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A Hipótese de Riemann para Curvas Algébricas e uma Caracterização da Curva Hermitiana Eleonesio Strey Dissertação de Mestrado em Matemática Mestrado em Matemática Universidade Federal do Espírito Santo Vitória, Março de 2008 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. A Hipótese de Riemann para Curvas Algébricas e uma Caracterização da Curva Hermitiana Eleonesio Strey Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Matemática da Universi- dade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Matemática. Aprovada em 27/03/2008 por: Prof. Dr. José Gilvan de Oliveira - Orientador, UFES Prof. Dr. Francisco Luiz Rocha Pimentel, UFC Prof. Dr. Valmecir Antonio dos Santos Bayer, UFES Universidade Federal do Espírito Santo Vitória, Março de 2008 Strey, Eleonesio, 1982 A Hipótese de Riemann para Curvas Algébricas e uma Caracterização da Curva Her- mitiana. [Vitória] 2008 xii, 59p., 29,7 cm (UFES, M. Sc., Matemática, 2008) Dissertação, Universidade Federal do Espírito Santo, PPGMAT. I. Álgebra I. PPGMAT/UFES II. Título Agradecimentos Ao Programa de Pós-Graduação em Matemática da UFES, pela oportunidade de realização deste trabalho. A todos os professores do Departamento de Matemática da UFES, pelo apoio e incentivo. Ao meu orientador, José Gilvan de Oliveira, pelo auxílio nesta empreitada. Aos professores da banca: José Gilvan de Oliveira, Francisco Luiz Rocha Pimentel e Valmecir Antonio dos Santos Bayer. Aos amigos e colegas, pela ajuda atribuída sempre que necessário e pelos momentos de descontração. A minha família, pelo incentivo. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro. Enfim, agradeço a todos que de alguma forma contribuiram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. Sumário 1 Corpos de Funções Algébricas 3 1.1 Anéis de Valorização, Lugares e Divisores . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1.2 O Teorema de Riemann-Roch . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.3 Extensões Algébricas de Corpos de Funções . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2 A Hipótese de Riemann para Curvas Algébricas 17 2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 2.2 A Função Zeta de um Corpo de Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 2.3 O Teorema de Hasse-Weil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.4 Cotas Assintóticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 3 Uma Caracterização da Curva Hermitiana 44 3.1 Corpo de Funções Maximal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 3.2 O teorema de Rück e Stichtenoth . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Resumo A clássica hipótese de Riemann, publicada pela primeira vez em 1859 por Bernhard Riemann, afirma que todos os zeros não-triviais da função zeta de Riemann pertencem à reta vertical Re(z) = 1/2 do plano complexo. Este é um dos mais famosos e importantes problemas em aberto da matemática. Neste trabalho, apresentamos a versão da hipótese de Riemann para curvas algébricas sobre corpos finitos (Teorema de Hasse-Weil), mais precisamente provamos a chamada cota de Hasse-Weil para o número de pontos racionais da curva. Além disso, estudamos Curvas Maximais, isto é, curvas que atingem a cota de Hasse-Weil, em seguida apresentamos uma caracterização, devida a Rück e Stichtenoth, da curva hermitiana sobre o corpo finito Fq2 com q2 elementos. Esta curva, definida sobre o corpo Fq2 pela equação yq + y = xq+1, é não-singular, maximal, tem gênero q(q − 1)/2 e é a única nessas condições. Abstract The classic Riemann hypothesis, first published in 1859 by Bernhard Riemann, says that all non-trivial zeros of the Riemann zeta function belong to the straight vertical Re(z) = 1/2 of the complex plan. This is one of the most famous and important problems of mathematics. We present the version of the Riemann hypothesis for algebraic curves on finite fields (Hasse-Weil theorem), more precisely show the so-called of Hasse-Weil bound for the number of rational points of the curve. Furthermore, we studied maximais curves, that is, curves that meet the upper Hasse-Weil bound, then present a characterization, due to Rück and Stichtenoth, of the hermitian curve over the finite field Fq2 with q2 elements. The hermitian curve over Fq2 given by equation yq + y = xq+1 is the unique maximal curve over Fq2 with genus g = q(q + 1)/2. 1 Introdução No ano de 1900, Hilbert, no Paris International Congress of Mathematicians, apre- sentou em sua conferência intitulada "Problemas Matemáticos" a sua famosa lista con- tendo 23 problemas matemáticos, até então em aberto, que considerou tanto desafiadores como relevantes o suficiente para dar a eles o nome de Problemas do Século. Dentre esses problemas, um dos que permanecem em aberto é a clássica hipótese de Riemann, sobre a função zeta. A função zeta de Riemann é uma função complexa de variável complexa definida para Re(z) > 1 pela série ∞∑ n=0 n−z e, para Re(z) ≤ 1, é definida por continuação analítica da expressão anterior. O resultado é uma função analítica em todo o plano complexo, exceto no ponto z = 1 (onde ocorre o único pólo de ζ). Pode-se provar que a função zeta de Riemann satisfaz a equação funcional de Riemann ζ(z) = Γ(1− z)(2pi)z−12sen (piz 2 ) ζ(1− z) para z 6= 1, onde Γ é a função gama de Euler. Os números −2,−4,−6, ... são zeros de ζ e são chamados de zeros triviais. Todos os outros zeros de ζ são chamados zeros não- triviais. A clássica hipótese de Riemann, considerada hoje por muitos o mais relevante dos problemas do século, afirma que todos os zeros não-triviais da função zeta de Riemann estão sobre a reta vertical Re(z) = 1/2 do plano complexo. Esta conjectura tem relação com a distribuição dos números primos, na verdade, ela surgiu em 1859 quando Riemann tentava obter uma fórmula que permitisse calcular o número de primos entre 1 e um número n dado. A igualdade ζ(z) = ∏ p∈P 1 1− 1 pz para todo z ∈ C com Re(z) > 1, onde P é o conjunto formado por todos os números primos, evidencia a relação da função zeta de Riemann com os números primos e é conhecida como produto de Euler. O leitor interessado pode encontrar mais detalhes sobre a hipótese de Riemann em [5]. No caso de curvas algébricas não-singulares definidas sobre corpos finitos, a corres- pondente hipótese de Riemann é verdadeira o que evidencia a possível veracidade da 2 clássica hipótese de Riemann. Por outro lado vale ressaltar que para curvas algébricas singulares isso nem sempre é verdade, isto é, existe uma curva algébrica singular cuja correspondente função zeta não satisfaz a hipótese de Riemann ( [7], exemplo 7.2). Neste trabalho, apresentamos a correspondente hipótese de Riemann para corpos de funções sobre corpos finitos ou, em outra linguagem, a correspondente hipótese de Riemann para curvas algébricas não-singulares definidas sobre corpos finitos. Começamos, no capítulo 1, com uma breve introdução à teoria de corpos de funções algébricas. O objetivo é introduzir a notação e alguns resultados necessários para, nos próximos capítulos, apresentar a hipótese de Riemann para corpos de funções sobre corpos finitos e uma caracterização da curva hermitiana. No capítulo 2, definimos a função zeta ZF (t) de um corpo de funções F de uma variável sobre um corpo finito Fq com q elementos. A função zeta de F/Fq pode ser escrita da seguinte forma ZF (t) = L(t) (1− t)(1− qt) , onde L(t) é um polinômio de grau 2g, e g é o gênero de F . Todas as raízes do polinômio L(t) possuem valor absoluto igual a q−1/2 (teorema de Hasse-Weil).Em outras palavras, todos os zeros da função ζF (s) := Z(q −s) estão sobre a reta vertical Re(z) = 1/2 do plano complexo. Esta é a correspondente hipótese de Riemann para corpos de funções sobre corpos finitos. O número N de divi- sores primos de F de grau 1 é estimado por N ≤ q + 1 + 2gq1/2 (cota de Hasse-Weil). Também estudamos melhoramentos da cota de Hasse-Weil. Finalmente, começamos o capítulo 3 apresentando a definição de corpo de funções maximal. Em seguida, observa- mos que uma condição necessária para que um corpo de funções F/Fq de gênero g > 0 seja maximal é que o inteiro q seja um quadrado perfeito. E ainda, todos os corpos de funções sobre Fq2 com gênero g > q(q−1)/2 não são maximais. Um importante exemplo de corpo de funções maximal é o corpo de funções hermitiano. Este é definido sobre Fq2 pela equação yq + y = xq+1. O gênero do corpo de funções hermitiano é q(q − 1)/2. O corpo de funções hermitiano é o único corpo de funções definido sobre Fq2 que é maxi- mal e tem gênero q(q − 1)/2. Em outra linguagem, a curva hermitiana é a única curva não-singular definida sobre Fq2 maximal com gênero g = q(q − 1)/2. 3 Capítulo 1 Corpos de Funções Algébricas Neste capítulo faremos uma breve introdução à teoria de corpos de funções algébricas. O objetivo é introduzir a notação e alguns resultados necessários para, nos próximos capítulos, apresentar a hipótese de Riemann para curvas algébricas sobre corpos finitos e uma caracterização da curva hermitiana. As demonstrações dos resultados apresentados neste capítulo podem ser encontradas em [3]. Durante todo este capítulo, a menos de menção em contrário, K denotará um corpo arbitrário. 1.1 Anéis de Valorização, Lugares e Divisores Definição 1.1.1 Um corpo de funções algébricas F/K de uma variável sobre K é uma extensão F de K tal que F é uma extensão finita de K(x) para algum elemento x ∈ F transcendente sobre K. Observação 1.1.2 Chamaremos F/K simplesmente de corpo de funções. O conjunto K˜ = {z ∈ F ; z é algébrico sobre K} é um subcorpo de F , já que a soma, o produto e o inverso de elementos algébricos sobre K também são algébricos sobre K. O corpo K˜ é chamado corpo das constantes de F/K. Podemos ver facilmente que K ⊆ K˜ ⊂ F e que F/K˜ é um corpo de funções 1.1. ANÉIS DE VALORIZAÇÃO, LUGARES E DIVISORES 4 (sobre K˜). Dizemos que K é algebricamente fechado em F (ou K é o corpo total de constantes de F ) se K = K˜. Exemplo 1.1.3 O exemplo mais simples de um corpo de funções é o corpo das fun- ções racionais F = K(x), onde x ∈ F é transcendente sobre K. Todo elemento z ∈ K(x) \ {0} é representado de maneira única na forma z = a ·∏ i pi(x) ni onde a ∈ K \ {0}, os polinômios pi(x) ∈ K[x] são mônicos, dois a dois distintos e irredutíveis em K[x] e os inteiros ni ∈ Z são não-nulos apenas para uma quantidade finita de índices. Um corpo de funções arbitrário F/K pode ser representado como uma extensão algébrica simples de um corpo de funções racionais K(x), isto é, F = K(x, y) onde ϕ(y) = 0 para algum polinômio irredutível ϕ(T ) ∈ K(x)[T ]. Introduziremos agora a noção de anéis de valorização e lugares. Definição 1.1.4 Um anel de valorização de um corpo de funções F/K é um anel O ⊆ F com as seguintes propriedades: (a) K $ O $ F ; (b) Se z ∈ F , então z ∈ O ou z−1 ∈ O. Exemplo 1.1.5 Dado um polinômio irredutível p(x) ∈ K[x], o conjunto Op(x) = {f(x)/g(x); f(x), g(x) ∈ K[x], p(x) - g(x)}. é um anel de valorização de K(x)/K. E ainda, se q(x) ∈ K[x] é outro polinômio irredutível, então Oq(x) 6= Op(x). Proposição 1.1.6 Seja O um anel de valorização de um corpo de funções F/K. Então (a) O é um anel local, isto é, O possui um único ideal maximal P = O \ O∗ onde O∗ = {z ∈ O; existe w ∈ O com zw = 1} é o grupo das unidades de O∗. (b) Para x ∈ F \ {0}, x ∈ P ⇐⇒ x−1 /∈ O. (c) K˜ ⊆ O e K˜ ∩ P = {0}. 1.1. ANÉIS DE VALORIZAÇÃO, LUGARES E DIVISORES 5 Teorema 1.1.7 Seja O um anel de valorização de um corpo de funções F/K e P seu único ideal maximal. Então (a) P é um ideal principal; (b) Se P = tO então todo elemento z ∈ F \{0} possui uma única representação da forma z = tnu para algum n ∈ Z e u ∈ O∗. (c) O é um domínio principal. Mais precisamente, se P = tO e I ⊆ O é um ideal não-nulo, então I = tnO para algum n ∈ N. Um anel com as propriedades acima é chamado anel de valorização discreta. Definição 1.1.8 (a) Um lugar de um corpo de funções F/K é o ideal maximal de algum anel de valorização O de F/K. Todo elemento t ∈ P tal que P = tO é chamado elemento primo de P . (b) PF = {P ; P é um lugar de F/K}. Se O é um anel de valorização de F/K e P é um ideal maximal de O, então O = {z ∈ F ; z−1 /∈ P} (confira o item (b) da proposição 1.1.6). Dizemos que OP := O é o anel de valorização do lugar P . Exemplo 1.1.9 Considere novamente o corpo de funções racionais K(x)/K. Seja p(x) ∈ K[X] um polinômio irredutível. Os conjuntos Op(x) = {f(x)/g(x); f(x), g(x) ∈ K[x], p(x) - g(x)} e O∞ = {f(x)/g(x); f(x), g(x) ∈ K[x], gr(f(x)) ≤ gr(g(x))} são aneis de valorização de K(x)/K, cujos ideais maximais são, respectivamente: Pp(x) = {f(x)/g(x); f(x), g(x) ∈ K[x], p(x) | f(x) e p(x) - g(x)} e P∞ = {f(x)/g(x); f(x), g(x) ∈ K[x], gr(f(x)) < gr(g(x))}. Teorema 1.1.10 Não existem outros lugares no corpo de funções racionais K(x)/K além dos definidos no exemplo 1.1.9, isto é, se P ∈ PK(x) então P = P∞ ou P = Pp(x) para algum polinômio p(x) ∈ K[X] irredutível. 1.1. ANÉIS DE VALORIZAÇÃO, LUGARES E DIVISORES 6 Uma segunda descrição de lugares é dada em termos de Valorizações. Definição 1.1.11 Uma valorização discreta de F/K é uma função v : F → Z∪{∞} com as seguintes propriedades: (1) v(x) =∞⇐⇒ x = 0. (2) v(xy) = v(x) + v(y) para todo x, y ∈ F . (3) v(x+ y) ≥ min{v(x), v(y)} para todo x, y ∈ F . (4) Existe um elemento z ∈ F com v(z) = 1. (5) v(a) = 0 para todo a ∈ K \ {0}. Lema 1.1.12 (Desigualdade triangular estrita) Sejam v uma valorização discreta de F/K e x, y ∈ F com v(x) 6= v(y). Então v(x+ y) = min{v(x), v(y)}. Definição 1.1.13 Seja P ∈ PF . Escolha um elemento primo t de P e defina vP : F → Z∪ {∞} pondo vP (0) =∞ e, para cada z ∈ F \ {0}, vP (z) = n se z = tnu com n ∈ Z e u ∈ O∗P . A aplicação vP é bem-definida, pois todo elemento z ∈ F \ {0} possui uma única representação da forma z = tnu, onde n ∈ Z e u ∈ O∗P (confira o item (b) do teorema 1.1.7). E ainda, pode-se provar que vP não depende da escolha do elemento primo t. Teorema 1.1.14 Seja F/K um corpo de funções. (a) Para todo lugar P ∈ PF , a função vP definida acima é uma valorização discreta de F/K. Além disso, OP = {z ∈ F ; vP (z) ≥ 0}; O∗P = {z ∈ F ; vP (z) > 0}; P = {z ∈ F ; vP (z) = 0}. Um elemento x ∈ F é um elemento primo de P se, e somente, se vP (x) = 1. (b) Se v é uma valorização discreta de F/K, então o conjunto P := {z ∈ F ; vP (z) > 0} é um lugar de F/K e OP := {z ∈ F ; vP (z) ≥ 0} é o correspondente anel de valorização. (c) Todo anel de valorização de F/K é um subanel maximal próprio de F . Sejam P um lugar de F/K e OP seu anel de valorização. Como P é um ideal maximal, o anel das classes resíduais OP/P é um corpo. Para x ∈ OP , definimos 1.1. ANÉIS DE VALORIZAÇÃO, LUGARES E DIVISORES 7 x(P ) := x+P ∈ OP/P a classe de x módulo P e, para x ∈ F \OP , definimos x(P ) :=∞. Pelo item (c) da proposição 1.1.6 temos que K ⊂ OP e K ∩ P = {0}, assim a aplicação das classes residuais induz uma imersão canônica de K em OP/P . Por isso, K pode ser considerado um subcorpo de OP/P . O mesmo argumento vale para K¯. Definição 1.1.15 Seja P ∈ PF . (a) FP := OP/P é o corpo das classes resíduais de P . A aplicação F −→ FP ∪ {∞} x 7−→ x(P ) é chamada aplicação das classes resíduais em relação a P . (b) O grau de um lugar P é definido por grP := [FP : K]. O grau de um lugar é sempre finito. Mais precisamente, temos o seguinte resultado: Proposição1.1.16 Se P é um lugar de F/K e x ∈ P \ {0} então grP ≤ [F : K(x)] <∞. Corolário 1.1.17 O corpo de constantes K˜ de F/K é uma extensão finita de K. Definição 1.1.18 Seja z ∈ F e P ∈ PF . Dizemos que P é um zero de z se, e somente se, vP (z) > 0 e que P é um pólo de z se, e somente se, vP (z) < 0. E ainda, se vP (z) = m > 0 então P é um zero de ordem m de z e se vP (z) = −m < 0 então P é um pólo de ordem m de z. Teorema 1.1.19 (Existência de lugares) Seja F/K um corpo de funções e R um subanel de F tal que K ⊆ R ⊆ F . Se I é um ideal próprio não-nulo de R então existe um lugar P ∈ PF tal que I ⊆ P e R ⊆ OP . Observação 1.1.20 Seja F/K um corpo de funções. Então temos: 1. Se z ∈ F é uma transcendente sobre K, então z tem pelo menos um zero e um pólo. Em particular, PF 6= ∅. 1.1. ANÉIS DE VALORIZAÇÃO, LUGARES E DIVISORES 8 2. F/K possui infinitos lugares. 3. Se x ∈ F \ {0}, então x possui um número finito de zeros e pólos. A partir daqui, F/K sempre denotará um corpo de funções, onde K é o corpo total de constantes de F . Definição 1.1.21 Um divisor de F/K é um elemento do grupo abeliano livre gerado pelos lugares de F/K. Este grupo será denotado por DF e será chamado grupo dos divisores de F/K. Em outras palavras, um divisor é uma soma formal D = ∑ P∈PF nPP , onde nP ∈ Z e nP 6= 0 apenas para uma quantidade finita de lugares P ∈ PF . O suporte de D é definido por supp(D) = {P ∈ PF ; nP 6= 0}. Um divisor da forma D = P com P ∈ PF é chamado divisor primo. A soma de dois divisores D = ∑ nPP e D ′ = ∑ n ′ PP é D +D ′ = ∑ P∈PF (nP + n ′ P )P . O elemento neutro do grupo DF é o divisor 0 := ∑ P∈PF nPP , onde nP = 0 para todo P ∈ PF . Para cada Q ∈ PF e D = ∑ P∈PF nPP ∈ DF definimos vQ(D) = nQ. Assim, supp(D) = {P ∈ PF ; vP (D) 6= 0} e D = ∑ P∈supp(D) vP (D) · P . Podemos definir uma relação de ordem parcial em DF da seguinte forma: D1 ≤ D2 ⇐⇒ vP (D1) ≤ vP (D2) para todo P ∈ PF . 1.1. ANÉIS DE VALORIZAÇÃO, LUGARES E DIVISORES 9 Um divisorD ≥ 0 é dito positivo ou efetivo. O grau de um divisorD =∑P∈PF vP (D) · P é definido por gr(D) = ∑ P∈PF vP (D) · grP e a aplicação gr : DF −→ Z é um homomorfismo de grupos. Pelo item 3 da observação 1.1.20, cada elemento x não-nulo de F possui apenas número finito de zeros e pólos em PF . Assim faz sentido a seguinte definição: Definição 1.1.22 Para x ∈ F \ {0}, sejam Z o conjunto dos zeros de x em PF e N o conjunto dos pólos de x em PF . Então (x)0 := ∑ P∈Z vP (x) · P e (x)∞ := ∑ P∈N (− vP (x)) · P são respectivamente o divisor dos zeros e o divisor dos pólos de x. Dizemos também que (x) = (x)0 − (x)∞ é o divisor principal de x. Observe que (x)0 e (x)∞ são divisores positivos e (x) = ∑ P∈PF vP (x) · P . Como K é algebricamente fechado em F temos, pelo item 1 da observação 1.1.20, que x ∈ K \ {0} ⇐⇒ (x) = 0. Definição 1.1.23 O conjunto PF := {(x); 0 6= x ∈ F} (um subgrupo de DF ) é chamado grupo dos divisores principais de F/K. O grupo quociente CF = DFPF é chamado grupo das classes de divisores. Definição 1.1.24 Para cada divisor A ∈ DF , definimos o conjunto 1.1. ANÉIS DE VALORIZAÇÃO, LUGARES E DIVISORES 10 L(A) := {x ∈ F \ {0}; (x) ≥ −A} ∪ {0}. Enunciaremos agora alguns resultados envolvendo o conjunto L(A). Sejam A,B ∈ DF com A ≤ B. Então 1. x ∈ L(A) se, e somente se, vP (x) ≥ −vP (A) para todo P ∈ PF . 2. L(A) 6= {0} se, e somente se, existe um divisor A′ ∼ A com A′ ≥ 0. 3. L(0) = K. 4. Se A < 0 então L(A) = {0}. 5. L(A) é um espaço vetorial sobre K. 6. Se A ′ ∼ A então L(A) ' L(A′). 7. L(A) ⊆ L(B) e dim(L(B)/L(A)) ≤ grB − grA. Proposição 1.1.25 Para cada divisor A ∈ DF , o K-espaço vetorial L(A) tem dimensão finita. Mais precisamente, se A = A+ − A− com A+ ≥ 0 e A− ≥ 0, então dimL(A) ≤ grA+ + 1. Definição 1.1.26 Para cada divisor A ∈ DF , o inteiro dimA := dimL(A) é chamado de dimensão do divisor A. O próximo teorema garante que um elemento x ∈ F \{0} possui a mesma quantidade de zeros e pólos (contados propriamente). Teorema 1.1.27 Todo divisor principal possui grau zero. Mais precisamente, se x ∈ F \K então gr(x)0 = gr(x)∞ = [F : K(x)]. Corolário 1.1.28 (a) Sejam A,A ′ ∈ DF com A ∼ A′. Então dimA = dimA′ e grA = grA ′ . (b) Se grA < 0 então dimA = 0. (c) Para cada A ∈ DF de grau zero, temos que A é principal se, e somente se, dimA = 1. E ainda, dimA = 1 se, e somente se, dimA ≤ 1. 1.1. ANÉIS DE VALORIZAÇÃO, LUGARES E DIVISORES 11 Proposição 1.1.29 Existe uma constante γ ∈ Z tal que, para todo divisor A ∈ DF , vale grA− dimA ≤ γ. Observe que a constante γ da proposição anterior é independente de A. Ela depende apenas do corpo de funções F/K. Definição 1.1.30 O gênero g de F/K é definido por g := max{grA− dimA+ 1; A ∈ DF}. Observação 1.1.31 O gênero de F/K é um inteiro não-negativo. Teorema 1.1.32 (Teorema de Riemann) Seja F/K um corpo de funções de gênero g. (a) Para cada divisor A ∈ DF , dimA ≥ grA+ 1− g. (b) Existe um inteiro c, dependente de F/K, tal que dimA = grA+ 1− g sempre que grA ≥ c. Na próxima seção veremos que o menor inteiro c que satisfaz as condições do item (b) do teorema de Riemann é c = 2g − 1 (confira o teorema 1.2.3). Exemplo 1.1.33 O corpo de funções racional K(x)/K tem gênero g = 0. Com efeito, seja P∞ o pólo de x. Para cada r ≥ 0, os elementos 1, x, ..., xr estão em L(rP∞). Daí, segue que r + 1 ≤ dim(rP∞) Por outro lado, pelo teorema de Riemann dim(rP∞) = gr(rP∞) + 1− g = r + 1− g para r suficientemente grande. Logo g = 0, pois g é um inteiro não-negativo. 1.2. O TEOREMA DE RIEMANN-ROCH 12 1.2 O Teorema de Riemann-Roch Antes de enunciar o teorema de Riemann-Roch precisamos de uma última definição. Definição 1.2.1 Dizemos que um divisor W de F/K é um divisor canônico se, e somente se, grW = 2g − 2 e dimW ≥ g. A definição de divisor canônico acima é equivalente a definição feita em [3] (confira proposição I.6.2 em [3]). Agora podemos enunciar o teorema de Riemann-Roch. Teorema 1.2.2 (Riemann-Roch) Seja W um divisor canônico de F/K. Então, para todo A ∈ DF , dimA = grA+ 1− g + dim(W − A). Teorema 1.2.3 Se A é um divisor de F/K com grau grA ≥ 2g − 1 então dimA = grA+ 1− g. Agora, apresentaremos algumas consequências do teorema de Riemann-Roch. Proposição 1.2.4 Seja F/K um corpo de funções. As seguintes condições são equiva- lentes: (a) F/K é racional, isto é, F = K(x) para alguma transcendente x sobre K. (b) F/K tem gênero zero, e existe um divisor A ∈ DF com grA = 1. Definição 1.2.5 Sejam P ∈ PF . Dizemos que um inteiro n ≥ 0 é uma lacuna de P se, e somente se, não existe x ∈ F tal que (x)∞ = nP . Quando existe x ∈ F tal que (x)∞ = nP , dizemos que n é uma não-lacuna de P . Teorema 1.2.6 (Teorema das Lacunas de Weierstrass) Sejam F/K um corpo de funções com gênero g > 0 e um lugar P ∈ PF com grau 1. Então existem exatamente g lacunas `1 < · · · < `g de P . E ainda, `1 = 1 e `g ≤ 2g − 1. 1.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS DE CORPOS DE FUNÇÕES 13 1.3 Extensões Algébricas de Corpos de Funções Nesta seção, F/K (resp. F ′ /K ′ ) denota um corpo de funções, cujo corpo total de constantes é o corpo K (resp. K ′ ) e K é um corpo perfeito. Definição 1.3.1 (a) Um corpo de funções F ′ /K ′ é chamado uma extensão algébrica de F/K se F ′ é uma extensão algébrica de F e K ′ ⊇ K. (b) Uma extensão algébrica F ′ /K ′ de F/K é dita extensão por constantes do corpo F/K se F ′ = FK ′ (o compósito de F e K ′ ). (c) Uma extensão algébrica F ′ /K ′ de F/K é dita extensão finita se [F ′ : F ] <∞ Agora vamos estudar a relação entre os lugares de F e F ′ . Definição 1.3.2 Considere uma extensão algébrica F ′ /K ′ de F/K. Dizemos que um lugar P ′ ∈ PF ′ é extensão de P ∈ PF (e escrevemosP ′/P ) se P ⊆ P ′. Proposição 1.3.3 Seja F ′ /K ′ uma extensão algébrica de F/K. Suponha que P ( resp. P ′ ) é um lugar de F/K (resp. F ′ /K ′ ), e seja OP ⊆ F (resp. OP ′ ⊆ F ′) o correspondente anel de valorização, vP (resp. vP ′ ) a correspondente valorização discreta. Então as seguintes afirmações são equivalentes: (1) P ′ /P . (2) OP ⊆ OP ′ . (3) Existe um inteiro e ≥ 1 tal que vP ′ (x) = e · vP (x) para todo x ∈ F . Além disso, se P ′ /P então P = P ′ ∩ F e OP = OP ′ ∩ F . Uma consequência da proposição anterior é que, para P ′ /P , o homomorfismo canô- nico de FP em F ′ P ′ dado por x(P ) 7−→ x(P ′) para x ∈ OP . é uma aplicação injetiva. Por isso, podemos considerar FP como um subcorpo de F ′ P ′ . Definição 1.3.4 Sejam F ′ /K ′ uma extensão algébrica de F/K, P ′ ∈ PF ′ e P ∈ PF tais que P ′ /P . (a) O inteiro e(P ′ /P ) = e, onde 1.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS DE CORPOS DE FUNÇÕES 14 vP ′ (x) = e · vP (x) para todo x ∈ F , é chamado índice de ramificação de P ′ sobre P . E ainda, dizemos que P ′ /P é rami- ficado se e(P ′ /P ) > 1, e não ramificado se e(P ′ /P ) = 1. (b) f(P ′ /P ) = [F ′ P ′ : FP ] é chamado índice de inércia de P ′ sobre P . Proposição 1.3.5 Sejam F ′ /K ′ uma extensão algébrica de F/K, P ′ ∈ PF ′ e P ∈ PF tais que P ′ /P . Então (a) f(P ′ /P ) <∞⇐⇒ [F ′ : F ] <∞. (b) Se F ′′ /K ′′ é uma extensão algébrica de F ′ /K ′ e P ′′ ∈ PF ′′ é uma extensão de P ′, então e(P ′′ /P ) = e(P ′′ /P ′ ) · e(P ′/P ), f(P ′′ /P ) = f(P ′′ /P ′ ) · f(P ′/P ). Vamos investigar agora a existência de lugares em extensões de corpos de funções. Proposição 1.3.6 Seja F ′ /K ′ uma extensão algébrica de F/K. (a) Para cada lugar P ′ ∈ PF ′ , existe exatamente um lugar P ∈ PF tal que P ′/P , a saber P = P ′ ∩ F . (b) Cada P ∈ PF tem no mínimo uma, mas apenas uma quantidade finita, extensão P ′ ∈ PF ′ . Teorema 1.3.7 (Igualdade fundamental) Sejam F ′ /K ′ uma extensão finita de F/K, P um lugar de F/K e P1, · · · , Pm todas as extensões de P em F ′/K ′. Sejam ei = e(Pi/P ) o índice de ramificação e fi = f(Pi/P ) o índice de inércia de Pi/P . Então m∑ i=1 eifi = [F ′ : F ]. Corolário 1.3.8 Sejam F ′ /K ′ uma extensão finita de F/K e P ∈ PF . Então (a) |{P ′ ∈ PF ′ ;P ′/P}| ≤ [F ′ : F ]. (b) Se P ′ ∈ PF ′ é uma extensão de P então e(P ′/P ) ≤ [F ′ : F ] e f(P ′/P ) ≤ [F ′ : F ]. Teorema 1.3.9 (Teorema de Riemann-Hurwitz) Sejam F/K um corpo de funções de gênero g e F ′ /F uma extensão finita e separável . Sejam K ′ o corpo de constantes de F ′ e g ′ o gênero de F ′ /K ′ . Então 1.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS DE CORPOS DE FUNÇÕES 15 2g ′ − 2 = [F ′ :F ] [K′ :K](2g − 2) + grDiff(F ′ /F ), onde Diff(F ′ /F ) é o diferente de F ′ /F . O diferente de F ′ /F é, por definição, o divisor Diff(F ′ /F ) := ∑ P∈PF ∑ P ′ /P d(P ′ /P ) · P ′ ∈ DF ′ , onde d(P ′ /P ) é o expoente diferente de P ′ sobre P . O expoente diferente de P ′ sobre P é sempre não-negativo e, no caso em que a característica de K não divide e(P ′ /P ), temos d(P ′ /P ) = e(P ′ /P )− 1 (confira o teorema 1.3.10). A partir de agora, F ′ /F sempre denotará uma extensão finita separável, onde F/K e F ′ /K ′ são corpos de funções com corpos de constantes K e K ′ , respectivamente. Teorema 1.3.10 (Dedekind) (a) d(P ′ /P ) ≥ e(P ′/P )− 1. (b) d(P ′ /P ) = e(P ′ /P )− 1 se, e somente se, a característica de K não divide e(P ′/P ). Definição 1.3.11 (a) Dizemos que um lugar P é ramificado (resp. não-ramificado) em F ′ /F quando exite uma extensão P ′ ∈ PF ′ de P tal que e(P ′/P ) > 1 (resp. e(P ′ /P ) = 1). (b) Um lugar P é dito totalmente ramificado em F ′ /F quando existe apenas uma ex- tensão P ′ ∈ PF ′ de P em F ′ e, neste caso o índice de ramificação é e(P ′/P ) = [F ′ : F ]. (c) Dizemos também que F ′ /F é ramificada (resp. não-ramificada) quando existe um lugar P ∈ PF ramificado em F ′/F (resp. quando todos os lugares P ∈ PF são não-ramificados em F ′ /F ). Para finalizar esse capítulo, enunciaremos na próxima observação uma série de resul- tados importantes envolvendo extensões do corpo de constantes. Observação 1.3.12 Seja F ′ = FK ′ uma extensão por constantes do corpo F/K. Então 1. Se α ∈ F ′ é algébrico sobre K então [K(α) : K] = [F (α) : F ]. 2. K ′ é o corpo total de constantes de F ′ . 3. Cada subconjunto de F que é linearmente independente sobre K, também é linea- mente independente sobre K ′ . 1.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS DE CORPOS DE FUNÇÕES 16 4. [F : K(x)] = [F ′ : K ′ (x)] para cada x ∈ F \K. 5. F ′ /F é não-ramificada. 6. F ′ /K ′ tem o mesmo gênero de F/K. 7. Para cada P ∈ PF , temos que grP = gr( ∑ P ′/P e(P ′ /P ) · P ′). 8. O corpo de classes resíduais F ′ P ′ de um lugar P ′ ∈ PF ′ é FPK ′ (isto é, o compósito de K ′ e o corpo das classes resíduais FP ), onde P = P ′ ∩ F . 17 Capítulo 2 A Hipótese de Riemann para Curvas Algébricas Ao longo deste capítulo, F denotará um corpo de funções algébricas de gênero g cujo corpo de constantes é o corpo finito Fq com q elementos. 2.1 Introdução O objetivo nesta seção é apresentar a clássica hipótese de Riemann. A clássica função zeta de Riemann é definida por ζ(z) := ∞∑ n=1 1 nz , onde z ∈ C e Re(z) > 1. Pode-se provar que essa função é analítica para Re(z) > 1 e pode ser estendida, de forma única, a uma função analítica definida em todo o plano complexo, exceto no ponto z = 1 (onde ocorre o único pólo de ζ) e que, para z 6= 1, ζ satisfaz a equação funcional de Riemann ζ(z) = Γ(1− z)(2pi)z−12sen (piz 2 ) ζ(1− z), onde Γ é a função gama de Euler. Os números −2,−4,−6, ... são zeros de ζ e são chamados de zeros triviais. Todos os outros zeros de ζ são chamados zeros não-triviais. 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 18 Existe uma relação entre a função ζ e os números primos, que é evidenciada pela igualdade ζ(z) = ∏ p∈P 1 1− 1 pz para todo z ∈ C com Re(z) > 1, onde P é o conjunto formado por todos os números primos. Esta igualdade é conhecida como produto de Euler. A clássica hipótese de Riemann, uma das mais famosas questões em aberto da ma- temática, afirma que todos os zeros não-triviais de ζ(z) estão sobre a reta do plano complexo Re(z) = 1/2. Esta conjectura foi publicada pela primeira vez em 1859 por Riemann, e desde então permanece em aberto. Já foi provado que todos os zeros não- triviais estão na faixa 0 ≤ Re(z) ≤ 1 e que eles estão simetricamente dispostos em relação a reta Re(z) = 1/2 e, ainda, que existe uma infinidade de zeros na reta Re(z) = 1/2. O Clay Mathematics Institute oferece 1 milhão de dólares para quem apresentar uma solução deste problema. Os interessados em mais detalhes podem consultar o site www.claymath.org. No caso de corpos de funções, a correspondente hipótese de Riemann é verdadeira. Este resultado será apresentado neste capítulo. Começaremos a próxima seção apresen- tando a função zeta de um corpo de funções e explorando suas propriedades. 2.2 A Função Zeta de um Corpo de Funções A partir daqui, a menos de menção em contrário, estaremos sempre nos referindo ao corpo de funções F/Fq. Lema 2.2.1 Para cada n ≥ 0, existe apenas um número finito de divisores positivos de grau n. Demonstração. Um divisor positivo é uma soma de divisores primos. Assim, basta mostrar que o conjunto S := {P ∈ PF ; grP ≤ n} é finito. Escolha x ∈ F \Fq e considere o conjunto S0 := {P0 ∈ PFq(x); grP0 ≤ n}. Observe que P ∩ Fq(x) ∈ S0 para cada P ∈ S, e cada P0 ∈ S0 admite apenas uma quantidade finita de extensões em F . Assim, é suficiente mostrar queS0 é finito. Sejam Pn := {p(x) ∈ Fq[x]; gr(p(x)) ≤ n, p(x) é mônico e irredutível em Fq[x]} e P∞ ∈ S0 o pólo de x. A aplicação 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 19 Ψ : Pn −→ S0 \ {P∞} p(x) 7−→ Pp(x), onde Pp(x) = {f(x)/g(x); f(x), g(x) ∈ Fq[x], p(x) | f(x) e p(x) - g(x)}, é bijetiva. Logo S0 é finito, pois Pn é finito. 2 Recorde que PF denota o subgrupo de DF formado pelos divisores principais (x) =∑ P∈PF vP (x) · P com x ∈ F \ {0}. O grupo quociente CF := DF/PF é chamado grupo das classes de divisores de F/Fq. Dois divisores A,B ∈ DF são equivalentes (escrevemos A ∼ B) se A = B+(x) para algum divisor principal (x) ∈ PF . A classe de A é denotada por [A], assim temos que A ∼ B ⇐⇒ A ∈ [B] ⇐⇒ [A] = [B]. Daí, dois divisores que estão em uma mesma classe têm o mesmo grau e a mesma dimensão. Assim os inteiros gr[A] := grA e dim[A] := dimA estão bem-definidos. Definição 2.2.2 O conjunto D0F := {A ∈ DF ; gr(A) = 0}, é chamado grupo dos divisores de grau zero, e C0F := {[A] ∈ CF ; gr[A] = 0}, é o grupo das classes dos divisores de grau zero. Observação 2.2.3 Os conjuntos D0F e C0F são, de fato, subgrupos de DF e CF , respecti- vamente. Proposição 2.2.4 C0F é um grupo finito. Demonstração. Escolha um divisor B ∈ CF de grau maior ou igual a g, digamos n = grB e considere o conjunto CnF := {[C] ∈ CF ; gr[C] = n} A aplicação ϕ : C0F −→ CnF [A] 7−→ [A+B] 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 20 é bijetiva, assim é suficiente verificar que CnF é finito. Primeiramente vamos provar a seguinte afirmação: Para todo [C] ∈ CnF , existe um divisor A ∈ [C] com A ≥ 0. Com efeito, como grC = n ≥ g temos, pelo teorema de Riemann-Roch, que dimL(C) = dim[C] ≥ n + 1 − g ≥ 1, isto é, existe x ∈ F \ {0} tal que C + (x) ≥ 0. Isto prova a afirmação. Por outro lado, exite apenas uma quantidade finita de divisores positivos com grau n (confira lema 2.2.1). Logo o conjunto CnF é finito. 2 Definição 2.2.5 Dizemos que o inteiro (positivo) h := hF := |C0F | é o número de classes de F/Fq. Definimos o inteiro δ := min{grA; A ∈ DF e grA > 0}. A imagem do homomorfismo gr : DF → Z é o subgrupo de Z gerado por δ. Logo o grau de todo divisor de F/Fq é múltiplo de δ. Observação 2.2.6 Se δ | n então o número de elementos do conjunto CnF := {[C] ∈ CF ; gr[C] = n} é h. Com efeito, escolha B ∈ DF de grau n (existe pois δ | n) e considere a aplicação ϕ : C0F −→ CnF [A] 7−→ [A+B]. Obviamente, ϕ é uma bijeção. Para todo inteiro n ≥ 0, definimos An := |{A ∈ DF ; A ≥ 0 e grA = n}|. Observe que A0 = 1 e A1 é o número de lugares P ∈ PF de grau 1. Lema 2.2.7 (a) An = 0 se δ - n. (b) Para cada classe [C] ∈ CF fixada, temos |{A ∈ [C];A ≥ 0}| = 1 q − 1(q dim[C] − 1). 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 21 (c) Para cada inteiro n > 2g − 2 com δ | n, temos An = h q − 1(q n+1−g − 1). Demonstração.(a) Trivial. (b) As condições A ∈ [C] e A ≥ 0 são equivalentes a A = C + (x) para algum x ∈ F \ {0} com (x) ≥ −C, isto é, x ∈ L(C) \ {0}. Existem qdim[C] − 1 elementos x ∈ L(C) \ {0}. Por outro lado, para x, y ∈ L(C) \ {0} temos que (x) = (y)⇐⇒ x = αy para algum α ∈ Fq \ {0}. Logo |{A ∈ [C];A ≥ 0}| = 1 q−1(q dim[C] − 1). (c) Existem h = hF classes de divisores de grau n, digamos [C1], ..., [Ch]. Pelo item (b) e pelo teorema de Riemann-Roch, temos |{A ∈ [Cj];A ≥ 0}| = 1 q − 1(q dim[Cj ] − 1) = 1 q − 1(q n+1−g − 1) (pois n ≥ 2g − 1). Como cada divisor de grau n está em exatamente uma das classes [C1], ..., [Ch] temos que An = h∑ j=1 |{A ∈ [Cj];A ≥ 0}| = h q − 1(q n+1−g − 1). 2 Observação 2.2.8 An ∈ Z para todo n ≥ 0. Definição 2.2.9 A série de potências Z(t) := ZF (t) := ∞∑ n=0 Ant n ∈ C[[t]] é chamada função zeta de F/Fq. Proposição 2.2.10 A série Z(t) = ∑∞ n=0Ant n converge sempre que |t| < 1 q . Mais precisamente, para |t| < 1 q , temos: (a) Se F/Fq tem gênero g = 0 então Z(t) = 1 q − 1 ( q 1− (qt)δ − 1 1− tδ ) . 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 22 (b) Se g ≥ 1, então Z(t) = F (t) +G(t) onde F (t) = 1 q − 1 ∑ 0≤gr[C]≤2g−2 qdim[C] · tgr[C], e G(t) = h q − 1 ( q1−g(qt)2g−2+δ 1 1− (qt)δ − 1 1− tδ ) , onde h é número de classes de F/Fq. Demonstração. (a) Primeiramente vamos mostrar que o número de classes de um corpo de funções de gênero zero é h = 1, isto é, todo divisor A de grau zero é principal. Com efeito, seja A um divisor de grau zero. Como 0 > 2g − 2 temos, pelo teorema de Riemann-Roch, que dimA = grA+ 1− g = 1. Assim existe x ∈ F \ {0} com (x) ≥ −A e, logo A = −(x) = (x−1) pois (x) e −A são divisores de grau zero. Isto prova que todo divisor A de grau zero é principal. Agora, como para todo inteiro positivo n vale n ≥ −2 = 2g − 2 temos, pelo item (c) do lema 2.2.7, que ∞∑ n=0 Ant n = ∞∑ n=0 Aδnt δn = ∞∑ n=0 1 q − 1(q δn+1 − 1)tδn = 1 q − 1 ( q ∞∑ n=0 (qt)δn − ∞∑ n=0 tδn ) = 1 q − 1 ( q 1− (qt)δ − 1 1− tδ ) para |qt| < 1. (b) Para g ≥ 1, temos ∞∑ n=0 Ant n = ∑ gr[C]≥0 |{A ∈ [C];A ≥ 0}| · tgr[C] = ∑ gr[C]≥0 qdim[C] − 1 q − 1 · t gr[C] = 1 q − 1 ∑ 0≤gr[C]≤2g−2 qdim[C] · tgr[C] + 1 q − 1 ∑ gr[C]>2g−2 qgr[C]+1−g · tgr[C] − 1 q − 1 ∑ gr[C]≥0 tgr[C] = 1 q − 1 ∑ 0≤gr[C]≤2g−2 qdim[C] · tgr[C] + 1 q − 1 ( ∞∑ n=(2g−2)/δ+1 hqnδ+1−g · tnδ − ∞∑ n=0 htnδ ) = 1 q − 1 ∑ 0≤gr[C]≤2g−2 qdim[C] · tgr[C] + h q − 1 ( q1−g(qt)2g−2+δ 1 1− (qt)δ − 1 1− tδ ) .2 Observação 2.2.11 O número de classes de um corpo de funções F/Fq de gênero zero 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 23 é h = 1 (veja a primeira parte da demonstração do item (a) da proposição anterior). Dizemos que um produto infinito ∏∞ j=1(1 + aj) com aj ∈ C \ {0} é convergente com limite a ∈ C se limn→∞ ∏n j=1(1 + aj) = a 6= 0. O produto é dito absolutamente convergente se ∑∞ j=1 |aj| <∞. Da análise, é bem conhecido que convergência absoluta implica convergência do produto, e que o limite de um produto absolutamente conver- gente é independente da ordem dos fatores. Além disso, se o produto ∏∞ i=1(1+ ai) = a é absolutamente convergente, então ∏∞ i=1(1 + ai) −1 também é absolutamente convergente e ∏∞ i=1(1 + ai) −1 = a−1. Proposição 2.2.12 (Produto de Euler) Para |t| < 1 q , a função Zeta pode ser repre- sentada como o produto absolutamente convergente Z(t) = ∏ P∈PF (1− tgrP )−1. Em particular, Z(t) 6= 0 para |t| < 1 q . Demonstração. O produto ∏ P∈PF (1− tgrP )−1 é absolutamente convergente para |t| < 1/q, pois ∑ P∈PF |tgrP | ≤ ∑∞ n=0An|t|n <∞. Para concluir, basta observar que ∏ P∈PF (1− tgrP )−1 = ∏ P∈PF ∞∑ n=0 tgr(nP ) = ∑ A∈DF ;A≥0 tgrA = ∑ grA=0;A≥0 t0 + ∑ grA=1;A≥0 t1 + · · · = A0 + A1t+ · · · = ∞∑ n=0 Ant n = Z(t). para |t| < 1/q. 2 Lema 2.2.13 Seja Fr := FFqr , isto é, Fr é o compósito de F e Fqr . (a) Fr/F é uma extensão cíclica de grau r (isto é, Fr/F é galoisiana com grupo de Galois cíclico de grau r). O grupo de Galois Gal(Fr/F ) é gerado pelo automorfismo de Frobenius σˆ de Fr/F . (b) Seja P ∈ PF um lugar, digamos grP = m. Então P possui exatamente d := MDC(m, r) extensões P1, · · · , Pd em Fr e, para cada 1 ≤ i ≤ d temos que grPi = m/d. Consequentemente, o número de lugares de grau 1 de Fr/Fqr é maior ou igual ao o número de lugares de grau 1 de F/Fq. 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 24 Demonstração. (a) É bem conhecido que a extensão Fqr/Fq é cíclica de grau r, e o grupo de galois Gal(Fqr/Fq) = 〈σ〉 onde σ é o automorfismo de Frobenius de Fqr/Fq (isto é, σ : Fqr −→ Fqr é dado por σ(α) = αq). Daí, segue que o automorfismo de Frobenius σˆ de Fr/F (isto é, a aplicação σˆ : Fr −→ Fr dada por σˆ(α) = α, ∀α ∈ F e σˆ(α) = αq,∀α ∈ Fqr) é um elementodo grupo de automorfismos Aut(Fr/F ) de Fr/F com ordem maior ou igual a r. Por outro lado, como [Fr : F ] = [Fqr : Fq] (confira o item 1 da observação 1.3.12) temos que |Aut(Fr/F )| ≤ r. Logo σˆ tem ordem r, a extensão Fr/F é galoisiana e o grupo de galois Gal(Fr/F ) := Aut(Fr/F ) = 〈σˆ〉 de Fr/F é cíclico de ordem r e gerado por σˆ. (b) Seja P ∈ PF , digamos grP = m. Para cada P ′ ∈ PFr com P ′/P , o corpo das classes resíduais de P ′ é FrP ′ = FPFqr (confira o item 8 da observação 1.3.12). Seja l = MMC(m, r). Como FP = Fqm temos que FrP ′ = FqrFqm = Fql . Logo grP ′ = [Fql : Fqr ] = lr = MMC(m,r) r = m MDC(m,r) = m d . Como gr( ∑ P ′/P e(P ′ /P ) ·P ′) = grP = m e e(P ′/P ) = 1 (confira o item 7 da observação 1.3.12), segue que P possui exatamente d extensões em Fr. 2 Para provar a próxima proposição vamos precisar do seguinte resultado: Se m ≥ 1 e r ≥ 1 são inteiros e d = MDC(m, r), então (Xr/d − 1)d = ∏ ξr=1 (X − ξm), onde ξ percorre o conjunto das raízes r-ésimas da unidade em C. Substituindo X por t−m na equação anterior e multiplicando ambos os membros da igualdade acima por trm, obtemos (1− tmrd )d = ∏ ξr=1 (1− (ξt)m). Proposição 2.2.14 Sejam Z(t) e Zr(t) as funções Zeta de F e Fr = FFqr respectiva- mente. Então Zr(t) = ∏ ξr=1 Z(ξt) 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 25 para todo t ∈ C (onde ξ percorre o conjunto das raízes r-ésimas da unidade). Demonstração. Para |t| < 1/q (isto é, |tr| < 1/qr), temos Zr(t) = ∏ P∈PF ∏ P ′ /P (1− trgrP ′ )−1 (produto de Euler). Para um lugar P ∈ PF fixado, seja m := grP e d := MDC(m, r). Então, ∏ P ′/P (1− trgrP ′ ) = (1− t rmd )d = ∏ ξr=1 (1− (ξt)m) = ∏ ξr=1 (1− (ξt)grP ). Logo Zr(t) = ∏ ξr=1 ∏ P∈PF (1− (ξt)grP )−1 = ∏ ξr=1 Z(ξt). 2 Corolário 2.2.15 (F. K. Schmidt) δ = 1. Demonstração. Para ξδ = 1, temos Z(ξt) = ∏ P∈PF (1− (ξt)grP )−1 = ∏ P∈PF (1− (t)grP )−1 = Z(t), pois δ divide o grau de P para todo P ∈ PF . Assim, pela proposição anterior Zδ(t δ) = Z(t)δ. A função racional Zδ(t δ) tem um pólo simples em t = 1, e Z(t)δ tem um pólo de ordem δ em t = 1. Logo δ = 1. 2 Observação 2.2.16 O homomorfismo gr : DF → Z é sobrejetor, isto é, todo corpo de funções cujo corpo de constantes é finito possui divisor de grau 1. 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 26 Corolário 2.2.17 (a) Todo corpo de funções F/Fq de gênero zero é racional, e a função Zeta é Z(t) = 1 (1− t)(1− qt) . (b) Se F/Fq tem gênero g ≥ 1, então a função Zeta pode ser escrita na forma Z(t) = F (t) +G(t) onde F (t) = 1 q − 1 ∑ 0≤gr[C]≤2g−2 qdim[C] · tgr[C] e G(t) = h q − 1 ( qgt2g−1 1 1− qt − 1 1− t ) . Demonstração. Este resultado é uma consequência imediata do corolário anterior e das proposições 1.2.4 e 2.2.10. 2 Proposição 2.2.18 (Equação funcional da função Zeta) A função Zeta de F/Fq satisfaz a equação funcional Z(t) = qg−1t2g−2Z( 1 qt ) Demonstração. Para g = 0 temos, pelo item (a) do corolário anterior, que qg−1t2g−2Z( 1 qt ) = 1 qt2 1 (1− 1 qt )(1− q 1 qt ) = 1 (1− t)(1− qt) = Z(t). Para g ≥ 1, podemos escrever Z(t) = F (t)+G(t) como no item (b) do corolário anterior. Seja W um divisor canônico de F . Então (q − 1)F (t) = ∑ 0≤gr[C]≤2g−2 qdim[C] · tgr[C] = ∑ 0≤gr[C]≤2g−2 qgr[C]+1−g+dim[W−C] · tgr[C] = qg−1t2g−2 ∑ 0≤gr[C]≤2g−2 qgr[C]−(2g−2)+dim[W−C] · tgr[C]−(2g−2) = qg−1t2g−2 ∑ 0≤gr[C]≤2g−2 qdim[W−C] · ( 1 qt )gr[W−C] = qg−1t2g−2(q − 1)F ( 1 qt ). 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 27 Usamos acima que gr[W ] = 2g − 2 e que {[C]; 0 ≤ [C] ≤ 2g − 2} = {[W − C]; 0 ≤ [W − C] ≤ 2g − 2}. Para a função G(t) temos qg−1t2g−2G( 1 qt ) = h q − 1q g−1t2g−2 ( qg( 1 qt )2g−1 1 1− q 1 qt − 1 1− 1 qt ) = h q − 1 (1 t 1 1− 1 t − q gt2g−1 qt(1− 1 qt ) ) = G(t). Logo Z(t) = F (t) +G(t) = qg−1t2g−2F ( 1 qt ) + qg−1t2g−2G( 1 qt ) = qg−1t2g−2Z( 1 qt ). 2 Definição 2.2.19 O polinômio L(t) = LF (t) = (1 − t)(1 − qt)Z(t) é chamado o L- polinômio de F/Fq. Observação 2.2.20 Pelo corolário 2.2.17, temos que L(t) é, de fato, um polinômio. E ainda, o grau de L(t) é menor ou igual a 2g. Note que L(t) contém todas as informações sobre os números An (n ≥ 0), já que L(t) = (1− t)(1− qt) ∞∑ n=0 Ant n. Por isso, apresentaremos agora algumas propriedades do polinômio L(t): 1. L(t) ∈ Z[t]. 2. grL(t) = 2g. 3. L(t) = qgt2gL( 1 qt ) 4. L(1) = h, onde h é o número de classes de F/Fq. 5. Se L(t) = a0 + a1t+ · · · a2gt2g então (a) a0 = 1; (b) a2g = q g ; (c) a2g−i = qg−iai para 0 ≤ i ≤ g; (d) a1 = N − (q + 1), onde N é o número de lugares P ∈ PF com grau 1. 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 28 6. L(t) se fatora em C[t] na forma L(t) = 2g∏ i=1 (1− αit) Os números complexos α1, · · · , α2g são inteiros algébricos (isto é, cada um deles é raiz de algum polinômio mônico com coeficientes inteiros), eles podem ser or- denados, renomeando se necessário, de forma que αiαg+i = q para i = 1, · · · , g e qg = ∏2g i=1 αi. 7. Se Lr(t) = (1− t)(1− qrt)Zr(t) denota o L-polinômio da extensão por constantes do corpo F/K de grau r, isto é, de Fr = FFqr , então Lr(t) = 2g∏ i=1 (1− αri t). Demonstração. Podemos supor que g ≥ 1 (Caso contrário, temos que g = 0 e, logo L(t) = 1. Donde seguem imediatamente as propriedades acima). (1) Basta comparar os coeficientes na igualdade abaixo L(t) = (1− t)(1− qt) ∞∑ n=0 Ant n. (2) Já vimos que grL(t) ≤ 2g. Por outro lado, o coeficiente do termo t2g é qg (conforme será provado em (5)). Logo grL(t) = 2g. (3) Pelo teorema anterior, L(t) = (1− t)(1− qt)Z(t) = qg−1t2g−2(1− t)(1− qt)Z( 1 qt ) = qgt2g(1− 1 qt )(1− q 1 qt )Z( 1 qt ) = qgt2gL( 1 qt ). (4) Pela proposição 2.2.17, L(t) = (1− t)(1− qt)Z(t) = (1− t)(1− qt)F (t) + (1− t)(1− qt)G(t) = (1− t)(1− qt)F (t) + (1− t)(1− qt) h q − 1 ( qgt2g−1 1 1− qt − 1 1− t ) = (1− t)(1− qt)F (t) + h q − 1q gt2g−1(1− t)− h q − 1(1− qt). 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 29 Logo L(1) = 0 + 0− (−h) = h. (5) Seja L(t) = a0 + · · ·+ a2gt2g. Pela propriedade (3), L(t) = qgt2gL( 1 qt ) = a2g qg + a2g−1 qg−1 t+ · · ·+ qga0t2g. Assim, a2g−i = qg−iai para i = 1, ..., 2g. Comparando os coeficientes de t0 e t1 de ambos os membros da igualdade L(t) = (1 − t)(1 − qt)∑∞n=0Antn, obtemos a0 = A0 = 1 e a1 = A1 − (q + 1)A0 = N − (q + 1) (pois A0 = 1 e N := A1 é o número de lugares de grau 1). Finalmente de 1 = a0 = a2g/q g , obtemos a2g = q g . (6) Considere o polinômo recíproco L⊥(t) = a0t2g + a1t2g−1 + · · ·+ a2g = t2g + a1t2g−1 + · · ·+ qg. de L(t). O polinômio L⊥(t) tem coeficientes inteiros e, é mônico. Assim, as raízes α1, ..., α2g ∈ C de L⊥(t) são inteiros algébricos, L⊥(t) = 2g∏ i=1 (t− αi) e L(t) = t2gL⊥( 1 t ) = 2g∏ i=1 (1− αit). Observe que L⊥(α) = 0 ⇐⇒ L(1/α) = 0. Pela propriedade (3), temos que L⊥(α) = 0⇐⇒ L⊥(q/α) = 0. Renomeando, se necessário, podemos ordenar as raízes de L⊥(t) da seguinte forma α1, ..., αg, αg+1 = q α1 , ..., α2g = q αg . Finalmente, note que ∏2g i=1 αi = q g . (7) Já vimos que Zr(t) = ∏ ξr=1 Z(ξt) 2.2. A FUNÇÃO ZETA DE UM CORPO DE FUNÇÕES 30 (confira proposição 2.2.14). Assim, Lr(t r) = (1− tr)(1− qrtr) ∏ ξr=1 Z(ξt) = (1− tr)(1− qrtr) ∏ ξr=1 L(ξt) (1− (ξt))(1− q(ξt)) = ∏ ξr=1 L(ξt) = 2g∏ i=1 ∏ ξr=1 (1− αiξt) = 2g∏ i=1 (1− αri tr). Logo Lr(t) = 2g∏ i=1 (1− αri t). 2 Observação 2.2.21 Na próxima seção, mostraremos que as raízes α1, ..., α2g do polinô- mio L⊥(t) satisfazem |αi| = q1/2. Este resultado é conhecido como oTeorema de Hasse-Weil ou a Hipótese de Riemann para Corpos de Funções. O motivo desta última denominação também será justificado (veja página 38). O número N(F ) := N = |{P ∈ PF ; grP = 1}| pode ser facilmente calculado quando o L-polinômio L(t) é conhecido, já que N = q + 1− a1 pela propriedade 5.(d). Para r ≥ 1, considere o número Nr := N(Fr) = |{P ∈ PFr ; grP = 1}|, onde Fr = FFqr é a extensão por constantes do corpo F/Fq de grau r. Proposição 2.2.22 Para r ≥ 1, Nr = q r + 1− 2g∑ i=1 αri , onde α1, · · · , α2g são as raízes do polinômio recíproco de L(t). Em particular, N = N1 = q + 1− 2g∑ i=1 αi, 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 31 Demonstração. Pela propriedade 5.(d), Nr− (qr+1) é o coeficiente de t em Lr(t). Por outro lado, como Lr(t) = ∏2g i=1 (1− αri t), este mesmo coeficiente é − ∑2g i=1 α r i t. Logo Nr = q r + 1− 2g∑ i=1 αri . 2 2.3 O Teorema de Hasse-Weil O próximo teorema estabelece uma cota superior para o número de lugares de grau 1 de um corpo de funções F/Fq com certas propriedades. Proposição 2.3.1 Considere o corpo de funções F/Fq. Se q é um quadrado perfeito e q ≥ (g + 1)4 então o número de lugares N = N(F ) de F/Fq de grau 1 é no máximo q + (2g + 1)q1/2. Demonstração. Podemos assumir que existe um lugar Q ∈ PF de grau 1 (caso contrá- rio, N = 0 e a proposição é trival). Pondo q0 := q 1/2,m := q0 − 1 e n := 2g + q0. temos que r := q − 1 + (2g + 1)q 12 = m+ nq0. Seja T := {i; 0 ≤ i ≤ m, e i é uma não-lacuna de Q}. Para cada i ∈ T , escolha um elemento ui ∈ F com divisor dos polos (ui)∞ = iQ. Então o conjunto {ui; i ∈ T} é uma base de L(mQ). Considere o espaço L := L(mQ) · L(nQ)q0 ⊆ L(rQ). (Por definição, L é o conjunto de todas as somas finitas ∑ki=1 xizq0i com xi ∈ L(mQ) e zi ∈ L(nQ); L é um espaço vetorial sobre Fq, e L ⊆ L(rQ).). Suponha que existe um elemento x ∈ L \ {0} tal que x(P ) = 0 para todo P ∈ PF com grP = 1 e P 6= Q 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 32 Então todos os lugares de grau 1 (exceto Q) são zeros de x, e o divisor dos zeros (x)0 tem grau gr(x)0 ≥ N − 1. Por outro lado, como L ⊆ L(rQ), temos que gr(x)0 = gr(x)∞ ≤ r = q − 1 + (2g − 1)q 12 . Logo N ≤ q + (2g + 1)q 12 . Assim, resta mostrar que existe x satisfazendo x ∈ L \ {0} e x(P ) = 0 para todo P ∈ PF com grP = 1 e P 6= Q. Afirmação 1. Cada y ∈ L pode ser escrito de maneira única na forma y = ∑ i∈T uiz q0 i onde zi ∈ L(nQ) e {ui; i ∈ T} é a base de L(mQ) acima mencionada. Primeiramente vamos mostrar a existência. Com efeito, seja y ∈ L. Daí, y = k∑ j=1 xjz q0 j = k∑ j=1 ( ∑ i∈T αjiui)z q0 j = ∑ i∈T ( ui k∑ j=1 αjiz q0 j ) = ∑ i∈T ui ( k∑ j=1 βjizj︸ ︷︷ ︸ ∈ L(nQ) )q0 , onde βq0ji = αji, αji ∈ Fq e k ∈ N. Para provar a unicidade, suponha por contradição que y = ∑ i∈T uix q0 i = 0 com xi ∈ L(nQ) e xi 6= 0 para algum i ∈ T . Para cada índice i ∈ T com xi 6= 0, temos vQ(uix q0 i ) ≡ vQ(ui) ≡ −i mod q0. Como m = q0−1 temos que os números i ∈ T são dois a dois distintos módulo q0. Assim, vQ (∑ i∈T uix q0 i ) = min{vQ(uixq0i ); i ∈ T} 6=∞. 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 33 Logo ∑ i∈T uix q0 i 6= 0. Contradição. Considere a aplicação λ : L −→ L((q0m + n)Q) dada por λ( ∑ i∈T uiz q0 i ) = ∑ i∈T uq0i zi, onde zi ∈ L(nQ). Pela afirmação 1, a aplicação λ está bem-definida. Observe que λ é um homomorfismo de grupos. Afirmação 2. O núcleo de λ não é {0}. Com efeito, como λ é um homomorfismo de L em L((q0m + n)Q) é suficiente mostrar que dimL > dimL((q0m+ n)Q). Segue da afirmação 1 e do teorema de Riemann-Roch que dimL = dim(mQ) · dim(nQ) ≥ (m+ 1− g)(n+ 1− g). Por outro lado, de q0m+ n = q0(q0 − 1) + (2g + q0) = 2g + q, obtemos dimL((q0m+ n)Q) = 2g + q + 1− g = g + q + 1. Assim, para concluir a demonstração da afirmação 2, basta mostrar que (m+ 1− g)(n+ 1− g) > g + q + 1. Para isto, considere as equivalências (m+ 1− g)(n+ 1− g) > g + q + 1 ⇐⇒ (q0 − g)(2g + q0 + 1− g) > g + q + 1 ⇐⇒ q − g2 + q0 − g > g + q + 1 ⇐⇒ q0 > g2 + 2g + 1 = (g + 1)2 ⇐⇒ q > (g + 1)4. 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 34 Mas temos por hipótese que q > (g + 1)4 logo isto prova afirmação 2. Afirmação 3. Seja x ∈ L \ {0} um elemento do núcleo de λ e P 6= Q um lugar de grau 1. Então x(P ) = 0. Note que y(P ) 6=∞ para cada y ∈ L pois Q é o único polo de y. Além disso, como Fq é o corpo das classes residuais de P , segue que y(P )q = y(P ). Agora considere x ∈ L\{0} com λ(x) = 0. Escrevendo x = ∑ i∈T uiz q0 i , obtemos x(P )q0 = (∑ i∈T ui(P ) · zi(P )q0 )q0 = (∑ i∈T uq0i (P ) · zi(P )q ) = (∑ i∈T uq0i zi ) (P ) = λ(x)(P ) = 0. Isto prova a afirmação 3. 2 A demonstração do próximo lema depende apenas da teoria de grupos e será omitida. Lema 2.3.2 Se um grupo G ′ é o produto direto G ′ = 〈σ〉×G, onde 〈σ〉 e G são subgrupos de G ′ tais que |G| = m, ord(σ) = n e m | n, então todo subgrupo H de G′ satisfazendo |H| = nk e |H ∩G| = k possui exatamente k subgrupos U1, ..., Uk cíclicos de ordem n com Ui ∩G = {1} para i = 1, ..., k. Demonstração. Veja ref. [3] página 174. 2 Dados E/L uma extensão galoisiana de grau m e Fq o corpo total de constantes de E e L, escolha um inteiro n > 0 com m | n e sejam E ′ := EFqn e F ′ := FFqn as corres- pondentes extensões por constantes do corpos E e F de grau n, respectivamente. Então E ′ /L é galoisiana e G ′ = Gal(E ′ /L) = 〈σ〉 ×G, onde σ é o automorfismo de Frobenius de E ′ /E e G = Gal(E ′ /L ′ ) ' Gal(E/L). Pelo lema anterior, G′ possui exatamente m subgrupos cíclicos U de grau m com U ∩ G = {1}, digamos U1 = 〈σ〉 , · · · , Um. Para 1 ≤ i ≤ m, seja Ei o corpo fixo de Ui (obs.: E1 = E). Denote por g(Ei) o gênero de Ei e por N(Ei) e N(L) os números de lugares de grau 1 de Ei e L, respectivamente. Proposição 2.3.3 Considerando a notação acima, temos: (a) Fq é o corpo de constantes de Ei, para i = 1, ..., n. (b) E ′ = EiFqn e g(Ei) = g(E), para i = 1, ..., n. (c) m ·N(L) =∑ni=1N(Ei). Demonstração.(a) e (b) Note que Ui∩G = {1}. Da teoria de Galois, E ′ é o compósito de Ei e L ′ , daí E ′ = EiL ′ = EiLFqn = EiFqn . Como [E ′ : Ei] = |Ui| = n, isto implica que 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 35 Fq é o corpo de constantes de Ei. O gênero é invariante pelas extensões por constantes, logo g(Ei) = g(E ′ ) = g(E) para i = 1, ...,m. (c) Considere os conjuntos X := {P ∈ PL; grP = 1} e, para i = 1, ...,m, Xi := {Q ∈ PEi ; grQ = 1}. Vamos mostrar que m · |X| = ∣∣∣ m⋃ i=1 Xi ∣∣∣. Fixado um lugar P ∈ X, seja P ′ ∈ PE′ com P ′/P , e seja P1 = P ′ ∩ E. O índice de inércia f(P1/P ) divide m, pois E/L é galoisiana. Daí, f(P1/P ) divide n e o corpo das classes resíduais de P ′ é Fqn (confira o item 8 da observação 1.3.12). Isto mostra que o índice de inércia de P ′ /P é f(P ′ /P ) = n. Sendo e := e(P ′ /P ) o índice de ramificação de P (observe que e depende apenas de P pois E ′ /L é galoisiana) e r := |{P ′ ∈ PE′ ; P ′/P}|, temos m · n = [E ′ : L] = e(P ′/P ) · f(P ′/P ) · r = e · n · r. Daí, m = e · r. Para concluir a demonstração basta provar as duas afirmações abaixo: Afirmação 1. Para cada Q ∈ Xi com Q/P , existe exatamente um lugar Q′ ∈ PE′ com Q ′ /Q. Com efeito, se Q ′ ∈ PE′ é uma extensão de Q ∈ Xi e Q/P , então f(Q ′ /Q) = f(Q ′ /Q) · f(Q/P ) = f(Q′/P ) = n. Assim, f(Q ′ /Q) = [E ′ : Ei]. Donde segue que Q ′ é a única extensão de Q em E ′ /Ei. Afirmação 2. Para cada Q ′ ∈ PE′ com Q′/P , existem exatamente e lugares distintos Q ∈ ⋃mi=1Xi tais que Q′/Q. De fato, dado Q ′ ∈ PE′ com Q′/P , sejam H ⊂ Gal(E ′/L) o grupo de decomposição de Q ′ sobre P , Z ⊆ E ′ o corpo fixo de H e PZ := Q′ ∩ Z. Então |H| = e(Q′/P ) · f(Q′/P ) = e · n e f(PZ/P ) = 1. Em particular,Fq é o corpo total de constantes de Z. Da teoria de Galois, o corpo fixo de H ∩ G é ZL′ . Como ZL′ = ZLFqn = ZFqn e [ZFqn : Z] = n temos que 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 36 |H ∩G| = [E ′ : Z]/[ZL′ : Z] = ne/n = e. Com PZ é não ramficado em ZL ′ = ZFqn e T := ZL ′ é o corpo de inércia e H ∩ G é o grupo de inércia de Q ′ /P (confira em [3], na página 120, o teorema III.8.3). Assim, exatamente e dos subgrupos cíclicos U1, ..., Um ⊆ Gal(E ′/L) de ordem n com Ui ∩ G = {1} são subgrupos de H, digamos Ui1 , ..., Uie . Seja Qij = Q′ ∩ Eij . Como Eij contém o corpo de decomposição de Q ′ sobre P temos que Q ′ é a única extensão de Qij em E ′ . Por outro lado, e(Q/Qij) = 1, já que E ′ é uma extensão por constantes do corpo Eij . Logo f(Q/Qij) = [E ′ : Eij ] = n = f(Q ′ /P ). Daí, grQij = 1. Desta forma encontramos e lugares distintos Qij ∈ ⋃m i=1Xi tais que Q ′ /Qij . Reciprocamente, se Q ∈ Xi para algum i ∈ {1, ...,m} e Q′/Q, então f(Q′/Q) = n. assim Ui = Gal(E ′ /Ei) está contido no grupo de decomposição H de Q ′ sobre P , isto é, Ui é algum dos Uij acima, e Q é o correspondente lugar Qij (j ∈ {1, ..., e}). Isto prova a afirmação 2. 2 Recorde que L⊥F (t) denota o polinômio recíproco de LF (t). Teorema 2.3.4 (Hasse-Weil) As raízes α1, ..., α2g do polinômio L ⊥ F (t) satisfazem |αi| = q1/2, para i = 1, · · · , 2g. Demonstração. Escolha um subcorpo racional F0 = Fq(t) de F tal que F/F0 seja separável (é possível fazer essa escolha, confira, em [3], a proposição III.9.2) e uma extensão finita E de F tal que E/F0 seja galoisiana. O corpo de constantes de E é uma extensão finita de Fq, digamos Fqd . Podemos supor que qd é um quadrado perfeito e qd > (g(E) + 1)4 (Caso contrário, escolha ` ∈ N tal que q`d é um quadrado perfeito e q`d > (g(E)+1)4 e considere o corpo de funções EFq`d , FFq`d e F0Fq`d ao invés de E, F e F0, respectivamente). Sejamm := [E : FFqd ] e n := [E : F0Fqd ], onde FFqd (resp. F0Fqd) denota o compósito de F e Fqd (resp. F0 e Fqd). Considere as extensões por constantes dos corpos E := EFqd , F := FFqd e F0 := F0Fqd de grau n, isto é, E ′ := EFqdn , F ′ := FFqdn e F ′ 0 := F0Fqdn , respectivamente. Existem exatamente m subgrupos cíclicos distintos V1, · · · , Vm ⊆ Gal(E ′/FFqd) de ordem n com Vi∩Gal(E ′/F ′) = {1}. Por outro lado, existem exatamente n subgrupos cíclicos distintos U1, · · · , Un ⊆ Gal(E ′/F0Fqd) de 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 37 ordem n com Uj ∩ Gal(E ′/F ′0) = {1}. Afirmação: Vi ∩ Gal(E ′/F ′0) = {1}. Ora, basta observar que E ′ = F ′ 0Hi, onde Hi é o corpo fixo de Vi. Assim, podemos assumir que Vi = Ui para i = 1, · · · ,m. Para cada 1 ≤ i ≤ n, seja Ei o corpo fixo de Ui. Assim, m ·N(FFqd) = m∑ i=1 N(Ei) e n ·N(F0Fqd) = n∑ i=1 N(Ei) (confira o item (c) da proposição 2.3.3). Por outro lado, N(Ei) ≤ qd + 1 + (2g(E) + 1)qd/2 (confira o item (b) da proposição 2.3.1 e a proposição 2.3.3). Logo m ·N(FFqd) = n ·N(F0Fqd) + m∑ i=1 N(Ei)− n∑ i=1 N(Ei) = n(qd + 1)− n∑ i=m+1 N(Ei) ≥ n(qd + 1)− (n−m)(qd + 1 + (g(E) + 1)qd/2) = m(qd + 1)− (n−m)(g(E) + 1)qd/2. Daí, N(FFqd) ≥ qd + 1− n−m m (2g(E) + 1)qd/2. Observe que os números m,n e g(E) são invariantes pelas extensões por constantes. Assim, Nr(FFqd) ≥ qrd + 1− c0qrd/2 para uma constante c0 > 0. Seja c = max{c0, 2g+1}. Pela proposição 2.3.1, |Nr(FFqd)− (qrd+1)| ≤ cqrd/2. Por outro lado, já vimos que Nr(FFqd) = qrd + 1− ∑2g i=1 α rd i (confira corolário 2.2.22). Logo ∣∣∣ 2g∑ i=1 αrdi ∣∣∣ ≤ cqrd/2 para r ≥ 1. Considere a função racional H(t) := 2g∑ i=1 αdi t 1− αdi t . 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 38 Seja ρ := min{|α−di |; 1 ≤ i ≤ 2g}. Como α−d1 , ..., α−d2g são os únicos pólos de H(t) temos que o raio de convergência da expansão em série de potências de H(t) em torno de t = 0 é ρ. Por outro lado, para |t| < ρ, obtemos H(t) = 2g∑ i=1 ∞∑ r=1 (αdi t) r = ∞∑ r=1 ( 2g∑ i=1 αrdi ) tr ≤ ∞∑ r=1 cqrd/2tr = c ∞∑ r=1 (qd/2t)r, pois vimos acima que |∑2gi=1 αrdi | ≤ cqrd/2. Esta última série converge sempre que |t| < q−d/2, daí q−d/2 ≤ ρ. Isto implica que, para i = 1, ..., 2g, vale qd/2 ≥ |αdi |, isto é, q1/2 ≥ |αi|. Como ∏2g i=1 αi = q g (confira propriedade 6 na página 28) segue que |αi| = q1/2. 2 O teorema de Hasse-Weil também é conhecido como a Hipótese de Riemann para Corpos de Funções Algébricas. Esta denominação se deve à analogia existente entre a função zeta de um corpo de funções ZF (t) e a clássica função zeta de Riemann ζ(s) := ∑∞ i=1 1/n s que descrevemos a seguir. Definimos a norma absoluta de um divisor A ∈ DF por N (A) := qgrA. Observe que a norma absoluta N (A) de um divisor primo P ∈ PF é a cardinalidade do corpo das classes resíduais FP . Então a função ζF (z) := ZF (q −z) pode ser escrita como ζF (z) = ∞∑ n=0 Anq −zn = ∑ A∈DF ,A≥0 1 N (A)z , a qual é análoga a clássica função zeta de Riemann. Recorde que a clássica hipótese de Riemann afirma que todos os zeros não-triviais de ζ(z) estão sobre a reta do plano complexo Re(z) = 1/2. No caso de corpos de funções, o teorema de Hasse-Weil afirma que ζF (z) = 0 =⇒ ZF (q−z) = 0 =⇒ |q−z| = q−1/2. 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 39 Como |q−z| = q−Re(z), isto implica que ζF (z) = 0 =⇒ Re(z) = 1/2. Por isso, o teorema de Hasse-Weil pode ser considerado análogo à clássica Hipótese de Riemann. Observação 2.3.5 Uma outra prova da correspondente hipótese de Riemann para cur- vas algébricas pode ser feita usando pontos de Weierstrass (confira a referência [6]). Teorema 2.3.6 (Cota de Hasse-Weil) O número N = NF de lugares de F/Fq de grau 1 pode ser estimado por |N − (q + 1)| ≤ 2gq1/2. Demonstração. Já vimos que N = q + 1− 2g∑ i=1 αi e |αi| = q1/2 (corolário 2.2.22 e teorema de Hasse-Weil). Assim, |N − (q + 1)| = ∣∣∣ 2g∑ i=1 αi ∣∣∣ ≤ 2g∑ i=1 q1/2 = 2gq1/2. Uma pergunta natural que se faz agora é: Existe uma estimativa melhor para N do que a cota de Hasse-Weil? Por exemplo, se q não é quadrado temos um melhoramento trivial |N − (q + 1)| ≤ [2gq1/2], onde [a] denota a parte inteira do número real a. No próximo teorema veremos que esta estimativa pode ser melhorada. A demonstração do mesmo será omitida. O leitor interessado pode encontrá-la em [3] na página 180. Teorema 2.3.7 (Cota de Serre) Para um corpo de funções F/Fq de gênero g, o nú- mero de lugares de grau um pode ser estimado por |N − (q + 1)| ≤ g[2q1/2]. 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 40 Observação 2.3.8 Se q é um quadrado perfeito então a cota de Serre coincide com a cota de Hasse-Weil. Seja Nr = N(Fr) = |{P ∈ PFr ; grP = 1}| onde Fr = FFqr . Para cada 1 ≤ i ≤ 2g, seja ωi := αiq −1/2 , onde α1, ..., α2g são as raízes do polinômio de L ⊥ F (t). Pelo teorema de Hasse-Weil |ωi| = 1. Podemos assumir que ωg+i = ωi 1 = (ωi) −1 (i = 1, · · · , 2g) (veja a propriedade 6 na página 28). Pelo corolário 2.2.22 Nrq −r/2 = qr/2 + q−r/2 − g∑ i=1 (ωri + ω −r i ). Sejam m ∈ N e c1, · · · , cm ∈ R. Multiplicando ambos os membros da equação anterior por cr (r = 1, · · · ,m), obtemos: N1crq −r/2 = crqr/2 + crq−r/2 − g∑ i=1 cr(ω r i + ω −r i )− (Nr −N1)crq−r/2 (r = 1, ...,m) Somando as equações acima, para r = 1, ...,m, obtemos: m∑ i=1 N1crq −r/2 = m∑ i=1 crq r/2 + m∑ i=1 crq −r/2 − m∑ i=1 g∑ i=1 cr(ω r i + ω −r i )− m∑ i=1 (Nr −N1)crq−r/2. Daí, N1 m∑ i=1 crq −r/2 = = m∑ i=1 crq r/2 + m∑ i=1 crq −r/2 − g∑ i=1 ( m∑ i=1 crω r i + m∑ i=1 crω −r i )− m∑ i=1 (Nr −N1)crq−r/2. 1 Denotamos por ωi o conjugado complexo de ωi 2.3. O TEOREMA DE HASSE-WEIL 41 Logo N1λm(q −r/2) = λm(qr/2) + λm(q−r/2) + g −g∑ i=1 fm(ωi)− m∑ i=1 (Nr −N1)crq−r/2, onde λm(t) := m∑ i=1 crt r e fm(t) := 1 + λm(t) + λm(t −1), para t ∈ C \ {0}. Observe que fm(t) ∈ R para |t| = 1 (pois neste caso t = t−1). Proposição 2.3.9 Suponha que c1, · · · , cm ∈ R satisfazem às seguintes condições: (1) cr ≥ 0 para r = 1, · · · ,m e cr 6= 0 para algum 1 ≤ r ≤ m. (2) fm(t) ≥ 0 para todo t ∈ C com |t| = 1. Então, o número de lugares de grau 1 é estimado por N ≤ g λm(q−1/2) + λm(q 1/2) λm(q−1/2) + 1 Demonstração. Já vimos que N1 ≤ Nr para todo r ≥ 1 (item (b) do lema 2.2.13). Assim, assumindo (1) e (2), temos N · λm(q−1/2) ≤ λm(q1/2) + λm(q−1/2) + g. Dividindo ambos os membros da desigualdade acima por λm(q −1/2) ( Obs.: λm(q−1/2) > 0), obtemos N ≤ g λm(q−1/2) + λm(q 1/2) λm(q−1/2) + 1. 2 A proposição anterior pode ser usada para obter uma cota assintótica para N(F ). Faremos isso na próxima seção. 2.4. COTAS ASSINTÓTICAS 42 2.4 Cotas Assintóticas Definição 2.4.1 (a) Nq(g) := max{N(F );F é um corpo de funções sobre Fq de gênero g}. (b) A(q) := lim supg→∞Nq(g)/g. Teorema 2.4.2 (Cota de Drinfeld-Vladut) A(q) ≤ q1/2 − 1. Demonstração. Com a notação da proposição 2.3.9, seja (para m ≥ 1 fixado) cr := 1− rm (r = 1, ...,m). Assim, para t 6= 1 λm(t) = m∑ r=1 ( 1− r m ) tr = t (1−t)2 ( tm−1 m + 1− t ) e fm(t) = 1 + λm(t) + λm(t −1) = 2−(t m+t−m) m(t−1)(t−1−1) . Como t−1 = t¯ para |t| = 1, a equação anterior implica que fm(t) ≥ 0 para todo t ∈ C com |t| = 1. Assim, pela proposição 2.3.9, temos N g ≤ 1 λm(q−1/2) + 1 g ( 1 + λm(q 1/2) λm(q−1/2) ) . Agora, observe que λm(q −1/2) −→ q−1/2 (1−q−1/2)2 (1− q−1/2) = 1 (q1/2−1) se m→∞. Daí, para cada � > 0 existe m0 ∈ N com 1 λm0 (q −1/2) < q 1/2 − 1 + �/2 Escolha g0 ∈ N tal que 1 g0 ( 1 + λm0 (q 1/2) λm0 (q −1/2) ) < �/2. 2.4. COTAS ASSINTÓTICAS 43 Assim, para g ≥ g0 e m ≥ m0 temos N g ≤ 1 λm(q−1/2) + 1 g ( 1 + λm(q 1/2) λm(q−1/2) ) ≤ 1 λm0(q −1/2) + 1 g0 ( 1 + λm0(q 1/2) λm0(q −1/2) ) < (q1/2 − 1 + �/2) + �/2 = q1/2 − 1 + �. Logo lim supg→∞ ( N g ) ≤ q1/2 − 1. 2 Observação 2.4.3 Se q é um quadrado perfeito, então A(q) = q1/2 − 1 (confira [8]). Em 1995, Garcia e Stichtenoth construiram um exemplo de uma sequência de corpos de funções F (n)/Fq2 com gênero g(F (n))→∞ tal que A(q) = q − 1 (confira [1]). 44 Capítulo 3 Uma Caracterização da Curva Hermitiana Neste capítulo apresentaremos uma caracterização, devida a Rück e Stichtenoth, do corpo de funções hemitiano. Mais precisamente, mostraremos que este corpo de funções é o único corpo de funções maximal sobre Fq2 com gênero g = q(q − 1)/2. 3.1 Corpo de Funções Maximal A noção de corpo maximal é definida a partir da cota de Hasse-Weil para o número de lugares de grau 1. Definição 3.1.1 Dizemos que um corpo de funções F/Fq de gênero g é maximal se N = q + 1 + 2gq 1 2 . Para um corpo de funções F/Fq ser maximal, é necessário que o gênero seja suficien- temente pequeno com relação a q. Mais precisamente temos o seguinte resultado: Proposição 3.1.2 (Ihara) Se F/Fq é maximal então g ≤ (q − q1/2)/2. Demonstração. Sejam α1, ..., α2g as raízes recíprocas de L(t). Já vimos que N = q + 1− 2g∑ i=1 αi e |αi| = q1/2. 3.1. CORPO DE FUNÇÕES MAXIMAL 45 (confira o corolário 2.2.22 e o teorema de Hasse-Weil). Assim, assumindo que N = q + 1 + 2gq1/2, obtemos αi = −q1/2 para i = 1, ..., 2g Agora, considere o número N2 de lugares de grau 1 de FFq2/Fq2 . Recorde que N2 ≥ N e N2 = q2 + 1− 2g∑ i=1 α2i = q 2 + 1− 2gq (confira o item (b) do lema 2.2.13 e o corolário 2.2.22). Assim, q + 1 + 2gq1/2 ≤ q2 + 1− 2gq. Daí, g ≤ (q2 − q)/(2(q + q1/2)) = (q − q1/2)/2. 2 Se um corpo de funções F/Fq de gênero g é maximal, então o número q + 1 + 2gq 1 2 é inteiro, isto é, q é um quadrado perfeito. Por isso, a partir daqui vamos considerar F/Fq2 ao invés de F/Fq. Observação 3.1.3 Podemos reescrever a proposição anterior, sem perda de generali- dade, da seguinte forma: Se F/Fq2 é maximal então g ≤ q(q − 1)/2. Nem todo inteiro positivo g, com g ≤ q(q − 1)/2, pode ser gênero de um corpo de funções maximal F/Fq2 . Na verdade, já foi provado que se F/Fq2 é maximal então g = q(q − 1)/2 ou g ≤ (q − 1)2/4 (confira as referências [4] e [9]). No próximo exemplo veremos um corpo de funções maximal F/Fq2 , com o maior gênero possível, isto é, g = q(q − 1)/2. Exemplo 3.1.4 O corpo de funções F = Fq2(x, y) com yq + y = xq+1 é chamado corpo de funções hermitiano sobre Fq2. Este é um corpo de funções maximal de gênero g = q(q − 1)/2 (confira os itens (a) e (c) do lema V I.4.4 em [3]). O número de lugares de grau 1 do corpo de funções hermitiano é 3.1. CORPO DE FUNÇÕES MAXIMAL 46 N(F ) = q2 + 1 + 2gq = q2 + 1 + 2 ( q(q−1) 2 ) q = q2 + 1 + q3 − q2 = q3 + 1. Exemplo 3.1.5 (curva hermitiana) Considere o polinômio G(X, Y ) = Xq+1 − Y q − Y . G é irredutível em Fq2 [X, Y ] (Para provar isso, basta aplicar convenientemente a propo- sição III.1.14 em [3] na página 66). A curva V := {(α, β) ∈ F¯q2 × F¯q2 ; G(α, β) = 0}, onde F¯q2 denota o fecho algébrico de Fq2, é não-singular, já que GY (α, β) = −1 6= 0 para todo (α, β) ∈ V . O fecho projetivo de V é a curva V¯ = {(α : β : γ) ∈ P2(F¯q2); G∗(α, β, γ) = 0}, onde G∗(X, Y, Z) = Xq+1 − Y qZ − Y Zq é o polinômio homogêneo associado. A curva algébrica projetiva V¯ é não-singular e é chamada curva hermitiana. O número de pontos racionais de V¯ é q3 + 1. Com efeito, dado α ∈ Fq2 , escolha β ∈ Fq2 tal que βq + β = αq+1 (existe pois αq+1 ∈ Fq e a aplicação T : Fq2 → Fq definida por T (a) = aq + a é sobrejetiva), e observe que (β + γ)q + (β + γ) = αq+1 para todo γ com γq + γ = 0. Isto mostra que o polinômio Y q + Y − αq+1 possui q raízes distintas, todas em Fq2 . Logo |{(α, β) ∈ Fq2 × Fq2 ; βq + β = αq+1}| = q3, isto é, o número de pontos racionais, na parte afim, da curva hermitiana é q3. Por outro lado, como G∗(α, β, 0) = 0⇐⇒ α = 0 segue que o (único) ponto de V no infinito é (0 : 1 : 0). Logo |V¯ (Fq2)| = q3 + 1. 3.2. O TEOREMA DE RÜCK E STICHTENOTH 47 3.2 O teorema de Rück e Stichtenoth O próximo teorema garante que o corpo de funções hermitiano é o único corpo de funções maximal sobre Fq2 com gênero g = q(q − 1)/2. Teorema 3.2.1 (Rück e Stichtenoth) Seja F/Fq2 um corpo de funções maximal de gênero g = q(q−1)/2. Então existem x, y ∈ F com yq+y = xq+1 tais que F = Fq2(x, y), isto é, F é o corpo de funções hermitiano sobre Fq2. Para provar o teorema de Rück e Stichtenoth vamos precisar dos seguintes resultados. A demonstração do próximo lema pode ser encontrada em [2] na página 185. Lema 3.2.2 Seja F/Fq2 um corpo de funções maximal de gênero g. Então C0F é isomorfo a (Z/(q + 1)Z)2g. Lema 3.2.3 Sejam F/Fq2 um corpo de funções maximal de gênero q(q−1)/2 e Q ∈ DF um divisor primo de grau 1. Então dim(rQ) = 1 se 0 ≤ r < q, 2 se r = q, 3 se r = q + 1. Demonstração. Para r ≥ 0 temos que Fq2 ⊆ L(rQ). Logo dim(rQ) ≥ 1 para r ≥ 0. Suponha que dim(rQ) > 1 para 0 ≤ r < q e escolha z ∈ L(rQ) \ Fq2 . O primo Q é totalmente ramificado na extensão F/Fq2(z), pois (z)∞ = sQ para algum 0 < s ≤ r < q e e(Q/P∞) = s = gr(z)∞ = [F : Fq2(z)] onde P∞ é o pólo de z em Fq2(z). Os lugares de Fq2(z) com grau 1 são o pólo de z e o zero de z − α , para cada α ∈ Fq2 . Assim, o número N(F ) de divisores primos de grau 1 em F é no máximo 1 + q2[F : Fq2(z)] = 1 + q2s. Por outro lado, como F/Fq2 é maximal e tem gênero g = q(q − 1)/2 temos que N(F ) = q3 + 1. Logo 1 + q2s ≥ 1 + q3, isto é, s ≥ q. 3.2. O TEOREMA DE RÜCK E STICHTENOTH 48 Sejam P1, ..., Pq3 , Q os divisores primos de grau 1 de F . Pelo lema 3.2.2, existem ele- mentosui ∈ F (i = 1, ..., q3) tais que (ui) = (q + 1)(Pi − Q). Para cada j = 2, ..., q3, existe αj ∈ Fq2 tal que vQ(u1 − αjuj) > −(q + 1). Assim, existem pelo menos q3 − 1 elementos em L(qQ). Isto mostra que dim(qQ) = 2, já que dim((q − 1)Q) = 1. Além disso, u1 ∈ L((q + 1)Q) \ L(qQ). Logo dim((q + 1)Q) = dim(qQ) + 1 = 3. 2 Lema 3.2.4 Seja F/Fq2 um corpo de funções maximal de gênero q(q−1)/2. Seja Q um divisor primo de grau 1. Então existem y ∈ F e β1, ..., βq ∈ Fq2 tais que o divisor de y+βj é igual a (q+1)(Pj−Q), onde P1, ..., Pq são divisores primos de grau 1, diferentes de Q. Demonstração. Pelo lema 3.2.3, temos que L((q+1)Q)\L(qQ) 6= ∅ e L(qQ)\Fq2 6= ∅. Escolha x1 ∈ L((q + 1)Q) \ L(qQ) e x2 ∈ L(qQ) \ Fq2 e recorde que dimL((q + 1)Q) = 3 (confira lema 3.2.3). O conjunto {1, x1, x2} é uma base de L((q + 1)Q) com (x1)∞ = qQ e (x2)∞ = (q + 1)Q. Para cada i ∈ {1, ..., q3}, considere novamente o elemento ui ∈ F , cujo divisor é igual a (q + 1)(Pi −Q), onde P1, ..., Pq3 e Q são os divisores primos de F com grau 1. Existem λi, µi, %i ∈ Fq2 , λi 6= 0, tais que λiui = µi + %ix1 + x2. Estes são q3 elementos diferentes, daí existem q índices i1, ..., iq com %i1 = · · · = %iq . Tome y = %i1x1 + x2 e βj = µij . O divisor de y + βj é igual a (q + 1)(Pij −Q). Isto prova o lema. 2 Lema 3.2.5 Ainda, com a notação do lema anterior. Considere a extensão F/Fq2(y). Os divisores primos P1, ..., Pq, Q são totalmente ramificados. Todos os outros divisores primos de Fq2(y) com grau 1 são totalmente decompostos. 3.2. O TEOREMA DE RÜCK E STICHTENOTH 49 Demonstração. Como o divisor de y + βj é (q + 1)(Pj − Q) (confira lema 3.2.4), os divisores primos P1, · · · , Pq, Q são totalmente ramificados1. O gênero de F é q(q − 1)/2. Pela fórmula do gênero de Hurwitz temos que 2 (q(q − 1) 2 ) − 2 = (q + 1)(2 · 0− 2) + gr Diff(F/Fq2(y)), isto é, gr Diff(F/Fq2(y)) = q(q + 1). Por outro lado, seja S := {P∞, P−β1 , ..., P−βq} ⊂ PFq2 (y). Para cada P ∈ S temos, pelo item (b) do teorema 1.3.10, que d(P ′ /P ) = q, já que a característica de Fq2 não divide e(P ′ /P ) = q + 1. Daí, gr (∑ P∈S ∑ P ′ /P d(P ′ /P ) · P ′ ) = gr ( d(Q/P∞) ·Q+ q∑ i=1 d(Pi/P−βi) · Pi ) = q(q + 1). Logo gr ( ∑ P∈PF q2 (y)\S ∑ P ′/P d(P ′ /P ) · P ′ ) = 0. Pelo item (a) do teorema 1.3.10 segue que e(P ′/P ) = 1 para todo P ∈ PFq2 (y) \ S. Consequentemente P1, · · · , Pq e Q são os únicos primos ramificados. Para cada um dos outros q2 − q divisores primos de Fq2(y) com grau 1, seja λi (i = 1, · · · , q2− q) o número de suas extensões de grau 1 em F . Então o número N de lugares de grau 1 em F é igual a q + 1 + q2−q∑ i=1 λi 1 pois (y)∞ = (y + βj)∞ = (q + 1)Q =⇒ q + 1 = gr(y)∞ = [F : Fq2(y)] =⇒ e(Q/P∞) = q + 1 = [F : Fq2(y)] e para cada 1 ≤ j ≤ q, e(Pj/P−βj ) = q + 1 = [F : Fq2(y)], onde P∞ é o pólo de y e, para cada 1 ≤ j ≤ q, P−βj é o zero de z + βj em Fq2(y). 3.2. O TEOREMA DE RÜCK E STICHTENOTH 50 Por outro lado, N = q3 + 1, pois F é maximal e tem gênero g = q(q−1)/2. Assim, para cada i ∈ {1, ..., q2− q} segue que λi = q + 1, pois λi ≤ [F : Fq2(y)] = q + 1. Logo os correspondentes divisores primos são totalmente decompostos. 2 Observação 3.2.6 Os divisores primos de grau 1 em Fq2(y) possuem apenas extensões de grau 1 em F . Lema 3.2.7 Seja y como no lema 3.2.4. A extensão F/Fq2(y) é cíclica de grau q+1 (isto é, F/Fq2(y) é galoisiana com grupo de Galois cíclico de grau q + 1). Demonstração. Primeiramente observe que a extensão F/Fq2(y) tem grau q + 1, pois Q é um divisor de grau 1 e (y)∞ = (y + βj)∞ = (q + 1)Q. Agora vamos mostrar que F/Fq2(y) é separável. Com efeito, se α ∈ F \ Fq2(y) então o grau do polinômio mínimo pα,Fq2 (y) de α sobre Fq2(y) divide q+1 e, portanto, não é um múltiplo da característica de Fq2 . Donde segue que o polinômio pα,Fq2 (y) é separável. Como α ∈ F \Fq2(y) foi tomado de maneira arbitrária, segue que todos os elementos de F são separáveis sobre Fq2(y), isto é, F/Fq2(y) é uma extensão separável. Escolha x ∈ F tal que F = Fq2(y, x) (existe pois F/Fq2(y) é uma extensão separável de grau q + 1) e λ um elemento de ordem q + 1 do grupo multiplicativo Fq2 \ {0} (existe pois Fq2 \ {0} é um grupo cíclico de ordem q2 − 1 e q + 1 divide q2 − 1). Considere o homomorfismo σ : F → F definido por σ(x) = λx e σ(a) = a, ∀ a ∈ Fq2(y). Pode-se verificar facilmente que σ ∈ Aut(F/Fq2(y)) e θ(σ) = q + 1 (ordem de σ). Logo F/Fq2(y) é cíclica. 2 Demonstração do teorema de Rück e Stichtenoth. Seja y como no lema 3.2.4. Pelo lema 3.2.7, a extensão F/Fq2(y) é cíclica e tem grau q + 1. Seja σ um gerador do grupo de Galois de F/Fq2(y). Como σQ = Q (pois Q é totalmente ramificado) temos que σL(qQ) = L(qQ). Seja {1, x1} uma base de L(qQ), então σ(x1) = αx1 + β com α, β ∈ Fq2 , α 6= 0. Além disso, como σp 6= 1 (onde p é a característica de Fq2) e F = Fq2(y, x1) temos que α 6= 1. Considere o elemento x = x1 + βα−1 . Então σ(x) = σ(x1 + β α−1) = σ(x1) + σ( β α−1) = αx1 + β + β α−1 = α(x1 + β α−1) = α · x e αq+1 = 1. 3.2. O TEOREMA DE RÜCK E STICHTENOTH 51 Observe que q+1∏ j=1 σj(x) = q+1∏ j=1 (αj · x) = ( q+1∏ j=1 αj ) · xq+1 = −xq+1. Logo xq+1 ∈ Fq2(y), pois σ ( q+1∏ j=1 σj(x) ) = q+1∏ j=1 σj(x). Existem polinômios f, g ∈ Fq2 [y] tais que xq+1 = f(y)/g(y). Daí, (xq+1)∞ = (f(y))∞ + (g(y))0. Por outro lado, (x q+1)∞ = q(q + 1)Q. Logo f(y) tem grau q e g(y) ∈ Fq2 (pois (y)∞ = (q + 1)Q), isto é, xq+1 = ϕ(y), onde ϕ(y) é um polinômio de grau q. Pela observação 3.2.6, cada divisor primo de grau 1 em Fq2(y) possui apenas extensões de grau 1 em F . Em termos dos geradores x e y isto significa que, para cada β ∈ Fq2 , existe um elemento γ ∈ Fq2 tal que ϕ(β) = γq+1. Em outras palavras, para cada β ∈ Fq2 , o elemento ϕ(β) ∈ Fq. Ou ainda, o polinômio ϕ(T )q − ϕ(T ) é divisível por T q2 − T , isto é, ϕ(T )q − ϕ(T ) = α(T q2 − T ) para algum α ∈ Fq2 (recorde que ϕ(T ) tem grau q e, logo ϕ(T )q − ϕ(T ) tem grau q2). Por outro lado, escrevendo ϕ(T ) = aqT q + · · ·+ a1T + a0 temos ϕ(T )q = aqqT q2 + · · ·+ aq1T q + aq0. Logo aq0 − a0 = 0 −a1 = −α ai = 0 (i = 2, ..., q − 1) aq1 − aq = 0 aqi = 0 (i = 2, ..., q − 1) aqq = α =⇒ a0 ∈ Fq a1 = α ai = 0 (i = 2, ..., q − 1) aq = α q 3.2. O TEOREMA DE RÜCK E STICHTENOTH 52 isto é, ϕ(T ) = αqT q + αT + δ onde α ∈ Fq2 \ {0} e δ ∈ Fq. Podemos escrever δ = �q + � com � ∈ Fq. Substituindo αy + ε por y, obtemos yq + y = xq+1. 2 Observação 3.2.8 Existe uma relação entre curvas algébricas não-singulares e corpos de funções que nos permite transferir todos os resultados e definições de corpos de funções algébricas para curvas algébricas (e vice-versa). Em particular, através dessa tal relação é possível concluir, a partir do teorema de Rück e Stichtenoth, que a curva hermitiana é a única curva sobre Fq2 não-singular, maximal com gênero q(q − 1)/2. Para saber mais detalhes sobre a relação entre curvas algébricas e corpos de funções, veja o apêndice B da referência [3], onde encontrará um resumo do assunto e outras referências. 53 Referências Bibliográficas [1] A. Garcia and H. Stichtenoth, A tower of Artin-Schreier extensions of function fields attaining the Drinfeld-Vladut bound, Invent. Math. 121 (1995), 211-222. [2] H.-G. Rück and H. Stichtenoth, A characterization of hermitian function fields over finite fields, J. reine angew. Math. 457 (1994), 185-188. [3] H. Stichtenoth, Algebraic function fields and codes, Universitext, Springer Berlin - Heidelberg - New York, 1993. [4] H. Stichtenoth and C. P. Xing, The genus of maximal function fields over finite fields, Manuscripta Math. 86 (1995), 217-224. [5] J. Brian Conrey, The Riemann hypothesis, Notices of the AMS, 50 (2003), 341-353. [6] K.-O. Stöhr and J. F. Voloch,
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