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2017 - 07 - 18 Curso Avançado de Processo Civil - Volume 2 - Edição 2016 NONA PARTE - COISA JULGADA E SUA REVISÃO CAPÍTULO 41. AÇÃO RESCISÓRIA Capítulo 41. AÇÃO RESCISÓRIA 1 41.1. Conceito e natureza jurídica A ação rescisória consiste em ação por meio da qual se pede a desconstituição de decisão de mérito transitada em julgado (ou de outro pronunciamento que produza resultado prático equivalente), com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada. Tradicionalmente, dizia-se ser a ação rescisória o único meio de se infirmar, no processo civil, pronunciamento com autoridade de coisa julgada material. Hoje, a vinculação ação rescisória - coisa julgada material está atenuada. Por um lado, há outros instrumentos que também se prestam (ainda que não tendo por finalidade principal, como a ação rescisória) ao desfazimento da coisa julgada material (impugnação ao cumprimento de sentença na hipótese dos arts. 525, § 12, e 535, § 5.º do CPC/2015; recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos etc.). Por outro lado, no ordenamento atual, prevê-se também o cabimento da ação rescisória em hipóteses em que não há propriamente coisa julgada material (art. 701, § 3.º, do CPC/2015 - além da regra geral do art. 966, § 2.º, do CPC/2015, que, embora visando precipuamente a hipóteses em que a rigor há coisa julgada material, pode, pela largueza de seus termos, sugerir alguma incidência mais ampla - v. n. 41.2.7, a seguir). A rescisória tem a natureza jurídica de ação constitutiva negativa, que produz, portanto, uma sentença desconstitutiva, quando julgada procedente. Na ação rescisória podem-se formular dois pedidos: o da desconstituição da coisa julgada (juízo rescindens) e o do rejulgamento da causa, quando for o caso (juízo rescissorium) . Diz-se que é uma ação desconstitutiva com base no primeiro pedido, que sempre precisará estar presente (v. n. 41.7.8, adiante). É comum afirmar-se que, na esfera dos direitos materiais, os atos anuláveis são atacáveis por meio de ações desconstitutivas, que têm efeito dali para frente, e os atos nulos são atacáveis por meio de ações declaratórias, e têm efeitos, portanto, retroativos. A rigor, essa distinção não parece correta nem mesmo no plano do direito material. Mesmo na nulidade, há algo a desconstituir-se - ainda que essa desconstituição seja retroativa. Seja como for, a diferenciação seguramente não se aplica na seara do direito processual civil, em que até as sentenças nulas, para que sejam atacadas, demandam a ação de natureza desconstitutiva. Isto porque, no direito processual civil, mesmo as sentenças e interlocutórias de mérito nulas produzem coisa julgada e, na verdade, elas só serão atacadas depois que se desconstituir essa espécie de "barreira" protetora, que se forma ao redor delas. Assim, ainda que se esteja diante de sentença nula, é necessário que, primeiramente, se desconstitua a coisa julgada que se produziu, para que só num segundo momento se atinja a decisão propriamente dita. A ação rescisória dá ensejo à instauração de um novo processo, inconfundível com o anterior, em que se produziu a decisão rescindenda (i.e., a decisão que se busca rescindir). Por isso, a ação rescisória não pode ser considerada um recurso, que, no ordenamento brasileiro, é sempre interposto dentro do próprio processo em que se proferiu a decisão impugnada. Em termos práticos, a constatação de que a rescisória é uma ação, geradora de novo processo, implica, por um lado, a necessidade de observância dos requisitos da propositura de uma demanda e, por outro, a exigência de citação do adversário (a parte beneficiada pela decisão rescindenda) e a concessão, a ele, de todas as garantias inerentes ao direito de defesa. Esses aspectos serão examinados adiante. 41.2. Objeto A ação rescisória tem por objeto as decisões revestidas da coisa julgada material. Isso foi expresso no caput do art. 966 do CPC/2015, em termos não de todo adequados, mas perfeitamente compreensíveis: "decisão de mérito transitada em julgado". 41.2.1. Sentenças, interlocutórias de mérito e acórdãos "Decisão" assume nessa hipótese sentido amplo. Não se restringe às sentenças de primeiro grau que julgam o mérito. Abrange também as decisões interlocutórias de mérito (arts. 356 e 502 do CPC/2015) e os acórdãos dos Tribunais com o mesmo conteúdo. 41.2.2. Desnecessidade de exaurimento recursal É dispensável que todos os recursos possíveis tenham sido interpostos contra a decisão de mérito no processo de origem (Súmula 514 do STF). A não interposição, a renúncia ou a desistência de recursos não bloqueia o emprego da ação rescisória. 41.2.3. Ações principais ou incidentais - Procedimento comum ou especial - Exceções As decisões atacáveis mediante ação rescisória podem ter sido proferidas em ações principais ou em ações incidentais. Assim, quando no mesmo processo se instaura, por exemplo, reconvenção denunciação da lide, incidente de desconsideração de personalidade jurídica, ação declaratória incidental de falsidade documental, essas ações incidentais têm um mérito próprio. A decisão que o resolve pode ser passível de ação rescisória, desde que presentes os demais pressupostos, adiante examinados. Em princípio, a ação rescisória cabe tanto contra as decisões de mérito proferidas no procedimento comum quanto às emitidas em procedimentos especiais - sejam esses regulados dentro ou fora do CPC/2015. Regras expressas podem excluir o cabimento da ação rescisória em determinados procedimentos ou ações especiais (ex.: Juizados Especiais, art. 59 da Lei 9.099/1995; ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, art. 26 da Lei 9.868/1999; arguição de descumprimento de preceito fundamental, art. 12 da Lei 9.882/1999 etc.). 41.2.4. Rescisória parcial A ação rescisória pode limitar-se a impugnar um ou alguns dos diversos capítulos da decisão (art. 966, § 3.º, do CPC/2015). Isso pode ocorrer quando: nem todos os capítulos decisórios forem de mérito (por exemplo, o juiz julgou o mérito de um dos pedidos cumulados e negou a resolução do mérito dos demais pedidos); o autor da rescisória for derrotado apenas em relação a um dos capítulos da decisão; o autor da rescisória, embora derrotado em vários capítulos decisórios, optar por impugnar apenas um ou alguns deles etc. A rescisória parcial pode estar também relacionada com o trânsito em julgado parcial, de que se trata adiante (v. n. 41.8). 41.2.5. Rescisória de rescisória O próprio acórdão que julga procedente ou improcedente uma ação rescisória é passível de ataque por outra ação rescisória. Essa é mais uma decorrência de a rescisória consistir em ação, geradora de um processo, com mérito próprio. O pronunciamento que a resolve é uma decisão de mérito, que faz, ela mesma, coisa julgada material. Nessa condição, pode também ser objeto de ação rescisória. 41.2.6. Decisões revestidas de coisa julgada material A qualificação "de mérito", no art. 966, caput, do CPC/2015, tem a finalidade de indicar ato acobertado pela coisa julgada material. Decisões de mérito que não se revistam dessa autoridade não são alvo da ação rescisória. Por exemplo, em regra não cabe rescisória contra as decisões de mera cognição superficial de mérito, que não fazem coisa julgada material (v. n. 40.1.4, acima). Do mesmo modo, nos casos em que, por expressa disposição legal, o julgamento de improcedência do pedido por falta de provas não faz coisa julgada material (ex., art. 18 da Lei 4.717/1965), é incabível a ação rescisória para que se reexamine a causa à luz de novos elementos probatórios. Falta interesse de agir para a rescisória, pois basta a simples repropositura da ação. 41.2.7. O art. 966, § 2.º O art. 966, § 2.º, I e II, do CPC/2015, parece sugerir alcance maior à ação rescisória, ao prever seu cabimento contra "decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça: I - nova propositurada demanda; ou II - admissibilidade do recurso correspondente", desde que presentes os demais pressupostos. Os termos amplos da disposição não permitem excluir o emprego da ação rescisória a casos alheios à coisa julgada material. A diretriz extraível da regra é a do cabimento dessa medida sempre que se tenha um resultado prático equivalente ao da coisa julgada material, i.e., impeditivo de rediscussão da causa, decorrente de uma decisão judicial. A própria regra do art. 701, § 3.º, do CPC/2015 seria enquadrável nesse contexto (v. vol. 4, cap. 11). Mas os dois casos mais facilmente identificáveis de aplicação da regra concernem a hipóteses em que, a rigor, seria cabível a ação rescisória independentemente dessa disposição (inexistente no CPC/1973). O primeiro caso, enquadrável na hipótese do art. 966, § 2.º, I, concerne à condenação em verbas de sucumbência veiculada em sentenças que negam a resolução do mérito (art. 485 do CPC/2015). A extinção sem julgamento de mérito não impede que se reproponha a mesma ação (mesmas partes, mesmo objeto) e eventualmente se obtenha no segundo processo a apreciação do mérito antes rejeitada. Mas obviamente isso não afastará a condenação em verbas de sucumbência contida na primeira sentença. Tal condenação pode inclusive ser em valor muito alto. E o seu descumprimento impede a repropositura da mesma ação (art. 486, § 2.º, do CPC/2015). Nesse caso, cabe a ação rescisória, desde que presentes os demais requisitos, para desconstituir o capítulo da sentença relativo à condenação nas verbas de sucumbência. O argumento de que, em face da possibilidade de repropositura da ação, falta interesse processual para impugnar mediante ação rescisória a sentença extintiva do processo sem julgamento de mérito é correto em relação ao objeto propriamente dito do processo. Todavia, não tem nenhum valor no que tange à questão das verbas de sucumbência. Mas, para se admitir a rescisória nesse caso, não seria nem necessário o art. 966, § 2.º, I, do CPC/2015. Tal conclusão já era possível mesmo na vigência do CPC/1973, que não continha regra similar. 2 Nesse ponto, retome-se a constatação de que a qualidade da coisa julgada material e da coisa julgada formal, em si, é a mesma, diferenciando-se ambas apenas pelo objeto sobre o qual recaem (v. n. 40.2, acima). Se a sentença baseada no art. 485 do CPC/2015 foi proferida em processo de cognição exauriente e não se limita a um comando meramente processual, dispondo também sobre uma prestação que repercute na situação substancial das partes, como é o caso da condenação em custas e honorários, deve-se reconhecer que sobre tal capítulo da sentença recai coisa julgada que, a rigor, é material. Por isso, mesmo no diploma anterior, esse capítulo condenatório seria impugnável por ação rescisória. O segundo caso concerne à hipótese em que uma decisão de mérito vem a transitar em julgada e fazer coisa julgada material por força da negativa de conhecimento a um recurso, amparada na violação a uma norma jurídica (ex., o Tribunal nega conhecimento à apelação contra sentença de mérito sob o fundamento de que faltou preparo, em caso em que o apelante era beneficiário da justiça gratuita, já deferida no processo). Se tal indevida negativa de admissibilidade do recurso acarreta uma coisa julgada material, cabe ação rescisória. O art. 966, § 2.º, II, do CPC/2015, reforça essa conclusão. Mas era o que já se entendia sob a égide do CPC/1973, pois já se reconhecia que a norma violada não precisaria ser de direito material nem a violação estar contida na própria decisão rescindenda - bastando o nexo de causalidade entre a violação à norma e a formação da coisa julgada. 3 41.2.8. Decisões juridicamente inexistentes ou absolutamente ineficazes Como já visto, as sentenças (ou decisões parciais de mérito) juridicamente inexistentes ou absolutamente ineficazes, não fazem coisa julgada. É o que ocorre em relação à sentença proferida em processo que faltavam os pressupostos processuais de existência (presença do autor; possibilidade de participação do réu; órgão investido de jurisdição) e à sentença sem dispositivo ( decisum). É o caso da sentença proferida contra quem não foi validamente citado no processo e dele nunca participou; de sentença proferida contra um "autor" que nunca formulou demanda nem participou do processo (seja porque o processo iniciou-se de ofício, seja porque usaram procuração falsa em seu nome); da sentença proferida por alguém que não está investido na função de juiz. O tema já foi exposto no vol. 1, n. 15.6 e n. 28.3.4. Não cabe aqui discutir se nesses casos tem-se verdadeira inexistência jurídica ou a ineficácia absoluta da decisão. Importa é que, nesses casos, não se forma a coisa julgada. Assim, sua impugnação dispensa a ação rescisória. A qualquer tempo (independentemente de prazo) poderá ser alegada sua inexistência (ou ineficácia absoluta) - seja em ação declaratória, seja em impugnação ao cumprimento de sentença, seja ainda como defesa ou fundamento de outra ação para a qual a questão da inexistência da sentença anterior seja relevante etc. No entanto, se uma ação rescisória for proposta para atacar um vício que, se procedente, implicaria inexistência jurídica (ou ineficácia absoluta) da sentença, não se deverá simplesmente negar a resolução de mérito e extinguir o processo. Mas sim permitir-se o processamento como ação declaratória. Os princípios da instrumentalidade das formas e da fungibilidade (vol. 1, cap. 3 e 28) justificam essa solução. A ação proposta cumprirá todos os requisitos para ser admitida como ação declaratória da inexistência (ou ineficácia) da sentença atacada. O Tribunal perante o qual tiver sido proposta a ação rescisória eventualmente não terá competência para a declaratória (a rescisória é sempre de competência originária de Tribunal, como se vê adiante; a ação declaratória de inexistência ou ineficácia da sentença pode ser de competência de juiz de primeiro grau de jurisdição). Mas a incompetência é defeito corrigível. Bastará remeter-se o processo para o juízo competente (v. n. 41.5.2, adiante). 41.3. Hipóteses de cabimento O rol de fundamentos pelos quais se pode rescindir a coisa julgada material é exaustivo (art. 966, I a VIII, do CPC/2015). Não comporta aplicação analógica. Também não é possível que, mediante negócio processual, as partes criem novas hipóteses rescisórias, pois isso mitigaria o valor da coisa julgada - o que está fora do âmbito de disponibilidade dos jurisdicionados (v. n. 40.4, acima). Mas, ainda que não cabendo a simples analogia, é indispensável, por vezes, interpretação sistemática e funcional, e que pode assumir caráter extensivo em face da literalidade da norma. Não se trata de estender o cabimento rescisório a casos alheios aos legalmente previstos, mas apenas conferir razoabilidade aos dispositivos constantes dos incs. I a VIII do art. 966 do CPC/2015, definindo-se o adequado sentido e alcance da norma. 41.3.1. Concussão, prevaricação e corrupção do juiz É rescindível a decisão de mérito se foi proferida com o juiz incidindo em prevaricação, concussão ou corrupção (art. 966, I, do CPC/2015). As três hipóteses referem-se a condutas, inclusive tipificadas como crimes, que afastam a imparcialidade in concreto do juiz. Prevaricação consiste em omitir ou retardar a prática de ato devido ou agir contra a lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal (art. 319 do CP). A concussão fica caracterizada quando o agente público exige vantagem indevida, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela (art. 316 do CP). O agente público incide em corrupção (passiva) ao pedir ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, em virtude da função e ainda que fora dela ou antes de assumi-la, vantagem indevida (art. 317 do CP). No entanto, a averiguação de tais condutas para finsrescisórios não deve submeter-se a interpretação tão restritiva quanto a que seria utilizada para verificação da incidência dos tipos penais. Não é necessária a perfeita e exata caracterização dos elementos dos respectivos tipos penais. Basta a configuração de um desvio doloso de conduta por parte do juiz, que corresponda, em linhas gerais, a alguma das três hipóteses acima indicadas. A tipicidade da rescisória é menos fechada, menos estrita, do que a tipicidade penal. Por isso, é desnecessária prévia condenação penal do juiz. Pelo contrário, em certos casos pode ter havido até a absolvição criminal, e mesmo assim caberá a rescisão. Quando o julgamento ocorre em órgão colegiado e apenas um ou alguns dos seus integrantes incidem em corrupção, concussão ou prevaricação põe-se o problema de saber em que medida esse vício afeta o resultado do julgamento e autoriza sua rescisão. O critério puramente "aritmético" deve ser descartado. Ou seja, não basta saber se o voto do julgador (que incidiu em alguma daquelas condutas indevidas) matematicamente faria diferença no resultado, se fosse no sentido oposto. Primeiro porque, caso se trate do julgamento de apelação, agravo de instrumento contra interlocutória de mérito ou rescisória que teve resultado unânime, bastaria um voto no sentido oposto para que o processo tivesse encaminhamento diferente, com ampliação do colegiado e prosseguimento do julgamento (art. 942 do CPC/2015). Nesse caso, mesmo não alterando por si só o resultado, o voto "viciado" terá sido relevante para o destino do processo. Em segundo lugar, há casos em que, embora não sendo relevante o voto do impedido para a composição numérica da maioria, sua participação no julgamento pode ser tal que influencie o posicionamento de seus pares. Para tanto, ele nem precisa ser relator ou revisor no processo. Basta que tenha participado de modo decisivo nas discussões do julgamento. Isso precisará ser verificado concretamente. 41.3.2. Impedimento do juiz - Incompetência absoluta do juízo A observância das regras de competência absoluta e a imparcialidade do julgador, representada pela ausência de impedimento, são pressupostos de validade do processo (vol. 1, cap. 15). Sua inobservância é defeito que não só pode e deve ser conhecido mesmo de ofício em todo o curso do processo (art. 485, IV, e § 3.º, do CPC/2015), como ainda dá ensejo, depois, à rescisão da sentença de mérito (art. 966, II, do CPC/2015). Por isso, caberá a rescisão mesmo que a incompetência absoluta ou o impedimento não tenham sido alegados no processo em que proferida a sentença rescindenda. Essa é a diferença fundamental entre impedimento e incompetência absoluta, por um lado, e, por outro, suspeição e incompetência relativa. Essas não concernem a pressupostos processuais de validade. São defeitos que são convalidados, se não forem oportunamente arguidos: opera a preclusão da faculdade de suscitá-los. Por outro lado, e pelas mesmas razões, a ação rescisória tampouco fica obstada por ter havido a rejeição da arguição de impedimento ou de incompetência absoluta no processo da sentença rescindenda. Em suma, cabe a rescisória tenha ou não havido a arguição do defeito no processo de origem. Quanto à repercussão do impedimento de um ou algum dos julgadores no julgamento colegiado, vale o exposto no item anterior. 41.3.3. Defeito na conduta das partes O inc. III do art. 966 concerne a hipóteses de rescisão fundadas em condutas indevidas dos sujeitos parciais do processo (autor, réu, terceiros intervenientes...). 41.3.3.1. Dolo ou coação do vencedor A primeira parte do dispositivo alude ao "dolo ou coação" do vencedor. Não é qualquer conduta reprovável da parte vencedora que autoriza a rescisão da sentença. Ou seja: uma conduta pode caracterizar litigância de má-fé (ensejando punição), mas não autorizar a rescisória. É necessário o nexo de causalidade entre a conduta indevida da parte e o pronunciamento que lhe é favorável. Pode-se cogitar de dois grandes grupos de hipóteses: (i) condutas que contribuem para a distorção de elementos instrutórios a serem captados pelo juiz; (ii) condutas que dificultam ou obstam o exercício das faculdades processuais pelo adversário. A identificação dos casos em que isso ocorre é tarefa a ser cumprida no caso concreto. Pode haver sobreposição entre os grupos ora cogitados. Considere-se um exemplo: uma das partes suborna uma testemunha, decisiva para o caso, para ela esconder-se e não ser intimada para comparecer em juízo e prestar depoimento. O "dolo ou coação da parte" abrange o dolo ou coação da pessoa que age em seu nome (seu advogado, representante legal, representante contratual etc.), bem como a conduta dolosa de um terceiro para a qual o vencedor tenha contribuído ou de que cientemente se tenha utilizado. O dolo exclusivo de um dos litisconsortes dará ensejo à rescisão apenas do capítulo da sentença que lhe diga respeito, se o litisconsórcio for simples (não unitário). Sendo unitário, a rescisão atingirá o comando favorável a todos os litisconsortes, mesmo que apenas um deles tenha atuado dolosamente. Nesse caso, o art. 117 do CPC/2015 será inaplicável, sob pena de se prestigiar conduta da parte e decisão judicial gravemente defeituosas. 41.3.3.2. Colusão entre as partes A segunda parte do inc. III do art. 966 do CPC/2015 refere-se à colusão entre as partes. Se no curso do processo o juiz constata que autor e réu, em conluio, estão se valendo da ação e da defesa para fins fraudulentos, cabe-lhe proferir "decisão que impeça os objetivos das partes" (art. 142 do CPC/2015). Mas se no curso do processo o juiz não se apercebe da colusão entre as partes, mesmo depois será possível impugnar o resultado por elas obtido. Se esse resultado consistir em sentença de mérito revestida de coisa julgada material, a via de ataque será a ação rescisória. São dois os aspectos essenciais dessa hipótese de rescisória: (i) o conluio entre as partes ou seus representantes, forjando uma pretensão e um conflito que não existem; (ii) para o fim de obter resultado que, se elas tentassem diretamente produzir, seria proibido ou ineficaz em face de terceiros (p. ex., para fraudar seus credores, uma pessoa muito endividada simula um litígio com outrem, para ser derrotada e, na execução da sentença, ter bens seus transferidos para esse cúmplice). As próprias partes envolvidas na colusão não podem posteriormente impugnar a sentença. Vale o princípio geral de que ninguém pode alegar a própria torpeza em seu proveito. Assim, a legitimidade ativa caberá a litisconsortes que não tenham participado do conluio, ao Ministério Público (art. 967, III, b, do CPC/2015) e a terceiros prejudicados. Há regra especial quanto ao início do prazo para propositura da rescisória nessa hipótese (art. 975, § 3.º, do CPC/2015 - v. n. 41.8, adiante). 41.3.4. Violação à coisa julgada A ofensa à coisa julgada também autoriza a rescisão da sentença ou decisão interlocutória de mérito (art. 966, IV, do CPC/2015). Nesse caso, a ação rescisória pode servir para fazer valer não apenas o "aspecto negativo" da coisa julgada (simplesmente desconstituindo uma segunda sentença ou interlocutória de mérito que versa sobre objeto já decidido por uma primeira), como para impor o "aspecto positivo" da coisa julgada (reformando um segundo pronunciamento que deixou de tomar como premissa necessária determinada declaração contida no decisum do primeiro - v. n. 40.9, acima). Caberá a rescisória ainda que o interessado tenha deixado de suscitar a objeção de coisa julgada durante o segundo processo. Por outro lado, a rescisão também será admitida mesmo quando o juiz do segundo processo tenha expressamente decidido sobre o tema e rejeitado a objeção. Supondo que haja uma coisa julgada, sobre determinada lide, e que haja uma coisa julgada posterior, sobre a mesma causa, e se escoe o prazo de dois anos dentro do qual teria havido possibilidadede se promover a ação rescisória, sem que ela tenha sido ajuizada - como podem subsistir essas duas coisas julgadas, eventualmente até contraditórias? Qual delas vale? A segunda sentença continua sendo atacável por meio de qualquer outra ação ou, escoado o prazo em que a rescisória seria passível de ser proposta, ela se transforma numa decisão inatacável? A doutrina se divide. Há autores que sustentam que vale a segunda coisa julgada, tomando em conta os princípios gerais para a solução de conflitos entre atos públicos, especialmente o critério da temporalidade, segundo o qual o ato posterior prevalece sobre o ato cronologicamente anterior. Se há duas coisas julgadas, a segunda poderia, até determinado momento, ser desconstituída, e, se não o foi, então ela passou a valer - não cabendo contra ela remédio algum. Para outros, é a primeira coisa julgada que tem de valer, e não a segunda. O argumento em prol dessa posição seria de índole constitucional. Conforme esses doutrinadores, se até a própria lei não poderia retroagir quando ofendesse direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito, isso significa que a coisa julgada tampouco poderia ser ofendida por outra coisa julgada posterior. A primeira concepção parece ser a mais adequada. Embora se revista de status constitucional, a coisa julgada é delineada pela legislação infraconstitucional. São as normas infraconstitucionais que estabelecem suas hipóteses de ocorrência, limites, meios de revisão, modo de operar - e assim por diante (n. 40.3, acima). É o legislador infraconstitucional que define inclusive os meios de fazer valer a coisa julgada, podendo impor limites a tais meios - inclusive o prazo decadencial para a rescisória. Ademais, e se fosse procedente a tese ora criticada, ela seria aplicável não só à hipótese de violação da coisa julgada, mas a todo e qualquer caso em que a sentença revestida da coisa julgada estivesse em desacordo com uma norma constitucional - o que se descarta. 4 41.3.5. Violação manifesta de norma jurídica Também é rescindível a sentença ou interlocutória de mérito que violar manifestamente norma jurídica (art. 966, V, do CPC/2015). A hipótese em exame, compreende a violação da própria Constituição e ainda qualquer espécie legislativa nela prevista (art. 59 da CF/1988). Mais ainda: abrange as normas de direito estadual, municipal e estrangeiro. O alcance da expressão é amplíssimo. Abrange inclusive a ofensa a princípios consagrados no ordenamento. Os princípios jurídicos também são normas jurídicas: constituem direitos e deveres e vinculam o aplicador do direito (vol. 1, n. 3.1). A ofensa pode ser expressa, evidente, ou estar implícita no ato a ser rescindido. Basta a constatação da incompatibilidade entre a conclusão adotada na sentença e o comando extraível da norma jurídica através de sua adequada interpretação. É inaplicável à ação rescisória a exigência de "prequestionamento", tal como posta para os recursos especial e extraordinário: a função da rescisória é corrigir o defeito no caso concreto e, não, uniformizar a aplicação do ordenamento - para o que o prequestionamento seria relevante. Não é necessário que a ofensa dirija-se ao teor literal do dispositivo normativo. Não é esse o sentido de "violar manifestamente", a que alude o art. 966, V, do CPC/2015 (como também não era esse o sentido, no CPC/1973, da expressão "violação literal"). Há violação quando a decisão veicular orientação incompatível com a interpretação adequada da norma. Não há norma jurídica que possa ser extraída de um dispositivo legal automaticamente, sem interpretação. Com o emprego do advérbio "manifestamente", quer-se apenas indicar que a afronta à ordem jurídica, para que caiba a rescisória com base nesse inciso, precisa ser constatável pelo mero exame das "questões jurídicas", considerando-se como premissa os fatos já definidos no processo. Nessa hipótese de rescisória, não pode haver reexame de provas nem redefinição dos fatos que se consideram ocorridos. Cabe verificar se, à luz dos fatos, exatamente tal como pressupostos pela decisão, as normas jurídicas foram corretamente aplicadas. Ainda na vigência do CPC/1939, o Supremo Tribunal Federal editou o enunciado de Súmula 343: "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". Por esse entendimento, mesmo a posterior pacificação jurisprudencial de entendimento diverso do adotado na decisão não permitiria a rescisória com base no inc. V do art. 966 do CPC/2015. Trata-se de formulação discutível, que só se justificaria se adotada a ideia de que a lei pode ter mais de um sentido válido. O caráter "controvertido" da questão tornaria justificável o erro do juiz: bastaria que ele houvesse adotado uma entre as várias correntes interpretativas então cogitadas - ainda que diferente daquela posteriormente consolidada como sendo a correta - para que a decisão permanecesse incólume ao ataque da ação rescisória. Tal orientação é objeto de críticas da doutrina e de frequentes atenuações jurisprudenciais. De qualquer modo, o próprio Supremo Tribunal Federal também consolidou o entendimento de que a Súmula 343 é inaplicável em matéria constitucional. Para os fins do art. 966, V, do CPC/2015, a violação: (i) pode atingir norma de direito material ou processual - desde que repercuta sobre a decisão rescindenda (p. ex., a sentença viola a norma que determina que ela seja fundamentada); (ii) não precisa estar veiculada na própria decisão rescindenda, podendo ter ocorrido no curso do processo - desde que repercuta diretamente sobre a sentença (p. ex.: violação acarretadora de cerceamento de defesa, na audiência de instrução e julgamento; indevida rejeição de prescrição, com violação de norma sobre o tema, na decisão de saneamento do processo). Os arts. 525, § 15, e 535, § 8.º, do CPC/2015, preveem o cabimento de ação rescisória quando, depois do trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal proferir decisão, no controle incidental ou concentrado, sobre a validade, interpretação ou aplicação de norma constitucional, em sentido diverso do adotado naquela decisão. Não se trata de hipótese autônoma de rescisória. Ela se enquadra no art. 966, V, do CPC/2015: há violação manifesta à norma da Constituição. O mesmo deve ser dito a respeito da hipótese do art. 966, § 5.º, do CPC/2015 (acrescido pela Lei 13.256/16): "Cabe ação rescisória, com fundamento no inc. V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento". 41.3.6. Falsidade da prova A sentença ou interlocutória de mérito também pode ser rescindida se tiver se amparado em prova falsa (art. 966, VI, do CPC/2015). Para que se caracterize a falsidade relevante para fins rescisórios basta a constatação objetiva da falta de correspondência entre aquilo que efetivamente ocorreu ou ocorre e aquilo que está representado na prova (v. 19.4.1, acima). Não é preciso demonstrar o dolo daquele que produziu a prova. A regra do art. 966, VI, do CPC/2015, versa sobre a falsidade de toda e qualquer espécie probatória. Não se restringe à falsidade documental - e, no caso desta, abrange tanto a falsidade material quanto à ideológica. O fato de não haver sido arguida a falsidade no processo original não impede o emprego da rescisória. A falsidade tanto pode ser provada no próprio processo rescisório quanto em processo penal em que se apure o crime de falsidade. Mas é imprescindível que a prova falsa guarde nexo de causalidade com a decisão rescindenda. Ou seja, é preciso que a prova falsa tenha sido um fundamento eficiente da decisão. 41.3.7. Prova nova Cabe ainda a rescisão quando o vencido- a quem a lei se refere como "autor" (da rescisória) - apresentar prova "nova", que ignorava ou estava impedido de utilizar, e que por si só seja apta a alterar o resultado do julgamento, propiciando-lhe um pronunciamento mais favorável (art. 966, VII, do CPC/2015). A doutrina costuma afirmar que esse é um caso de "sentença meramente rescindível": não se combate propriamente uma nulidade, um erro de julgamento ou de processamento cometido pelo julgador em face dos elementos contidos nos autos, mas, sim, busca-se decisão mais justa, mediante o emprego de elementos probatórios que não estavam disponíveis no processo anterior. A "novidade" exigida pela lei diz respeito à ausência de tal prova no processo em que se formou a decisão que se quer rescindir. Portanto, a "novidade" está ligada à apresentação da prova - e não necessariamente à sua formação. Nesse sentido, a prova "nova" pode ser "velha": já existia na época do processo anterior, mas a parte "ignorava" sua existência ou dela "não pôde fazer uso" (p. ex., um documento decisivo para a causa era desconhecido do autor, que não pode usá-lo no processo de origem). Mas também não há uma exigência absoluta de que a prova já existisse por ocasião do processo em que se formou a decisão rescindenda. Haverá casos em que a própria formação da prova era inviável no processo de origem, de modo que ela é verdadeiramente nova, no sentido de posterior à decisão rescindenda (ex.: exame de DNA feito apenas depois do trânsito em julgado da sentença na investigação de paternidade). É imprescindível que o desconhecimento da existência e (ou) a impossibilidade de uso da prova no processo anterior não derivem de mera desídia, falha ou ignorância inescusáveis da parte sucumbente. Também aqui se põe a exigência do nexo de causalidade. A prova nova apta à rescisão do julgado é aquela por si só capaz de assegurar ao autor da rescisória um pronunciamento mais favorável do que aquele que lhe outorgara a sentença rescindenda. Vale dizer: a prova há de ser decisiva, crucial, para a definição do resultado do processo. 41.3.8. Erro de fato Cabe ainda ação rescisória se a decisão fundar-se em "erro de fato verificável do exame dos autos" (art. 966, VIII, do CPC/2015). Assim, o parâmetro para a aferição desse erro é sempre um elemento interno aos autos. A invocação do "erro de fato" não permite a pura e simples reavaliação de prova que tenha sido efetivamente apreciada pelo juiz, ainda que a apreciação tenha sido errada. Não cabe o reexame da prova nem a complementação da instrução probatória. O art. 966, § 1.º, do CPC/2015, indica haver erro de fato na admissão de fato inexistente ou na consideração de inexistência de fato ocorrido. Por exemplo, supõe-se na sentença que um dado documento comprova o fato "A", mas o documento retrata claramente o fato "não A" - ou vice-versa. É indispensável ainda que não tenha havido controvérsia entre as partes nem específico pronunciamento judicial sobre o fato em questão. Se houve controvérsia, e a decisão não se pronunciou sobre ela, há violação das normas que impõem o dever de motivar - e a rescisória deve fundar-se no art. 966, V, do CPC/2015. Além disso, se houve controvérsia entre as partes, não se pode dizer que haja mero erro de fato do juiz: ele terá feito uma escolha - e essa escolha pode refletir uma incorreta avaliação probatória, mas isso não é o mero lapso, autorizador da rescisória. O mesmo se diga se não tiver havido controvérsia entre as partes, mas mesmo assim o juiz tiver expressamente se pronunciado sobre o fato. 41.4. Atos de disposição de direitos homologados em juízo Nos termos do art. 966, § 4.º, do CPC/2015 os atos de disposição de direitos homologados em juízos, bem como os atos homologatórios praticados na execução, deverão ser desconstituídos como os atos jurídicos em geral - vale dizer: mediante mera ação anulatória. Questão extremamente discutida diz respeito a saber se a sentença que homologa transação, reconhecimento de pedido, ou renúncia ao direito em que se funda a ação deve ser atacada pela via da ação rescisória ou por simples ação anulatória. Aplicam-se as hipóteses dos incs. I a VIII do art. 966 do CPC/2015, ou o art. 966, § 4.º, do CPC/2015? Alguns doutrinadores e parte da jurisprudência reputam que a ação rescisória só cabe quando o ato autocompositivo funcionou como mero fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito do autor, considerado na decisão de mérito - e não quando tal ato foi apenas e diretamente homologado pela decisão. Ou seja, por essa concepção, se o autor cobra uma dívida e o réu alega ter havido perdão (renúncia) da dívida, e o juiz julga o mérito, rejeitando o pedido porque houve renúncia, o caso seria de rescisória, caso se pretendesse desconstituir a coisa julgada advinda daquele julgamento. Já quando uma renúncia é homologada pelo juiz e assim se resolve o mérito, não caberia rescisória, mas mera ação anulatória contra o ato de disposição de vontade do autor. Outra vertente sustenta que, versando tais atos de disposição de vontade sobre o mérito da causa, e sendo eles homologados por sentença ou interlocutória de mérito, caberá rescisória. Afinal, no art. 487, III, do CPC/2015, há expressa indicação de que a resolução, em tais casos, é considerada como sendo "de mérito". Ao qualificar como "de mérito" tais decisões, a lei deixou claro que elas revestem-se de coisa julgada material. Caberá a mera ação anulatória contra os atos de disposição de vontade apenas quando não forem homologados por decisão judicial ou produzidos em processo que jamais comportaria a produção de coisa julgada (ex.: art. 657 do CPC/2015). No CPC/1973, havia, ainda que em disposição legal mal redigida, específica hipótese de cabimento de ação rescisória da sentença fundada em ato de disposição viciado (art. 485, VIII, do CPC/1973). Não há dispositivo equivalente no CPC/2015. Isso poderia constituir um argumento favorável à primeira concepção acima exposta. Mas permanece o argumento fundado na regra do art. 487, III, do CPC/2015: não há sentido em se qualificar a decisão que homologa a transação, reconhecimento ou renúncia como "resolução de mérito", senão para atribuir-lhe a autoridade de coisa julgada material. Esse é o fator distintivo entre as hipóteses do art. 485 do CPC/2015 e as do art. 487 do CPC/2015. Além disso, o CPC/2015 adota diretriz clara de valorização dos meios consensuais de resolução dos conflitos (art. 3.º, § 3.º). Isso parece incompatível com o enfraquecimento da estabilidade da resolução do mérito fundada no ato de disposição das partes - que é o que ocorre quando se admite mera ação anulatória, em vez de ação rescisória, para impugná-la (prazo normalmente maior, hipóteses de invalidação mais amplas etc.). O exame atento do § 4.º do art. 966 do CPC/2015 reforça a conclusão favorável à segunda corrente. A ação meramente anulatória pode ser empregada: (i) para o ataque dos atos de disposição de vontade em si, e não para a rescisão da decisão que resolveu o mérito homologando-os; (ii) os atos homologatórios são impugnáveis por mera ação anulatória apenas na execução, precisamente porque essa não é uma atividade jurisdicional destinada à produção da coisa julgada material. Então, quando a renúncia à pretensão, o reconhecimento do direito ou a transação já tiverem sido objeto de sentença ou decisão interlocutória que, homologando-os, resolveu o mérito da causa, o modo de ataque possível parece mesmo ser a ação rescisória, observadas suas hipóteses de cabimento. De todo modo, o tema ainda deve ser objeto de muita controvérsia na doutrina e na jurisprudência. 41.5. Competência 41.5.1. O critério para definição de competência A ação rescisória é sempre de competência originária de um Tribunal. Define-se a competência para a ação rescisória conforme o último grau de jurisdição que se pronunciou sobre o mérito da causa cuja sentença pretende-serescindir. Se o único exame do mérito deu-se em primeiro grau de jurisdição (porque não houve apelação ou ela não foi conhecida), a competência para a rescisória cabe ao Tribunal de segundo grau (TJ ou TRF, conforme a causa tramite na justiça estadual ou federal). Nos demais casos, a competência para a rescisória será do último Tribunal que se tiver pronunciado sobre o mérito da causa, no processo de origem. Por exemplo, se o acórdão de mérito do TJ transitou em julgado porque não houve recurso especial nem extraordinário, ou porque tais recursos não foram conhecidos, a competência para a rescisória será do TJ. Já se tiver havido e sido conhecido recurso especial contra tal acórdão do TJ, a rescisória deverá voltar-se contra o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, e será de competência desse Tribunal. Se tiver havido recurso extraordinário conhecido pelo Supremo Tribunal Federal, caberá a este a competência para a rescisória (arts. 102, I, j, e 105, I, e da CF). A definição do órgão competente no âmbito interno de cada Tribunal é prevista no respectivo regimento interno. Sempre que possível, a relatoria não será atribuída a juiz que tenha participado do julgamento rescindendo (art. 971, parágrafo único, do CPC/2015). 41.5.2. A emenda da inicial e a correção de competência Como em qualquer outro processo, a incompetência do órgão julgador é defeito corrigível, mediante a remessa ao Tribunal competente. Assim, não é esse o ponto essencial da regra do art. 968, §§ 5.º e 6.º, do CPC/2015. O relevante, nessas disposições, é a possibilidade de emenda da petição inicial da ação quando ela é inadequadamente proposta (art. 968, § 5.º, do CPC/2015). Aliás, e a rigor, mesmo esse aspecto não é mais do que especificação do dever de prevenção judicial e do princípio da instrumentalidade das formas, que impõem ao julgador o dever de dar à parte a oportunidade de correção da petição inicial, antes de indeferi-la (art. 321 do CPC/2015). Assim, se a ação rescisória houver sido indevidamente formulada contra um pronunciamento que foi depois substituído por outro (art. 1.008 do CPC/2015), cabe ao Tribunal propiciar à parte a possibilidade de emendar a inicial (art. 968, § 5.º, II, do CPC/2015): feita a emenda e oportunizado ao réu o contraditório, remete-se o processo ao Tribunal competente (art. 968, § 6.º, do CPC/2015). Exemplo: o autor formulou a ação rescisória contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça, que deu provimento à apelação no processo de origem. Por isso, propôs a rescisória perante esse Tribunal. No entanto, no processo de origem, o acórdão da apelação havia sido impugnado por recurso especial, que foi conhecido e desprovido pelo Superior Tribunal de Justiça, que "confirmou" o acórdão da apelação. Nesse caso, a última decisão sobre o mérito da causa, no processo de origem, foi proferida pelo STJ, e não pelo TJ. Deveria ter sido impugnado na ação rescisória o acórdão do STJ - competindo a esse Tribunal julgá-la. Então, no processo rescisório, cabe ao TJ dar ao autor a oportunidade de emendar a inicial, a fim de que adapte sua impugnação ao acórdão do STJ. Feita essa emenda, e ouvido o réu, remete- se o processo ao Superior Tribunal de Justiça. O art. 968, § 5.º, I, do CPC/2015, trata da hipótese de haver sido usada a ação rescisória para impugnar-se ato que não faz coisa julgada material nem impede, nos termos do art. 966, § 2.º, do CPC/2015, a repropositura da ação ou o conhecimento do recurso contra a decisão de mérito. Vale dizer: empregou-se a ação rescisória em caso em que ela não deveria ser utilizada, mas sim mera ação anulatória ou declaratória de inexistência. Também nessa hipótese deve ser dada a oportunidade de emenda da inicial - se isso for de fato necessário - com os subsequentes complementos do contraditório e remessa dos autos ao órgão competente. Nesse caso, a competência pode inclusive recair sobre juízo de primeiro grau de jurisdição (por exemplo, na hipótese de decisão proferida em processo em que, desde o início, faltava pressuposto de existência). É bastante possível que, de resto, nenhuma emenda da inicial seja necessária nessa hipótese. No mais das vezes, a impugnação formulada sob as vestes de rescisória será mais do que suficiente para amparar a anulação comum ou a declaração de inexistência (n. 41.2.8, acima). É desnecessário formalismo exigir nesses casos uma emenda apenas para que formalmente conste da petição inicial um pedido "anulatório" ou declaratório de inexistência. O pedido rescisório já seria suficiente para abranger essas pretensões, qualitativamente "menores". 41.6. Legitimidade ativa Estão legitimados para propor a ação rescisória (art. 967): (I) os que foram parte no processo (aqui incluídos os terceiros intervenientes, naquelas hipóteses em que a intervenção gera a condição de parte) ou seus sucessores; (II) os terceiros juridicamente interessados (ou seja, os terceiros detentores de interesse jurídico relativamente ao resultado do processo, mas que nele não intervieram). Os parâmetros de aferição do interesse jurídico são os mesmos considerados para a intervenção como assistente (vol. 1, n. 19.5) e para o recurso de terceiro prejudicado (n. 23.5.2, acima); (III) o Ministério Público, em relação a decisões proferidas nos processos em que sua intervenção era obrigatória e ele não foi ouvido (art. 967, III, a, do CPC/2015), nos processos em que a sentença derivou de colusão das partes (art. 967, III, b, do CPC/2015) e ainda em outros casos em que regra especial lhe confira a legitimidade para rescindir julgado de processo de que ele não foi parte nem sua intervenção era obrigatória (art. 967, III, c, do CPC/2015). Além disso, obviamente, o Ministério Público está legitimado para propor ação rescisória contra decisões proferidas em processos de que ele foi parte (art. 967, I, do CPC/2015). Nos processos em que cabe a intervenção do Ministério Público (art. 178 do CPC/2015) se ele já não for parte, deverá proceder-se à sua intimação, para intervir como fiscal da lei (art. 967, parágrafo único, do CPC/2015); (IV) o agente, órgão ou entidade "que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção". Tome-se como exemplo a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, que, nos processos que versem sobre matéria incluída na sua competência, "será esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos" (art. 31 da Lei 6.385/1976,). A hipótese de legitimidade em questão não se aplica à pessoa que deveria ter sido citada como ré e não o foi. Em face dela, a sentença é absolutamente ineficaz (inexistência jurídica), não se formando coisa julgada e se dispensando ação rescisória (v. n. 41.2.8). 41.7. Peculiaridades processuais e procedimentais O processo da ação rescisória observará, no que couber, o procedimento comum (art. 970 do CPC/2015), revestindo-se de particularidades, a seguir examinadas. 41.7.1. Caução prévia e multa Exige-se do autor caução prévia de 5% sobre o valor da causa, sob pena de indeferimento da inicial. Tal valor reverterá, a título de multa, em favor do réu, caso a rescisória, por unanimidade, seja julgada inadmissível ou improcedente (arts. 968, II e § 3.º, e 974, parágrafo único, do CPC/2015). Essa multa não se confunde com as verbas de sucumbência (custas, honorários etc. - art. 974, parágrafo único, parte final, do CPC/2015) nem é pena por litigância de má-fé (pois será devida independentemente da postura ética do autor). De tal ônus estão dispensados União, Estados, Distrito Federal, Município e respectivas autarquias e fundações de direito público, o Ministério Público, a Defensoria Pública e os beneficiários da justiça gratuita (art. 968, § 1.º, do CPC/2015). A caução tem um limite máximo de valor: não poderá ultrapassar mil salários mínimos (art. 968, § 2.º, do CPC/2015). 41.7.2. Ausência de eficácia suspensiva A interposição da rescisória nãosuspende a execução da sentença rescindenda (art. 969, primeira parte, do CPC/2015). É por isso que, em situações emergenciais, em que poderiam ocorrer danos graves e de difícil ou impossível reparação, os Tribunais passaram a admitir medida urgente cautelar ou tutela antecipada para suspender os efeitos da sentença, enquanto tramita a ação rescisória. Para tanto, é necessário que os fundamentos da rescisória sejam fortemente plausíveis e relevantes. Refletindo essa orientação jurisprudencial, a lei veio a consagrar expressamente tal possibilidade. Previsão nesse sentido hoje está contida na parte final do art. 969 do CPC/2015. 41.7.3. Indeferimento ou improcedência liminares O art. 968, § 4.º, do CPC/2015, prevê expressamente a possibilidade de julgamento liminar de improcedência da ação rescisória nas hipóteses do art. 332 do CPC/2015 (n. 6.2, acima). Também é possível o indeferimento liminar da inicial da ação, pelos fundamentos do art. 330 do CPC/2015 ou pela falta de prestação de caução, quando exigida (art. 968, § 3.º, do CPC/2015). Deverá ser dada ao autor a oportunidade de correção do defeito, sempre que possível (art. 321 do CPC/2015 - n. 6.1, acima). 41.7.4. Prazo para contestação O prazo para contestar deverá ser fixado pelo relator entre 15 e 30 dias (art. 970 do CPC/2015). É controvertida a duplicação do prazo em favor da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, quando réus na rescisória. Alguns negam-na, sob o argumento de que o prazo já pode ser estabelecido em termos mais largos no próprio caso concreto: o relator, ao fixar o prazo para a defesa, já considerará a presença desses sujeitos no polo passivo. Outros consideram que se deve aplicar os arts. 180, 183 e 186 do CPC/2015, uma vez que não existe regra excetuando sua incidência. Semelhante discussão põe-se relativamente ao art. 229 do CPC/2015 - que, desde que o processo não tenha forma eletrônica, dobra o prazo quando os réus têm diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos. O argumento para afastar a incidência dos arts. 180, 183 e 186 do CPC/2015, aqui, não se aplicaria, uma vez que o relator, quando fixa o prazo para os réus contestarem, normalmente ainda não tem ciência da diversidade de procuradores dos réus. 41.7.5. Ausência do efeito principal da revelia Seja como for, a revelia não gera consequências tão graves no processo rescisório. Não há o efeito principal da revelia. Há o interesse da própria jurisdição na preservação da coisa julgada. A simples inércia da parte em contestar, não é apta a permitir que se presumam verdadeiros os fatos afirmados pelo autor da rescisória. A hipótese enquadra- se na exceção do art. 345, II, do CPC/2015. 41.7.6. Instrução probatória Pode haver produção de provas. A instrução probatória só é incompatível com os fundamentos rescisórios previstos nos incs. V e VIII do art. 966 do CPC/2015 (manifesta violação à norma e erro de fato). Nos outros casos, a produção de provas pode ser essencial para o sucesso da demanda (p. ex., para demonstrar o impedimento do juiz, a falsidade do documento, o dolo do vencedor etc.). Se necessário, o relator pode delegar ao órgão de jurisdição inferior, em que tramitou o processo de origem, a tarefa de lá produzir a prova, em prazo máximo que pode ser de um a três meses (art. 972 do CPC/2015). Não é obrigatória tal delegação. O relator pode presidir ele mesmo, no Tribunal, a colheita da prova. 41.7.7. Razões finais O procedimento da ação rescisória comporta a produção de alegações finais escritas pelas partes, no prazo sucessivo de dez dias para o autor e o réu (art. 973 do CPC/2015) - sem prejuízo de realização de sustentação oral na sessão de julgamento, pelo prazo de quinze minutos (art. 937, VI, do CPC/2015). 41.7.8. Juízo rescindente e juízo rescisório Tanto o pedido do autor (art. 968, I, do CPC/2015) quanto o acórdão (art. 974 do CPC/2015), em regra, deverão abranger dois aspectos: desconstituição da sentença rescindenda ( iudicium rescindens) e, se positivo o iudicium rescindens, novo julgamento da causa ( iudicium rescissorium). Põem-se, entretanto, exceções. Assim, caso se reconheça ofensa à eficácia negativa (n. 40.9) de coisa julgada anterior (art. 966, IV, do CPC/2015), ter-se-á apenas a desconstituição da sentença. Outro exemplo: reconhecendo-se corrupção, prevaricação ou concussão (art. 966, I, do CPC/2015), impedimento ou incompetência absoluta (art. 966, II, do CPC/2015), a sentença será invalidada, com o processo de origem sendo reaberto e a causa retornando ao órgão julgador competente, para ser novamente processada e julgada. 41.8. Prazo para ajuizamento Em regra, o prazo para ajuizamento da rescisória é de dois anos a partir do trânsito em julgado da decisão rescindenda (art. 975 do CPC/2015). O prazo prorroga-se para o primeiro dia útil imediatamente subsequente, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense (art. 975, § 1.º, do CPC/2015). Trata-se de prazo decadencial, pois se refere ao próprio exercício do direito de invalidar a sentença revestida de coisa julgada material. Assim, tal prazo não é passível de interrupção ou suspensão. Deve-se atentar para os casos em que parte da sentença transita em julgado antes (quando o recurso é apenas parcial). Em tal hipótese, correrão separadamente os prazos para rescisão das diversas partes da sentença. Imagine-se que o autor cobrou R$100,00. O juiz julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o réu a pagar R$70,00. O réu não apelou. O autor interpôs apelação, que veio a ser desprovida. De tal desprovimento, o autor não recorreu. Assim, para o réu rescindir o capítulo decisório em que ele foi condenado, o prazo iniciou-se após o decurso do prazo para a apelação - momento em que tal comando transitou em julgado. Já para o autor rescindir o capítulo que julgou improcedente a parcela de R$30,00 de sua pretensão, o prazo decadencial começou com o trânsito em julgado do acórdão da apelação, ocorrido depois do decurso do prazo para recurso especial e extraordinário. Tem-se, nesse caso, o chamado "trânsito em julgado em capítulos", e a parte interessada tem de atentar para o momento em que transita em julgado cada um desses diferentes capítulos. Por outro lado, se um recurso contra a sentença vem a não ser conhecido, o prazo para a rescisória deve ser contado da data em que transitar em julgado a decisão de negativa de conhecimento ao recurso - e não a partir do término do prazo do recurso não conhecido. Dessa noção é possível excluir apenas os casos em que o não conhecimento deveu-se à intempestividade do recurso e desde que evidenciada a má-fé do recorrente. Apenas nessa hipótese será legítimo contar-se o prazo rescisório a partir da data do próprio termo final do recurso. O enunciado da Súmula 401 do Superior Tribunal de Justiça confirma essa orientação ("o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial"). É bem verdade que a Súmula 401 também parece desautorizar o exposto no parágrafo anterior, no sentido da possibilidade de diferentes capítulos da sentença transitarem em julgado em momentos diferentes. Os temas, de fato, foram indevidamente embaralhados em alguns julgados do próprio Superior Tribunal de Justiça, posteriores à edição de tal enunciado sumular. Mas o exame dos precedentes que deram origem ao enunciado confirma que todos tinham em vista o problema do não conhecimento do recurso. É nesse mesmo sentido que se deve interpretar o art. 975, caput, do CPC/2015, cuja redação inspirou-se na do enunciado de Súmula ora referida. Há regras especiais quanto ao termo inicial do prazo rescisório. O art. 975, § 2.º, do CPC/2015, prevê que o prazo para a ação rescisória fundada em prova nova conta-se da data da descoberta dessa prova - respeitadoum prazo máximo de cinco anos contados do trânsito em julgado. Já na rescisória fundada em simulação ou colusão das partes (art. 966, III, do CPC/2015), o prazo começa a contar, para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, apenas a partir do momento em que eles têm ciência da simulação ou da colusão. Por fim, quando houver pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, no controle difuso ou concentrado de constitucionalidade, afirmando uma interpretação ou aplicação incompatível com aquela adotada na decisão de mérito, a rescisória (que, nesse caso, a rigor, funda-se no art. 966, V) deverá ser ajuizada em até dois anos contados do trânsito em julgado do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (arts. 525, § 15, e 535, § 8.º, do CPC/2015). Esse termo inicial especial aplica-se apenas às coisas julgadas que se formem após o início de vigência do novo Código (art. 1.057 do CPC/2015 - v. vol. 1, n. 2.4.3). Além disso, poderá haver modulação de efeitos, de modo a não se aplicar o pronunciamento do STF a determinados casos (art. 525, § 13, e 535, § 6.º, do CPC/2015). E essa modulação tanto pode ser feita pelo STF quanto pelo juiz do caso concreto (em casos em que o STF não tenha explicitamente rejeitado essa possibilidade). Tal regra tornará a ser examinada no vol. 3, cap. 20. Conceito e natureza jurídica Objeto Sentenças, interlocutórias de mérito e acórdãos Desnecessidade de exaurimento recursal Ações principais ou incidentais Procedimento comum ou especial Rescisória parcial Rescisória de rescisória Decisões revestidas de coisa julgada material Art. 966, § 2.º, do CPC/2015 Decisões juridicamente inexistentes ou absolutamente ineficazes Hipóteses de cabimento - art. 966, I a VIII, do CPC/2015 (rol exaustivo) Concussão, prevaricação e corrupção do juiz Impedimento do juiz - Incompetência absoluta do juízo Defeito na conduta das partes Dolo ou coação do vencedor Colusão entre as partes Violação à coisa julgada Violação manifesta de norma jurídica Falsidade da prova Prova nova Erro de fato Atos de disposição de direitos homologados em juízo Competência Competência originária Decisão rescindenda proferida em 1.º grau → competência do tribunal de segundo grau Competência do último tribunal que tiver se pronunciado sobre o mérito da causa A emenda da inicial e a correção de competência Legitimidade ativa Partes (e terceiros que assumem condição de parte) ou seus sucessores Terceiros juridicamente interessados Ministério Público Agente, órgão ou entidade → intervenção obrigatória Peculiaridades processuais e procedimentais Caução prévia e multa Ausência de eficácia suspensiva Indeferimento ou improcedência liminares Prazo para contestação Ausência do efeito principal da revelia Instrução probatória Razões finais Juízo rescindente e juízo rescisório Prazo para ajuizamento Doutrina Complementar · Alexandre Freitas Câmara ( O Novo Processo..., p. 474) esclarece que: "No caso de ação rescisória fundada em descoberta de prova nova, o termo inicial do prazo é a data de descoberta da prova, observado, porém, por razões de segurança jurídica, o limite máximo de cinco anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art. 975, § 2.º, [do CPC/2015]). Dito de outro modo, nesse caso específico o prazo de dois anos será contado da data em que descoberta a prova nova que não pôde ser usada ou cuja existência era ignorada, não podendo, porém, o termo final do prazo ir além de cinco anos após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. Na hipótese de ação rescisória fundada em simulação ou colusão, o termo inicial do prazo para ajuizamento da ação rescisória por terceiro prejudicado ou pelo Ministério Público que não interveio no processo é o momento da ciência da simulação ou da colusão (art. 975, § 3.º, [do CPC/2015]). Neste caso, porém, não há limite máximo de tempo a contar do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (como havia na hipótese anterior). Assim, a ação rescisória poderia ser proposta do término do processo, o que gera uma imensa insegurança jurídica. Registre-se, porém, que esta regra de dilação do termo inicial do prazo para exercício do direito à rescisão não alcança aqueles que foram partes no processo original". · Humberto Theodoro Júnior ( Curso..., 47. ed., vol. 2, p. 855) sustenta que "andou corretamente o novo Código quando optou por apontar, com vistas ao cabimento da ação rescisória, para a violação à norma jurídica, e não mais para a violação à disposição de lei. Dispositivo é texto, mero enunciado, que pode servir de caminho para, por meio da interpretação, descobrir e revelar a norma a ser aplicada em determinado caso. Mas, pode existir norma que não esteja expressa em texto explícito e direto, como acontece com a aplicação dos princípios gerais e com o preenchimento das lacunas da lei. Assim, 'normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos'. Nessa esteira, o legislador reconheceu que o juiz decide com base no tripé: lei, doutrina e jurisprudência. De tal sorte que haverá violação da norma jurídica quando a decisão ofender princípio jurídico ou entendimento dos tribunais, por exemplo. Assim, com a adoção da ideia de normas jurídicas, em lugar de disposição da lei, o novo Código supera a divergência outrora existente sobre ser cabível ou não a rescisória por violação de princípio. Se tanto regras (leis) como princípios são normas, restou certo que o regime atual autoriza a rescisória para a violação manifesta tanto das regras legais como dos princípios gerais". · Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery ( Comentários..., p. 1.945), a respeito do tratamento inédito do novo Código em relação à isenção do depósito descrito no art. 968, II, CPC aos beneficiários da justiça gratuita, elucidam que: "Na vigência do CPC/1973, o depósito referido no CPC/1973 488 II, segundo alguns, estava abrangido na excludente da LAJ 3.º II, e segundo outros não estava (JTACivSP 93/94). O certo é que o depósito tem nítido caráter cominatório para quem promover ação infundada. Não é esse o sentido da assistência judiciária, que pretende livrar a parte dos ônus decorrentes do processo e não das indenizações devidas em virtude de atos de sua responsabilidade. A tendência jurisprudencial era, todavia, no sentido de se permitir a isenção do beneficiário da justiça gratuita, impedindo que a exigência legal se torne óbice a seu acesso à justiça. O CPC atual acabou por endossar este último posicionamento". Para os autores, a limitação do valor do depósito "impede, nas causas de valor muito alto, que o acesso à justiça se torne impossível mesmo para as partes que disponham de recursos para custear o processo que deu origem à decisão rescindenda. É um meio-termo entre a necessidade de evitar que a rescisória se torne desnecessariamente frequente nos tribunais - o que justifica a exigibilidade do depósito como condição para o processamento da ação - e a possível inconstitucionalidade desse depósito, por restringir o acesso à justiça". · Rodrigo Barioni ( Breves..., p. 2.157) assevera que: "Além de ser legitimado ativo para rescindir a decisão proferida nas causas em que tenha sido parte (inc. I), o Ministério Público poderá ajuizar a ação rescisória em três situações: a) quando não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção. Trata-se de descumprimento à regra prevista no art. 178 do CPC/2015, que determina a obrigatoriedade de o Parquet intervir como fiscal da ordem jurídica, em vista do interesse público revelado na causa. A violação decorre da falta de oportunidade de o Ministério Público manifestar-se e não propriamenteda falta de atuação; b) quando a decisão é efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei. O texto é claro e acrescenta, à redação do CPC de 1973, a expressa previsão de legitimidade no caso de simulação; c) em outros casos em que se imponha sua atuação. A previsão inova o texto do CPC de 1973, ampliando a legitimidade do Ministério Público a todos os processos nos quais tenha atuado como fiscal da ordem jurídica. Ou seja, enquanto na alínea a atribui-se a legitimidade quando o Ministério Público não tenha sido ouvido, mas a intervenção era obrigatória, na alínea c a intervenção efetivamente ocorreu, mas o resultado foi contrário à orientação sustentada pelo Parquet. A novidade legislativa permite abarcar as hipóteses para as quais caminhava a jurisprudência ainda na interpretação do CPC de 1973, referentes à presença de interesse público relevante. Como o art. 178 do CPC/2015 estabelece a intervenção do Parquet nas causas que envolvam 'interesse público ou social', a interpretação ampliativa parece receber respaldo jurídico - embora seja importante registrar a vedação constitucional a que o Ministério Público atue como se fora representante judicial de entidades públicas (cf. art. 129, IX, CF)". · Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello ( Primeiros..., p. 1.366) afirmam que: "A ação rescisória continua sendo, à luz do NCPC, o meio adequado para se desconstituir decisão de mérito transitada em julgado. A expressão decisão é gênero, de que são espécies a sentença e a decisão interlocutória. Não faz sentido colocarem-se os acórdãos ao lado das sentenças e das decisões interlocutórias, pois o que os distingue destas duas espécies é a simples circunstância, ligada à forma e a origem, de que são proferidos por órgãos colegiados. Acórdãos devem ser colocados ao lado de decisões monocráticas; não de sentenças e de decisões interlocutórias. Até porque acórdãos podem ter como conteúdo tanto interlocutórias, quanto sentenças. Não são, portanto, as três figuras, espécies do mesmo gênero. Fez bem o legislador em aludir a decisões rescindíveis: de acordo com a terminologia que parte da doutrina vem usando, há interlocutórias 'de mérito'. Assim, fica claro na nova lei que, por exemplo, decisões que põem fim à liquidação de sentença, são rescindíveis, bem como aquelas que, em impugnação, rejeitam alegação de compensação. A nosso ver, apesar de agraváveis, estas decisões são, rigorosamente, sentenças. Mas parte da doutrina as chama de decisões interlocutórias de mérito. O caput do art. 966, agora, afasta as dúvidas de que estas também podem ser objeto de ação rescisória. Portanto, são decisões que ficam acobertadas pela autoridade de coisa julgada". Enunciados do FPPC N.º 33. ( Art. 304, §§ 2.º, 3.º e 5.º, CPC/2015) Não cabe ação rescisória nos casos estabilização da tutela antecipada de urgência. N.º 80. ( Art. 919, § 1.º; art. 969, CPC/2015) A tutela antecipada prevista nestes dispositivos pode ser de urgência ou de evidência. N.º 137. ( Art. 658; art. 966, § 4.º; art. 1.068, CPC/2015) Contra sentença transitada em julgado que resolve partilha, ainda que homologatória, cabe ação rescisória. N.º 138. (Art. 657; art. 966, § 4º; art. 1.068, CPC/2015) A partilha amigável extrajudicial e a partilha amigável judicial homologada por decisão ainda não transitada em julgado são impugnáveis por ação anulatória. N.º 203. ( Art. 966, art. 975, CPC/2015) Não se admite ação rescisória de sentença arbitral. N.º 284. ( Art. 321; 968, § 3.º, CPC/2015) Aplica-se à ação rescisória o disposto no art. 321. N.º 336. ( Art. 966; art. 975, CPC/2015) Cabe ação rescisória contra decisão interlocutória de mérito. N.º 337. ( Art. 966, § 3.º, CPC/2015) A competência para processar a ação rescisória contra capítulo de decisão deverá considerar o órgão jurisdicional que proferiu o capítulo rescindendo. N.º 338.( Art. 966, caput e § 3.º; art. 503, § 1.º, CPC/2015) Cabe ação rescisória para desconstituir a coisa julgada formada sobre a resolução expressa da questão prejudicial incidental. N.º 339. ( Art. 967, IV, CPC/2015; art. 118, Lei n. 12.529/2011; art. 31, Lei n. 6.385/1976) O CADE e a CVM, caso não tenham sido intimados, quando obrigatório, para participar do processo (art. 118, Lei n. 12.529/2011; art. 31, Lei n. 6.385/1976), têm legitimidade para propor ação rescisória contra a decisão ali proferida, nos termos do inciso IV do art. 967. N.º 340. ( Art. 972, CPC/2015) Observadas as regras de distribuição, o relator pode delegar a colheita de provas para juízo distinto do que proferiu a decisão rescindenda. N.º 341.( Art. 975, §§ 2.º e 3.º; art. 1.046, CPC/2015) O prazo para ajuizamento de ação rescisória é estabelecido pela data do trânsito em julgado da decisão rescindenda, de modo que não se aplicam as regras dos §§ 2.º e 3.º do art. 975 do CPC à coisa julgada constituída antes de sua vigência. N.º 421. ( Art. 304; art. 969, CPC/2015) Não cabe estabilização de tutela antecipada em ação rescisória. Nº 534. (Art. 548, III, CPC/2015) A decisão a que se refere o inciso III do art. 548 faz coisa julgada quanto à extinção da obrigação. Nº 535. (Art. 548, III, CPC/2015) Cabe ação rescisória contra a decisão prevista no inciso III do art. 548. Nº 554. (Art. 966, IV, CPC/2015) Na ação rescisória fundada em violação ao efeito positivo da coisa julgada, haverá o rejulgamento da causa após a desconstituição da decisão rescindenda. Nº 555. (Art. 966, § 2º, CPC/2015) Nos casos em que tanto a decisão de inadmissibilidade do recurso quanto a decisão recorrida apresentem vícios rescisórios, ambas serão rescindíveis, ainda que proferidas por órgãos jurisdicionais diversos. Bibliografia Fundamental Alexandre Freitas Câmara, O novo processo civil brasileiro, São Paulo: Atlas, 2015; Eduardo Talamini, A coisa julgada e sua revisão, São Paulo: Ed. RT, 2005; Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, 47. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, vol. 2; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT, 2015; Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas (coord.), Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil, São Paulo: Ed. RT, 2015; _____, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello, Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo, São Paulo: Ed. RT, 2015. Complementar A. Camara Leal, É de prescrição ou de decadência de direito o prazo de cinco anos para propor ação rescisória?, Doutrinas Essenciais de Processo Civil 7/1055; Ada Pellegrini Grinover, Ação rescisória e divergência de interpretação em matéria constitucional, RePro 87/37; _____, Ação rescisória. 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