestação, no incidente de inconstitucionalidade, das pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, que deverão observar os prazos e as condições estabelecidos no regimento interno do tribunal (art. 950, § 1.º, do CPC/2015). Estão também autorizados a se manifestar os legitimados à propositura de ação direta de inconstitucionalidade e de ação declaratória de constitucionalidade, elencados no art. 103 da CF/1988 (art. 950, § 2.º, do CPC/2015). Também a intervenção de outras pessoas e entidades poderá ser pelo relator admitida, conforme a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes (art. 950, § 3.º, do CPC/2015). Caberá aferir a aptidão desses terceiros em contribuir para o deslinde da questão (contributividade adequada - v. vol. 1, n. 19.9.5). Em qualquer desses casos, a participação do terceiro dá-se sob o regime do amicus curiae. A manifestação, em regra, deve ser apresentada por escrito, no prazo previsto no regimento interno, garantido o direito de apresentar memoriais e de juntar documentos (art. 950, § 2.º, do CPC/2015). 38.8. Recorribilidade Ainda antes da vigência do atual CPC, o Supremo Tribunal Federal editou o enunciado da Súmula 513, com o seguinte teor: "A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (câmaras, grupos ou turmas) que completa o julgamento do feito". Essa diretriz tende a continuar sendo aplicada. Vale dizer, a decisão do incidente, em si mesma, não admite recurso. Esse será cabível depois, contra o acórdão proferido pelo órgão fracionário no julgamento da causa principal. Assim o é porque, como antes indicado, o juízo emitido pelo plenário ou órgão especial a respeito da questão de constitucionalidade da norma incorpora-se à decisão subsequentemente proferida pelo órgão fracionário. Mas essa solução não deixa de gerar alguns impasses e dúvidas. Se a solução dada à questão constitucional no incidente dissesse apenas respeito às partes do processo - como se entendia à época em que o enunciado da Súmula 513 foi editado - não haveria maiores problemas. Mas a decisão sobre a constitucionalidade da norma tem eficácia que vai além das partes, como visto, ao ser aplicável aos processos subsequentes, ficando neles dispensada nova instauração do incidente. Se assim o é, há de se cogitar da legitimidade e interesse recursal de outros sujeitos, precisamente para impugnar a deliberação que poderá vir a ser aplicada em inúmeros outros processos, de que participam. Mais do que isso: pode acontecer de a própria parte que é derrotada no incidente (i.e., sustentava a inconstitucionalidade da norma, e ela é reconhecida como constitucional - ou vice-versa) vir a ser, a despeito disso, vitoriosa no julgamento da ação ou recurso pelo órgão fracionário, por força de outros aspectos da causa. Cabe também aqui considerar o possível interesse recursal dela para rediscutir a resolução da questão de constitucionalidade, diante da perspectiva de que venha a ser aplicada a outros casos de que participe. Por exemplo: um instituto de previdência de servidores estaduais é derrotado, no incidente de constitucionalidade, em que se julgou inconstitucional uma norma de lei que limitava o valor que ele deveria pagar a seus pensionistas. No prosseguimento do julgamento pelo órgão fracionário, ele é vitorioso porque se reputa que o servidor que é parte naquela ação não havia concretamente preenchido os requisitos para receber a aposentadoria. Mas permanece o juízo de inconstitucionalidade desfavorável ao instituto previdenciária e que poderá será ser aplicado contra ele em milhares de outras ações. Não teria ele interesse para recorrer? Em suma, a objetivação do incidente de inconstitucionalidade implica uma revisão dos parâmetros de legitimidade e interesse recursal relativamente à resolução do incidente. 38.9. Questão constitucional repetitiva Se já no momento em que se suscitar a questão da constitucionalidade da norma constatar-se que ela se repete em inúmeros outros processos, em vez de se instaurar o incidente aqui estudado, deverá ser instaurado o incidente de resolução de demandas repetitivas ou o procedimento de julgamento de recursos repetitivos, conforme o caso (v. cap. 30 e 36, acima) - atribuindo-se a competência do incidente ao órgão especial ou ao plenário do tribunal. O incidente de arguição de inconstitucionalidade até se reveste, como visto, de caráter objetivo, sendo aplicável a outros casos. Mas os incidentes de julgamento de demandas ou questões repetitivas são aptos a produzir decisões revestidas de ainda mais intensa força vinculante (vinculação forte), garantindo resultados mais eficientes nessa hipótese. Noções gerais Duplo sistema de controle de constitucionalidade Reserva de plenário - art. 97 da CF/1988 Per saltum de inconstitucionalidade Natureza jurídica Incidente processual Repartição funcional de competência - distribuição horizontal Ato subjetivamente complexo Eficácia externa - dispensa nova instauração do incidente Hipóteses de instauração Processos nos tribunais tramitando perante órgão fracionário Fundada dúvida acerca da legitimidade de atos normativos federais, estaduais ou municipais em face da Constituição Federal Norma de direito processual ou material Juízos definitivos de inconstitucionalidade Quando não houver anterior pronunciamento do plenário ou órgão especial do próprio tribunal ou do STF a respeito da constitucionalidade Competência e quórum de declaração de inconstitucionalidade Plenário ou órgão especial do tribunal Voto da maioria absoluta Legitimidade Instauração de ofício Partes Ministério Público Defensoria Pública Amicus curiae Procedimento Manifestação das partes e do MP Decisão do órgão fracionário Arguição rejeitada: julgamento do processo Arguição acolhida: sobrestamento do processo e submissão da questão ao plenário ou órgão especial Distribuição Julgamento do incidente Julgamento do caso concreto pelo órgão fracionário Intervenção de amici curiae Pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado Rol do art. 103 da CF/1988 Pessoas e entidades - relevância da matéria e representatividade dos postulantes Recorribilidade A decisão do incidente não admite recurso Cabimento contra o acórdão do órgão fracionário no julgamento da causa principal Questão constitucional repetitiva Incidente de resolução de demandas repetitivas Procedimento de julgamento de recursos repetitivos Doutrina Complementar · Alexandre Freitas Câmara (O Novo Processo..., p. 456) considera que: "Aqui é importante perceber que não se tem, propriamente, duas decisões judiciais. Tem-se uma só decisão, um só pronunciamento, subjetivamente complexo. A um órgão (o Tribunal Pleno ou o Órgão Especial) incumbe resolver a questão constitucional; a outro (o órgão fracionário) compete resolver todas as demais questões, levando em consideração o modo como o Plenário ou o Órgão Especial tenha resolvido a prejudicial de constitucionalidade. Assim, apenas quando o órgão fracionário completar o julgamento do caso concreto é que se terá um pronunciamento judicial recorrível. Contra o acórdão do Pleno ou do ÓrgãoEspecial que resolve o incidente de arguição de inconstitucionalidade não se admite qualquer recurso, salvo, apenas, embargos de declaração". · Fernanda Medina Pantoja (Breves..., p. 819; 821) explica que: "O acolhimento da alegação não significa a decretação da inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnado, esta reservada à competência do plenário ou órgão especial. Trata-se tão somente da admissão do incidente e do reconhecimento da possibilidade de existência de incompatibilidade entre a norma questionada e o texto constitucional. (...) É irrecorrível (salvo por meio de embargos de declaração) a decisão de acolhimento do incidente. Aceita a arguição, dá-se a cisão funcional da competência, impondo-se a remessa ao plenário do tribunal ou, onde houver, ao seu órgão especial, para votação da questão prejudicial de inconstitucionalidade. É possível o acolhimento parcial do incidente quando forem impugnados mais de um ato normativo ou apontadas mais de uma violação à Constituição. Nesse caso, não se deve dar prosseguimento ao julgamento do recurso ou da causa perante o órgão fracionário, em relação aos pontos em que não acolhida a arguição. Ao contrário, deve o julgamento permanecer suspenso até que decidida a questão de inconstitucionalidade remetida ao julgamento do plenário ou órgão especial, preservando- se, assim, a prolação de um único acórdão ao final do processo". · Humberto Theodoro Júnior (Curso..., 47. ed., vol. 2, p. 816) define o momento da arguição de inconstitucionalidade: "Enseja a arguição qualquer processo sujeito a julgamento pelos tribunais: recursos, causas de competência originária ou casos de sujeição obrigatória ao duplo grau de jurisdição. Em se tratando de matéria de direito, não há preclusão da possibilidade de provocar a apreciação da inconstitucionalidade. Pode, pois, a parte argui-la na inicial, na contestação, nas razões de recurso, em petição avulsa e até 'em sustentação oral, na sessão de julgamento'. O Representante do Ministério Público poderá formular a arguição em qualquer momento que lhe caiba falar no processo. Os juízes componentes do tribunal poderão suscitar ex officio o incidente como preliminar de seus votos na sessão de julgamento do feito. Salvo caso em que a provocação seja de sua própria iniciativa, o Ministério Público será sempre ouvido sobre a arguição de inconstitucionalidade, antes da decisão pela Turma ou Câmara, a que tocar o conhecimento do processo (art. 948 do CPC/2015). As partes também, em qualquer caso, serão ouvidas, para cumprir a garantia do contraditório". · Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (Comentários..., p. 1881) comentam que: "Segundo o disposto no art. 97 da CF/1988, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo só pode ocorrer pelo voto da maioria absoluta dos membros do tribunal ou de seu órgão especial. Maioria absoluta, ou qualificada, se obtém com o número inteiro imediato, depois do atingimento da metade, não dos presentes à votação, mas dos membros efetivos que compõem o tribunal ou o órgão especial (...). Num órgão especial composto por vinte e cinco desembargadores, por exemplo, a maioria absoluta é de treze, primeiro número inteiro depois da metade (doze e meio) dos membros do referido órgão. Se a maioria dos votantes concluir pela inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, mas não for atingido o quorum constitucional de maioria absoluta, a decisão do Pleno ou órgão especial deverá ser pela rejeição da arguição de inconstitucionalidade: os autos retornarão ao órgão fracionário do tribunal (câmara, turma etc.), que terá de aplicar a lei ou ato normativo, como se fosse constitucional, ficando sem efeito o acórdão anterior do mesmo órgão fracionário, que concluíra pela inconstitucionalidade". · Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello (Primeiros..., p. 1346) asseveram que: "A grande novidade do NCPC, em absoluta harmonia com uma das principais linhas mestras do novo Código, é tornar a decisão vinculante para todos os órgãos fracionários daquele Tribunal. Fizemos referência, por várias vezes nestes Primeiros Comentários ao NCPC, a que existem graus de vinculatividade. É vinculante em grau máximo, por exemplo, a súmula vinculante - desrespeitada, cabe reclamação. Quando há um remédio específico no sistema para corrigir ou determinar a correção da decisão, a vinculatividade é forte. Casos, entretanto, existem, em que a lei se limita a usar a expressão vinculação, sem que tenha sido concebido um remédio específico contra a © desta edição [2016] insubordinação, hipótese em que se pode falar em vinculatividade com menor intensidade ou intensidade média. Por fim, há a vinculação que decorre do sistema e da razão de ser da estrutura do Poder Judiciário. E a vinculação natural, como aquela, que ocorre para os Ministros dos Tribunais Superiores em relação às suas próprias decisões, e aos demais órgãos do Poder Judiciário, em relação às decisões do STF e do STJ. (...) A revisão da tese há de ocorrer por obra do órgão que a fixou, e não por meio dos órgãos fracionários nem de juízes singulares, vinculados ao Tribunal. Do contrário, ficaria inteiramente esvaziada a vinculatividade. Imagina-se que, nesta hipótese, deva haver a possibilidade de instauração de incidente de assunção de competência sem que seja preenchido o requisito da necessidade de que seja composta a divergência ou prevenida". Bibliografia Fundamental Alexandre Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, São Paulo, Atlas, 2015; Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, 47. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2015, vol. 2; José Carlos Barbos Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, 16 ed., Rio de Janeiro, Forense, 2012, vol. 5); Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, Ed. RT, 2015; Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas (coord.), Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil, São Paulo, Ed. RT, 2015; _____, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello, Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, São Paulo, Ed. RT, 2015. Complementar Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, GZ, 2012; Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, São Paulo, Atlas, 2005; Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, 23. ed., São Paulo, Atlas, 2014, vol. 2; Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, 5. ed., São Paulo, Saraiva, 2014, vol. 5; Darci Guimarães Ribeiro, A dimensão constitucional do contraditório e seus reflexos no projeto do novo CPC, RePro 232/13; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, t. VI; Fredie Didier e Leonardo José Carneiro da Cunha, Curso de Direito Processual Civil, 9. ed., Salvador, JusPodivm, 2011, vol. 3; Gilberto Schäfer e Roger Raupp Rios, A transcendência dos motivos determinantes no controle incidental de constitucionalidade, Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional 10/827; Gilmar Ferreira Mendes, O sistema de controle das normas da Constituição de 1988 e reforma do Poder Judiciário, Ajuris 244; José Alfredo de Oliveira Baracho, Teoria geral do processo constitucional, Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional 10/175; José Levi Mello do Amaral Júnior, Controle de constitucionalidade, Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional 10/41; Marcelo Pacheco Machado, Decisão judicial inconstitucional: e daí?, RePro 216/209.
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