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SANGRAMENTO UTERINO DISFUNCIONAL SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL O sangramento uterino anormal (SUA) é evento cíclico fisiológico no período de vida entre a menarca e a menopausa. É uma das queixas mais comuns em consultórios de ginecologia (20% a 33% das consultas ginecológicas), acometendo todas as faixas etárias, desde a adolescência até a perimenopausa. Uma em 20 mulheres, na idade entre 30 e 49 anos, se consulta por menorragia a cada ano e, em 60%, a histerectomia é realizada em até 5 anos. Estima-se que, das pacientes com SUA, 50% estejam ao redor dos 45 anos de idade e 20% sejam adolescentes. Apesar de ser o principal sintoma do carcinoma genital, a causa mais frequente de sangramento anormal, principalmente nos primeiros anos após a menarca e antes da menopausa, é hormonal ou disfuncional. A história anterior da paciente, suas características menstruais, que constituem o seu padrão individual de sangramento, é o que leva o médico a definir o sangramento como normal ou anormal. Vale ressaltar que o SUA é um sintoma e não um diagnóstico. A menstruação normal corresponde a uma perda média de volume sanguíneo em torno 40 mL (25 a 70 mL), com duração média de 4,7 dias (2 a 7 dias), em intervalos de 28 dias (21 a 35 dias). A perda repetida maior que 80 mL resulta em anemia e apenas 11% das mulheres têm fluxos com duração de mais de 7 dias. Na prática, entretanto, existe dificuldade em quantificar, de forma objetiva, a perda menstrual. Além disso, o volume é percebido de maneira subjetiva: 1/3 das mulheres com perda maior de 80 mL consideram suas menstruações moderadas ou escassas, enquanto que 14% das mulheres com perda menor de 20 mL as consideram excessivas. Um fluxo de 6 dias é, por definição, normal; entretanto torna-se anormal se, na mesma mulher, fluxos de 3 dias eram habituais. O mais importante é a queixa de mudança de padrão, pois, em geral, uma paciente apresenta os mesmos parâmetros durante toda a sua menacme. Sangue menstrual com coágulos, aumento do número de absorventes utilizados e anemia são sinais clínicos que auxiliam no seu diagnóstico. Alguns autores definem menorragia como fluxo em quantidade excessiva por tempo prolongado em intervalos regulares, e hipermenorreia como fluxo excessivo com duração normal em intervalos regulares. A tendência atual, simplificada, define menorragia como aumento de volume (> 80 mL/ciclo) e/ou duração (> 7 dias) do fluxo menstrual em intervalos regulares normais. São padrões anormais de sangramento: Menorragia – Sangramento uterino excessivo (> 80 mL/ciclo) ou prolongado (> 7 dias); Metrorragia – Sangramento uterino em intervalos irregulares; Menometrorragia – Sangramento prolongado ocorrendo em intervalos irregulares; Oligomenorreia – Sangramento uterino em intervalo superior a 35 dias; Polimenorreia – Sangramento uterino em intervalo inferior a 21 dias; Sangramento de escape, intermenstrual ou spotting – Sangramento uterino de pequeno volume precedente ao ciclo menstrual regular; Amenorreia – Ausência de sangramento vaginal por 3 ciclos regulares ou 6 meses em ciclos irregulares; Sangramento uterino disfuncional (SUD) – Sangramento uterino não relacionado a causas anatômicas ou sistêmicas, sendo diagnóstico de exclusão. Sua causa principal é a anovulação. A anovulia deve ser suspeitada na falta dos sinais clínicos de ovulação, como mastalgia, leucorreia e amenorreia sobreposta a períodos de SUA. A etiologia do SUA pode ser dividida em orgânica e disfuncional (ou endocrinológica). Os exames laboratoriais serão solicitados de acordo com a história e a suspeita clínica, podendo orientar o diagnóstico em direção a uma ou outra causa específica. As causas ginecológicas vaginais ou cervicais podem ser identificadas pelo exame especular ou colposcópico. O sangramento de origem uterina pode exigir, além do exame físico, métodos complementares de diagnóstico, como histeroscopia, amostragem endometrial, entre outros. O primeiro passo é excluir a origem urinária ou gastrintestinal do sangramento. O segundo, identificar se o sangramento genital é vulvar, vaginal, cervical ou intrauterino. A idade da paciente é o dado mais importante da história médica, pois as causas de sangramento variam conforme a idade. A recém-nascida pode apresentar um pequeno sangramento devido aos altos níveis de estrogênio materno, não sendo necessária a investigação com exames. Na pós- menopausa, entretanto, a investigação deve incluir a pesquisa do câncer endometrial. História menstrual, antecedentes obstétricos, anticoncepção, tratamentos e cirurgias prévias fundamentam a anamnese. Sangramento de origem gestacional deve ser considerado em mulheres em idade fértil e, se suspeitado, está indicada a dosagem da fração beta da gonadotrofina coriônica humana. O uso de anticoncepcionais orais de baixa dosagem não raro apresenta como efeito colateral uma perda sanguínea irregular, de pequena quantidade, caracterizando o spotting ou sangramento de escape. O uso do dispositivo intrauterino (DIU) pode induzir um aumento de fluxo menstrual e perdas hemáticas pré e pós-menstruais. Outros medicamentos que podem estar envolvidos incluem: terapia de reposição hormonal (TRH), anticoagulantes, tamoxifeno, corticoides, antipsicóticos e inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS). O exame físico deve ser completo, com atenção a sinais de doenças orgânicas não ginecológicas comumente associadas a sangramento, como coagulopatias, hipotireoidismo e doenças crônicas renais e hepáticas. O exame da região genital inicia com uma cuidadosa inspeção vulvar, perineal e anal, seguida de avaliação especular das paredes vaginais e do colo uterino. O toque vaginal bidigital bimanual avalia consistência e deformidades do colo e da vagina e informa sobre tamanho, consistência, mobilidade, contorno e dor do corpo uterino. Um útero aumentado de tamanho, na idade reprodutiva, sugere mioma, enquanto que o mesmo achado, na pós-menopausa, faz pensar em tumor maligno de endométrio ou miométrio. A região dos anexos deve ser palpada, sendo possível, às vezes, identificar pequenos aumentos do ovário. O toque retal auxilia quando o vaginal é insatisfatório. O hemograma está indicado se o sangramento é abundante e/ou prolongado. O teste de gravidez, sérico ou urinário, é solicitado frente à mínima suspeita. Na hipótese de distúrbio de coagulação, principalmente nas adolescentes, deve-se solicitar tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial e plaquetas. A presença de acne, hirsutismo, galactorréia ou obesidade sugerem ovários androgênicos, tumores hipofisários ou tumores ovarianos produtores de androgênios. Em tais casos, estão indicadas dosagens de prolactina, androgênios e gonadotrofinas para elucidação diagnóstica. Na suspeita de distúrbio tireoidiano, são solicitados TSH e T4. Outros exames podem ajudar no diagnóstico: Ultrassonografia – Estuda o endométrio, o miométrio e os ovários, e pode ser realizada em todas as faixas etárias. É um exame de fácil acesso, não-invasivo e com boa acurácia diagnóstica para patologias uterinas e ovarianas. A avaliação ultrassonográfica do endométrio, realizada pela via transvaginal, consiste na medida da espessura da mucosa endometrial (soma das duas lâminas, anterior e posterior). Na pós-menopausa, período com pouca ou nenhuma estimulação estrogênica, o endométrio é linear. Na mulher que menstrua, o endométrio é mais ou menos espesso, dependendo da fase do ciclo, o que dificulta o estabelecimento de um limite de medida que diferencie o normal do anormal. Não há consenso no valor, mas é possível considerarcomo normal até 12 mm de espessura em ecografia realizada no início do ciclo menstrual para indicar avaliação histeroscópica da cavidade endometrial. A espessura endometrial para indicação de procedimentos invasivos em pacientes pós-menopáusicas também é debatida. Em pacientes com espessura endometrial menor ou igual a 3 mm, a probabilidade de presença de câncer uterino é menor do que 1%. Esse ponto de corte apresenta sensibilidade de 96% para detecção de câncer de endométrio, com taxa de falso-positivo de 39%. Espessura endometrial menor de 5 mm apresenta valor preditivo negativo de 96% para câncer de endométrio. A US transvaginal tem valor diagnóstico limitado para pólipos e hiperplasia em pacientes pré-menopáusicas, enquanto nas pós- menopáusicas apresenta mais sensibilidade e especificidade. Em média, a sensibilidade da US transvaginal é de até 90%, mas sua especificidade pode ser tão baixa quanto 15 a 30%. Em particular, além de pólipos e hiperplasia, a US transvaginal também não tem boa acurácia para diagnosticar adenomiose, com sensibilidade de apenas 30%, chegando a uma especificidade de até 100%. A US tem maior sensibilidade (96%) na detecção de adenocarcinoma endometrial. Em pacientes na menacme com baixo risco para adenocarcinoma endometrial, com sangramento anormal e que não respondem a tratamento medicamentoso, é um método complementar custo- efetivo como teste inicial; Histerossonografia – Promove maiores informações que a ultrassonografia transvaginal, principalmente na detecção de lesões focais e de miomas submucosos. Introduzida na década de 1990, trata-se de instilação de solução salina durante US transvaginal, chamada também de SIS. Permite clara visão do complexo endometrial, podendo diferenciar uma patologia endometrial focal de uma global. A SIS foi objeto de uma série de ensaios clínicos, que comprovaram sua maior sensibilidade para a detecção de anomalias endometriais. É melhor se realizada nos primeiros 10 dias do ciclo menstrual. A sensibilidade na detecção de patologias uterinas varia de 80 a 100%, e a especificidade, de 50 a 100%. Uma proposta é realizar a medida endometrial por US transvaginal e reservar a SIS para pacientes que tenham espessura endometrial > 5 mm ou alguma anormalidade intracavitária visualizada à US transvaginal; Citologia Endometrial – É um procedimento simples, seguro e de baixo custo, realizado em consultório, podendo ser indicado na investigação inicial do sangramento pós- menopáusico. Por ser difícil a interpretação e pela sua baixa sensibilidade para doenças benignas, não é recomendada na avaliação do sangramento uterino anormal. No entanto, por apresentar boa acurácia para adenocarcinoma de endométrio, é aceita como método de rastreamento em mulheres assintomáticas. Só deve ser valorizado nos casos de positividade para células malignas; Biópsia de Endométrio (BE) – A avaliação histológica é o padrão-ouro para o diagnóstico de patologias endometriais. É uma técnica simples, de fácil interpretação, se o espécime for adequado, não necessitando de dilatação do colo uterino e de anestesia da paciente. A maneira como a biópsia é realizada modifica completamente o valor do exame. É enfática a necessidade de amostragem endometrial e vale lembrar que não é a idade da paciente que guiará a indicação de uma BE, e sim o tempo de exposição a um ambiente hiperestrínico ao qual a paciente ficou exposta. Pacientes de 35 a 40 anos devem realizar BE, assim como pacientes mais jovens com hiperestrinismo e queixas de SUA (SOP, ovários androgênicos, etc.) ou ainda pacientes de baixo risco que não respondem ao tratamento medicamentoso. Geralmente é realizada às cegas, por aspiração com cânulas de polietileno pequenas e flexíveis, cateter de Pipelle ou cureta de Novak. O ideal é que seja feita após o 18º dia do ciclo menstrual para confirmação da ovulação, o que ocorre caso o endométrio seja proliferativo no exame anatomopatológico. A presença de células inflamatórias sugere endometrite. A principal desvantagem desse método é que não fornece uma amostragem de todo o endométrio, assim, lesões focais, móveis (como pólipos), ou em áreas de difícil acesso, como região cornual, podem não ser biopsiadas. Nos casos em que há forte suspeita de malignidade, um resultado histológico negativo não deve interromper o seguimento da investigação. A vantagem é que o procedimento pode ser realizado em consultório, com baixo custo, sem anestesia e com boa tolerabilidade da paciente, minimizando assim os riscos. O método ideal é a biópsia endometrial dirigida por histeroscopia. A sensibilidade para pólipos e miomas, respectivamente, em US transvaginal (74 e 39%), SIS (96 e 96%), histeroscopia com biópsia dirigida (100 e 99%) e biópsia por Pipelle (24 e 10%). Finalmente, biópsia positiva para câncer é diagnóstica; biópsia negativa indica procedimento mais acurado; Curetagem Uterina – A curetagem com dilatação é o método mais utilizado na investigação da cavidade endometrial, muitas vezes adquirindo fins terapêuticos. O toque bimanual sob anestesia e a histerometria informam sobre o tamanho do útero e da cavidade, dando ideia da espessura da musculatura miometrial. A dilatação do canal e do orifício cervical interno requer anestesia e possibilita a entrada de cureta fenestrada de calibre adequado. É importante considerar que, por mais cuidadosa e exaustiva que seja a curetagem, em até 60% dos casos, apenas 50% a 75% da superfície endometrial é retirada. Portanto, quando empregada como técnica isolada, pode fornecer resultados falso-negativos. Apesar de fornecer maior quantidade de material que a BE aspirativa, requer geralmente anestesia geral, o que aumenta muito seus riscos e custos, não compensados pela sensibilidade e especificidade baixas desse exame. Não fornece amostra endometrial adequada, subestimando principalmente os miomas submucosos, pólipos, hiperplasias e carcinomas focais. Muitas vezes é um dos últimos recursos terapêuticos em sangramentos volumosos e agudos ou na tentativa de conservar o útero; Histeroscopia – Avalia paredes, cornos e óstios, distensão, morfologia e tamanho da cavidade, aspecto da mucosa endometrial, identifica lesões focais, assegura a ausência delas e direciona a amostragem endometrial, podendo a biópsia ser realizada durante a histeroscopia ou imediatamente a seguir. A visão endoscópica apresenta sensibilidade de 95,5% (91% a 98%) e especificidade de 85,1% (85% a 100%). É considerado exame de escolha para avaliação da cavidade uterina, pois, além da visualização direta do endométrio e da cavidade, permite biópsia dirigida, podendo ser também terapêutico na medida em que permite a excisão de pólipos, miomas e sinéquias e a realização de ablação endometrial. A histeroscopia diagnóstica pode ser realizada sem anestesia, no consultório, com óticas menores e em nível ambulatorial, diminuindo assim os custos e minimizando os riscos para a paciente. Nenhuma técnica disponível supera a sensibilidade e a especificidade da histeroscopia com biópsia dirigida. Atualmente, a histeroscopia cirúrgica é capaz de solucionar muitos casos que, até então, tinham indicação de histerectomia, principalmente em mulheres jovens e com prole incompleta. SANGRAMENTO UTERINO DISFUNCIONAL É a perda sanguínea oriunda da cavidade uterina e de origem endometrial, na ausência de doenças orgânicas, atribuída às alterações nos mecanismos neuroendócrinos que controlam a menstruação. É um diagnóstico de exclusão, podendo ser feito somente quando todas as causas orgânicas forem afastadas. Manifesta-se mais frequentemente como uma hemorragia uterina irregulare fora dos padrões normais da paciente. É secundário a alterações endócrinas de controle do ciclo menstrual e pressupõe ausência de patologia orgânica e de gravidez. A presença de miomas não exclui a origem disfuncional de um sangramento, uma vez que estes tumores podem ser assintomáticos. Por outro lado, alterações funcionais associam-se a lesões orgânicas, e a etiologia de alterações funcionais pode ser a mesma de lesões orgânicas. A evolução natural de determinadas alterações funcionais pode ainda conduzir a lesões orgânicas (anovulação conduzindo à hiperplasia). A incidência de sangramento disfuncional é de 5% a 10% entre as primeiras consultas em ambulatório geral. É secundário à fase lútea deficiente, à descamação irregular ou à anovulação. O fator comum no sangramento disfuncional é o apoio inadequado de hormônios esteroides ao endométrio. Raramente há necessidade de tratamento na fase aguda. No entanto, havendo comprometimento hemodinâmico ou se o sangramento for de longa duração, o controle clínico é possível com estrogênios, anticoncepcionais orais ou progestágenos. Comumente está associado à função ovariana anormal e à anovulação, podendo, porém, ocorrer em ciclos ovulatórios. As três principais categorias de SUD são: 1. Sangramento por deprivação estrogênica – Ocorre após ooforectomia bilateral, irradiação de folículos maduros ou descontinuação de estrogenioterapia em paciente ooforectomizada. Sangramento no meio do ciclo pode ser consequência da queda pré-ovulatória de estrogênio; 2. Sangramento por disruptura (breaktrough) estrogênica – O endométrio está excessivamente proliferado, devido a altos níveis de estrogênio, e apresentando vascularização insuficiente. Iniciam-se, então, pequenas áreas de necrose focais, diferentes da maneira universal que ocorre na menstruação normal. O modelo de deprivação estroprogestativo, característico da menstruação, quando estrogênio e progesterona são interrompidos ao mesmo tempo, é acompanhado de um sangramento regular, tanto na quantidade quanto no intervalo e na duração, aproximadamente em todo o endométrio, simultaneamente. No sangramento por disruptura estrogênica, há uma relação entre a quantidade de estrogênio estimulando o endométrio e o tipo de sangramento que será produzido. Baixos níveis de estrogênio levam a um sangramento irregular, tipo spotting. Os altos níveis de estrogênio sustentam longos períodos de amenorreia, geralmente seguidos de sangramentos profusos com perda excessiva de sangue; 3. Sangramento por disruptura progestogênica – Só ocorre na presença de alta relação progesterona/estrogênio. Na ausência de estrogênio, a terapia continuada com progesterona levará a sangramento intermitente de duração variável, similar ao do estrogênio. Esse tipo de sangramento está associado ao uso de progestágenos de longa duração (injetáveis e implantes). A progesterona é o hormônio responsável pelas características normais e constantes do fluxo endometrial e só é capaz de produzir sangramento por deprivação hormonal quando já houver um certo grau de proliferação endometrial por atividade estrogênica prévia. Isso porque o estrogênio é responsável também pela formação dos receptores de progesterona, a qual, em grandes quantidades, provoca o retrocontrole negativo sobre seus próprios receptores e os de estrogênio. Outro tipo de sangramento é o ocasionado por deprivação progestogênica, como na remoção do corpo lúteo, que leva à descamação do endométrio. Pode ser simulado administrando e após retirando progesterona ou análogo sintético. Só haverá sangramento por deprivação progestogênica se houver ação prévia estrogênica sobre o endométrio. Mesmo mantendo o estrogênio, haverá sangramento se for retirada a progesterona. Isso só não ocorrerá se a concentração de estrogênio for 10 a 20 vezes superior à normal. Haverá sangramento sempre que existir desequilíbrio entre esses dois hormônios, principalmente no que tange a sua interrupção (ou queda), tanto em altos quanto em baixos níveis. Além dessas causas, o SUD pode decorrer da atrofia endometrial. É causado pela descamação irregular do endométrio, na presença de níveis muito baixos de estrogênio. A abordagem deve ser sempre direcionada para oferecer à paciente uma avaliação diagnóstica custo-efetiva e minimamente invasiva, proporcionando um tratamento direcionado a cada caso. Deve-se proceder à anamnese e ao exame físico detalhados e a exames laboratoriais que possam fazer o diagnóstico diferencial de SUA. O sangramento anovulatório geralmente não se associa a sintomas de síndrome pré-menstrual e ocorre de forma imprevisível. Os exames laboratoriais estão indicados quando houver suspeita clínica de doenças relacionadas (TSH, provas de coagulação, plaquetas, provas de função hepática, prolactina). O diagnóstico de SUD pode ser exclusivamente clínico, dependendo da sintomatologia associada e da faixa etária. TRATAMENTO Muitas pacientes que apresentam pequenos sangramentos disfuncionais não necessitam de tratamento, sendo suficiente o esclarecimento da causa básica. O objetivo principal é restaurar o controle natural hormonal sobre o tecido endometrial, reestabelecendo eventos endometriais sincrônicos, universais, com estabilidade estrutural e ritmicidade vasomotora. Na grande maioria dos casos, o tratamento conservador hormonal é suficiente. O tratamento cirúrgico é a segunda opção, em caso de falha do tratamento clínico, quando este não é bem tolerado ou por opção da paciente. Um SUD recorrente, agravado ou persistente deve sempre levar o médico assistente a exames complementares na procura de patologia que possa estar causando o sintoma. Pacientes com mais de 35 anos devem ter o diagnóstico de patologia endometrial excluído. O tratamento pode ser dividido em: 1. Tratamento não-hormonal: Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) – Têm importante ação na vasculatura endometrial e em sua hemostasia pela redução dos níveis de prostaglandinas no endométrio, inibindo a cicloxigenase, enzima responsável pela conversão do ácido araquidônico em prostaglandinas. São uma opção para pacientes que têm ciclos ovulatórios com sangramento importante. Qualquer AINE inibidor da cicloxigenase 1 (indometacina, ibuprofeno, ácido mefenâmico, naproxeno, diclofenaco, ácido flefenâmico) ou da cicloxigenase 2 (rofecoxib, celecoxib) pode ser utilizado. Os mais extensamente estudados são os fenamatos (ácidos mefenâmico, flufenâmico e meclofenâmico), com redução de 22 a 46% do fluxo menstrual. Normalmente, o tratamento consiste em dois grupos (grupo 1: ácido mefenâmico, 500 mg, 3 a 4x/dia e piroxicam, 10 mg, 2x/dia; grupo 2: ibuprofeno, 600 mg, 3x/dia e naproxeno, 250 mg, 4x/dia) iniciadas por ocasião do início do fluxo (grupo 1) ou 3 a 4 dias antes (grupo 2) e continuadas até o seu final; Antifibrinolíticos – O endométrio tem um sistema fibrinolítico ativo. Um aumento nos níveis de ativadores de plasminogênio, grupo de enzimas que causa fibrinólise, tem sido encontrado no endométrio de mulheres com sangramento menstrual aumentado. Os antifibrinolíticos inibem esses ativadores do plasminogênio. O ácido tranexâmico reduz o sangramento menstrual em média 50% e também deve ser considerado como primeira opção no tratamento. A redução do sangramento menstrual após o tratamento com o ácido tranexâmico mostrou-se superior à de outros tratamentos (AINEs ou progestágenos orais na fase lútea). Os paraefeitos gastrintestinais estão presentes em cerca de um terço das pacientes e são dose- dependentes. O principal fator limitante ao seu uso é o receio de um aumento da atividade trombótica, apesar da incidência de trombose ter se mostrado similar à de não usuárias.2. Tratamento hormonal: Progesterona e progestágenos – A progesterona tem sido usada comumente para controle da menorragia. O seu uso está baseado no conceito de que mulheres com menorragia apresentam ciclos anovulatórios, e a progesterona ajudaria a coordenar o sangramento quando utilizada na fase lútea. No entanto, diversos estudos têm mostrado que mulheres com sangramento menstrual excessivo apresentam ciclos ovulatórios normais. Nessas pacientes, progestágenos não devem ser utilizados. Existe uma grande variedade de formas de administração e dosagens, cada uma delas com eficácia diferente em situações clínicas distintas. É difícil determinar o valor do uso de progestágenos sistêmicos para tratamento da menorragia> O uso de progesterona cíclica oral por curtos períodos (5-10 dias) tem se mostrado inefetivo em controlar sangramento uterino quando comparado a AINEs, ácido tranexâmico, danazol e DIU com levonorgestrel. O tratamento com noretisterona 5 mg, 3x/dia, do 5º ao 26º dia do ciclo, tem mostrado uma redução significativa na quantidade de sangramento quando comparado com os níveis pré-tratamento; Anticoncepcional oral (ACO) – O ACO hormonal combinado reduz a quantidade de sangramento nos casos de SUD. Um único estudo comparativo existente não mostrou diferença significativa entre anticoncepcional hormonal, ácido mefenâmico, danazol em baixa dose ou naproxeno. A indução de atrofia endometrial parece ser o modo de ação dos ACOs na redução do sangramento. Não está claro se as doses muito baixas de etinilestradiol podem ser efetivas na redução do sangramento ou se algum tipo de progestágeno em particular é preferível. É uma opção muito boa quando a contracepção é desejada. Deve-se lembrar que a idade superior a 35 anos, associada a tabagismo, doença tromboembólica prévia ou história familiar, contraindica o uso de ACO, assim como pacientes com enxaqueca (risco aumentado de acidente vascular encefálico – AVE). É possível que o uso do ACO continuadamente (sem o intervalo de 4 ou 7 dias entre as cartelas) represente uma opção de tratamento (lembrando a falta de evidência de qualidade até o momento); Estrogênios – O sangramento vaginal intermitente (spotting) está frequentemente associado a baixas doses de estrogênio, levando a um mínimo estímulo endometrial: disruptura por estrogênio. Nessas circunstâncias, em que há uma fina camada de endométrio, a progesterona não tem efeito, pois necessita de uma ação proliferativa estrogênica prévia para atuar. Quando o sangramento é moderado, podem-se utilizar estrogênios conjugados (EC) 1,25 mg ou estradiol 2 mg, VO, 4/4 h, por 24 h e, após, EC 1,25 mg/dia ou 2 mg de estradiol ao dia por 7 a 10 dias. Qualquer terapia estrogênica deve ser seguida por uma cobertura progestagênica e um sangramento de deprivação. As doses mencionadas, exceto 1 comprimido de ACO/dia, devem ser consideradas altas doses estrogênicas, e sua indicação deve ser cuidadosamente estudada. Sugere-se que as pacientes com passado ou história familiar de eventos tromboembólicos não devam utilizá-la, e que as pacientes com risco aumentado de eventos vasculares, porém sem história pregressa, possam utilizar baixas doses de estrogenioterapia; DIU com levonorgestrel – Fornece quantidade constante do progestágeno diretamente ao endométrio, todos os dias, suprimindo o crescimento endometrial. A redução do fluxo menstrual em um estudo que o comparou a um inibidor das prostaglandinas e a um agente antifibrinolítico foi de 96% em 12 meses com o DIU com levonorgestrel. Algumas pacientes (15- 20% em um ano) tornaram-se amenorreicas, mas várias mulheres apresentaram sangramento intermenstrual nos primeiros meses após a inserção. Esse DIU teve eficácia superior ao da noretisterona cíclica (usada por 21 dias/mês) no tratamento do SUD. Em comparação à ablação endometrial, os resultados sintomáticos e a satisfação das pacientes foram semelhantes: 20% amenorreicas e 50% com fluxo significativamente reduzido. Os principais paraefeitos são mastalgia e sangramento intermenstrual. Seu custo não é baixo, porém tem duração de 5 anos. É uma boa opção para pacientes com doenças sistêmicas ou para pacientes com ciclos ovulatórios e sangramento importante; Antiestrogênicos – O danazol atua no eixo hipotálamo-hipófise-ovariano suprimindo a ovulação e levando à atrofia endometrial. Reduz em até 80% o fluxo e causa amenorreia com doses diárias acima de 400 mg. Seu uso é muito limitado pela ocorrência de paraefeitos androgênicos em até 75% dos casos, como ganho de peso, acne e voz grave. Tem pequeno espaço na terapêutica, exceto em pacientes aguardando cirurgia; Antiprogestágeno – A gestrinona tem efeito antiprogestagênico, antiestrogênico e androgênico. Reduz o sangramento e provoca amenorreia em 50% das pacientes. Assim como com o danazol, o principal limitante ao uso são os efeitos androgênicos, inaceitáveis pela maioria das pacientes; Agonistas do GnRH – Atuam por meio da inibição das gonadotrofinas, ocasionando um hipogonadismo. Podem levar à melhora do sangramento a curto prazo em pacientes com insuficiência renal ou discrasia sanguínea. Após transplantes, principalmente hepáticos, a toxicidade das drogas faz o uso de hormônios esteroides pouco desejável. Seu alto custo e os efeitos colaterais (menopausa medicamentosa) não os tornam praticáveis em terapias prolongadas, sendo reservados a pacientes com SUD grave que não respondem a outras terapias e que desejam ainda gerar no futuro. Se essa for a escolha, após atingir a supressão gonadal (2-4 semanas), é sugerido iniciar com TH (add-back therapy), simultaneamente, para prevenir efeitos colaterais (fogachos, desmineralização óssea e alteração do perfil lipídico). 3. Tratamento cirúrgico: Ablação endometrial – Indicada em casos de persistência ou agravamento do sangramento apesar da terapia hormonal. Também deve ser considerada em pacientes que não desejam histerectomia ou não têm condições clínicas para uma cirurgia de tal porte. Seu objetivo é a destruição ou remoção da camada basal do endométrio, até 3 mm do miométrio. Pode ser realizada via histeroscopia ou não. A ablação endometrial histeroscópica para coagulação ou vaporização do tecido pode ser realizada com laser, radiofrequência, energia elétrica ou térmica (ablação endometrial de primeira geração). A ressecção endometrial eletrocirúrgica é a mais realizada, com a utilização de ressectoscópio ou rollerball. A redução do sangramento chega a 90%, com amenorreia em 40 a 50% dos casos. O método requer cirurgião experiente, pois o risco de perfuração uterina é maior com essa técnica. Outras complicações são relacionadas à absorção do meio de distensão (glicina ou sorbitol), com sobrecarga hídrica e edema cerebral (0,14-4%). A ablação endometrial por laser ou rollerball tem menor taxa de complicação operatória. A ablação endometrial não histeroscópica (ablação endometrial de segunda geração) pode ser realizada por várias técnicas: balão térmico, hidrotermoablação, eletrocirurgia por radiofrequência, ablação por micro-ondas e crioablação. São técnicas menos invasivas que buscam fugir das complicações da histeroscopia cirúrgica. Como não são realizadas concomitantemente à histeroscopia, é recomendada avaliação histológica do endométrio prévia ao procedimento. Melhores resultados são obtidos se for utilizado um agonista do GnRH 2 a 4 semanas antes da ablação e altas doses de progesterona ou danazol; Curetagem uterina – Provoca uma redução temporária do sangramento no primeiro mês, mas nos ciclos subsequentes a perda sanguínea tende a retornar aumentada como antes do procedimento. Pode ser realizada nos casos de falha do tratamento clínico empacientes com hemorragias importantes com repercussão hemodinâmica. É necessário lembrar que a curetagem não é curativa e que os episódios de sangramento anormal se repetirão caso não seja tratada a causa subjacente; Histerectomia – Apesar de constituir procedimento cirúrgico que requer hospitalização e estar associada a taxas maiores de morbidade e mortalidade, a histerectomia proporciona satisfação e alta qualidade de vida. Provavelmente a satisfação da paciente está ligada ao fato de ser o único procedimento que garante solução definitiva para o sangramento anormal. REFERÊNCIAS Freitas F. Rotinas em Ginecologia. 6ª Edição – Artmed, 2011. Silveira G. P. G. Ginecologia Baseada em Evidências. 2ª Edição – Editora Atheneu, 2007.
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