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A IMPLANTAÇÃO DO BALANCED SCORECARD EM EMPRESAS BRASILEIRAS SOB A PERSPECTIVA DA CULTURA NACIONAL. Frederico Pires Pereira Fernandes Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Administração e Ciências Contábeis Mestrado em Ciências Contábeis Orientadora: Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca Dra. COPPEAD/UFRJ Rio de Janeiro 2005 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. 2 A IMPLANTAÇÃO DO BALANCED SCORECARD EM EMPRESAS BRASILEIRAS SOB A PERSPECTIVA DA CULTURA NACIONAL. FREDERICO PIRES PEREIRA FERNANDES Orientador: Profª Drª Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Ciências Contábeis, Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em Ciências Contábeis. Aprovada por: Profª. Drª Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca – COPPEAD/UFRJ (orientadora) Prof. Dr. Josir Simeone Gomes – COPPEAD/UFRJ Prof. Dr. Moacir Sancovschi – COPPEAD/UFRJ Prof. Dr. Victor Prochnick – COPPE/UFRJ Rio de Janeiro Junho de 2005 3 Ficha Catalográfica FERNANDES, Frederico Pires Pereira. A implantação do Balanced Scorecard em empresas brasileiras sob a perspectiva da cultura nacional. / Frederico Pires Pereira Fernandes. – Rio de Janeiro: UFRJ/FACC, 2005. xvii, 93f.: il Orientador: Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, 2005. Referências Bibliográficas: f. 89-93. 1. Introdução. 2. Referencial teórico. 3. Metodologia. 4. Casos estudados. 5. Análise de casos. 6. Conclusão. I FONSECA, Ana Carolina Pimentel Duarte da. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Administração e Ciências Contábeis. III. Título. 4 AGRADECIMENTOS Aos meus pais Luiz Antônio e Wanda, e ao meu irmão Rodrigo, que sempre me apoiaram para a realização deste trabalho. Aos meu colegas de mestrado Aieska Mendes Gonçalves Cordeiro, Áurea de Carvalho Martins, Gustavo Neiva Pereira e Leonardo Ribeiro de Souza de quem sempre obtive apoio, companherismo e inspiração para a execução desta pesquisa. À Professora Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca, pela orientação e dedicação, sem a qual não seria possível a realização desta pesquisa. Aos Professores Dr. Victor Prochnick, Dr. Moacir Sancovschi e Dr. Josir Simeone Gomes, pelas sugestões, incentivos e o tempo que se dedicaram a esta pesquisa. 5 RESUMO De acordo com as considerações apresentada por Hofstede (1991), Hampden-Turner e Trompenaars (1994) e Caldas e Wood (1998) é provável que os sistemas gerenciais sejam, por vezes, baseadas nos valores dos pesquisadores que as desenvolveram, e portanto, o Balanced Scorecard, modelo gerencial desenvolvido por Kaplan e Norton, contenha em seus arcabouços teóricos elementos da cultura americana, que interagem com as dimensões culturais do país onde é utilizado. Este estudo analisou em estudos de casos sobre a implantação do Balanced Scorecard em empresas brasileiras procurando avaliar de que maneira a cultura brasileira absorveu os valores americanos contidos no arcabouço teóricos do sistema. Os resultados encontrados sugerem que na maioria dos casos houve adaptações dos Balanced Scorecard aos valores da cultura americana. 6 ABSTRACT According to considerations presented by Hofstede (1991), Hampden- Turner and Trompenaars (1994) and, Caldas and Wood (1998) accounting systems being, sometimes, based on the values of the researchers that had developed them, and therefore, the Balanced Scorecard, a managerial model developed by Kaplan and Norton, contains in its frameworks, elements of the american culture, that interact with the cultural dimensions of the country where it is used. This study analized in cases studies about Balanced Scorecard’s implementation in brazilian companies in searching the way how brazilian culture absorved the american values into the system’s framework. The results founded suggest that the Balanced Scorecard was adapted to brazilian culture. 7 SUMÁRIO 1 – Introdução................................................................................................... 9 1.1 – Apresentação .......................................................................................... 9 1.2 - Definição do problema ............................................................................. 12 1.3 - Delimitação da pesquisa .......................................................................... 13 1.4 - Objetivo da pesquisa ............................................................................... 13 1.4.1 - Objetivo principal .................................................................................. 13 1.4.2 - Objetivos secundários .......................................................................... 14 1.5 - Relevância do tema ................................................................................. 14 1.6 - Organização do estudo ........................................................................... 15 2- Referencial teórico ...................................................................................... 17 2.1 - Cultura organizacional e sistemas de controle gerencial ........................ 17 2.2 - Definição de cultura ................................................................................. 18 2.3 - Cultura organizacional ............................................................................. 23 2.3.1 - Historico da pesquisa sobre cultura organizacional ............................. 23 2.3.2 - Definição de cultura organizacional ...................................................... 26 2.4 - Cultura: variável dependente, variável independente, ou simbolismo organizacional .................................................................................................. 29 2.5 - Cultura nacional ...................................................................................... 32 2.6 - Cultura nacional versus cultura organizacional........................................ 33 2.7 – As dimensões da cultura nacional .......................................................... 34 2.7.1 – As pesquisas de Trompenaars e Hofstede........................................... 36 2.7.2 - Dimensão relações com o grupo........................................................... 38 2.7.3 - Dimensão relações com a hieararquia ................................................. 43 2.7.4 - Dimensão relações com às incertezas.................................................. 47 2. 8 - Aspectos da cultura americana .............................................................. 49 2. 9 - Aspectos da cultura brasileira ................................................................. 51 2.10 - Principais diferenças entre a cultura americana e a cultura brasileira 55 2.11 - Arcabouço teórico do Balanced Scorecard ........................................... 57 2.12 - Influência das diferenças culturais na implantação do Balanced Scorecard..........................................................................................................66 3 – Metodologia ............................................................................................... 70 8 4 - Casos estudados ........................................................................................ 72 4.1 - Apresentação do trabalho de Soares Jr. ................................................. 72 4.1.1 - Observações sobre o projeto de implantação do Balanced Scorecard na Siemens ...................................................................................................... 74 4.1.2 - Observações sobre o projeto de implantação do Balanced Scorecard na Oxiteno ........................................................................................................ 76 4.2 - Apresentação do trabalho de Pessanha................................................... 78 4.2.1 - Observações sobre o projeto de implantação do Balanced Scorecard na Telefônica Celular ....................................................................................... 79 4.2.2 - Observações sobre o projeto de implantação do Balanced Scorecard na Sul América ................................................................................................. 81 4.2.3 - Observações sobre o projeto de implantação do Balanced Scorecard na Banco do Brasil ........................................................................................... 81 5 - Análise dos casos ....................................................................................... 84 5.1 - Análise da implantação do Balanced Scorecard na Siemens ................. 84 5.2 - Análise da implantação do Balanced Scorecard na Oxiteno ................... 87 5.3 - Análise da implantação do Balanced Scorecard na Telefônica Celular 89 5.4 - Análise da implantação do Balanced Scorecard na Sul América ............ 91 5.5 - Análise da implantação do Balanced Scorecard no Banco do Brasil ...... 92 5.6 – Considerações adicionais sobre as análises da implantação do Balanced Scorecard.......................................................................................... 93 6 – Conclusão .................................................................................................. 95 7 - Referencia Bibliografia ............................................................................... 100 Anexos ............................................................................................................ 104 9 1 – INTRODUÇÃO 1.1 - APRESENTAÇÃO De acordo com Gomes e Salas (2001), os sistemas gerenciais, que até o início da década de 1970, eram construídos sob a concepção da perspectiva racional do controle, originada da escola clássica de Taylor e Fayol, eram instrumentos explícitos e formalizados para medir a eficiência e eficácia das organizações, onde a influência dominante era do controle, sob uma visão racional e científica da empresa. A partir da crise do petróleo de 1973, um número cada vez maior de organizações buscaram desenvolver sistemas de gestão e controle com base na perspectiva psicossocial do controle, e na perspectiva cultural do controle. Esta preocupação também está presente nos estudos relacionados aos sistemas gerenciais, que incluíram em suas pesquisas as influências culturais no desenvolvimento dos sistemas de controle, avaliação e planejamento. Esta perspectivas tem como contribuições mais significativas a inclusão dos fatores comportamentais e culturais nos sistemas gerenciais. “Para aquelas organizações que estavam acostumadas a um contexto social relativamente estável, com rentabilidade assegurada e sem necessidade de utilizarem sistemas de planejamento e controle muito formalizados, essas mudanças tiveram um impacto significativo.” (GOMES e SALAS, 2001, p. 21) O surgimento do Japão, no final da década de 1970, como potência industrial, desbancando a até então considerada inabalável liderança da indústria americana, é destacado por Barbosa (2002) e Morgan (1996) como um fator que 10 contribuiu para o crescente número de estudos das relações entre cultura e administração. Embora diferentes pontos de vistas tenham discutido as razões desta transformação, a maior parte deles concorda que a cultura japonesa teve papel central na mudança deste cenário. De acordo com Barbosa (2002), até o surgimento do Japão como potência industrial, a cultura, mais precisamente a cultura organizacional, era vista como um instrumental gerencial implantado pela empresa para promover a sinergia entre os membros da organização, o que facilitava a ação de todos em uma única direção, e conseqüentemente a melhoria do ambiente organizacional. A entrada dos produtos japoneses, principalmente automotivos e eletrônicos, no mercado americano, é o movimento mais claro do processo de internacionalização das empresas, também realizado pelas corporações européias e americanas A partir da década de 1980, segundo Hofstede (apud HILAL, 2003) o estudo da cultura e das organizações foi dividido em dois grupos: comparação das culturas nacionais e das culturas organizacionais. No primeiro grupo são analisadas as empresas semelhantes em diferentes países, e no segundo grupo, a diversidade de empresas dentro de um mesmo país. Desde então, cada vez mais as pesquisas relacionadas à cultura organizacional e à teoria das organizações buscam relacionar os aspectos sociais que ocorrem fora das organizações com as relações e eventos que ocorrem dentro das organizações. 11 Freitas (1997) argumenta que se existe mesmo relação direta entre a performance de uma organização e sua cultura, e se for comprovada que esta cultura organizacional “carrega” muito de nossa cultura nacional, a compreensão de nossas raízes se torna um ponto crucial no gerenciamento de nossas organizações. Freitas (1997, p. 38) ressalta: “no mundo gerencial, a influência da cultura nacional sobre a cultura organizacional adquire maior relevância quando se analisam os modelos de gestão importados.” Esta afirmação tem como referência à idéia de alguns autores (HOFSTEDE, 1991; HAMPDEN-TURNER e TROMPENAARS, 1994; CALDAS e WOOD, 1998) que alertam que os sistemas gerenciais geralmente carregam valores e crenças de quem os desenvolveu. O Balanced Scorecard, modelo gerencial desenvolvido por Kaplan e Norton, tem entre os seus princípios transformar a estratégia em um processo contínuo e, através da utilização de medidas de desempenho, estabelecer uma relação de causa e efeito entre a estratégia e a operação. “O Balanced Scorecard traduz a missão e a estratégia das empresas num conjunto abrangente de medidas de desempenho que serve de base para um sistema de medição e gestão estratégica” (KAPLAN e NORTON, 1997, p. 2). As medidas propostas pelo Balanced Scorecard são compostas tanto por critérios objetivos quanto subjetivos, entre eles elementos comportamentais, como a motivação. De acordo com as considerações apresentada por Hofstede (1991), Hampden-Turner e Trompenaars (1994) e Caldas e Wood (1998) é provável que o 12 Balanced Scorecard contenha em seus arcabouços teóricos elementos da cultura nacional americana, que interagem com as dimensões culturais do país onde é utilizado. Através da observação de estudos de casos de implantação do Balanced Scorecard em empresas brasileiras, buscou-se observar a influência da cultura nacional sobre os sistemas gerenciais, e vice-versa, tendo sido utilizadas as dimensões da cultura nacional propostas por Hofstede e Trompenaars que tratam das relações dentro das organizações do indivíduo com o grupo, com a hierárquicas e com às incertezas. 1.2 - DEFINIÇÃODO PROBLEMA De acordo com Hofstede (1991) o estudo das culturas nacionais ajuda a explicar por que pessoas de países diferentes interpretam e lidam de forma diferente com uma mesma situação. Os índices das dimensões culturais encontrados por Hofstede indicam que brasileiros e americanos, comparativamente, interpretam, se posicionam e agem de formas diferentes em relação a eventos semelhantes. O foco desta dissertação consiste em compreender se as diferenças culturais entre americanos e brasileiros influenciam a implantação do Balanced Scorecard em organizações brasileiras, gerando mudanças no arcabouço teórico do sistema, ou se estas diferenças culturais são amenizadas, ou até mesmo extintas, com a implantação do sistema gerencial. 13 Assim, para responder a esta questão, primeiramente buscou-se analisar teoricamente quais as implicações das perspectivas culturais existentes entre os dois países no processo de implantação do Balanced Scorecard em empresas brasileiras. Numa segunda etapa, com base nos resultados encontrados em pesquisas em empresas brasileiras que implantaram Balanced Scorecard, foram analisadas se as proposições teóricas esboçadas nas etapas anteriores foram observadas na prática. 1.3 - DELIMITAÇÃO DA PESQUISA Para atender aos propósitos deste estudo, optou-se por realizar uma pesquisa bibliográfica com base em estudos de caso de implantação do Balanced Scorecard em empresas brasileiras, e confrontá-las com o arcabouço teórico, tanto do Balanced Scorecard, quanto às dimensões culturais propostas por Hofstede e Trompenaars relacionadas às relações com o grupo, às relações com a hierarquia e às relações com as incertezas. As análises dos casos estão sujeitas às informações disponíveis nos estudos de casos desenvolvidos por Soares Jr. (2003) e Pessanha (2004). 1.4 - OBJETIVO DA PESQUISA 1.4.1 - Objetivo Principal Identificar as influências das diferenças culturais entre Brasil e Estados 14 Unidos nos estudos de caso sobre implantação do Balanced Scorecard, sob a perspectiva das dimensões da cultura nacional relacionadas ao grupo, à hierarquia, e à incertezas. 1.4.2 - Objetivos Secundários 1) Relacionar características culturais americanas relativas às dimensões da cultura nacional analisadas implícitas na práticas do Balanced Scorecard. 2) Identificar como foram tratados os possíveis problemas culturais que as empresas brasileiras enfrentaram na implantação do Balanced Scorecard. 1.5 - RELEVÂNCIA DO TEMA A internacionalização da empresas aumenta a interação entre culturas nas relações empresariais. Conforme observado por Canclini (2003, p.114-115): "Ao relacionar as estratégias globalizadoras e hibridadoras com as diversas experiências da interculturalidade, salta aos olhos que, por mais que se forme um mercado mundial de finanças, de alguns bens e circuitos midiáticos, por mais que o inglês se consolide como ‘língua universal’, as diferenças persistem e a traduzibilidade entre culturas é limitada. Não impossível. Para além das narrativas fáceis da homogeneização absoluta e da resistência do local, a globalização nos defronta à possibilidade de apreender fragmentos, nunca a totalidade, de outras culturas e refazer o que imaginávamos como próprio em interações e acordos com outros, nunca com todos. Desse modo, a oposição já não é entre global e local, entendendo-se global como subordinação geral a um único estereótipo cultural, ou local como simples diferença. A diferença não se manifesta como compartimentalização entre culturas isoladas, e sim como interlocução com aqueles com que estamos em conflito ou buscamos alianças." 15 Percebe-se, portanto, a importância de compreender as implicações das interpenetrações entre culturas diferentes que ocorrem no mundo dos negócios, das quais muitas vezes não nos damos conta. Dado o caráter das práticas gerenciais que vêm sendo empregadas nas empresas brasileiras, por vezes baseados nos valores dos pesquisadores que as desenvolveram, este estudo pretende contribuir para a elevação da compreensão sobre a forma que as organizações se comportam quando incorporam elementos com valores culturais diferentes dos seus. 1.6 - ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO O estudo foi dividido em seis capítulos, além de uma breve introdução que descreve o problema a ser investigado, os objetivos do estudo, a delimitação da pesquisa, a relevância do tema, e a organização do trabalho. O segundo capítulo apresenta o referencial teórico dos temas abordados neste estudo. Inicialmente foi tratada a relação entre cultura organizacional e sistemas de controle. A seguir, foram descritas as principais teorias sobre a definição de cultura. Posteriormente, foi apresentado o histórico das pesquisas sobre cultura organizacional e as definições sobre o tema, como também as abordagens que tratam cultura como uma variável dependente, variável independente ou simbolismo organizacional. Em seguida, foram apresentadas as diferenças entre cultura nacional e cultura organizacional, e as definições sobre cultura nacional. Ainda no segundo capítulo, foram abordadas as pesquisas sobre as dimensões da cultura nacional de 16 Hofstede (1991) e Trompenaars (1994), e apresentadas as dimensões culturais utilizadas para analisar os estudos de caso. Foram discorridos os principais aspectos da cultura americana e da cultura brasileira, e as principais diferenças entre elas. Finalizando o segundo capítulo, foram descritas as teorias que envolvem o arcabouço teórico do Balanced Scorecard, e as influências das diferenças culturais na implantação do Balanced Scorecard, com a seleção das questões e proposição que foram utilizadas para a análise dos casos. No terceiro capítulo, foi descrita a metodologia utilizada na pesquisa, explicando o método de coleta de dados escolhido e o tipo de pesquisa. O quarto capítulo descreve os estudos de casos que serão analisados. No quinto capítulo, foi realizada a análise dos casos e, no sexto, serão apresentadas as conclusões do trabalho. No sétimo e último capítulo, encontra-se a bibliografia utilizada para o desenvolvimento deste trabalho. 17 2- REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 - CULTURA ORGANIZACIONAL E SISTEMAS DE CONTROLE GERENCIAL Lebas e Weigenstein (1986) indicam que, para obter o comportamento desejado de seus membros, as organizações buscam desenvolver seus sistemas de controle gerencial com base na combinação de três fatores: mercado, regras e cultura, devendo, para alcançar o equilíbrio destes elementos, manter e mudar seus sistemas de controle, adaptando-os às mudanças culturais, tecnológicas, e às forças competitivas. Anthony e Govindarajan (2002) colocam que todo sistema de controle possui ao menos quatro elementos básicos: Um componente de medição da situação que está ocorrendo, um componente avaliador que determina a importância da situação que está ocorrendo, um componente de feedback e uma rede de comunicação que transmite informações entre os três primeiros elementos. Dentro das atividades desenvolvidas nas organizações, os sistemas de controle gerencial se encaixam entre a formulação estratégica e o controle de tarefas, tendo como propósito central assegurar que os atos e as atitudes das pessoas envolvidas com a organização estejam em conformidade com os interesses individuais e os interesses da própria organização. Anthony e Govindarajan (op cit.) acrescentam que, tanto os sistemas formais quanto os processos informais, entre eles a cultura, afetamo grau de 18 sucesso no alcance dos interesses individuais e da organização. De acordo com Gomes e Rocha (1996), do ponto de vista do desenho de sistemas de controle e gestão, as questões culturais podem acrescentar dimensões usualmente não trabalhadas, mas de extrema importância na execução de práticas gerenciais. Segundo os autores, os sistemas de gestão devem ser adaptados e reagir adequadamente tanto em relação à cultura organizacional – plano cultural interno, espelhando valores e crenças como em relação ao ambiente – plano cultural externo refletindo o estado e as alterações dos cenários culturais do ambiente onde está presente. Gomes e Rocha (1996, p. 7), ressaltam: “A falta de entendimento sobre o peso da cultura no desenho, implantação ou utilização de um sistema de controle, pode gerar um sem número de problemas que variam de forma e magnitude, segundo características da estrutura da empresa, da tecnologia, do meio ambiente e dos próprios valores já atuantes na organização. Estes fatores devem ser considerados, pois sofrem ação dos valores culturais internos e externos capazes de gerar comportamentos imprevisíveis e, por vezes, contrários à congruência de objetivos. É o que podemos chamar de efeitos disfuncionais onde a atuação do sistema de controle adotado acaba por agir num sentido incompatível comos valores internos ou com a cultura nacional.” 2.2 - DEFINIÇÃO DE CULTURA A cultura tem sido o objeto de pesquisa das mais diversas áreas, que permeiam a Antropologia, a Sociologia, e a Psicologia, e nas últimas décadas também tornou-se área de pesquisa de outras ciências através de estudos interdisciplinares como a Economia, e a Administração de Empresas. Diversas abordagens já foram apresentadas em busca da definição universal para cultura. E, 19 mesmo com diversas e exaustivas pesquisas, ainda permanece a discussão sobre o tema. De acordo com Hilal (2003), um dos problemas dos estudos culturais é que o conceito de cultura é complexo, e com definições de difícil clareza. Nos estudos sobre cultura, podem-se destacar duas abordagens. A primeira abordagem trata cultura como o refinamento no pensar ou grau de civilidade de um grupo. Neste sentido, de acordo com DaMatta (1986), cultura é sinônimo de sofisticação, sabedoria, e de educação no sentido restrito do termo, que poderia ser medido pelo volume de leituras, títulos universitários, e por vezes, chega a ser confundida como sinônimo de inteligência, ou seja, por esta abordagem, cultura é uma variável utilizada para avaliar, julgar ou comparar indivíduos ou sociedades. Por exemplo, é usual o emprego do termo “sem cultura”, ou “com cultura”, para identificar grupos ou pessoas consideradas com maior ou menor grau de modernidade, inteligência ou civilidade. A segunda abordagem refere-se ao padrão de desenvolvimento nos sistemas sociais de conhecimento, ideologia, valores, leis e rituais quotidianos (Morgan, 1996). Este conceito de cultura, proveniente da Antropologia Social, permite comparar culturas, e configurações culturais, como entidades iguais, deixando de estabelecer hieraraquias em que existiriam sociedades inferiores e superiores (DaMatta, 1986). Este é a abordagem de cultura que será tratada neste trabalho. Geertz (1989) afirma que o conceito de cultura tem seu impacto no conceito de homem, quando visto como um conjunto de mecanismos simbólicos 20 para controle do comportamento, fontes de informação extra-somáticas. A cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsecamente capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam. Segundo Geertz (1989, p. 64) “tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção às nossas vidas”. De acordo com Hilal (2003) o conceito de cultura, na maioria das vezes, envolve o conceito de valores. Mesmo na literatura da Antropologia Social, as diferentes culturas são vistas como refletindo os diferentes sistemas de valores. Kluckhohn e Strodtbeck (apud SANTOS, 1992) entendem que cultura é definida pelo conjunto de crenças gerais e valores compartilhados que influenciam as percepções, preferência e comportamento das pessoas. Trompenaars (1994) entende que cultura é propriamente um produto cultural. O autor tem como base as diferença de compreensão de cultura dada por americanos e por franceses. Enquanto os americanos tendem a definir cultura como o modo de “fazer as coisas em um determinado ambiente”, os franceses se referem à cultura como a “razão de ser”. Trompennars (op. cit.) argumenta que a interação social pressupõe formas comuns de processar informações entre as pessoas com quem interagem, ou seja, a cultura seria formada pelo conjunto de significados compartilhados entre as pessoas. Mesmo não havendo uma definição única sobre cultura, pode-se observar que a idéia do compartilhamento dos valores, crenças e comportamento entre as as 21 pessoas que interagem em um mesmo espaço social é comum às definições anteriormente apresentadas. Para Trompenaars (1994) os elementos que determinam os traços culturais de determinado grupo podem ser divididos em três níveis: o externo, o intermediário e as premissas sobre a existência. O nível externo trata dos símbolos externos e explícitos, observáveis no dia-a-dia, como a língua, a comida, e a arquitetura. O nível intermediário compreende as normas e valores. As normas são os sentimentos mútuos que o grupo tem do que é “certo e errado”, e estão interligadas ao conceito “do que deve ser feito”, enquanto os valores determinam a definição de “bom e mau” compartilhados por um grupo, e este conceito é que determina o desejo de comportamento e servem de critério para determinar as opções dentre as alternativas possíveis. Estes termos se confudem muitas vezes, o que causa a dificuldade de observação. O nível das premissas sobre a existência, é tratado pelo autor como os meios encontrados para lidar da forma mais eficaz com seus ambientes, dados os recursos disponíveis. Referente a este nível Trompenaars (1994, p. 24) comenta que “as mudanças na cultura acontecem, pois as pessoas percebem que determinados meios antigos de se fazer as coisas não funcionam mais”. Assim como Trompenaars, Hofstede (1991) subdivide a cultura, e as 22 diferenças culturais em quatro camadas. Os símbolos, que representam a camada mais externa, são palavras, gestos, figuras que transportam um significado particular que é apenas reconhecido pelos que a compartilham. A segunda camada refere-se aos heróis, que são pessoas, vivas ou não, reais ou imaginárias, que possuem características altamente valorizadas por determinada cultura e servem como modelo de comportamento. Os rituais, atividades coletivas, tecnicamente supérfluas, para alcançar fins desejados, mas considerados como socialmente essenciais para uma determinada cultura constituem a terceira camada representada por Hofstede. A camada central é formada pelos valores definidos pelo autor como a tendência para se preferir um certo estado de coisas face a outro. Entretanto, Hofstede (op. cit.) observa que se deve ter cuidado no momento de interpretar os valores, pois é importante fazer a distinção entre valores desejáveis e valores desejados, ou seja, como é que as pessoas pensam que o mundo deveria ser e o que as pessoas desejam para elas próprias. O desejável refere-se à norma de ordem ética,enquanto o desejado reflete a escolha da maioria. Assim como Hofstede (1991), Argyris e Schon (apud Hilal, 1996) ressaltam que deve-se distinguir os valores do discurso e os valores em uso. Quando os valores são socialmente desejáveis, existe grande pressão para expressá-los publicamente, mesmo que estes valores possam não estar internalizados no indivíduo. 23 2.3 - CULTURA ORGANIZACIONAL 2.3.1 - HISTORICO DA PESQUISA SOBRE CULTURA ORGANIZACIONAL Os estudos sobre cultura organizacional são divididos em três períodos. O primeiro período das pesquisas sobre “cultura organizacional” está situado entre as décadas de 1960 e 1970. Segundo Barbosa (2002), neste período, o conceito de cultura organizacional se caracterizava como um instrumento para a melhoria da organização mediante o aprimoramento de seus processos humanos. Portanto, embora os adeptos do desenvolvimento organizacional explicitem pela primeira vez, de forma sistemática, o conceito de cultura organizacional, o seu significado e referencial teórico não remetem ao conceito de cultura proveniente da antropologia, como nas fases seguintes, sendo suas idéias de valores essencialmente morais e substantivas. Até este momento, o estudo de cultura organizacional não era bem aceito por todos os níveis acadêmicos da Sociologia e da Antropologia, pois as abordagens até então difundidas tratavam a cultura organizacional como um processo gerencial, com funções práticas que poderiam ser aplicadas à atividade empresarial. As críticas surgiam, principalmente, da exclusão do fator humano do desenvolvimento destas aplicações. Assim, não se poderia tratar cultura organizacional da mesma forma que a cultura era tratada nas ciências sociais. 24 O segundo período de estudos sobre cultura organizacional compreende a década de 1980 até os meados da década de 1990, porém as suas raízes estão no final da década de 1970, com a intensa competitividade para as empresas norte- americanas e européias sem a respectiva contrapartida de grandes resultados e a entrada entrada em cena, principalmente nos mercados ocidentais, dos produtos japoneses, em particular os carros. Morgan (1996) apresenta três aspectos importantes deste período. O primeiro aspecto, o autor aponta que a liderança da indústria americana no comércio mundial, inabalável durante os anos 60, não suscitava o interesse em pesquisas relacionadas às práticas organizacionais e administrativas adotadas em outros países. O segundo aspecto trata da redistribuição e reequilíbrio do poder mundial, associada à crise de petróleo da OPEP na primeira metade da década de 1970. O terceiro aspecto citado pelo autor ressalta o processo de internacionalização das grandes corporações, que gerou o aumento do interesse na compreensão do relacionamento entre cultura e a atividade organizacional. Barbosa (2002, p. 15-16) detalha: “os japoneses surpreenderam, ou pelo menos foi assim interpretado, o mercado norte-americano e europeu, suscitando reações intempestivas de homens de negócios e políticos. Em contrapartida, os produtos japoneses fizeram a felicidade dos consumidores norte- americanos, pouco acostumados com a excelência no atendimento durante e pós-venda e com produtos que levavam em conta as ‘necessidades’ dos consumidores de uma forma que anteriormente não havia sido considerada”. Este panorama, não era compreensível, pois não eram observadas significativas diferenças entre os modelos administrativos das empresas ocidentais e 25 japonesas. Além disso, como o mercado norte-americano tinha alto nível de competitividade, não se entendia como produtos de empresas estrangeiras conseguiam obter tal sucesso. A busca de respostas para explicar o sucesso das empresas japonesas apontou para a diferença cultural como uma das justificativas. As relações sociais, inclusive entre gerente e subordinados, diferentes das encontradas nos principais países industriais do ocidente, foi o ponto de partida para a observação da cultura organizacional como um elemento que afeta a vida da empresa. Além disso, Barbosa (2002) comenta que o reconhecimento da incerteza como uma variável da sociedade contemporânea seria outra explicação aventada para a valorização da dimensão cultural das organizações pelos norte-americanos na década de 1980. Surge então a discussão do conceito de cultura organizacional tendo como questão central se a “cultura” seria uma variável produzida pela organização ou se esta seria trazida para o seu interior pelos seus membros. Contudo, a organização era vista como um espaço homogêneo, com pouco lugar para disputas de poder e atrito entre seus membros. Tornou-se comum nas organizações americanas a declaração pública dos seus valores, para serem compartilhados por seus membros, fornecendo um direcionador comum para a ação, unindo os esforços em uma única direção. As organizações mais bem sucedidas neste esforço eram tratadas como tendo uma “cultura organizacional forte”. De acordo com Barbosa (op. cit.), o papel e o significado atribuído à dimensão cultural era claramente instrumental e até, em alguns casos, intencionalmente manipulador. O comportamento indicava o status de “variável” 26 atribuída à cultura pelos teóricos da administração e pelos executivos e administradores, originando assim a idéia de que é possível tratar a cultura organizacional como mais uma das dimensões que influenciam o desempenho organizacional, tal como as condições econômicas e políticas de uma sociedade. O terceiro período compreende os meados da década de 1990 até o presente momento, apresentando continuidades em relação ao período anterior, como a idéia de que a cultura pode ser um instrumento para coordenar as atividades internas e obter resultados na ausência de instrumentos explícitos de coerção. De acordo com Barbosa (2002), o momento atual difere do momento anterior em três aspectos: primeiro, no seu tratamento como variável estratégica; segundo, na sua definição como um ativo intangível das organizações; e, terceiro, com uma nova associação dos valores organizacionais com valores “éticos” do ponto de vista da sociedade. Por outro lado, a autora expõe que o ponto comum a estes três períodos está na divergência de visão de cultura entre administradores e antropólogos. Os antropólogos entendem a cultura como o elemento que traduz as ações, discursos e práticas de um grupo, tornando-as intelegíveis para quem as compartilha, enquanto os administradores buscam um aspecto instrumental para a cultura, e a percebem como uma variável mensurável. 2.3.2 - DEFINIÇÃO DE CULTURA ORGANIZACIONAL As definições de cultura organizacional são tão amplas como a definição de cultura, entre elas pode-se apresentar : 27 “... cultura organizacional consiste em um conjunto de símbolos, cerimônias e mitos que comunicam os valores e crenças subjacentes da organização aos seus empregados. Estes rituais concretizam aquilo que, do contrario, seriam idéias esparsas e abstratas, dando-lhe vida de modo a que tenham significado e impacto para um novo empregado”. (OUCHI, 1981, p. 35). “... a cultura manifesta-se no conjunto de pressupostos, crenças e valores compartilhados que são aceitos pelos membros de um grupo ocupacional”. (GEERTZ, 1989, p. 66) “... cultura inclui crenças, entre outras coisas, a respeito dos objetivos organizacionais, critérios de desempenho, distribuição de autoridade, legitimidade das bases do poder, orientação para tomadas de decisões, estilo de liderança e motivação”. (QUINN e MCGRATH, In SANTOS, 2002, p. 21 )“... um sistema de valores e crenças compartilhados que modelam o estilo de administração de uma empresa e o comportamento cotidiano de seus empregados”. (ERNST, 1985, p. 50) “... no sentido organizacional, estas estórias, mitos ou legendas parecem ser importantes, pois eles transmitem os valores compartilhados pela organização, ou, a sua cultura”. (PETERS e WATERMAN, 1982, p. 75) “Cultura organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcionariam bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas”. (SCHEIN, 1984, p. 9) “... a cultura organizacional é concebida como um conjunto de valores e pressupostos básicos expresso em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação”. (FLEURY, 1996, p. 22) Apesar das diversas definições de cultura organizacional, a elaborada por Edgar Schein é a mais citada na literatura que trata de cultura organizacional. Analisando as definições de cultura organizacional, Santos (1992) julga a definição de Schein como a mais apropriada, pois esta consegue agrupar as abordagens dos diversos autores, seguindo a ênfase dada ao conjunto de pressupostos básicos quando são repetidos e ensinados quando produzem resultados positivos. Fleury (1996) complementa que Schein atribui aos fundadores e aos líderes da organização 28 o papel mais importante no processo de moldagem dos padrões culturais. Este processo de moldagem dos padrões culturais denotam as relações de dominação e de poder ressaltadas nas definições Quinn e Mcgrath (1985) e Fleury (1996). Também não se pode deixar de lado a definição de cultura organizacional como “a programação mental coletiva que distingue os membros de uma organização dos de outra”, dada por Hofstede (1991, p. 180), onde insere as práticas, juntamente com os valores nacionais, no composto determinante da cultura de uma organização. Gomes e Rocha (1996) ressaltam que em toda empresa existe um determinado sistemas de valores assumidos e compartilhado por seus membros. O fato em haver este sistema de valores compartilhados, não significa que este sistema seja único e nem muito forte. Muito embora ao falar de cultura se possa correr o risco de dar a entender uma homogeneidade e um identidade compartilhada no grupo, isto não ocorre obrigatoriamente. Na verdade, é muito frequente que, dentro de cada organização, existam subculturas diferentes, por vezes ligadas a diferentes unidades e grupos de poder, que se caracterizam por possuir diferentes valores, objetivos, preferências e comportamentos. Assim como Gomes e Rocha, Hilal (2003) argumenta que o complexo ambiente interno de organizações presentes em países, ou até mesmo em regiões diferentes, aumenta a probabilidade de que a cultura organizacional seja dividida em múltiplos sistemas de significados existindo simultaneamente, também denominado subculturas. 29 Subculturas podem corresponder a grupos de uma mesma organização com perspectivas culturais diferentes, que tendem a interpretar e responder às mesmas iniciativas organizacionais de formas diferenciadas (HILAL, 2003). Estas diferenças podem ser acentuadas quando se encontra uma forte tendência a um comportamento etnocêntrico. Etnocentrismo é definido por Rocha (1991) como a tendência de avaliar os outros em termos da sua própria cultura. Ou seja, quanto maior a freqüência em avaliar os outros através de seus próprios valores, maior a distância entre as partes. Identificadas as subculturas, a questão a ser tratada pelas organizações seria verificar o grau existente de concordância cultural da organização. Concordância cultural é apresentado por Hilal (op. cit.) como o grau em que os membros de uma mesma organização compartilham crenças similares sobre práticas formais e informais de sua cultura organizacional. 2.4 - CULTURA: VARIÁVEL DEPENDENTE, VARIÁVEL INDEPENDENTE, OU SIMBOLISMO ORGANIZACIONAL Smircich (1983) examinou as concepções de cultura voltadas para a análise organizacional. A autora traçou duas correntes por onde a cultura têm sido analisada nos estudos organizacionais: cultura como uma variável, e cultura como simbolismo organizacional. A abordagem que analisa a cultura como uma variável entende que cultura é algo que a organização possui, enquanto a abordagem de cultura como simbolismos organizacional entende que a cultura simboliza o que a 30 organização é. Ainda segundo Smircich (1983, p.339), “as diferenças entre as abordagens na relação organização-cultura são derivadas dos diferentes entendimentos que os pesquisadores tem sobre ‘organização’ e ‘cultura’.” A perspectiva de cultura como uma variável dependente da organização interpreta que as organizações são instrumentos sociais, que além de produzirem produtos e serviços, também “produzem” ritos, símbolos e mitos. Embora haja um contexto cultural mais amplo, a cultura tratada neste contexto é um componente interno das organizações. Os pesquisadores que adotam esta linha tendem a definir cultura como a cola que mantem a organização unida (SMIRCICH, 1983). Sob a perspectiva da cultura como uma variável dependente, Barbosa (2002) relata que a referência aos verbos indicativos de ação sobre alguma coisa como mudar, gerenciar, manipular, controlar, atribuídas à cultura pelos teóricos da administração e pelos executivos e administradores indicam claramente o status de “variável” ao termo. Origina-se daí a idéia de que é possível tratá-la como mais uma das dimensões que influenciam no desempenho organizacional, tal como as condições econômicas e políticos de uma sociedade”. A segunda abordagem percebe a cultura como algo que a organização é. A cultura como uma variável independente, interpreta que cultura é algo que pertence a cada indivíduo. Cada indivíduo traz, inconscientemente, para dentro da organização a “sua própria cultura”, onde esta é compartilhada com a cultura dos demais membros da organização. Assim, a presença da cultura seria revelada através do conjunto de atitudes e comportamento compartilhados pelos membros da 31 organização. A interpretação da cultura como o simbolismo organizacional, percebe a cultura como a forma de expressão e manifestação do conhecimento humano. As organizações são compreendidas e analisadas não somente pelo aspecto econômico, mas principalmente por seus aspectos simbólicos e ideológico (SIMIRICH, 1983, p. 347). Três perspectivas fazem parte desta corrente. A primeira delas é a perspectiva cognitiva, as organizações são vistas como estruturas de conhecimento que guia as ações dos seus membros, este conceito tem como suposição básica a de que o pensamento está ligado a ação. Segundo Fonseca (1991, p. 7) “as pesquisas passam a se preocupar em descobrir quais as estruturas de conhecimento em operação numa determinada organização e quais as regras que guiam a ação”. Na perspectiva simbólica, tanto a organização quanto a cultura são concebidas como o conjunto do discurso simbólico onde o foco da análise organizacional está em como os indivíduos interpretam e compreendem suas experiências e como elas se relacionam com as ações praticadas. A perspectiva estrutural e psicodinâmica, fundamentada na antropologia estrutural de Levi-Strauss,entende que as formas e práticas organizacionais são projeções de processos inconscientes e que são analisadas com referência na dinâmica entre processos inconscientes e as manifestações conscientes. Simirich (1983) ressalta que o ponto comum a estas três perpectivas é considerarem as organizações como resultado da expressão humana. 32 O que se observa nesta perspectiva é a relação entre cultura e o comportamento organização. Esta perspectiva é amplamente encontrada nos estudos comparativos entre países. A concepção de organizações como organismos que fazem parte do ambiente que determina o comportamento é o ponto comum a ambas abordagens, sendo no primeiro caso compreendida como resultado do atuação humana e, no outro, como parte do ambiente, porém determinante para o comportamento das organizações. 2.5 - CULTURA NACIONAL A necessidade de delimitar a amostragem nas pesquisas sobre cultura é apresentada como um dos fatores determinantes para o uso das fronteiras geográficas dos países para como elemento de consolidação da cultura nacional. A associação da cultura nacional às fronteiras de um país resolve tanto a questão da escolha do elemento base para a observação das hipóteses testadas como a da necessidade de comparação dos resultados da pesquisa. Além disso, a delimitação geográfica de um país é conhecida por todos. De acordo com Hofstede (1991) com a observação da cultura nacional, ou seja, os valores, rituais, heróis e símbolos compartilhados pelos indivíduos de uma nação, seria possível estabelecer comparações entre os padrões culturais. Assim, uma das vertentes do estudo da cultura organizacional crê que a cultura nacional é um balizador confiável o suficiente para que se possam identificar as características 33 de cada sociedade. Esta solução acarreta outros problemas metodológicos, como o de considerar que um país, um elemento abstrato, “tem” cultura, e que a população nos limites deste país é homogênea. De acordo com Hilal (2003), o uso das fronteiras geográficas dos países como substitutos das culturas ou culturas nacionais tem recebido tanto apoio quanto críticas por parte dos pesquisadores. Hofstede (1991) lembra que nação não pode ser confudida com sociedade. Nação é uma unidade política, delimitada por questões geográficas e políticas, enquanto sociedade pode ser constituída de várias formas, e nem sempre sendo possível definir os seus limites. Hofstede (op. cit.) ressalta que nação não pode ser tratada como um elemento homogêneo, pois há nações mais integradas que outras, como, por exemplo, as nações em que se fala apenas um idioma seriam mais integradas que nações em que se falam mais de um idioma. 2.6 - CULTURA NACIONAL VERSUS CULTURA ORGANIZACIONAL Segundo Hofstede (1991) a aquisição de valores está integrada ao processo de socialização, que se inicia na infância, com a família, prossegue na escola e se completa nas relações de trabalho. A distinção destas três etapas é proposta por Hofstede para a diferenciação dos “tipos” de valores adquiridos. Ele considera que na família e na escola são aprendidos os valores da cultura nacional, estando diferenciadas pela forma de socialização, a primeira no nível de cultura nacional, e na segunda,no nível da cultura ocupacional. No terceiro estágio se 34 adquirem os valores no nível da cultura organizacional. Esta visão permite duas perspectivas de estudo: cross-national, comparando o comportamento dos integrantes de uma mesma organização baseada em paises diferentes, e cross- organizacional, comparando organizações diferentes de um mesmo país. Na primeira hipótese, compara-se valores, e na segunda, práticas. Para Trompenaars (1994), as pessoas copiam os modelos ou ideais familiares a elas quando criam uma empresa. Esses valores são provenientes da sua própria cultura nacional. Assim, pessoas com culturas nacionais diferentes tendem a interpretar situações idênticas de formas diferentes. Segundo o autor, a cultura organizacional seria formada não apenas pela tecnologia e o mercado que atua, mas também pelos valores compartilhados pelos seus empregados e seus líderes. De acordo com Trompenaars (op. cit.), três aspectos da estrutura organizacional são importantes ao determinar a cultura da empresa: a relação global entre empregados e a sua empresa; o sistemas hierárquico de autoridade; e as visões gerais dos empregados sobre o destino, objetivo e metas da empresa e seu papel em relação a eles. Estes aspectos que determinam a cultura organizacional são influenciadas pelas dimensões da cultura nacional. 2.7 - AS DIMENSÕES DA CULTURAL NACIONAL Morden (1999) sumarizou os modelos cross-cultural, e os subdividiu em 35 três grupos distintos. O critério utilizado para determinar a forma de agrupamento dos modelos teve como base as propostas da cultura nacional, que se tornaram objeto de diversas pesquisas internacionais. O primeiro subgrupo consiste nos modelos que se baseiam na dimensão histórico-social para determinação da cultura nacional. Dois modelos são relacionados a este grupo: um referente às características comuns a empresas distribuídas em catorze países europeus, e o outro, associado ao gerenciamento do Sudeste Asiático No segundo subgrupo estão dois modelos de cultura nacional descritas sob uma única dimensão ou variável: alto contexto e baixo contexto; culturas monocrônicas e policrônicas. No último subgrupo estão os modelos de cultura nacional conduzidos sob múltiplas dimensões, onde estão inclusos os modelos de Lessem e Neubauer, Trompenaars e Hofstede. Enquanto os dois últimos modelos englobam nações ao redor do mundo, o modelo de Lessem e Neubauer restringe-se aos sistemas gerenciais europeus. Tendo como ponto de partida os modelos relacionados por Morden (op. cit.), o presente estudo adotou um critério próprio de classificação das dimensões da cultura nacional. Foram utilizadas os modelos conduzidos sob múltiplas dimensões, propostos por Trompenaars (1994) e Hofstede (1991), que englobam nações ao redor do mundo. As dimensões utilizadas foram agrupadas em três novas 36 dimensões: relações com o grupo, relações com a hierarquia e relações com às incertezas. Estas dimensões foram utilizadas para a análise dos estudos de casos. 2.7.1 – As pesquisas de Trompenaars (1994) e Hofstede (1991) Trompennars desenvolveu sua pesquisa sobre cultura nacional baseiando- se na “Teoria Geral da Ação” de Parsons e Shils, segundo a qual “a ação humana é motivada e dirigida pelos significados onde o ator discerne no mundo externo, significados que ele compreende e que ele responde”. (HILAL, p. 42) Este conjunto resulta em um sistema de interação social humana, onde a cultura seria por um lado o produto, e por outro o determinante do sistema. De acordo com Trompenaars (1994) esta visão de cultura seria, utilizada para solucionar o que Kluckhohn e Strodtbeck tratam como os cinco problemas básicos: 1 – Qual é o relacionamento do indivíduo com os outros? (orientação relacional) 2 – Qual é o foco temporal da vida humana? (orientação temporal) 3 – Qual é a modalidade da ação humana? (orientação acional) 4 – Qual é a relação do ser humano com a natureza? (orientação ser humano-natureza) 5 – Qual é o caráter inato da natureza humana? (orientação humanidade- natureza) 37 Com base na pesquisa realizada em 30 empresas ativas em 50 países, Trompenaars (1993) identificou sete dimensões culturais aplicáveis às culturas nacionais, sendoestas divididas em três grupos: relacionamento com outras pessoas, atitudes em relação ao tempo e atitudes em relação ao ambiente. Na realidade, os grupos relação com o tempo e relação com o ambiente são em si, duas das sete dimensões por ele relatadas. O grupo relação entre pessoas subdivide-se em cinco dimensões: universalismo e particularismo, coletivismo e individualismo, culturas afetivas e culturas neutras, culturas específicas e culturas difusas, e culturas orientadas para a conquista e culturas orientadas para a atribuição. A pesquisa de Hofstede sobre cultura nacional surgiram através do resultado da pesquisa realizada pelo autor nas subsidiárias da IBM em mais de sessenta diferentes países e 160.000 gerentes e empregados. Hofstede encontrou diferenças significativamente altas no comportamento e atitudes dos trabalhadores dos diferentes países onde a multinacional estava localizada. O autor identificou, através dos resultados de sua pesquisa que a cultura nacional poderia melhor explicar as diferenças relacionadas ao trabalho encontradas do que outros fatores como organização, sexo, idade, e profissão. Hofstede (apud HILAL, 2003) usou o questionário da IBM para identificar valores relativos ao trabalho através de análise fatorial ecológica dos dados coletados A análise fatorial ecológica1 foi feita com as médias dos países considerados na análise para cada item. A parametrização dos resultados possibilitou a divisão dos aspectos da cultura nacional em quatro dimensões: 38 Individualismo e coletivismo, aversão à incerteza, masculinidade e feminilidade, e distância de poder. No estudo realizado junto com Bond (1989), Hofstede identificou uma quinta dimensão, orientação para o curto prazo versus orientação para o longo prazo. Apesar de terem sido desenvolvidas isoladamente, e com amostras distintas, pode-se observar vários pontos comuns entre os resultados apresentados nas pesquisas de Hofstede e de Trompenaars, as quais foram organizados, neste estudo, em três dimensões: relações com o grupo, relações com a hierarquia, relações com às incertezas. 2.7.2 – DIMENSÃO RELAÇÕES COM O GRUPO Os traços culturais que tratam da relação do indivíduo com o grupo estão presentes em várias das dimensões de cultura nacional apresentadas por Hofstede e Trompenaars. Tanto Hofstede, quanto Trompenaars identificam o coletivismo e individualismo como uma dimensão da cultura nacional. Trompenaars (1994) aborda que esta dimensão trata do conflito entre o interesse do grupo e o interesse de cada indivíduo. Parson (apud TROMPENAARS, 1994) descreve o individualismo como “uma orientação primordial ao eu”, e o coletivismo como “uma orientação primordial aos objetivos e metas comuns”. Convenientemente, Trompennars esclarece que uma nação coletivista não é aquela que cerceia o livre arbítrio de cada indivíduos, e 1 A Método de Análise Fatorial Ecológica, utilizado por Hofstede, é dado pelo cálculo das médias de cada item variável, que se refere à dimensão cultural ou aos elementos culturais que existem em todos os países ou regiões, 39 sim, que é desejo individual dos componentes do grupo que suas ações se reflitam positivamente no grupo como um todo. No ambiente organizacional, principalmente nos critérios relacionados à remuneração, premiação e promoção dos seus integrantes, ficam explícitas as características que diferenciam o individualismo do coletivismo. Nem sempre é bem visto, em ambientes predominantemente coletivistas, a premiação pelo desempenho individual. A aceitação do destaque individual será geralmente aceito se este for decorrente de benefício proporcionado à coletividade, ou se este não incorrer em atritos dentre seus pares. Em ambiente predominantemente individualista, a recompensa pessoal é bem aceita e desejada. Aquele que se diferencia dos demais, pelo mérito, torna-se referência para seus pares que também desejarão possuir uma posição de destaque. A cultura individualista entende que esta é uma espiral positiva que proporciona o desenvolvimento e a evolução da sociedade como um todo. A recompensa aos indivíduos existe em ambos os casos, sendo ela extrínseca e notória no Individualismo, e intrínseca e subjetiva no Coletivismo. Hampden-Turner (apud TROMPENAARS, 1994) apresenta outra maneira de ver a questão: A cultura individualista vê o indivíduo como “o fim” e as melhorias no plano coletivo como os meios de atingi-lo, enquanto a cultura coletivista vê o grupo como seu fim e as melhorias às capacidades individuais como meios de para cada ponto de coleta que depois é submetida à análise fatorial. 40 conseguir esse fim. Assim temos a idéia de ciclo, e a reafirmação da idéia de complementaridade dos “extremos” desta dimensão. Para Hofstede (1991), a concepção de Individualismo existe quando as pessoas definem a si mesmas como indivíduos, o que implica em deixar em segundo plano toda a estrutura social, ou coletiva, que, supostamente, está associada a cada um. Nestas culturas, a auto-realização pessoal é a meta almejada e a percepção do aperfeiçoamento das organizações, em geral, é resultado do sucesso de cada um. Por outro lado, o coletivismo existe quando os indivíduos se definem como parte de um grupo, que pode ser baseado em instituições ou entidades, formais ou não, onde se busca a harmonia e o consenso entre seus membros. Os indivíduos da cultura coletivista buscam a aprovação do grupo a que pertence. Cabe ressaltar que a definição de Hofstede e de Trompenaars para esta dimensão são muito semelhantes, não havendo diferenças nos conceitos centrais declarados por ambos. Outras duas dimensões descritas por Trompenaars trazem elementos que tratam da relação do indivíduo com o grupo, são elas o universalismo e particularismo, e cultura difusa e cultura específica. O universalismo busca a eqüidade entre seus membros. As relações 41 baseiam-se em contratos, regras e normas. Exceções não são bem aceitas e dificilmente serão amparadas e absorvidas pelos demais membros. A regulamentação das relações é necessária para transformar em real um conceito um tanto abstrato, “o bem comum”. Por sua vez, o particularismo concentra-se na circunstância excepcional à vista dos presentes. Assim, o julgamento depende da relação entre os atores da situação. Quanto mais estreita for esta relação, maior a tendência que esta não siga a regra formal. Nas relações empresariais, onde as relações são cada vez mais internacionalizadas, há a tendência da universalização das relações, normas e contratos. Com isso, busca-se reduzir os atritos entre as partes, cumprindo-se o que foi tratado e acordado previamente. Em culturas difusas, também chamadas de alto contexto, a relação, entre os atores, transcende o espaço original dos acontecimentos, ou seja, a relação gerente e subordinado não está restrita às questões oriundas da empresa. As relações sociais influenciam as relações de trabalho. Conseqüentemente, as suas atividades e atitudes com a família, amigos, e a sociedade em geral, interferem no julgamento do status que lhe é concedido. Aquele que se recusa a compartilhar sua vivência com os demais interlocutores é visto com certa desconfiança e rejeição pelos demais membros.As culturas específicas, também chamadas de baixo contexto, caracterizam-se pela imposição dos limites e barreiras entres os “espaços da vida” (TROMPENAARS, p. 78). As relações se moldam conforme a situação atual. Por 42 exemplo, gerente e subordinado manterão todas as normas de hierarquia e status no trabalho, mesmo sendo, fora das delimitações do trabalho, amigos de longa data. A diferença no tratamento entre eles, nos diferentes “espaços da vida”, não será vista como desrespeito ou traição por nenhum dos dois. Situações em que há relações de trabalho muito estreitas, não obrigam os mesmos a manterem estas relações no “espaço social”. Em síntese, culturas específicas tendem a procurar objetos, especialidades e coisas antes de considerar como eles se relacionam, culturas difusas tendem a ver os relacionamentos e conexões antes de considerar todas as partes separadas. De acordo com Trompenaars (1994), a questão básica desta dimensão é a perda do prestígio. Nas culturas específicas, com as suas relações diretas e em ambientes bem delimitados, a exposição pública, a confrontação de idéias, o discurso direto, não é tratado como uma questão pessoal, conseqüentemente não provoca, de forma ampla, a perda de prestígio, nem interfere na privacidade de cada um. Nas culturas difusas, a exposição pública é vista com certo temor. A preservação do status e do prestígio é desejada, e, portanto, evita-se as confrontações diretas, danosas aos participantes, onde tudo será tratado como pessoal . Tendo como base a idéia de preservação de status, identifica-se nas culturas difusas a valorização da lealdade entre seus membros. Com isso, nota-se uma menor rotatividade de empregados em organizações difusas, e seus critérios de 43 remuneração e avaliação mais subjetivos. Culturas específicas valorizam a meritocracia baseada no desempenho e no cumprimento de metas, tendo no ambiente de negócio a adoção da administração por objetivos (APO) que estabelece uma relação clara entre o objeto observado e as conseqüências pelo cumprimento, ou não das premissas estabelecidas. Esta contextualização reafirma o não desejo da exposição pública nas culturas difusa versus as relações objetivas das culturas específicas. Cabe esclarecer que Trompenaars (op. cit.) não estabelece nenhuma correlação entre estas dimensões, ou seja, não haveria necessariamente uma indicação que uma nação coletivista tenderia a ser também particularistas ou difusa. 2.7.3 – DIMENSÃO RELAÇÕES COM A HIERARQUIA Esta dimensão busca agrupar, a partir dos resultados das pesquisas de Hofstede e Trompenaars, as dimensões que tratam das relações sociais e de poder, e seus significados, dentro da cultura nacional. Segundo Hofstede (1991), considerando que as pessoas não são iguais, a dimensão distância de poder mede o grau de aceitação da diferença de poder entre os membros de um grupo. A distância de poder se refere à medida em que os participantes menos poderosos das organizações aceitam a distribuição desigual de poder (Hofstede,1991). Em países identificados com alto grau de distância do poder, os 44 empregados frequentemente demonstram medo em não concordar com seus superiores, e também revelam preferir chefes autocráticos ou paternalistas do que chefes consultivos. Isto revela uma considerável dependência dos empregados para com seus superiores. Barros e Rodrigues (2003) complementam que os chefes não seriam somente aqueles responsáveis pela determinação das regras, mas também pelas decisões de mudanças. Em países com alto grau de distância do poder superiores e subordinados não se colocam em patamar de igualdade, e o sistema hierárquico se baseia na desigualdade existente, e por assim dizer, colocando cada um no seu devido lugar. Hofstede (op. cit.) relata algumas características encontradas no ambiente organizacional de alta distância do poder como: estruturas hierárquicas verticalizadas, poder concentrado nas mãos de poucas pessoas, privilégios para os níveis hierárquicos mais altos, chefes autocráticos e paternalistas. Segundo Hofstede (op. cit.) a identificação do grau de distância do poder tem suas raízes na relação familiar. Em países com alto grau de distância do poder se espera uma relação de obediência e respeito dos filhos para com os pais, também desejada na relação professor e aluno. A autoridade dos pais não se restringe à infância, sendo perpetuada ao longo da vida. Em países com baixo grau de distância do poder a relação de dependência com os país não é incentivada, ao contrário, a criança é encorajada a criar sua independência e desenvolver suas próprias críticas às situações vividas. Basicamente, os países com baixo grau de distância do poder buscam desenvolver a igualdade entre seus pares. Entender as relações familiares é colocado por Hofstede (op. cit.) como fundamental, pois elas 45 impactam fortemente a programação mental do indivíduo. Assim, o quadro encontrado nas relações familiares são transportadas para as relações no trabalho. Motta (1997) destaca que, quando a distância de poder é alta em um país, tanto superiores quanto subordinados têm em mente que passar por cima de nível hierárquico é uma insubordinação. Os empregados pensam ou tendem a pensar as organizações como famílias tradicionais, onde o chefe protege os membros participantes tanto física como economicamente. Por sua vez, o chefe espera lealdade de cada um de seus membros. Em países caracterizados pela baixa distância de poder superiores e subordinados consideram um ao outro essencialmente como iguais, e o sistema hierárquico das organizações, reflete uma desigualdade que é estabelecida só por conveniência, pois o subordinado de hoje pode ser o superior de amanhã (Hofstede, 1991). Tanto superiores quanto subordinados preferem um estilo consultivo a um estilo autoritário. A relação com a hierarquia é identificada na pesquisa de Trompenaars na dimensão status pela conquista e status atribuídos. Para o autor, o status concedido pela sociedade aos seus membros de acordo com as atividades que este exerce é denominado conquista, enquanto que o status concedido pela sociedade às pessoas pela sua origem, sexo, idade, instrução, e assim por diante, é denominado atribuído (Trompennars, 1994). No início da década de 1950, David McClelland, em seu ensaio “The 46 Achieving Society”, buscou correlacionar ao status pela conquista à percepção de desenvolvimento econômico, teorizando que bastava recompensar as conquistas para que as empresas se autoperpetuassem. Porém, com a entrada dos produtos japoneses, principalmente os automóveis, no início da década de 1980, nos mercado norte-americano e europeu, e posteriormente com o avanço econômico dos “tigres asiáticos”, no início da década de 1990, esta teoria perdeu sua fundamentação. Os resultados da pesquisa de Trompenaars (op. cit) identificou alta correlação entre a orientação religiosa e a forma de concessão do status. As sociedades predominantemente católicas, budistas e hinduístas tendem a orientar o status pela atribuição, e as sociedades predominantemente protestantes tendem a orientar o status pela conquista. Vale dizer que Hofstede não citou nenhuma relação entre a orientação religiosa e o grau de distância do poder nas culturas nacionais. Mesmo não tendo sido identificado nenhum estudo relacionando as dimensões descritas por Hofstede com as dimensões descritas por Trompenaars, pode-se notar elementos comuns, e por vezes complementares, em suas dimensões. Por exemplo, umcultura onde predomina o status pela conquista seria, provavelmente, uma cultura com baixo grau de distância do poder, pois não seria compatível que em uma sociedade que valoriza o mérito houvesse uma grande preocupação em não aceitar insubordinações ou desafios à hierarquia. 2.7.4 – DIMENSÃO RELAÇÕES COM ÀS INCERTEZAS 47 Esta dimensão busca agrupar, com base nos resultados das pesquisas de Hofstede e Trompenaars, as dimensões que relatam o comportamento em relação a situações imprevistas ou fora do comportamento esperado, dentro da cultura nacional. Segundo Hofstede (1991), a dimensão aversão à incerteza, que surgiu originalmente como um subproduto da dimensão distância do poder, é definida como até que ponto os membros de uma cultura se sentem ameaçados por situações desconhecidas. Em culturas com alto grau de incerteza existe a necessidade de poder prever os acontecimentos e a necessidade de se ter regras escritas e não- escritas. De acordo com o autor, o ponto a ser observado no comportamento em relação a situações imprevistas não está na forma em que elas são solucionas, e sim na ansiedade que a situação gera. Hofstede (op. cit) esclarece que ansiedade, definida como a expressão de um estado difuso de inquietação ou preocupação sobre o que pode acontecer, não deve ser confundida com medo, pois o sentimento de medo está relacionado a um objeto, e a ansiedade não. Conforme analisado por Hofstede (apud Fonseca, 1997) as culturas em que se constata alto grau de aversão à incerteza busca-se abraçar crenças que prometam certezas, ou a sensação de segurança. Busca-se também manter instituições que preservem tradições e costumes, e que tentem freiar situações imprevisíveis seguindo regras, leis e normas de comportamento e rejeitando idéias novas que questionem verdades consideradas absolutas. Em culturas com alto grau 48 de aversão à incerteza, as situações que geram alta ansiedade são frequentemente relacionadas com um comportamento agressivo. O comportamento inverso, a aceitação de novas idéias e a tolerância a situações ambíguas encontra-se presentes em culturas com baixo grau de aversão à incerteza. De acordo com Trompenaars (op. cit.), cultura neutra é aquela em que os membros buscam não transmitir sentimento, emoção, no desempenho das atividades cotidianas e no relacionamento com seus pares. Em uma cultura classificada como predominantemente neutra, as questões são abordadas com racionalidade seus membros buscam internalizar suas emoções para que estas não afetem seu julgamento e para que esta seja creditada como sensata e ponderada pelos interlocutores. A cultura classificada como afetiva caracteriza-se pela verbalização de suas emoções, e tende a ver com desconfiança aqueles que não demonstram suas emoções, por considerarem obscuros e assim de difícil avaliação. Ou seja, não consegue observar a natureza do seu interlocutor. Por outro lado, os indivíduos de culturas neutras também tendem a ver com desconfiança os indivíduos de culturas afetivas, por considerarem que estes não conseguem avaliar situações com objetividade. Segundo Trompenaars (1994) o cerne desta dimensão está na comunicação intercultural, ou seja, nos problemas de comunicação decorrente das diferenças culturais, pois a comunicação só é possível entre pessoas que, de certa forma, compartilham um sistema de significados. Assim, segundo o autor as culturas 49 abertamente neutras ou afetivas têm problemas ao negociar umas com as outras. 2. 8 - ASPECTOS DA CULTURA AMERICANA De acordo com Kluckhohn e Strodtbeck (apud ADLER e JELINEK; 1986) a orientação cultural americana está voltada basicamente a cinco dimensões. O individualismo é a primeira das cinco dimensões de Kluckhohn e Strodtbeck (op. cit.). O individualismo, que conforme apresentado por Trompenaars (1994) e Hofstede (1991) representam a orientação para os objetivos individuais em relação aos desejos do grupo é considerado o aspecto mais marcante da cultura americana. O traço individualista tem estreita relação com alguns outros aspectos relacionados por Hampden-Turner e Trompenaars (1994), como a importância do julgamento de cada um para guiar as ações e a ênfase na conquista do status através do desempenho individual. A segunda dimensão argumenta que os americanos acreditam que as pessoas são uma mistura de coisas boas e ruins, e que em determinado momento, precisarão escolher o bom em detrimento do ruim. Portanto, os americanos acreditam que os indivíduos são capazes de gerar mudanças, e elas são desejáveis. Adler e Jelinek (1986) enfatizam ainda que a cultura americana não está condicionado a nenhum tipo de determinismo, seja ele físico, psicológico ou cultural, tendo como característica básica a preservação do livre-arbítrio. A terceira dimensão trata da postura de dominação sobre o ambiente 50 externo, com uma orientação para resolver problemas. A quarta dimensão caracteriza os americanos como realizadores, reconhecida pelo empreendedorismo, que também pode ser relacionada à baixa aversão à incerteza. As ações orientadas em busca de inovações mudanças, denominada orientação para o futuro é a quinta dimensão citada pelos autores. O passado não é considerado relevante, e as decisões do presente são justificáveis pelos resultados futuros. Trompennars (1994) coloca que esta orientação para o futuro está relacionada a expectativa de realizações de curto prazo, que pode ser representada pela expressão “tempo é dinheiro”. Adler e Jenilek (apud FONSECA; 2002) observam ainda que estes aspectos culturais encontram-se refletidos no próprio conceito de cultura organizacional desenvolvido nos EUA, no qual existe a crença de que a alta administração pode criar, manter e mudar a cultura da organização que estas organizações e seus membros encontram-se isolados do ambiente externo. Fonseca (2002) coloca que estes valores parecem consistentes com os índices obtidos pelos EUA nas dimensões propostas por Hofstede (op. cit.): alto individualismo, alta masculinidade, baixa distância de poder e baixa aversão à incerteza. Hampden-Turner e Trompenaars (1994) atribuem o sucesso econômico 51 americano ao valor que é dado ao universalismo e um comportamento analítico. O universalimo, assim denominado pelos autores, se refere a eqüidade entre seus membros. A eqüidade, geralmente conduzida por meio de regras e normas universais, busca garantir direitos e liberdade aos indivíduos. Beekun, Stedham e Yamamura (2003) corroboram a idéia de igualdade colocando que os americanos consideram ético a aplicação equalitária de regras e normas para todas as partes. O comportamento analítico é entendido como a capacidade de trabalhar com “as partes”, com objetividade, ao invés do todo. 2.9 - ASPECTOS DA CULTURA BRASILEIRA A pesquisa de Hofstede (1991) identifica o Brasil como uma sociedade coletivista, com grande aversão à incerteza e alto grau de distância de poder. Este conjunto de características não inclui o Brasil em nenhum dos clusters identificados por Hofstede, conforme apresentados no anexo A, o que conduz a idéia que não seria possível explicar os aspectos da cultura brasileira, e em questão, a cultura organizacional, por elementos similares encontrados em outros países. A busca pela compreensão dos aspectos culturais da sociedade brasileira remete a uma análise do processo de colonização ocorrido no país. DaMatta (1997) cita a relação do senhor de engenho e escravos, onde o primeiro, era não só considerado
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