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Prevenção Básica e Dieta: Noções de Epidemiologia Orientações para Prevenção do Câncer por Meio da Dieta ALIMENTOS E CÂNCER Apesar de a maior parte da investigação sobre a relação dieta-câncer se basear nos constituintes dos alimentos (nu- trientes e outras substâncias bioativas), a verdade é que as pessoas consomem alimentos e bebidas. Assim, é a alimen- tação como um todo, mais do que os seus constituintes in- dividuais, que devem ser vistos como os fatores-chave na etiologia do câncer'. Os dados epidemiológicos relativos ao consumo de ali- mentos particulares e risco do câncer são difíceis de inter- pretar, uma vez que existem muitos fatores, alimentares e não-alimentares, que podem confundir uma dada associa- ção. Quando uma relação é encontrada, não deve ser atribuí- da a um nutriente particular, uma vez que os alimentos não se reduzem a um único constituinte.'. CEREAIS É possível que dietas ricas em cereais integrais reduzam o risco de vários tipos de câncer+", com a exceção da tireóideê. Dietas ricas em cereais tendem a estar inversamen- te relacionadas com a ingestão de alimentos de origem ani- mal e gordura, bem como como status socioeconômico'. Para os cânceres aerodigestivos superiores, o risco re- lativo (RR) do consumo de cereais integrais no terceiro tercil é de 0,5, ao passo que o associado aos cereais refinados é de 5,74• Esta discrepância pode ser devida ao empobrecimen- to nutricional devido ao refino ou pelo fato de esse tipo de dietas ser deficiente em micronutrientes I. HORTALIÇAS E FRUTOS Existem evidências fortes e consistentes de que dietas ricas em hortaliças e frutos diminuem o risco de muitos ti- pos de câncer>", e possivelmente também de câncer em ge- ral'", tendo os indivíduos com altos níveis de ingestão en- CAPiTULO 21 Luiza Kent-Smith Cátia Marfins tre 1/3 a 1/2 do risco daqueles que ingerem pouco desses alimentos 10. As evidências são especialmente convincentes para os cânceres do trato gastrintestinal e respirató- riol.5.7.9.11.12,e menos consistentes para os cânceres hormo- nais'?", A maioria dos estudos aponta para uma redução de 40% no risco do câncer gastrintestinal e do pulmão associ- ada à elevada ingestão de frutos e hortaliças". Embora o consumo de hortaliças e frutas esteja forte- mente associado à redução do risco do câncer colorretal"?", alguns autores defendem que a correlação observada se deve ao consumo de hortaliças I e outros, à ingestão de fru- tas!', É possível que a alimentação com elevado teor de hor- taliças possa, isoladamente, reduzir o risco do câncer de próstata, fígado e rim', embora, neste último caso, alguns defendam que o efeito também se observa para os frutos". No geral, comparativamente aos frutos, o consumo de hor- taliças está associado a uma maior proteção'. Uma das ra- zões apontadas parece ser o fato de as hortaliças serem con- sumidas em maiores quantidades do que os frutos', embo- ra também possa resultar das hortaliças apresentarem, no geral, mais componentes bioativos. É provável que o efeito protetor associado às hortaliças e aos frutos se deva a uma série de substâncias protetoras que atuam em conjunto!", apesar de existirem evidências re- lativas à proteção conferida pelo elevado consumo de hor- taliças verdes no câncer de pulmão, estômago, boca e faringe, dos vegetais crucíferos contra o câncer colorretal e da tiróide e dos vegetais do gênero Allium, tomate e citrinos no câncer do estômago, entre outros'. Embora exista uma série de fatores potencialmente confundíveis na relação entre o consumo de hortaliças e fru- tos e o risco do câncer':", a verdade é que nenhuma correla- ção isolada parece poder explicar a associação fortemente consistente demonstrada em mais de 200 estudos epi- derniológicos do papel protetor destes alimentos no risco do câncer'. 199 01.; os ~ .•..•.•..•:...-,ITOS DE OIuGEM VEGETAL mbércnlos, leguminosas, sementes e frutos em fibras, vitaminas, minerais e ou- CU.~~K.J5_toSioativos, têm demonstrado atividade !i:lj::;~:::o_~_ê:-aica em estudos animais e in vitro, No entan- evidências atualmente disponíveis, em humanos, são limitadas I_ CAllKE, AVES, PEIXE E OvOS ma alimentação com quantidades substanciais de car- e vermelha aumenta, provavelmente, o risco do câncer colorretal'", existindo ainda evidências de uma possível re- lação com o câncer da mama, da próstata", do rim e do pân- creas'. Uma metanálise recente sugere associação positiva, embora pouco consistente, entre a ingestão de carne e car- ne vermelha e câncer colorretal (risco relativo = 1,1), sendo ainda mais consistente para a carne processada (risco rela- tivo = 1,5)15. Vários estudos têm mostrado aumento do ris- co de câncer da mama com a ingestão de carne, mesmo após ajuste para o consumo de gordura e proteínas, levantando a hipótese de os carcinogênios formados durante a cocção da carne poderem estar envolvidos'<'". Para além disso, estudos metabólicos mostram que o consumo de carnes vermelhas, mas não das brancas, aumen- ta a produção de compostos N-nitroso, potencialmente carcinogênicos, ao nível do cólon", de forma dose-depen- dente":" - embora a ingestão de apenas 60 g de carne ver- melha não provoque alterações significativas na produção de aminas heterocíclicas (AH)20. As provas relativas ao consumo de aves, peixe e ovos são menos substanciais, embora uma elevada ingestão de ovos possa aumentar o risco do câncer colorretal, pancreático e do ovário, ainda que, nestes dois últimos casos, os dados sejam insuficientes'. Embora alguns estudos apontem para uma redução do risco do câncer da mama e ovário com uma dieta rica em peixe, os dados são ainda insuficientes e não se sabe se resultantes do consumo de peixe per se ou do fato de o peixe poder substituir, por exemplo, o consumo de car- ne vermelha'. Uma coorte recente mostra redução do risco do câncer prostático associada ao consumo de peixe superior a três vezes por semana". A ingestão de ácidos graxos ú)-3 mostra a mesma associação, embora mais fraca, o que levan- ta a hipótese de outros fatores poderem estar envolvidos". DIETAS VEGETARIANAS? Embora nem sempre consistentes e por vezes sujeitas a confusão por fatores relativos ao estilo de vida e problemas de definição, existem evidências de que dietas vegetarianas variadas possam diminuir o risco de uma série de cânceres (veja também capítulo sobre dietas macrobióticas). A maior parte dos dados provém de comparações das taxas de inci- dência de câncer entre grupos de vegetarianos, nomeada- mente os adventistas do sétimo dia, e a população em ge- ral'. É preciso, no entanto, ter em atenção que os benefíci- os das dietas vegetarianas podem também ser conseguidos por uma dieta com pequenas quantidades de carne e outros alimentos de origem animal e que as dietas vegetarianas ri- gorosas e estritas, como as vegans, são geralmente pobres do ponto de vista nutricional e deficitárias em alguns nutri- entes essenciais', Key et al.22encontraram, após 17 anos de acompanhamento, incidência e mortalidade por câncer sig- 200 nificativamente mais baixas nos vegetarianos. Relativamente ao câncer da mama, está demonstrado que as mulheres ve- getarianas têm um perfil de hormônios sexuais alterado", o que lhes confere proteção. LEITE E DERIVADOS o consumo de laticínios está possivelmente associado a aumento do risco do câncer renal e prostático e, em alguns estudos, também da mortalidade por câncer prostático'. No entanto, Pietinen et a1.24 encontraram uma relação inversa entre o consumo de leite e o risco do câncer colorretal. Em- bora a gordura possa ser apontada como a responsável pela associação observada, Giovannucci et al:" constataram que a gordura dos produtos lácteos não está associada a um ris- co acrescido de câncer prostático. ERVAS, ESPECIARIAS E CoNDIMENTOS Os resultados relativos ao efeito do consumo de ervas,especiarias e condimentos, com a exceção do sal, sobre o ris- co do câncer são, de momento, controversos', As evidênci- as mais fortes, ainda que insuficientes, dizem respeito ao con- sumo de hortaliças do gênero Allium (alho e cebola) e redu- ção do risco do câncer do estômago (ver também capítulo sobre alho e brócolis)':". Os Allia apresentam propriedades únicas, na medida em que contêm flavonóides e compostos organossulfurados com capacidade anticarcinogênica de- monstrada em estudos animais e in vuro"; embora a sua ação possa ser modelada por outros constituintes da alimentação, nomeadamente gordura total, selênio, metionina e vitamina A27. Estudos caso-controle e de coorte mostram, de forma consistente, efeito protetor para o câncer do estômago e colorretal associado a uma elevada ingestão de alho, contra- riamente ao uso de suplementos". Pensa-se que a proteção contra o câncer do estômago seja mediada pela atividade antibacteriana dos compostos organossulfurados, nomeada- mente contra o Helicobacter pylori, e inibição da formação de nitrosaminas":", embora o consumo excessivo possa pro- vocar efeitos indesejáveis". No que diz respeito às especiarias no geral, os resulta- .dos são também controversos'. Um estudo caso-controle, realizado na Itália, encontrou uma associação protetora (ris- co relativo = 0,6) para o câncer do estômago com elevado consumo de especiarias", ao passo que outro estudo, rea- lizado no México, mostrou associação inversa para o con- sumo de pimenta chilli". Por outro lado, estudo realizado na zona mediterrânea de França, mostrou aumento do risco do câncer da bexiga (risco relativo = 3,6) nos indivíduos com consumos mais elevados de especiarias em geral": CAFÉ, CHÁ E OUTRAS BEBIDAS NÃO ALCOÓLICAS A maioria dos estudos mostra que o consumo regular de café e/ou chá não apresenta relação significativa com o ris- co para a maior parte dos cânceres':", No entanto, um ele- vado consumo de café (= 5 a 7 xícaras por dia) pode, por um lado, aumentar o risco do câncer da bexiga3o•32 e, por outro, ainda que as provas sejam insuficientes, reduzir o risco do câncer colorretal' e hepático (risco relativo = 0,7 para con- sumo = 3 xícaras por dia)", Apesar de demonstrada a eficácia do chá na prevenção do câncer em vários estudos animais 1.34, os estudos epidemiológicos não permitem tirar conclusões definitivas CAPiTULO 21 sobre humanos". O consumo regular de chá verde parece estar associado à redução do risco de câncer do estômago I e do esôfago" - embora neste último caso existam evidên- cias de que o chá, entre outras bebidas, quando muito quen- te, possa aumentar o seu risco, independentemente da fre- qüência de ingestão". É possível que o consumo de chá mate possa aumentar o risco do câncer da boca, faringe (para cerca do dobro) e esôfago, de forma independente, podendo estar relaciona- do com o mate per se, ou provavelmente ser o resultado de ser bebido muito quente'. O consumo regular de bebidas muito quentes aumenta o risco do câncer do esôfago de duas a quatro vezes para o café, e de até 20 vezes para o mate I, Estas bebidas contêm uma série de compostos bioativos nomeadamente flavonóides e polifenóis, com ati- vidade anticarcinogênica, assim como metilxantinas (cafeí- na, teofilina e teobromina)'. Beber água ou outros líquidos pode reduzir o risco do câncer da bexiga, uma vez que estes diluem a concentração de carcinogênios e diminuem o seu tempo de contato com o epitélio da bexiga", NUTRIENTES E CÂNCER CARBOIORATOS ou GLíCIDOS Sabe-se que dietas ricas em carboidratos poderão dimi- nuir o risco do câncer colorretal', mas aumentar o risco do câncer do estômago!" e pancreático", o que poderá ser ex- plicado pela diversidade deste grupo de nutrientes. O seu efeito protetor pode, assim, ser atenuado se a maior parte do amido da dieta for refinado. Dietas ricas em amido refinado tendem a ser pobres em vegetais, frutas e outros alimentos que exercem efeito protetor contra o câncer colorretal', o que reforça a idéia de que o tipo dos carboidratos, mais do que a quantidade, será o fator chave na sua relação com o câncer 1 , Os açúcares poderão aumentar o risco do câncer colorretal e pancreático", apesar de, para este último, os dados serem ainda insuficientes I. FIBRAS DIETÉTICAS Baseadas na plausibilidade biológica do efeito protetor das fibras no câncer do cólon37.3B,as recomendações têm sido de aumento de seu consumo':". O Harvard Report on Cancer Prevention (HRCP)B consideraa ingestão de fibras protetora no câncer colorretal e pancreático, embora vários estudos recentes de larga escala não tenham mostrado qual- quer tipo de associação'v=". No entanto, o EPIC (European Prospective Investigation of Cancer):", que segue uma coorte de quase 520.000 indivíduos de 10 países europeus, mostra redução de 40% no risco do câncer colorretal entre limites de ingestão, independentemente da sua fonte alimen- tar. Uma explicação para as diferenças encontradas pode ser o fato de no último quintil haver uma ingestão de 35 g de fi- bras/dia, muito acima das 17 g encontradas e.g. na coorte de Mai et al.39. O World Cancer Research Fundi American Institute for Cancer Reseach (WCRF/AICR)' e o European Code Against Cancer (ECAC)9 concluem haver evidências da redução do risco dos cânceres pancreático, colorretal e da mama com o consumo de dietas ricas em fibras, ainda que por vezes in- consistentes, o que pode ser explicado pela natureza hete- "rogênea das fibras dietéticas I. CAPiTULO 21 GORDURA Na maior parte dos estudos .,. pequena variação de consumo de _~_~~ &.'7i;~p=~ tabelecer comparações entre limi alguns estudos atribuam o efeito de •.•.•,.•....•••.•.••....•••'~--J ra ao aumento do valor energético total literatura revela um efeito deletério especíí pelo menos em estudos animais", o que cia do seu ajuste relativamente ao VEr', O WCRF/AICR' conclui existirem evidências co:::si:!;;a:~ tes de que dietas ricas em gordura possam aumentar o -- co do câncer colorretal, do pulmão (independentemente consumo de tabaco), da mama e da próstata', Relativame - te a este último, o risco está diretamente associado apenas a gordura animal". Alguns dados metabólicos, assim como a experiência dos países mediterrânicos, sugerem que a ingestão de gor- dura monoinsaturada (majoritariamente azeite) possa conferir proteção contra o câncer da mama", embora a ingestão concomitante de vitamina E possa estar envolvida". Foi já demonstrado que os ácidos graxos úl-6 são promo- tores do câncer mais do que a gordura saturada e monoin- saturada, e que o ácido oléico e os úl_342 são protetores=". No entanto, a suplementação com óleo de peixe tem produ- zido resultados inconsistentes". A razão úl-6:úl-3 poderá ter um papel crucial na etiologia do câncer, tendo sido apontado um valor de referência de 5_8:142. Não existem dados de relevo sobre o papel dos ácidos graxos trans na etiologia do câncer, sendo conflituosos no caso do câncer da mama". Parece ainda que uma dieta rica em colesterol aumenta o risco do câncer do pulmão e pân- creas, sendo insuficientes as evidências para o aumento do risco do câncer do endométrio', PROTEíNA Apesar de estudos animais revelarem que uma baixa ingestão protéica inibe o câncer em vários locais e uma ele- vada ingestão o promove, a interpretação desta observação deve ser cuidadosa'. A dificuldade de conseguir uma sepa- ração rigorosa das diferentes variáveis potencialmente en- volvidas pode explicar o fato de não se ter encontrado, até ao momento, qualquer tipo de associação entre o consumo de proteína e o risco do câncer':", existindo apenas evidên- cias insuficientes de que alta ingestão de proteína animal possa aumentar o risco do câncer da mama', ETANOL Embora o etànol pareça não apresentar atividade carcino- génica, per sel,44, os seus efeitos parecem ser mediados, pelo menos em parte, pelo acetaldeído'.Há dados convincentes de que o consumo de álcool aumenta o risco de cânceres da boca, faringe, laringe e esôfago, estando esse risco particu- larmente aumentado em indivíduos fumantesvv". O aumento do risco relativo para estes cânceres é claramente evidente para consumos de álcool superiores a 40 g/dia e menos evidente para consumos entre 20 e 40 g/dia, com um pequeno aumento do risco mesmo para consumos inferiores a 20 g/dia'. Pode haver aumento de até 20 vezes no risco relativo para os cân- ceres da boca, faringe e esôfago entre limites de ingestão'. São também convincentes os dados que suportam o au- mento do risco do câncer primário do fígado, provavelmente 201 hepatite alcoólicaI.7,9.45• Consumos tão podem estar associados a um aumento da mamal•7.9.46 e do cólon", enquanto, para tZ::Xl:lIT:S. o limite de ingestão parece ser superior (cerca particularmente nos homens?". É ainda pos- o umo excessivo de álcool aumente o risco do i> pulmão'. De uma maneira geral, o risco associado CQ;lSUIDO de etanol é função da quantidade total ingerida. existe valor máximo de ingestão estabelecido, acima do o risco seja mais evidente. O risco não está ligado a ne- nhum tipo específico de bebida alcoólica'?". ENERGIA E FATORES RELACIONADOS O painel do WCRF/AICR concluiu que a ingestão ener- gética, as taxas de crescimento em idade pediátrica, a idade da puberdade, o índice de massa corporal (!MC) no adulto e a prática de atividade física podem afetar o risco de câncer, sen- do os dois últimos os mais relevantes'. Ingestão energética elevada tem sido associada a um possível aumento do risco do câncer pancreático, existindo ainda provas, embora insu- ficientes, de aumento do risco do câncer prostático'. Apesar de estarem descritos vários mecanismos para a ação da res- trição energética na inibição do crescimento tumoral, os seus efeitos nos humanos estão longe de ser comprovados':". O excesso de peso/obesidade está associado a aumen- to do risco de vários tipos de câncer", particularmente cân- cer do endométrio+P, de mama pós-menopausa, renal, de cólon 7,8.45, e adenocarcinoma do esôfago":", embora o WCRF/AICRI considere a associação apenas de provável a possível para os quatro últimos, bem como para o câncer da vesícula':', existindo evidências, ainda que insuficientes, do aumento do risco do câncer da tiróide!". A obesidade está associada a uma incidência de câncer 33% superior" e a uma mortalidade cerca de 33% superior nos homens e 55% superior nas mulheres, Há dados fortes e consistentes de que a prática regular de atividade física, independentemen- te do seu impacto no controle do peso corporal, protege contra o câncer do cólon'·7,8,podendo ainda exercer o mes- mo efeito sobre o câncer em geral 1, da mamal,7,8,de pulmão 1, do endométrio? e da próstata". ELEMENTOS PROTETORES (VITAMINAS, MINERAIS E OUTROS COMPOSTOS BIOATIVOS) A evidência de que elevada ingestão de carotenóides e vitamina C provenientes de alimentos e/ou bebidas diminui o risco de vários cânceres é substancial e consistente', Os carotenóides podem diminuir o risco do câncer de pulmão, mesmo após ajuste para o consumo de tabaco', apesar dos resultados confundíveis de um estudo de revisão recente", É ainda possível a redução do risco do câncer de esôfago, estômago, mama, cérvix, cólon e reto, não havendo dados suficientes em relação ao câncer da laringe, ovário, endo- métrio e bexiga'. Dietas ricas em carotenóides (betacaroteno) estão associadas a redução do risco do câncer em geral'r" entre 10 e 70% e gástrico entre 20 e 70%50. A ingestão elevada de vitamina C diminui de forma con- sistente o risco de câncer do estômago para cerca de meta- de':". A redução do risco é ainda possível em relação ao câncer de esôfago, pulmão, pâncreas, cérvix, boca e faringe'. No que diz respeito ao câncer do pulmão, o efeito 202 protetor da vitamina C só se observa nos não-fumantes, tal- vez devido ao fato de os fumantes apresentarem níveis plasmáticos mais baixos da vitamina, e por isso necessita- rem de doses mais elevadas", Os dados relativos aos folatos e à vitamina E são menos substanciais, embora elevada ingestão de vitamina E redu- za possivelmente o risco do câncer cervical, do pulmão e colorretal I, Além de sua função antioxidante, a vitamina E potencializa ainda a capacidade antioxidante do selênio e dos carotenóides e inibe a formação de nitrosaminas I. Ingestão insuficiente de foIato e metionina aumenta o risco associado do álcool sobre o câncer do cólon distal aproxi- madamente em sete vezes, mesmo após ajuste para uma sé- rie de variáveis-'. Os estudos mostram que tanto o excesso quanto a de- ficiência de iodo aumentam, provavelmente, o risco do cân- cer da tiróide. Isso se dá, possivelmente, em razão da exis- tência de tipos histológicos diferentes'. As dietas ricas em selênio possivelmente reduzem o ris- co do câncer do pulmão e nem sempre de forma consisten- te o risco do câncer em geral'. No entanto, nos animais, es- tas podem aumentar a carcinogênese, provavelmente por redução das reservas de vitamina A e conseqüente defesa antioxidante". É ainda inconclusivo o papel da elevada ingestão de ferro sobre o aumento do risco do câncer hepá- tico e colorretal, devido à sua ação oxidante'. Relativamente à suplementação vitamínico-mineral, a maior parte dos estudos desenvolvidos em populações bem nutridas55•56 não encontrou qualquer efeito benéfico associ- ado à vitamina E e/ou betacaroteno na prevenção do cân- cer, tendo mesmo algunsv-" mostrado um aumento do ris- co de câncer de pulmão e da mortalidade geral em fumantes. O ECAC de 20037 conclui não existirem evidências de que a suplementação de betacaroteno, vitamina A, C ou alfa- tocoferol possa conferir proteção contra o câncer. As evi- dências são especialmente consistentes para o betaca- roteno e fracas de que a suplementação com selênio ou cál- cio possa ser protetora. A WCRF/AICR' e o ECAC7,9acon- selham, por isso, o consumo de antioxidantes a partir dos alimentos e não de suplementos, estando particularmente desaconselhado o seu uso em doses farmacológicas. Existem evidências de que uma elevada ingestão de compostos organossulfurados do gênero Allium possa re- duzir o risco do câncer do estômago e dados, ainda que in- suficientes, de que os fitoestrogênios reduzem o risco do câncer da mama'.' Os glicosinolatos presentes nos vegetais crucíferos (brócolis, couve-flor, couve-de-bruxelas, couve branca) têm sido sugeridos como protetores contra o cân- cer colorretal,.da tiróide e câncer em geral. Os indóis, devi- do ao seu efeito no metabolismo dos estrogênios, têm de- monstrado proteger contra o câncer da mama, embora os re- sultados sejam controversos. Têm também sido encontrados resultados controversos relativamente à quercetina e outros flavonóides, bem como para as saponinas (soja)'. O elevado consumo de licopeno, um carotenóide com propriedades antioxidantes encontrado em altas concentra- ções no tomate e seus derivados, tem sido associado à re- dução do risco para o câncer prostátic08.s9.60• A absorção do licopeno está aumentada quando o tomate ou seus deriva- dos são consumidos cozidos e/ou juntamente com peque- nas quantidades de gordura". Não há, no entanto, evidên- cias de que à sua suplementação de licopeno seja segura ou eficaz contra o câncer", CAPITULO 21 o MODO DE COMER E COZINHAR PODE PREVENIR O CÂNCER? PREPARAÇÃO CuliNÁRIA A preparação culinária dos alimentos a altas temperatu- ras, particularmente sobre a chama, produz compostos po- tencialmente carcinogênicos, como os hidrocarbonetos aro- máticos policíclicos (HAP) e as aminas heterocíclicas (AH)1.9.As AH são formadas a partir de certos açúcares e da creatinina abundante na carne e peixe, em quantidades diretamente dependentes da temperatura e duração do aque- cimento'". Nestas condições, pode ser também produzida a partir de reaçõesentre a asparagina e certos açúcares, uma substância chamada acrilarnida, presente em grandes quan- tidades nas batatas fritas e em outros alimentos amiláceos". No entanto, não existem provas de que a acrilamida seja cancerígena para o homem", Grelhar, fritar e assar são os métodos culinários que pro- duzem maiores quantidades de AH, seguidos pelo refogar, guisar, escaldar e cozer". Observou-se que o pré-aquecimen- to (dois minutos) de carnes cruas no microondas minimiza a formação de AR durante a fritura, por redução dos seus precursores, bem como da água e da gordura'". Embora as AH sejam carcinogênicas em vários animais, as doses utili- zadas são muito superiores à exposição humana por meio da dieta, não sendo, por isso, possível fazer qualquer tipo de generalização'. O painel do WCRF/AICR conclui não haver evidências convincentes de que o método culinário modifique o risco para algum tipo de câncer, nem dados que suportem uma provável relação causal. No entanto, sublinha que dietas ri- cas em carne cozida a altas temperaturas possivelmente au- mentem o risco do câncer do estômago e colorretal, existin- do também dados, ainda que insuficientes, de que o eleva- do consumo de alimentos fritos aumente o risco do câncer pancreático'. Os estudos mostram aumento do risco do cân- cer do estômago=" e esôfago?' associado ao consumo re- gular de grelhados ou churrasco, contrariamente ao consu- mo de trituras", bem como aumento do risco do câncer do estômago associado à preferência por carnes bem passa- das '7.64.No entanto, o consumo de alimentos fritos parece estar associado a aumento do risco do câncer colorretal'F" e da laringe", SAI., SALGA E REFRIGERAÇÃO As evidências de que a refrigeração regular dos alimen- tos protege contra o câncer do estômago, possivelmente por reduzir a utilização de sal como método de preservação dos alimentos, e por facilitar a disponibilidade de hortícolas e fru- tos frescos durante todo o ano, são convincentes, estando dependentes da duração de utilízação-". Embora o sal não seja carcinogênico per se, a ingestão de sal leva a danos da mucosa protetora do estôrnago'", para além de poder funcio- nar como um co-fator, juntamente com a infecção bacteriana .(Helicobacter pylori), no aumento da carcínogênese-v". Compreende-se, assim, que dietas ricas em salI.8.66,bem como o processo de salga", aumentam de forma significativa o risco de câncer do estômago. Na América Latina, China e Portugal, onde a dieta é tra- dicionalmente muito rica em sal, a incidência e mortalidade por câncer do estômago é muito elevada'. O consumo au- mentado de peixe salgado (tipo Cantonês), particularmente CAPiTULO 21 em idades' câncer da _ do ALIMENTOS eu E DErt!Jü.:XlS Não existem evidê fumagem dos alimentos mc:x!tf!q'~ ·0 i:i;s;:'!J' I~ ,---,r- _ de câncer, nem dados que suponera causal'. No entanto, dietas ricas e ~1llI!c:.:lS••.,-,-,""'"1<: mentam possivelmente o risco do c-ânc:errokr.:tt!!1-.,~5ti:=r do também evidências, ainda que ir'isuficieczes, to do risco do câncer do estôrnago'P e pâQCi~5. timo também para alimentos defumados .. - das são as principais fontes alimentares de postos N-nitroso. No entanto, as carnes e peixes cr::::a.::os. assim como os fumados, são também freqüentement dos e normalmente contêm nitritos adicionados tornando difícil discernir qual o principal responsável pelo aumento do risco do câncer. Outro fator de confusão é o fato de algu- mas carnes curadas, nomeadamente o bacon, serem cozidas a altas temperaturas, o que resulta na formação de AHI. ADITIVOS, CONTAMINANTES E CÂNCER O painel do WCRF/ AICR conclui não existirem provas convincentes de que algum tipo de aditivo alimentar modi- fique o risco do câncer'. Embora estudos animais mostrem que os nitratos e nitritos não são carcinogênicos per se, as nitrosaminas, formadas no estômago a partir destes, podem atuar como carcinogênios, potencialmente envolvidos na etiologia do câncer gástrico e colorretal'ê". Um dos fatores passível de confusão é o consumo concomitante de vita- mina C e alfa-tocoferol, o qual inibe a formação de ni- trosaminas". Deve ser 'realmente este o mecanismo envol- vido na proteção destes micronutrientes contra o câncer do estômago", Parece não haver qualquer tipo de relação entre a ingestão de edulcorantes, particularmente sacarina e ciclarnatos, e cân- cer da bexiga em humanosI.69.7o.Apesar de estudos animais mostrarem que os sais sódicos de sacarina e misturas ciciam ato/sacarina " em altas doses", o equivalente a centenas de latas de bebidas light por dia", aumentam a incidência de tumores da bexiga em ratos 'machos, esta associação nunca foi demonstrada em humanos'ê". Relativamente à contaminação microbiana, as formas mais importantes envolvem metabólitos de bolores conhecidos por aflatoxinas, Isto é particularmente problemático em países com climas quentes e úmidos e com fracas condições de arma- zenamento, que condicionam armazenamentos prolongados dos alimentos à temperatura ambiente'. O Intemational Agency for Research in Cancer (lACRrl conclui existirem evidências suficientes de que a aflatoxina B 1 é carcinogênica para os humanos. Estudos epidemiológicos, realizados sobretudo na África e no Sudeste Asiático, mostram uma forte associação entre o consumo de alimentos contaminados com aflatoxinas . e a distribuição mais geógráfica do câncer hepático primário':" . RESUMO DAS ORIENTAÇÕES PARA A PREVENÇÃO DO CÂNCER POR MEIO DA DIETA Está hoje bem estabelecido que os fatores ambientais desempenham papel de relevo na etiologia do câncer, dos quais o mais importante é, sem dúvida, o tabaco. mas tam- 203 bérn a dieta. O peso corporal e a atividade física também são fatores relacionados com o câncer'. O painel do WCRF/AICR' em associação com o ECAC7,9 faz as reco- mendações descritas a seguir e pormenorizadas nas Tabe- las 21.1 a 21.4. 1. Fazer uma alimentação variada, baseada em alimentos de origem vegetal, minimamente processados e ricos em fibras. 2. Evitar o peso a menos ou a mais do recomendado para a cultura e limitar a < 5 kg o ganho de peso durante a idade adulta. Tabela 21.1 Evidêndas Convincentes de Risco para os Tipos de Câncer em Relação à Alimentação de Acordo com o World Cancer Research Fund, o American Institute for Cancer Research e o Harvard Center for Cancer Prevention 1.8* Tipos de câncer Diminuem o risco Sem relação Aumentam o risco Hortaliças e frutos Etano! • Os estudos epidemiolágicos mostram associações consistentes, com pouca ou nenhuma evidência do contrário. A evidência laboratorial é geralmente concordante ou fortemente concordante. Tabela 21.2 Evidências Prováveis de Risco para os Tipos de Câncer em Relação à Alimentação de Acordo com o World Cancer Research Fund, o American Institute for Cancer Research e o Harvard Center for Cancer Prevention'.8* Boca e farilge Nasofcmge l.ailJe Esõfago Pulmão Estômago Hortaliças e frutos Hortaliças e frutos Hortaliças e frutos Refrigeração dos alimentos Peixe salgado estilo "cantonês' Etano! Etano! Fígado Colorretal Etano! Hortaliças Exercício físico Mama Crescimento rápido (criança) Mabr estatura (adulto) Excesso ponderal Café Endométrio Bexiga Etanol Tipos de câncer Diminuem o risco Sem relação Aumentam o risco Laringe Hortaliças e frutos Pulmão Carotenóides Estômago Vitamina C Café, chá preto Sal e salga Etano! Pâncreas Hortaliças e frutos Etano!, café Fígado AfIatoxinas CoIorreIal Carne vermelha, etanol Mama Hortaliças e frutos CoIesterol > IMC Aumento ponderaI (adulto) EtanoI TI/'OOe Carência de iodo Bexiga Hortaliças e frutos Chá preto Sacarina Rim Café, chá preto > IMC • Estudos epidemiolágicos nem sempre mostram associações consistentes ou o número de estudos é insuficiente. Evidências laboratoriais e os mecanismos são geralmenle concordanlesou fortemente concordantes; IMe = índice de massa corpórea. 204 CAPiTULO 21 Tabela 21.3 Evidências Possíveis de Risco para os Tipos de Câncer em Relação à Alimentação de o American Institute for Cancer Research e o Harvard Center forCalar PI_IIIII •• • Tipos de câncer Diminuem o risco Sem relação Boca e faringe Esôfago Pulmão Estômago Pâncreas Vesícula Fígado Colorretal Mama Ovário Endomébio Cérvix Próstata TIróide Rím Bexiga Vitamina C Carotenóides, vitamina C Exercício físico, vitamina C, vitamina E, selênio Carotenóides, compostos Allium, cereais integrais, chá verde Fibras, vitamina C Retino! Mate Cereais, mate, """-.-) \fU"'.= N _ Gordura total, satJ.xada. ~ •• :telliRIII Açúcar, vitamina E, retinol Amido, carne/peixe grelhada ou l:iumSllD > IMC, chá > VET. colesterol, came Obesidade Hortaliças Rbras, amído, carotenóides > IMC (cólon) elevada estatura (adulto), açúcar, gordura total, saturada, ovos, carne processada, carne queimada, maior núrnero de refeições Gordura total, saturada, came vermelha Cálcio, selênío, peixe Exercício físico, fibras, carotenóides Hortaliças e frutos Hortaliças e frutos Hortaliças e frutos, carotenóides, vitamína C e vitamina E Hortaliças, licopeno Gordura mono e poliinsaturada, retinol, vitamina E, aves e chá preto Gordura saturada FoIatose retinol > IMC, etanol, vitamina C, café e chá Gordura total, saturada, carne vermelha, leite e derivados Excesso de iodo Carne vermelha,leite e derivados Café (> 5 xícaras/dia) Hortaliças e frutos Hortaliças Etanol, ovos Ovos, cíclamato *Estudos epidemiológicos apóiam as associações, mas são limitados em qualidade, quantidade ou consistência. Poderá não haver concordância das evidências laboraloriais ou dos mecanismos; IMC = índice de massa corpórea; VET = valor energético total. Tabela 21.4 Evidências Insuficientes de Risco para os Tipos de Câncer em Relação à Alimentação de Acordo com o World Cancer Research Fund, o Amerícan Institute for Cancer Research e o Harvard Center for Cancer Prevention1,8* Tipos de câncer Diminui o risco Sem relação Aumenta o risco laringe Esôfago Estômago Pâncreas Fígado Colorretal Mama Ovário Endométrio Próstata lilÓide Bexiga Carotenóides, vitamina C Fibras, selênio, alho Chá muito quente Carnes curadas, N-nitrosamínas Açúcar, ovos, carnes/peixes curados ou defumados Ferro Ferro Selênio Amido resistente, cereais, café, vitaminas C, D, E, folatos e rnetionina Vitamina C, isoflavonas, "Iinhanos", peixe Carolenóides, peixe Carotenóides Proteínaanimal Gordura total, saturada, ovos Gordura total, colesterol Elevado VET > IMC Gordura lotal, frituras Selênio Carotenóides, vitamina C, retinol *Há apenas alguns estudos, geralmente consistentes, mas que apenas sugerem uma relação. É necessária mais e melhor investigação; IMC = índice de massa corpórea; VET = valor energélico tolal. CAPiTULO 21 205 3. Aumentar a prática de atividade física. Efetuar uma hora de caminhada "ativa" por dia e praticar um exercício vi- goroso pelo menos uma hora por semana. 4. Consumir 400 a 800 g (cinco ou mais porções) por dia de hortaliças e frutos variados, durante todo o ano Í> 7% do valor energético total (VET) da dieta]. 5. Ingerir 600 a 800 g (ou mais de sete porções) por dia de cereais variados, leguminosas, raízes, tubérculos (45 a 60% do VEr). Preferir alimentos minimamente processados e limitar o consumo de açúcar refinado « 10% do VET). 6. Evitar e/ou limitar o consumo de bebidas alcoólicas a me- nos de duas bebidas por dia para os homens (20 g de etanol) e uma para as mulheres (10 g de etanol). Esta re- comendação foi elaborada tendo em conta que o consu- mo moderado de bebidas alcoólicas confere proteção con- tra as doenças cardiovasculares. 7. Limitar o consumo de carne vermelha (vaca, porco, car- neiro e derivados) a menos de 80 g por dia « 10% do VET). Optar preferencialmente por peixe, aves ou carne de animais não domesticados. 8. Limitar a ingestão de gordura a < 30% do VET. Reduzir a ingestão de gorduras de origem animal, optando por quantidades moderadas de óleos vegetais (preferência aos monoinsaturados). 9. Limitar o consumo de alimentos salgados ou em salmou- ra e o sal de cozinha. Usar ervas e especiarias para tem- perar os alimentos. 10. Evitar o consumo de alimentos queimados. Preferir os co- zidos, estufados, guisados e escalfados em detrimento dos grelhados, churrasco (sobretudo sobre a chama direta), as- sados e fritos, assim como alimentos fumados e curados. REFER~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. World Cancer Research Fund & American Institute for Cancer Research (WCRF/AICR). Food, Nutrition and the Prevention of Cancer: a global perspective. 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Os tipos mais freqüentes de câncer de pele são o carcinoma basoce1ular e o carcinoma espinocelular. O carcinoma basocelular é responsável por mais de 75% dos casos de câncer de pele, mas dissemina-se praticamente só por con- tigüidade, isto é, cresce invadindo os tecidos vizinhos. Metástases a distância no carcinoma basocelular são rarida- des. O carcinoma espinocelular é responsável por cerca de 17% das neoplasias de pele. Tem uma relação mais eviden- te com a exposição à irradiação ultravioleta do tipo B e tem possibilidade de apresentar metástases para os linfonodos'. O melanoma cutâneo é a neoplasia mais agressiva da pele. A incidência do melanoma tem aumentado na maioria dos países onde a população tem pele clara" No Brasil, não existe estatística bem apurada abrangendo o País inteiro, apenas estimativas. O Instituto Nacional do Câncer estimou 4.370 novos casos de câncer de pele para o ano de 2003 e 1.125 óbitos. Sabemos que o melanoma representa cerca de 4% dos cânceres de pele'. Sabemos que a etiologia do melanoma também está rela- cionada com a exposição ao sol, embora essa relação seja menos nítida do que com os carcinomas. No melanoma, o fa- tor mais importante é o tipo de pele. As pessoas de pele cla- ra, cabelos louros ou ruivos têm possibilidade muito maior de apresentar melanoma que as de pele escura. Em países tropi- cais como a Austrália, onde a população tem pele mais clara e não houve, como no Brasil, miscigenação importante, a in- cidência do melanoma chega a ser 10 vezes maior. Isso mos- tra o peso da contribuição do tipo de pele como fator etiológico. Considerando as variações de incidência, tem sido 208 Nutrição e Melanoma Ivan Dunshee de Abranches Oliveira Santos André Bandiera de Oliveira Santos estimado que o fator exposição solar causa por volta de 60% dos melanomas em todo o mundo, mas em países tropicais com população de pele clara o fator chega a 95%4. O melanoma cutâneo pode dar metástases precoces principalmente para os linfonodos, mas, com freqüência, mais tardiamente dá metástases a distância por via sangüínea. Quanto maior a espessura da lesão, maior a possibilidade de metástases. Nos últimos 20 anos, houve uma modificação importante no padrão das lesões diagnosticadas, com aumento daquelas de espessura mais fina. Como resultado, embora a incidência continue aumen- tando, o número de óbitos não tem crescido na mesma pro- porção" Não houve mudanças substanciais na terapêuti- ca do melanoma, provavelmente devido ao diagnóstico mais precoce e à conscientização da população da neces- sidade de procurar um especialista logo ao notar alterações em um nevo pigmentado, tanto no seu crescimento como na sua forma ou cor'. Os principais fatores de risco para melanoma cutâneo são melanoma anterior, fenótipo característico, exposição ao sol e a síndrome do nevo atípico. Ter tido um melanoma anteri- ormente faz com que. um novo melanoma seja cerca de 900 vezes mais provável no indivíduo do que na população em geral. Apresentar pele clara, cabelos louros ou vermelhos e olhos azuis, principalmente quando a pele for do tipo que, ao tomar sol, fica logo vermelha mas não consegue ficar bronzeada também é um fator de risco para melanoma. Expo- sições intermitentes ao sol, ocasionais, principalmente com história de queimaduras graves na infância aumentam o ris- co para melanoma. E portadores de um grande número de nevos benignos apresentam risco aumentado de terem um melanoma durante a vida". Nevos atípicos ou síndrome do nevo atípico, anteriormen- te conhecida como síndrome do nevo displásico, é um fator de risco forte para o desenvolvimento de melanoma, indepen- dentemente do número de neves". Esta síndrome é caracteri- CAPiTULO 22 zada pela presença de um grande número de nevos atípicos: um tipo de neva distinto e bem caracterizado tanto clinicamen- te como ao exame anatomopatológico. Existe a possibilidade de parentes apresentarem também a mesma síndrome e, por isso, eles devem ser examinados. Na realidade, 8 a 12% dos melanomas cutâneos aparecem em pessoas com história farnilial desta neoplasia. Predisposição genética devida a al- terações em alguns genes também tem sido relatada como tendo papel na patogenia do melanomaê, Não existe descrito nenhum fator de risco específico com relação ao melanoma, ligado à nutrição". No entanto, muitos autores afirmam que as deficiências da alimentação e, mais concretamente, comer o que não se deve são fatores desen- cadeantes do câncer em geral. Sabemos, no entanto, que a imunidade tem relação importante com o melanoma, tanto no seu aparecimento como na sua evolução natural e também na terapêutica. É evidente que wn fator importante na imunida- de de um paciente é a sua alimentação. O sistema imunológico é uma interação complexa de células sangüíneas, proteínas e processos que protegem as pessoas das infecções, das subs- tâncias estranhas ao organismo e das células cancerosas, que têm antígenos tumorais específicos", IMUNIDADE NO MELANOMA E NUTRIÇÃO o melanoma é um dos tumores que apresentam relação muito estreita com o sistema imunológico. A nutrição é mui- to importante para o paciente manter as suas defesas imunológicas, A imunidade tem influência tanto na probabi- lidade do aparecimento de lesões de melanoma - como ve- mos em doentes imunodeprirnidos, por exemplo nos trans- plantados - como na evolução da própria neoplasia, quan- do observamos que a sobrevida é bem menor quando a imu- nidade é baixa. A imunoterapia com agentes imunoestimu- lantes foi e continua sendo alvo importante de investigação para um grande número de pesquisadores. No melanoma, já foram explorados agentes rnicrobianos, como o bacilo de Calmette-Guérin (BCG) e o C. parvum, citocinas, como as interleu-cinas, interferons e o fator de necrose tumoral, e as vacinas autólogas e homólogas. Portanto, sabemos que a imunidade tem associação muito grande com o melanoma. Devido ao fato de o controle do melanoma ser bastante difícil e complexo, os resultados terapêuticos ainda não são tão bons como os desejados, porque a imunoestimulação, tanto geral como específica, não é fácil de ser obtida, tanto com medicamentos como por agentes imunoestimulantes (como linfocinas ou mesmo vacinas). Um grande número de protocolos está em andamento, tentando i.relhorar o prog- nóstico dos pacientes portadores de melanoma de alto ris- co por meio da imunoterapia. O interferon de dose alta foi o único agente que mostrou resposta positiva como adjuvante no melanoma de alto risco", mas trabalhos poste- riores não confirmaram os resultados". Assim como todos os protocolos experimentais, também os protocolos de melanoma, segundo a Organização Mundial de Saúde, de- vem ser conduzidos por centros especializados em mela- noma'. Por outro lado, a imunodepressão, na maioria das ocasiões indesejável, pode ocorrer com facilidade, como conseqüência do uso de certas medicações ou por infec- ções repetidas e verrninoses, devido à falta de saneamento básico ou até mesmo por falta de uma alimentação adequa- da, por falta de nutrientes. CAPiTULO 22 A' . é' io i.É~~ '=i:::::::J~x,;::m;c;;:;:a.~D ~iEf!~ - capacidade OO:~ci~:::.z:!Çiot~~ I::;;a i:::::r:;~=de s~::z:: ça da ressecçã linfadenectomiassó provoca caquexia de possibilidades terapê a hipoalburninernia, a c oligoelementos, além da anemia e imunológica, o que dificulta a cicamzsçêo-; boa cicatrização pode levar a dei A - ção, favorecendo, como num círculo '1 são. Lembramos que no momento da cir Wj<..L:1 te com melanoma trava a sua batalha, não ' primário que está sendo retirado, mas também veis células neoplásicas circulantes. As células guem entrar na circulação são rapidamente eliminadas, grande maioria. Para que estas células tenham baixa lidade de evoluírem para metástases, o sistema imunológi tem de estar funcionante", A nutrição em melanoma tem sido bastante pesquisada e, mesmo em cultura de células de melanoma B16, em que não participa o sistema imunológico individual, as células não proliferam quando há limitação nutricional de arninoácidos. As células sofrem inibição predominantemente na fase G1 do ci- clo celular. Se estas células forem transferidas para um meio de cultura contendo altas concentrações de aminoácidos, vão voltar a proliferar e ficarão mais uniformemente distribuídas por todas as fases do ciclo celular. Os autores de estudo com essa metodologia concluíram que, por ser reversível, a inibi- ção do crescimento do mel anoma B16 foi causada por dimi- nuição da concentração de aminoácidos e não por sua exaustão no meio de cultura". A suplementação da dieta com soja, para estudar o efei- to nas metástases experimentais em camundongos, foi es- tudada em quatro grupos de animais. Eles recebiam ali- mentação com dieta basal ou com suplementação com 10%, 15% e 20% de soja. Os animais que receberam dieta suplementar tiveram menor número de metástases e estas foram de tamanho menor. Os autores do trabalho concluí- ram que a soja poderia ser útil na prevenção de metástases de melanoma", Sob o raciocínio de que a subnutrição levaria a aumen- to do risco, seria, portanto, mais plausível que as popula- ções de nível social mais baixo, onde se espera uma alimen- tação menos completa, tivessem maior incidência de melanoma. No entanto, trabalhos epiderniológicos bem con- ceituados mostraram o contrário, para surpresa dos autores: que o melanoma é mais prevalente nas classes sociais mais abonadas'. Podemos deduzir que ou a alimentação, na rea- lidade, não tem peso importante na imunidade, ou outros fatores têm peso tão alto que encobrem esse possível fator negativo das classes menos favorecidas. Um exemplo seria a exposição intermitente ao sol em fins de semana em bal- neários, um costume das classes sociais mais elevadas'. No entanto, outra possibilidade poderia estar acorren- do. Estudos recentes mostraram que animais tratados -com grande quantidade de alimentos envelheceram muito mais do que aqueles tratados com restrição calórica. Os cientis- tas da Calorie Restriction Society, da Califómia, depois de avaliarem os resultados contundentes de suas pesquisas em animais, já criaram um protocolo de testes em seres hu- manos". Sabemos que, ao envelhecer, as pessoas perdem parte das suas defesas imunitárias-, 209 DIBTAS BSPBCíFICAS Com relação à dieta, estudo prospectivo em 50.575 no- ruegueses sobre probabilidade de adquirir melanoma cutãneo relatou risco aumentado em mulheres com maior consumo de gorduras insaturadas e com suplementação de óleo de bacalhau e um menor risco em associação com o consumo de café. No entanto, essa associação não foi ob- servada nos homens. Além disso, os dados destas pacien- tes não foram cotejados com a exposição solar e classe so- cial, e o peso das conclusões não pôde ter um alto impacto na literatura". Em vários estudos do tipo caso-controle, não foram encontradas associações consistentes entre melanoma cutãneo e ingestão de gorduras poliinsaturadas'. A suplementação de linhaça na alimentação de ratos com metástases experimentais de melanoma reduziu o número dessas metástases e fez diminuir também o volume dos nó- dulos, comparando-se casos com o grupo controle. Os au- tores desses trabalhos" concluíram que a linhaça pode ser útil como adjuvante nutricional para prevenir o aparecimen- to de metástases em pacientes com câncer. Alguns autores, em livros de "auto-ajuda", propõem como dieta antimelanoma a inclusão dos ácidos graxas ômega-3 em vez de ômega-6. Explicam que o excesso de ômega-6 leva a uma produção deficiente de prostaglandinas, favorecendo o início e crescimento de tumores de pele. Aconselham a comer peixe para prevenir o melanoma". No entanto, essas afirmações, sem uma documentação científi- ca adequada, devem ser questionadas e na maioria das ve- zes refletem apenas opiniões pessoais, sem embasamento de dados científicos. ALIMBNTAÇAO, íNDICBS ANTROPOMÉTRICOS E MELANOMA Algumas evidências indiretas da relação positiva entre a alimentação e o melanoma cutãneo vêm de estudos base- ados em dados antropométricos. Um trabalho sobre índices antropométricos e melanoma na Noruega investigou se a al- tura, a massa corporal e a superfície corporal em 1,3 milhão de indivíduos tiveram influência no risco de adquirir melanoma. No acompanhamento por 14 a 26 anos, foram en- contrados 2.814 melanomas em mulheres e 2.144 em homens. O estudo mostrou que, nesta amostragem, as pessoas mais altas tinham risco de desenvolver melanoma 1,60 maior para os homens e 1,59 maior para as mulheres, comparado ao de pessoas mais baixas. A superfície corpórea mostrou a mes- ma relação em homens". Outro estudo semelhante comparou altura, peso e também exercícios físicos com o risco de melanoma. Os casos novos de pacientes com melanoma primário detectados em 1997 no estado de Washington (386) foram comparados com contro- les pareados por idade, cor dos cabelos, exposição ao sol, ingestão de frutas e vegetais. Risco elevado de melanoma foi notado nos homens mais altos, mais pesados e com maior superfície corpórea. Ao contrário do trabalho norueguês", nas mulheres não foi encontrada nenhuma associação de melanoma com as medidas antropornétricas", Entretanto, nem todos os trabalhos mostraram associa- ções positivas. Um outro estudo semelhante, do National Cancer Institute, realizado em Bethesda, com 698.028 pesso- as com 207 casos de melanoma, não mostrou nenhuma rela- ção entre a doença e a altura, o peso ou a superfície corpórea. 210 Isto evidencia a fragilidade das conclusões neste tipo de tra- balho", Entre os fatores que promovem um maior crescimen- to e com certeza um aumento da superfície corpórea em de- corrência do aumento de peso está a alimentação. Vemos por- tanto nestes trabalhos uma possível relação positiva indire- ta entre a alimentação e melanoma, embora neste último tra- balho não tinha sido notada nenhuma relação com a ingestão de frutas e vegetais. No trabalho de Bethesda, entre outros fatores, as pesso- as que ingeriram álcool em excesso apresentaram risco maior de adquirir melanoma do que as pessoas que não beberam. No entanto o trabalho não conseguiu mostrar que o consu- mo de álcool poderia realmente ter uma relação causal ou nã020• Outra pesquisa, realizada na Dinamarca, não mostrou nenhuma associação entre consumo de álcool e melanoma". VITAMINAS B MELANOMA A cultura de células do melanoma possibilita estudar nutrientes e vitaminas que podem influenciar uma maior pro- liferação ou inibição do seu crescimento. Um exemplo bas- tante estudado é o da inibição do crescimento de cultura de células do melanoma humano com o ácido retinóico+". Em um modelo murino na investigação de metástases, foram inoculadas células de melanoma em 60 camundongos, divididos em três grupos. O grupo controle foi alimentado com ração normal. O segundo grupo, com ração normal com adição de 150.000 VI de vitamina A, com início 10 dias an- tes da inoculação do tumor. No terceiro grupo, a adição de vitamina A teve início no dia da inoculação. Os animais com suplementação de vitamina A demonstraram menor cresci- mento do tumor e menos metástases,numa diferença esta- tisticamente significante em relação ao grupo controle. Os resultados foram atribuídos à ação antioxidante e ao poten- cial efeito da vitamina A de encapsular o melanoma. No en- tanto, não foi alcançada maior sobrevida, o que pode ser atri- buído ao pequeno número de animais em cada grupo. Este modelo, in vivo, poderia indicar potencial papel profilático e terapêutico da vitamina A24. À primeira vista, a vitamina A deveria ser eficaz como terapêutica adjuvante. O Southwest Oncology Group Study realizou estudo prospectivo e ao acaso, com 248 pacientes com melanoma primário com espessura maior que 0,75 mm, operados e sem linfonodos clinicamente significativos. Os pacientes foram divididos em dois grupos: um recebendo doses diárias de 100.000 VI e o outro grupo apenas em ob- servação. Não houve diferenças nem na sobrevida e nem no intervalo livre de doença". Em estudo caso-controle, realizado no estado de Wa- shington, os àutores notaram um aparente efeito protetor tanto da vitamina E como do betacaroteno, assim como da suplementação de zinco". Porém, para avaliar a incidência de uma determinada doença e sua possível etiologia, nota- se, na literatura, que a maioria dos autores opta pelo estu- do de tipo coorte como o mais adequado. Para analisar se realmente algumas vitaminas podem ser associadas ao bai- xo risco de desenvolver melanoma, dois estudos de coorte foram realizados nos Estados Unidos sobre consumo mais elevado de vitaminas A, C e E. Os autores encontraram e analisaram 414 casos de melanoma invasivo em 162.000 mu- lheres caucasianas, durante o acompanhamento clínico de mais de 1,6 milhão de pessoas por ano, e concluíram que as vitaminas A, C e E não foram associadas ao baixo risco de CAPITULO 22 melanoma. Ao contrário do esperado, neste estudo, foi ob- servado inclusive maior risco de melanoma entre as pesso- as que relataram grandes consumos de vitamina C na ali- mentaçãoê". CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente, não podemos utilizar as vitaminas como te- rapêutica no tratamento do melanoma primário ou de suas metástases exceto como protocolos de estudo. A prevenção química do melanoma, como pela ingestão de vitaminas ou óleos, é um objetivo bastante perseguido por muitos autores, mas que ainda não apresenta resultados concretos. No mela- noma, a cor da pele e a exposição ao sol são fatores de risco tão importantes que o impacto de possíveis fatores alimenta- res na sua prevenção ainda são difíceis de serem avaliados. 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Br J Çancer 2003;88(9):1381-7. 211 INTRODUÇÃO Estima-se que, em 1995, a incidência de câncer do trato aero-digestivo alto tenha sido de aproximadamente 900.000 casos novos em todo o mundo, sendo 600.000 em homens, o que o coloca entre os cinco mais freqüentes na Humani- dade, com incidência e mortalidade crescentes I. Em países como Sri Lanka, Bangladesh, Paquistão e Índia é a neoplasia maligna mais freqüente, em especial o câncer da cavidade oral. Em algumas partes da Índia, o câncer de cavidade oral é responsável por mais de 50% dos tumores malignos>'. Em países desenvolvidos, existe grande variação na in- cidência e mortalidade associada a esse tipo de câncer, sen- do maior nos países europeus, onde a produção e o consu- mo de vinho e tabaco são tradicionalmente maiores (Fran- ça, Itália, Portugal, Alemanha e Luxemburgo)'. No Brasil, estima-se que o câncer de cavidade oral tenha sido respon- sável por 4,06% das mortes por câncer em homens e 1,21% em mulheres entre 1995 e 1999. Para o câncer de laringe, a proporção foi de 3,8% em homens e 0,63% em mulheres no mesmo período. Estes dois tipos de câncer são, respectiva- mente, a 9ª e a 1~ causa de morte por câncer no Brasil em homens e a 1~ e a 15ª causa em mulheres, segundo dados do Ministério da Saúde e do Instituto Nacional do Câncer>" Tanto a história natural dos tumores de cabeça e pesco- ço quanto o seu tratamento cirúrgico e quimiolradioterápicoestão marcadamente associados a aspectos nutricionais re- levantes. Assim, existem diversos estudos epidemiológicos que documentam a inter-relação entre fatores dietéticos e a incidência de tumores da cabeça e pescoço. Além disso, di- versas alterações na capacidade de oferta nutricional aos pacientes com tumores de cabeça e pescoço podem ocorrer, tanto devido à presença da neoplasia, quanto a seqüelas e complicações de seu tratamento. Para efeito de normatização na análise da epidemiologia da doença, convenciona-se chamar de "câncer de cabeça e pescoço" (CECCP) o carcin~ma epidermóide de cavidade 212 Câncer de Cabeça e Pescoço Caio Plopper Pedra Michaluarf Jr. Claudio R. Cernea oral, faringe e laringe, responsável por mais de 90% das neoplasias malignas do trato aero-digestivo alto, e que tem estudos mais detalhados acerca de sua epidemiologia. Da- dos sobre a epidemiologia de outras neoplasias da região são apresentados separadamente, a seguir. FATORES DE RISCO NÃO-DIETÉTICOS TABAGISMO E ETILISMO o papel epidemiológico do tabagismo na incidência das neoplasias do trato aero-digestivo alto é inquestionável, tendo sido demonstrada a existência de relação linear entre a dose e o aumento do risco relativo da neoplasia em indivíduos tabagistas, tanto em estudos prospectivos como retrospec- tivos. Documenta-se aumento na incidência de tumores de cabeça e pescoço de 5 a 25 vezes, atribuído ao tabagismo isoladamente. Aumentos mais significativos são registrados para o fumo de cigarros sem filtro, e observa-se risco progres- sivamente menor quanto maior o tempo após a cessação do tabagismo. Observam-se diferenças entre homens e mulheres no que se refere ao papel do tabagismo como fator de risco para o câncer de cabeça e pescoço; estima-se que o incremen- to no risco relativo de desenvolvimento destes tumores seja comparativamente maior para mulheres, para cada maço/ano acrescentado. Esta tendência também foi observada e descrita para tumores de pulmão, e é atribuída à diferente metaboliza- ção da nicotina por mulheres. Há também diferenças signifi- cativas de acordo com a localização do tumor primário, sen- do a relação entre o tabagismo e a incidência de tumores de cabeça e pescoço mais marcante para neoplasias primárias de laringe (especialmente de tabaco negro, associado a incre- mento de risco duas a três vezes superior em relação ao ta- baco claro) do que para as de cavidade oral e da orofaringev'. Além do fumo inalado, o hábito de mascar o tabaco tam- bém está significativamente associado a maior risco de de- senvolvimento de neoplasias de cabeça e pescoço, em es- CAPiTULO 23 pecial de cavidade oral, orofaringe e supraglote (também denominada por alguns autores de epilaringe), áreas que mantêm contato com os alimentos ingeridos. O hábito de mascar bétel, comum em regiões da Ásia e Pacífico, também foi demonstrado como fator de risco associado à incidência de câncer de cavidade oral em diversos estudos. Entretan- to, muitos destes estudos não distinguem o bétel com e sem a adição de tabaco (o uso de bétel com a adição de tabaco tem sido reconhecido como um grande fator de risco)", O hábito de mascar o fruto da areca, comum entre populações africanas e asiáticas, também incorre em risco mais elevado de desenvolvimento de câncer de cavidade oral, mesmo em indivíduos não-tabagistas ou etilistas", A ação carcinogênica do álcool, tanto para tumores de cavidade oral e orofaringe quanto para tumores de laringe, é amplamente reconhecida, e demonstra-se risco substanci- almente maior quanto maior a quantidade e a freqüência de seu consumo!". Estudos que estratificaram o risco de acor- do com a quantidade de álcool consumida no Brasil de- monstraram aumento de risco de câncer de cavidade oral em nove vezes para a categoria de maior consumo, enquanto estudos na Itália demonstraram risco multiplicado por seis. Um estudo populacional nos Estados Unidos estimou que o risco de desenvolvimento de câncer de cavidade oral em etilistas praticamente triplica; entretanto, no grupo de maior consumo (quantidade, freqüência e duração de uso), este risco multiplica-se por 154,9. Em tumores de laringe e hipofaringe, o impacto do etilismo também foi demonstrado como fator de risco inde- pendente, e mais significativo com a estratificação da quan- tidade de álcool consumida. Em um importante estudo de 1.307 casos e 3.057 controles conduzido pela Agência Inter- nacional de Pesquisas no Câncer (IARC) na Itália, Suíça, França e Espanha, demonstrou-se risco estatisticamente maior a partir do consumo diário de 80 g de etanol (corrigi- do estatisticamente para o tabagismo) para o desenvolvimen- to de tumores de glote, supraglote e hipofaringe, sendo mais marcante o aumento do risco para estes últimos". A ação sinérgica entre o tabagismo e o etilismo foi com- provada em diversos estudos caso-controle no Ocidente, China e Japão. Em trabalho realizado em Taiwan, demons- trou-se risco relativo de 123 vezes para câncer de cavidade oral com a associação de etilismo, tabagismo e o hábito de mascar bétel". Estudos in vitro com modelos animais de- monstraram aumento de permeabilidade da mucos a oral a nitrosarninas carcinogênicas presentes no tabaco com a pre- sença de concentrações a partir de 25% de etanol, o que pode em parte explicar tal efeito sinérgico!'. FATORES DIETÉTICOS , Diversos estudos epiderniológicos abordaram o papel da mgestão de alimentos e de rnicronutrientes específicos na in- cidência populacional de câncer de cabeça e pescoço, na ten- tativa de definir possíveis estratégias dietéticas de prevenção primária e secundária da doença. Devido à incidência baixa destes tumores na população geral, a maioria dos estudos tem o desenho caso-controle, que apresenta problemas quanto à confiabilidade dos dados obtidos, em especial devido à recu- sa de pacientes em participar e à imprecisão dos dados, En- ~etanto, este é o modelo mais freqüentemente disponível na hteratura, uma vez que estudos de coorte mais adequados têm custo elevadíssimo, sendo muito mais restritos. CAPiTULO 23 AL~los EslP'Eci:m::os As prime" entre a dieta e a li' 'Çli~;~"l;! datam da década de 9: caso-controle que correlaciocce como possíveis fatores de '- conduzido na década de 195 • Unidos e na Índia, realizado ~'"R"-.""";,_ Este estudo não encontrou assoei - dietéticos e a epiderniologia do câncer centros em que foi realizada a pesquisa "" Após este trabalho pioneiro, a maioria controle com resultados significativos se inici década de 1970 e no início da década de 1980. As T 23.1 e 23.2 apresentam alguns dos principais es controle acerca da ingestão de alimentos e de micronurrieczes e sua associação com a incidência de câncer da cabeç e pescoço. Analisando os resultados destes estudos como um todo. é notável a associação entre a maior ingestão de carnes ver- melhas, especificamente a suína e as processadas, ovos, manteiga e gorduras totais, e a incidência de câncer de cavi- dade oral, faringe e laringe, bem como a correlação inversa entre a incidência destes tumores e a ingestão freqüente de frutas e verduras cruas (especialmente cítricos e cereais), la- ticínios e óleos vegetais. Estima-se que diferenças culturais regionais nos hábitos alimentares (associadas a diferenças quanto ao tabagismo e etilismo) sejam responsáveis pelas di- ferentes incidências destes tumores na população mundial. Assim, atribui-se, por exemplo, à freqüente adição de óleo vegetal de oliva na dieta da população da Grécia a incidência relativamente baixa destes tumores naquela população". Chama a atenção na literatura o estudo de coorte publi- cado por Kjaerheirn et al., no qual 10.900 homens noruegue- ses foram acompanhados ao longo de 24 anos, com 71 ca- sos de carcinoma epidermóide de cabeça e pescoço identi- ficados". O estudo correlacionou a incidência de tumores do trato aero-digestivo
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