Buscar

Ética Jurídica II

Prévia do material em texto

�PAGE �
� PAGE \* MERGEFORMAT �1�
PENA DE MORTE À LUZ DO UTILITARISMO E JUSNATURALISMO
Ângelo Roberto Veiga Monteiro
Resumo
Este estudo concentra-se em refletir sobre a pena de morte à luz das concepções utilitarista e jusnaturalista. De um lado, destaca-se o princípio da máxima felicidade como possível relativizador de direitos fundamentais. De outro, princípios inalienáveis ao homem os quais a sua relativização é prejudicial. O objetivo principal é compreender as bases filosóficas das duas correntes de pensamento, identificando possíveis posicionamentos quanto à pena de morte.
 
Palavras-chave: Utilitarismo, Jusnaturalismo, direitos humanos, direitos fundamentais, pena de morte.
Introdução
Este trabalho tem como tema a pena de morte à luz do Utilitarismo e o Jusnaturalismo. O debate sobre a pena de morte tem se intensificado Brasil. O país apresenta números alarmantes sobre violência e ao que tudo indica as políticas públicas não produzem os resultados esperados.
A despeito dos tratados internacionais os quais o Brasil é signatário e da própria constituição federal assegurar a proteção a direitos fundamentais, a população parece ver esperança para a redução da criminalidade através da produção de leis mais severas como forma de diminuir a violência.
Nesse sentido, embora os direitos fundamentais sejam cláusulas pétreas na carta magna do país, não raro encontramos pessoas que defendem a adoção da pena capital. O presente trabalho insere-se nesse contexto, porém, o objetivo central dele centra-se na compreensão da pena de morte sob o ponto de vista de duas correntes filosóficas: Utilitarismo e Jusnaturalismo. Qual o posicionamento dessas correntes filosóficas a respeito da privação de um criminoso a vida? 
Como objetivo específico, procura-se identificar as ideias que correspondem as duas doutrinas e as possíveis respostas para a adesão ou não a pena de morte. Para tanto será necessário recorrer ao percurso histórico da pena capital e aos marcos filosóficos sobre a pena de morte. Como pano de fundo, estão presentes questões que se relacionam com os Direitos Humanos.
Considerações sobre a pena de morte
A pena de morte representa uma das formas mais antiga de justiça, sendo utilizada antes mesmo da formação dos tribunais. Este modo de punição, que atenta contra o bem mais importante de um indivíduo, a vida, manteve sua presença no tempo e ainda hoje é utilizada em diversos países no mundo. Constantemente, nos tempos atuais, o seu uso ou não levanta discussões todas as vezes que um crime revolta a sociedade. 
Considera-se como pena capital uma sentença do judiciário que consiste em retirar legalmente a vida de uma pessoa que cometeu algum crime hediondo contra a sociedade. Sua aplicação também revela questões de natureza filosófica, ética, religiosa, sociológica e política.
No mundo antigo aponta-se a existência dos primeiros códigos em que a pena de morte poderia ser aplicada. Como exemplos têm o Código de Hamurabi, que representa o primeiro conjunto de leis escritas de que se tem notícia, datado de XVIII a.C; o código Draconiano – na capital grega, sentenciava todo criminoso à morte e a Lei das XII Tábuas, na Roma, que foi o primeiro código legal, aprovado em 452 a.C. que também punia com a execução. 
Durante a Idade Média, a Igreja Católica regia e dirigia a vida das pessoas, julgando quem ameaçasse suas doutrinas. Todos os suspeitos eram perseguidos e os condenados poderiam ser mortos na fogueira, queimados em praça pública como um espetáculo. Muitos cientistas foram considerados hereges e, portanto, executados.
No Brasil, esse tipo de condenação existiu durante a monarquia no século 19, e foi abolida na primeira Constituição da República, em 1891. De forma geral, as constituições federais sempre repeliram a pena de morte para crimes comuns e políticos. Por outro lado, sempre resalvaram a legislação militar em tempo de guerra com país estrangeiro. 
Atualmente a pena de morte do ponto de vista jurídico é inviável, uma vez que o direito à vida é considerado um direito fundamental, constituindo-se como cláusula pétrea. No entanto, embora não haja previsão da pena de morte como pena comum, ela permanece apenas em caso de guerra declarada, conforme inciso XLVII do art.5º da Constituição Federal de 1988. 
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados;
d) de banimento; e) cruéis; (BRASIL, 1988).
 
Embora não haja previsão legal, não raro é possível encontrar pessoas favoráveis à aplicação da sentença. Os argumentos apontam para a impunidade a qual o país vive e esta forma de punição seria capaz de reduzir e intimidar criminosos, além de diminuir a quantidade de indivíduos em nosso sistema carcerário. Argumentos contrários argumentam que, tendo em vista os horrores da sentença, ela geraria verdadeiras fissuras de valores sociais a que o Direito não busca, mas que alcança pela indireta desvalorização do ser humano, além de lembrarem-se dos erros que o judiciário possa cometer.
Em 2016, segundo dados da Anistia Internacional, pelo menos 1.032 pessoas foram executadas em 23 países. Em 2015, o número de execuções foi de 1.634 em 25 países em todo o mundo – um pico histórico inigualável desde 1989.
Países que mais usaram a pena de morte no mundo em 2016
	Paquistão
	87
	Iraque
	88
	Arábia Saudita
	154
	Irã
	567
	China
	Milhares
 Fonte: Anistia Internacional
A maioria das execuções ocorreu na China, seguida pelo Irã, Arábia Saudita, Iraque e Paquistão – nesta ordem. A China continua sendo o país que mais executa pessoas no mundo, mas a verdadeira extensão do uso da pena de morte na China é desconhecida, pois esses dados são considerados segredo de Estado. O número global de pelo menos 1.032 execuções exclui outras milhares que podem ter sido realizadas no país. Excluindo-se a China, 87% de todas as execuções ocorreram em apenas quatro países – Irã, Arábia Saudita, Iraque e Paquistão.
Pela primeira vez desde 2006, os EUA não foram um dos cinco maiores executores, caindo para sétimo lugar, atrás do Egito. As 20 execuções realizadas em 2016 representaram o menor número desde 1991.
Em 2016, 23 países ficaram conhecidos por terem realizado execuções. Este número diminuiu significativamente em vinte anos (40 países realizaram execuções em 1997). Bielorrússia, Botsuana, Nigéria e autoridades do Estado da Palestina retomaram as execuções em 2016; Chade, Índia, Jordânia, Omã e Emirados Árabes Unidos – todos os países que executaram pessoas em 2015 – não relataram quaisquer execuções no ano passado.
Ainda segundo dados da Anistia Internacional, 141 países em todo o mundo, mais de dois terços, são abolicionistas na lei ou na prática. Em 2016, dois países – Benin e Nauru – aboliram a pena de morte para todos os crimes. No total, 104 países o fizeram – a maioria dos Estados do mundo. Apenas 64 países foram totalmente abolicionistas em 1997.
As comutações ou indultos de sentenças de morte foram registrados em 28 países em 2016. Pelo menos 60 pessoas condenadas à morte foram inocentadas em 9 países no ano passado: Bangladesh (4), China (5), Gana (1), Kuwait (5), Mauritânia (1), Nigéria (32), Sudão (9), Taiwan (1) e Vietnã (2).
A Anistia Internacional registrou 3.117 sentenças de morte em 55 países em 2016, um aumento significativo no total em relação a 2015 (1.998 sentenças em 61 países). Registraram-se aumentos significativos em 12 países, mas para alguns, como a Tailândia, o aumento deve-se ao fato das autoridades fornecerem informações detalhadas à Anistia Internacional.
Pelo menos 18.848 pessoas estavamno corredor da morte no final de 2016. Os seguintes métodos de execução foram utilizados em todo o mundo: decapitação, enforcamento, injeção letal e tiro. Execuções públicas foram realizadas no Irã (pelo menos 33) e na Coréia do Norte.
Em muitos países onde as pessoas foram condenadas à morte ou executadas, o processo não cumpriu as normas internacionais de julgamento justo. Em alguns casos, isso incluiu a extração de “confissões” através de tortura ou outros maus-tratos, inclusive no Bahrein, China, Irã, Iraque, Coreia do Norte e Arábia Saudita. 
Em relação aos países das Américas, pelo oitavo ano consecutivo, os EUA foram o único país a realizar execuções na região das Américas, com 20 pessoas executadas em 2016 (oito menos que em 2015). Esse foi o menor número de execuções registradas em um único ano desde 1991.
Cinco estados executaram pessoas em 2016 em comparação com seis no ano anterior. O número de execuções levadas a cabo na Geórgia quase duplicou relativamente ao ano anterior (de 5 para 9); enquanto os números reduziram quase pela metade no Texas (de 13 para 7). Juntos, esses dois estados foram responsáveis ​​por 80% de todas as execuções no país durante o ano. No entanto, 2.832 pessoas ainda estavam no corredor da morte nos EUA no final de 2016.
O número de sentenças de morte nos EUA também diminuiu de 52 em 2015 para 32 em 2016 (diminuição de 38%). Este é o menor número registrado desde 1973.
Apenas três outros países da região, Barbados, Guiana e Trinidad e Tobago, impuseram penas de morte em 2016. Dois países do Caribe – Antígua e Barbuda e Bahamas – comutaram suas últimas sentenças de morte.
Portanto, o poder do Estado de definir exatamente quando e como um indivíduo deve morrer é causa de intensas discussões que atravessam séculos. Isto acontece porque a pena capital embaralha ainda mais o debate sobre a ideia de ceifar a vida de algum semelhante. Este tema, por exemplo, é assunto da confusa cultura cristã e de debates entre autoridades filosóficas como Platão, São Tomás de Aquino, Kant, Hegel, Hobbes, Bentham e Beccaria. Há de se ressaltar que nem todos compartilham as mesmas ideias. No entanto, hodiernamente, é bastante visível que o debate sobre a pena de morte ultrapassou estes limites filosóficos para adentrar em uma discussão mais prática: ao executar um réu condenado à morte, o Estado está respeitando seu direito à vida? Ou ainda, a segurança e a liberdade da sociedade, direitos também garantidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), estão protegidas pelo Estado quando um criminoso perverso lhe impõe medo?
Portanto, a proposta desse trabalho é compreender a pena de morte à luz da ética jusnaturalista e ética utiliritarista. Como pano de fundo, assentam-se questões que se referem aos direitos humanos, apresentando, dessa forma o contraste entre as duas éticas. As próximas seções tentará elucidar essas questões, identificando as principais características das duas éticas e as possíveis posições diante da pena capital.
Utilitarismo e o cálculo da felicidade
Jeremy Bentham foi filósofo, jurista, fundador da doutrina utilitarista. Seus pressupostos filosóficos ainda hoje exercem forte influencia, sobretudo quando se tratam de legisladores, economistas, executivos e planejadores de políticas públicas.
A ideia central de Bentham é elucidada a partir da constatação de que as pessoas são governadas pelo sentimento de dor e prazer. A felicidade, então, e consequentemente moral, está relacionada com a busca da felicidade através da maximização do prazer e redução da dor.
O utilitarismo considera o prazer como bem supremo.  Para efeito de interpretação. O prazer significa a felicidade e a ausência de dor. Mas o conceito de prazer também surge com a ideia de maximização, ou seja, minhas atitudes devem proporcionar a maior quantidade de felicidade (ou ausência de dor) para a maior quantidade possível de pessoas. Desse modo, o prazer aqui referenciado não é o prazer egoísta, mas de uma teoria que tem por objetivo ajudar em nossas decisões éticas. Essa teoria ganhou força devido à sua praticidade e objetividade, bem como suas possibilidades no âmbito das políticas públicas. 
Filosoficamente, o utilitarismo pode ser resumido ao princípio do bem estar máximo, através da seguinte frase: Agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar. Representa, portanto uma moral que persegue o bem estar de todos ou do maior número possível de pessoas.
Nesse sentido, o conceito de sociedade passa por uma ideia de quantificação dos indivíduos, sendo necessário, portanto, ao se determinar as leis ou diretrizes da sociedade a felicidade a ser considerada é a da comunidade em geral, que nada mais é do que a soma dos indivíduos. Ou seja, existe aqui a ideia de quantidade, que percorre todo o trabalho de Bentham.
Ao determinar as leis ou diretrizes a serem seguidas, um governo deve fazer o possível para maximizar a felicidade da comunidade em geral. (...)A comunidade é “um corpo fictício”, formado pela soma dos indivíduos que abrange. Cidadãos e legisladores devem, assim, fazer a si mesmos a seguinte pergunta: Se somarmos todos os benefícios dessa diretriz e subtrairmos todos os custos, ela produzirá mais felicidades do que uma decisão alternativa?(SANDEL, 2011, pg. 48)
	Para Michael J. Sandel, não há dúvidas de que os direitos individuais eram desprezados por Bentham. Ao subtrair custos de uma decisão, que na teoria em questão representa a vida de indivíduos, desconsideram-se direitos naturais, por excluir uma parte dos cidadãos dos benefícios de uma decisão, chegando até mesmo a causar dor a essa minoria. 
	Essa é uma das principais objeções ao utilitarismo, a saber, o desprezo pelos direitos naturais, desprezando o indivíduo isolado. Este só teria importância, quando sua felicidade estiver em acordo com a felicidade da maioria dos cidadãos.
Para o utilitarista, os indivíduos tem importância, mas apenas enquanto as preferências de cada um forem consideradas em conjunto com a de todos os demais. Isso significa que a lógica utilitarista, se aplicada de forma consistente, poderia sancionar a violação do que consideramos normas fundamentais da decência e do respeito no trato humano. (SANDEL, 2011, pg. 51).
A tarefa de medir a felicidade de pessoas diferentes é extremamente difícil. Quem decidirá quando o prazer do sádico ultrapassa ou não o sofrimento da sua vítima? Ou como se compara o prazer que um entusiasta de futebol tem quando a sua equipe marca um gol brilhante com as deleitosas vibrações de um admirador que ouve a sua ópera favorita? E como se comparam estes tipos de prazer com sensações de caráter mais físico, tais como as que se obtêm com o sexo e a alimentação?
Bentham pensava que, em princípio, tais comparações poderiam ser feitas. Para ele, a origem da felicidade era irrelevante. A felicidade era apenas um estado de espírito bem aventurado: prazer e ausência de dor. Apesar de ocorrer com diferentes intensidades, era sempre do mesmo tipo e, portanto, devia ter o mesmo peso nos cálculos utilitaristas, independentemente da forma como era obtido.
	Uma segunda objeção ao utilitarismo se refere aos valores morais e a sua relação com o cálculo utilitarista pra a maximização da felicidade. Como mencionado anteriormente, a quantificação apresenta posição central na doutrina. Surge, então, a seguinte questão: é possível, a partir de cálculos matemáticos, quantificar valores morais? Esta é a segunda objeção ao utilitarismo.
	De acordo com Sandel:
O utilitarismo procura mostrar-se como uma ciência de moralidade baseada na quantificação, na agregação e no cômputo geral da felicidade. Ele pesa as preferências sem as julgar. As preferências de todos têm o mesmo peso. (...)para agregar valores, no entanto, é necessário pesá-los todos em uma única balança, como se tivessem todos a mesma natureza. (SANDEL, 2011, pg. 55).
	Portanto, essas são as duas objeções ao princípio do utilitarismo, quais sejam o desprezocom a dignidade humana e os direitos individuais, além da redução de valores morais a uma única escala de prazer. É John Stuart Mil (1806-1873) que tenta reformular a doutrina, tornando-a menos calculista e conciliando-a com os direitos individuais.
	Sua tese central está centrada na defesa da liberdade. O governo não deve interferir na liberdade individual com a finalidade de proteger uma pessoa de si mesma. Desde que as ações individuais não prejudiquem o próximo, a liberdade é um direito absoluto. Para Mill, a liberdade individual depende de considerações utilitaristas.
A saída seria a maximização da utilidade em longo prazo, por acreditar que valores individuais como a liberdade individual, com o tempo, levaria a máxima felicidade. Mil, sugeriu ainda uma distinção entre os prazeres elevados e os prazeres baixos, argumentando que qualquer pessoa que tenha conhecido os prazeres elevados, de natureza intelectual, iria automaticamente preferi-los aos chamados prazeres baixos, relacionados ao prazer físico. No esquema de Mill os prazeres elevados contavam muito mais no cálculo da felicidade do que os baixos.
Portanto, embora Stuart Mill procure considerar direitos individuais e os prazeres mais elevados em sua obra, ele foge da premissa do utilitarismo, invocando um ideal moral da dignidade e da personalidade humana independente da própria utilidade.
Outro utilitarista é Amartya Sen, para quem o utilitarismo possui três características importantes, entre outras, que denomina requisitos da avaliação utilitarista: o consequencialismo, o welfarismo e o ranking pela soma (Sen, 2002, pp. 77-78). 
Por consequencialismo entende-se que uma ação, regra ou instituição deve ser julgada a partir das consequências que produz. A avaliação de algo depende decisivamente de seu resultado, em detrimento da intenção ou do motivo. Dessa forma, evitam-se proibições morais evidentemente arbitrárias, em que não é possível apontar consequências deletérias a quem quer que seja. Outra característica do utilitarismo é o chamado welfarismo. Essa característica diz que algo deve ser julgado apenas pelo bem-estar que produz, e não por qualquer consequência. De acordo com Sen: A combinação entre o welfarismo e o consequencialismo, permite o requisito de que toda escolha deve ser julgada em conformidade com as respectivas utilidades que ela gera. Por exemplo, uma ação é julgada segundo o estado de coisas consequente (devido ao consequencialismo), e o estado de coisas consequente é julgado de acordo com as utilidades desse estado (devido ao welfarismo). (Sen, 2002, p. 78) 
 A terceira característica do utilitarismo é o ranking pela soma, que se refere a soma das utilidades envolvidas para se chegar ao mérito de uma ação, regra ou medida, independentemente de seu grau de distribuição. 
 
Jusnaturalismo: A vida como Direito Fundamental
O jusnaturalismo se apresenta como uma corrente jusfilosófica de fundamentação do direito que remonta às representações primitivas da ordem legal de origem divina, passando pelos sofistas, estoicos, padres da igreja, escolásticos, racionalistas dos séculos XVII e XVIII e século XX, quando se têm em destaque as questões dos direitos humanos.
Caracteriza-se, grosso modo, a partir de duas teses: uma de filosofia ética, que afirma a existência da justiça e de princípios morais universalmente válidos e acessíveis à razão humana; e outra que se refere a existência de uma ordem jurídica além da efetiva, observada empiricamente, conhecida metaforicamente como natural, que não pode ser produzido pelo homem.
A tradição jusnaturalista tem início com Aristóteles, que estabeleceu os parâmetros ainda hoje utilizados para a compreensão do problema da justiça. A justiça seria inseparável da polis, da vida em comunidade. Por ser um animal político, o homem defluiria sua necessidade natural de convivência e de promoção do bem comum. 
No entanto, é com São Tomás de Aquino que se tem a mais importante contribuição, segundo Barzotto (2010), para a fundamentação do jusnaturalismo e da retomada atual dos Direitos Humanos em bases clássicas. Tem-se aqui a universalização da ética fraternidade (regra de ouro), em bases laicas, que reivindicam o retorno do justo natural, do bem comum, da coletividade. A regra de ouro é secularizada, isto é, atribuindo-se a ela um fundamento racional (Barzotto, 2010, pg 59).
Ainda segundo o autor:
A contribuição de São Tomás de Aquino consiste em secularizar a igualdade. A igualdade repousa sobre a posse de uma natureza humana comum (...). Essa noção (...) está inserida em uma ética universalista da fraternidade Laica. A igualdade na dignidade de todos os seres humanos universaliza o alcance da regra de ouro (Barzotto, 2010, pg 59).
Tomás de Aquino afirma que a mesma pode ser vista como uma virtude geral, uma vez que, tendo por objeto o bem comum, ordena a este os atos das outras virtudes. Como cabe à lei ordenar para o bem comum, tal justiça é chamada de justiça legal. Por meio dela, o homem se harmoniza com a lei que ordena os atos de todas as virtudes para o bem comum. Ademais, Santo Tomás de Aquino admite uma diversidade de leis: a lei divina revelada ao homem, a lei humana, a lei eterna e a lei natural, contudo, não as considera como compartimentos estanques. A lei eterna é a razão oriunda do divino que coordena todo o universo, incluindo o homem. A natural, o reflexo da lei divina existente no homem. Afirma ele a necessidade da complementação desta pelas leis divina e humana, a fim de se conseguir a certeza jurídica e a paz social, bem como facilitar a interpretação dos julgadores. 
A inversão antropocêntrica na compreensão do mundo, produzida pelo renascimento e posteriormente como o liberalismo burguês produziu rupturas com a tradição clássica. Destaca-se aqui a questão do poder e não do ideal comum, a propriedade em desfavor da igualdade, o individualismo egoísta em desfavor do comunitarismo. 
A Declaração Universal dos Direitos Humanos representa uma retomada da tradição clássica da abordagem do direito. Os Direitos Humanos, expressão contemporânea para o jusnaturalismo, encontra suas bases na teoria do Direito Natural e reconhece à condição humana, como sujeitos de direitos anteriores a ordem jurídica, que são condições fundamentais para a boa vida (vida, liberdade, propriedade, etc.). É reconhecida aqui a essência da pessoa humana, como sujeito portador de direitos universais.
Nesse sentido, os Direitos Humanos podem ser definidos como o conjunto de princípios e de normas fundamentadas no reconhecimento da dignidade inerente a todos os seres humanos e que visam assegurar o seu respeito universal e efetivo.
Para a fundamentação ética dos direitos humanos tem-se como ponto de partida que a fundamentação dos mesmos não pode ser apenas jurídica, mas baseada em valores, em uma ética ou axiológica. Nesta fundamentação, os direitos humanos aparecem como direitos morais, como exigências éticas e direitos que o homem possui pelo fato de ser pessoa humana, e, portanto, com um direito igual a seu reconhecimento, proteção e garantia por parte do poder político e jurídico. Direitos esses iguais, obviamente embasados na propriedade comum de todos eles enquanto seres humanos e iguais independentemente de qualquer contingência histórica ou cultural, característica física ou intelectual, poder político ou classe social. Os direitos humanos / fundamentais são históricos, nascidos em determinados contextos históricos.
Para a compreensão da evolução dos direitos fundamentais, Norberto Bobbio afirma: 
Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (Bobbio, 1992, pg 5).
 
Com efeito, os direitos fundamentais nascem de lutas contra a opressão, contra as arbitrariedades impostas por governos déspotas. Portanto, os direitosfundamentais são um produto da historia, no sentido de que o seu reconhecimento não se deu da noite para o dia, mas tem a sua evolução no tempo. Na Inglaterra, ao longo dos séculos foi se construindo, através de documentos jurídico-normativos a tutela dos direitos fundamentais em favor da pessoa humana. Na Idade Média, surgiu a Magna Carta, em 1215, na Modernidade, antes do século XVIII, foram editadas a Petição de Direitos, em 1628; a Lei do Habeas Corpus, em 1679 e a Declaração de Direitos, em 1689. 
	A partir do século XVIII, na construção histórica dos direitos fundamentais, tem-se a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia – nos Estados Unidos da América, no ano de 1776, bem como a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 1789. 
	Ademais, na construção dos direitos fundamentais, tem-se como evento marcante o pós-segunda guerra mundial, diante das atrocidades do Nazismo e a derrocada do Positivismo jurídico. Em razão do holocausto nazista, vários documentos surgiram na defesa dos direitos humanos fundamentais, a saber: a Declaração de Direito do Povo Trabalhador e Explorado, na Rússia, em 1918; a Carta das Nações Unidas, em 1945; a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948; Pactos Internacionais de Direitos Humanos, em 1966; Declaração de Teerã, em 1968; Declaração e Programa de Ação de Viena, em 1993 e o Estatuto de Roma, em 1998, que criou o Tribunal Penal Internacional. 
	Os direitos fundamentais, portanto, sofreu evoluções históricas, as quais são denominadas de dimensões dos direitos fundamentais, já que uma não sobrepõe à outra e sim se complementam. As três primeiras dimensões dos direitos fundamentais remetem ao lema da Revolução francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Os direitos fundamentais de primeira dimensão estão vinculados ao princípio da liberdade, são direitos civis e políticos, conquistados contra a força do poder exercido arbitrariamente. São direitos de cunho negativo, já que se destinam a uma abstenção, um não fazer por parte do Estado. Surgiu no final do século XVIII, como fruto das revoluções liberais francesas e norte-americanas, as quais insurgiram contra o absolutismo do Estado em reivindicação ao respeito às liberdades individuais e à limitação dos poderes estatais. 
	Já os direitos fundamentais da segunda dimensão estão vinculados ao princípio da igualdade e são direitos econômicos, sociais e culturais. A Revolução industrial foi o grande marco desta dimensão, a partir do século XIX, na defesa dos direitos sociais, exigindo-se, agora, direitos a prestações sociais estatais, tais como: alimentação, saúde, educação e trabalho. Como evolução desta dimensão, destacam-se também as liberdades sociais, tais como: liberdade de sindicalização e direito de greve; bem como direitos fundamentais do indivíduo trabalhador – férias, garantia do salário mínimo. 
A terceira dimensão dos direitos fundamentais evidencia uma tendência destinada a alargar a noção de sujeito de direitos e do conceito de dignidade humana, o que passa a reafirmar o caráter universal do indivíduo perante regimes políticos e ideologias que possam colocá-lo em risco, bem como perante toda uma gama de progressos tecnológicos que pautam hoje a qualidade de vida das pessoas, em termos de uso de informática, por exemplo, ou com ameaças concretas à cotidianidade da vida do ser em função de danos ao meio ambiente ou à vantagem das transnacionais e corporações que controlam a produção de bens de consumo, o que desdobra na proteção aos consumidores na atual sociedade de massas. 
Modernamente, protegem-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade e fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos.
Embora possa se falar em pelo menos 3 dimensões de direitos humanos, este trabalho se concentra no primeiro e mais fundamental de todos os demais, que é o da vida do ser humano. O direito à vida é o primeiro dos direitos do homem. É um direito inalienável para o desenvolvimento de todo povo livre e soberano. Ela representa o pressuposto essencial da qualidade de pessoa humana e também um direito subjetivo desta, sendo que a tutela da vida ocorre tanto no âmbito público como no privado, e independe da vontade do seu titular. O direito à vida é um direito fundamental do homem por excelência, já que da vida humana decorrem todos os demais direitos, como por exemplo, direito à integridade física e psíquica, direito ao corpo, direito ao nome, dentre outros. Assim, a vida é o bem jurídico maior a ser tutelado pelo ordenamento jurídico.
O direito à vida, portanto, é um direito personalíssimo e, como tal, teve sua evolução no tempo. A humanidade, desde os tempos remotos até os dias atuais, tem passado por mudanças, transformações, evoluções, isto no campo social, político, religioso etc. Da mesma forma, os direitos fundamentais, mais precisamente os direitos humanos centrados na dignidade da pessoa humana teve grandes avanços, porém, por vezes, sofrem também com o retrocesso, principalmente, diante de governos ditatoriais e regimes totalitários. 
Utilitarismo x Jusnaturalismo: a questão da pena de morte
O debate referente à penalidade da morte ao criminoso perpassa por duas vertentes filosóficas: o utilitarismo versus jusnaturalismo. O primeiro se fundamenta no bem-estar geral da sociedade, tendo como base a ação de algo e sua consequência. O segundo propõe que há características na pessoa humana, entre eles a vida, que não são determinadas por vontade do homem, sendo, portanto, inerentes à qualidade do ser. 
Por um lado, para o utilitarismo, considerando o princípio de maximização da felicidade, a pena de morte seria legítima, caso o cálculo entre custos e benefícios represente a maximização da felicidade para a maioria da coletividade. Nesse caso, tem-se um bem jurídico caro ao Jusnaturalismo violado. 
Já para a segunda concepção, a morte não é algo que deve ser considerado pela vontade ou razão humana de bem-estar, visto que o ser humano nasceu com características naturais inerentes ao seu ser. A própria racionalidade humana deriva destas características naturais. O homem nasce com vida e esta vida é por si mesma, um princípio maior que deve ser defendido sempre, mesmo para o mais cruel dos bandidos.
No entanto, é preciso destacar que o utilitarismo apresenta como intenção fundamental organizar a vida em sociedade, tendo como base uma busca pelo bem estar geral de todos os indivíduos. Sendo assim, o utilitarismo sozinho não é uma corrente filosófica que defende a pena de morte. Podem-se usar argumentos utilitaristas para condenar a pena de morte, desde que seja benéfico para o bem estar geral. 
Para o jusnaturalista, existem três princípios naturais a serem respeitados: vida, propriedade e liberdade. Sem a defesa moral destes três princípios, não existiriam outros, tais como livre mercado, ordem espontânea, liberdade de pensamento, liberdade de expressão, democracia, etc. Portanto, a pena de morte é inconcebível neste caso. O direito a vida, a propriedade e a liberdade são inegociáveis. 
Referência Bibliográfica
BARZOTTO, Luiz Fernando. Filosofia do Direito: os conceitos fundamentais e tradição Jusnaturalista. Livraria do Advogado editora. Porto Alegre, 2010.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 1 ed. 12. tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: 1988. 
RIBEIRO, Daniela Menengoti; DE ASIS DIAS, João Francisco; MUNEKATA, Larissa Yukie Couto. Ética e Direito à vida. Vol. 01. Editora Vivens. 2015.
SANDEL, Michael J. Justiça: O que é fazer a coisa. Civilização. Rio de Janeiro, 2011.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade (L. T. Motta, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras. 2002.
SEN, Amartya. Sobre Ética e Economia. (L. T. Motta, Trad.).São Paulo: Companhia das Letras. 1988.
SITE CONSULTADO
https://anistia.org.br/noticias/pena-de-morte-2016-fatos-e-numeros/, acesso em 22 de janeiro de 2018.

Outros materiais