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Entrevista Márcio Sotelo Felippe Regime de Exceção Ed. AGO.17

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Caros Amigos – ED. AGO/17
Entrevista Márcio Sotelo Felippe
“É uma ditadura de novo tipo”
Para ex-procurador do estado de São Paulo, novo modelo de “regime de exceção” é o esvaziamento das instituições e o atropelo da Constituição pelo próprio Judiciário
por Aray Nabuco, Lilian Primi e Nina Fideles
O ex-procurador do estado de São Paulo, Marcio Sotelo Felippe, não tem qualquer problema, de ordem política ou conceitual, em chamar o atual contexto brasileiro de “ditadura” com elementos de fascismo. Ao olhar para o conluio entre burguesia e seus representantes políticos, mídia e Judiciário que redundou na deposição da presidente eleita Dilma Rousseff e mantém ataque cerrado ao Partido dos Trabalhadores e a seu líder maior, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Sotelo Felippe argumenta que, como nas ditaduras, não há mais limites às ações dos golpistas, nem leis acima de seus interesses de classe. “É uma ditadura de novo tipo”, diz o ex-procurador apontando para a “concentração de poder” nas mãos de um grupo e o esvaziamento das instituições e das garantias constitucionais, como em qualquer regime de exceção. “Preserva as instituições liberais clássicas e esvazia elas de qualquer conteúdo democrático. Então parece que nós estamos em uma democracia, parece que nós temos uma Constituição”, afirma Sotelo, para quem o juiz Sérgio Moro, por exemplo, deveria estar afastado da magistratura e respondendo pelos crimes que praticou na sanha em perseguir Lula. Isso, claro, se estivéssemos em um “Estado normal”. Mas estamos sob as sombras de um golpe, cujo objetivo é claro: tirar o PT e Lula das eleições de 2018 e impor um modelo de direita, neoliberal e ultraconservador.
Além de ex-procurador-geral do Estado, no governo de Mário Covas (1995-2001) e professor de filosofia do direito, Sotelo teve ativa militância política na juventude, mas abandonou ao ser “expulso” do Partidão e, ao contrário de boa parte dos quadros da esquerda, não aderiu ao PT.
Confira a seguir o que o ex-procurador analisa do golpe, da corrida eleitoral e de boa parte das conjunturas a que os brasileiros foram submetidos pela aliança de delatados por corrupção (com provas) que assumiu o poder central.
Aray Nabuco — Marcio, geralmente, a gente começa pedindo uma pequena biografia. Você é paulistano? como você chegou à procuradoria? Milita em algum partido? Marcio Sotelo Felippe — Sou paulistano, descendente de espanhóis. Vivi em São Paulo a vida inteira, saí para viajar de férias (risos). Me formei em direito no Largo São Francisco.
Aray Nabuco — Os seus pais vieram para o Basil fugindo da ditadura?
Não, não. Eles vieram no começo do século. Minha mãe veio com 2 anos, nos anos 1920, antes do Franco. Meu pai era filho de espanhol, o pai dele veio também no começo do século 20. Então, ninguém fugiu do Franco. Fugiram da miséria mesmo… (risos)
Aray Nabuco — Você chegou a militar em algum movimento?
Eu fui militante do Partido Comunista, o PCB,o antigo PCB. No tempo da faculdade e depois da faculdade. Eu tive uma militância bem intensa no PCB, fui do comitê estadual. Eu fui recrutado, como a gente falava, em 1978, no movimento estudantil. Não me identificava muito com as tendências da época, você deve ter vivido bem isso, Refazendo, Libelu, Caminhando… Eu era ativista do movimento estudantil, mas não me encaixava nas tendências. A Refazendo vinha da AP, Caminhando era PCdoB, Liberdade e Luta era trotskista. E aí, fiz contato com o pessoal do PCB e gostei, me encaixei. E aí tinha uma crítica à luta armada, o partido já em 1967 tinha feito a crítica à luta armada… E se mostrou correto, a luta armada foi um furo n’água. Entrei no partido e naquele momento estava começando a ter a dissidência do Prestes. O Prestes estava rompendo com o comitê central, estava ficando isolado, numa linha mais à esquerda, e aí meio que a gente se alinhou com o Prestes, uma linha mais leninista. O Prestes saiu, nós discordamos da saída do Prestes porque nós achávamos que o Prestes deveria ficar e fazer a luta interna. Mas o Prestes era muito mais esperto do que nós, sabia que ninguém ganhava a luta interna contra o comitê central, não tem jeito. Nós ficamos alguns anos nessa, fazendo uma resistência de esquerda à linha que a gente chamava de reformista do comitê central. Naquela ocasião, começou a aparecer o eurocomunismo, o PCI (Partido Comunista Italiano), o abandono da via leninista. A gente combatia tudo isso, a democracia burguesa como um valor universal, do Leandro Konder, que era o guia da direita no partido. Chegou um momento que não teve mais como conviver, houve uma devassa aqui, do comitê central no partido em São Paulo e eu fui destituído de todos os meus cargos na estrutura partidária. Não me expulsaram, me transformaram em um militante de base de novo, que era uma forma de...
Aray Nabuco — de dizer “não queremos você”.
Exatamente, eu e outros companheiros.
Aray Nabuco — e nunca mais entrou em um partido?
Eu nunca mais entrei em partido nenhum, nunca, nem no PT também. Não entrei no PT porque o PT surgiu com um discurso de “nós somos a esquerda”, “nós que representamos o trabalhador”, eu não gostava daquele discurso do Lula. Eu cansei um pouco de militância, dessa militância partidária, daquela coisa de militar. Eu vi que se eu entrasse no PT, eu ia entrar de novo na questão, na coisa da luta interna e aquilo me deu uma certa gastura. Mas os meus companheiros de esquerda no PCB foram todos para o PT e depois pro PSol (risos).
Aray Nabuco — e hoje como você vê o Lula, em relação a esse olhar que você tinha lá no início?
Acho que o Lula fez uma opção de ser aceitável pro establishment, ele rompeu com alguma ideia que ele tivesse de uma ruptura profunda na sociedade. Eu defendo o Lula, defendo o governo da Dilma porque é a opção possível contra a direita, mas o PT no poder foi um partido, Lula no poder, foi um partido de centro com um viés de esquerda, menos que a social-democracia europeia, por exemplo. A social-democracia europeia investiu em bens sociais, saúde, educação, políticas públicas, benefícios sociais. O PT nem chega a isso, o PT faz uma política de aumentar o poder de consumo das classes C e D. Foi o máximo de viés à esquerda. O Lula mesmo dizia, “nunca os bancos ganharam tanto como no meu governo”. Então, foi um governo de centro com um viés de esquerda, mas é a opção possível hoje para a gente sobreviver diante do fascismo. No fascismo, a gente sobrevive.
Nina Fideles — Na sua avaliação, a gente vive um momento de fascismo?
A gente vive um regime, um estado de exceção, houve um golpe, com ingredientes de fascismo porque trabalhou com o ódio social.
Lilian primi — a pesquisadora Luciana Zaffalon, que lançou uma pesquisa mostrando aliança entre o tucanato paulista e o sistema judicial que o protege, descreve isso que você está falando como um fascismo social, de acordo com o Boaventura Santos. e isso passa pela sua categoria, o sistema judicial, não só no Brasil. Queria que você comentasse esse viés, fazendo esse vínculo com o golpe.
Eu não conheço especificamente o texto dela, mas o que tenho falado, assim, em palestras, tenho escrito, é a história do voo da coruja do Hegel. A Minerva, que era a Deusa da Sabedoria, tinha uma coruja que revelava os segredos para ela das coisas e o Hegel fazia uma metáfora, assim, a filosofia só chega no voo da coruja, ou seja, quando o dia já se pôs e a realidade já está dada. Aí é que a gente percebe, aí é que a filosofia ensina para a gente o que está acontecendo. Agora, é o voo da coruja. Eles deram o golpe, em ambiente de fascismo, aí que a gente percebe que mudou a forma política, mudou a forma política de dominação. É uma ditadura de novo tipo, é uma nova categoria da política. Ninguém põe tanque na rua, ninguém depõe pela violência um governo legitimamente eleito. Ninguém cerca o Palácio do Planalto e tira o presidente da República. Golpes jurídico-parlamentares são dados com aparência de legalidade e com aparência de constitucionalidade. Preserva as instituições liberais clássicase esvazia elas de qualquer conteúdo democrático. Então parece que nós estamos em uma democracia, parece que nós temos uma Constituição. Da Constituição, eles fazem o que querem. O Supremo faz o que quer. Eles ajudaram a derrubar a Dilma.
Aray Nabuco — como você descreve a situação hoje do Judiciário? chegamos no “caos” institucional, um vale-tudo?
É a forma de fazer o estado de exceção; é esse o novo papel do Judiciário, entendeu? O Lugo (Fernando Lugo, presidente do Paraguai de 2008 a 2012) é derrubado com um golpe jurídico-parlamentar. É o papel do Judiciário. Agora ele é meio que o protagonista do processo. O Pedro Serrano, jurista, fez um estudo na época da deposição do Lugo e concluiu o seguinte: um infrator de trânsito no Paraguai tem mais direito de defesa que o Lugo teve (risos). O Zelaya (Manuel Zelaya, presidente de Honduras entre 2006 e 2009) e a Dilma. É o mesmo esquema. O Judiciário é o protagonista. Não é mais o tanque na rua, é o Judiciário. Esse é o papel do Judiciário. Quer dizer, a velha tese de que o Estado, as funções do Estado, estão a serviço da classe dominante. É a autonomia do Judiciário; a gente imaginava que era um pouquinho maior, mas nesse novo formato aí a gente vê, na realidade, que a autonomia do Judiário é mínima em relação ao poder, ao poder político real, dos grupos econômicos, em relação à burguesia, à classe dominante…
Lilian primi — Você cita a constituição, mas o início dessa construção, segundoos estudos da Luciana, está na própria constituinte de 1988, que dá uma autonomia maior, mas os mecanismos que deveriam ser criados para equilibrar os poderes foram anulados de várias maneiras. e não só no Judiciário…
Bom, eu não sei se é isso que ela quer dizer, mas penso o seguinte: o que eles fizeram na Constituição de 88, sobre os poderes do Ministério Público, por exemplo, na época, era interessante e era democrático. Em tese, no sistema democrático, você tem um Ministério Público forte e independente, imune ao Executivo ou ao poder político, mas o processo social e político instrumentalizou isso a seu benefício e dá o golpe instrumentalizando isso. É questão de poder, não é? A Constituição estabelece um sistema ideal. O que faz aquilo funcionar e em benefício de quem? Quem tem o poder político real ou quem tem o poder político-social. Então, eles pegam o Ministério Pú-blico e o Ministério Público, se presta a esse papel porque está no jogo de interesses de classes também, esta questão está na origem de classe também. Quem é, quem são os promotores, quem são os juízes? É a classe média, a classe média brasileira, reacionária, como diz Marilena Chauí, tem um déficit cognitivo e é uma aberração ética. São eles. Mudou um pouco, vou fazer uma derivação aqui para entrar nessa coisa. No meu tempo... Eu fiz uma carreira jurídica, procurador do Estado — não completei a minha biografia, né? —, profissionalmente, fiz concurso, fui procurador do Estado, fui procurador-geral do Estado por cinco anos. No meu tempo, o concurso tinha um acesso mais democrático. Ultimamente, com o passar dos anos, o acesso ao concurso foi se elitizando. Há uma disputa muito grande para passar num concurso desses, você ganha um salário maravilhoso, você resolve a sua vida profissional, e aí quem começa a passar nesses concursos? O sujeito que tem um pai que sustenta ele na faculdade e sustenta por mais três ou quatro anos para ele estudar. Ele se forma na faculdade, fica fazendo concurso até os 28 anos. Quem consegue fazer isso? É elite. Porque se o cara tivesse a minha origem social, por exemplo, uma pessoa de classe média baixa, um pai farmacêutico de bairro, aliás ele morreu quando eu tinha 16 anos, eu fiz a faculdade e fui começar a trabalhar. Então, ainda dava para alguém como eu alcançar, chegar a uma carreira jurídica sem essa seletividade absurda que foi se estabelecendo. Então, quem é que está no Judiciário, no Ministério Público, nessas carreiras jurídicas? É o produto dessa elite reacionária, com fortes elementos fascistas, nós vimos isso hoje, nesses dias, nesses processos.
Aray Nabuco — agora, aproveitando que falou do Ministério público, pode comparar a postura, por exemplo, na denúncia de corrupção no metrô de alckmin com o sítio de atibaia do Lula?
Comparando com Lula, PT, Lava Jato, o Fernando Henrique comprou a reeleição. Dois deputados foram gravados, confessando terem recebido R$ 200 mil O próprio Fernando Henrique nem consegue negar mais. Ele deu uma entrevista, “ah, parece que teve umas coisas lá, tal, mas eu não me envolvi com isso e tal”. Não aconteceu absolutamente nada. O Brindeiro (Geraldo Brindeiro, procurador-geral da República no governo FHC, entre 1995 e 2003) não abriu nada. A Polícia Federal abriu um inquérito e o único ato do inquérito foi chamar o Fernando Rodrigues, da Folha, que fez a matéria, e perguntar se ele tinha mais alguma informação. Morreu. Agora, compara isso tudo, mensalão e Lava Jato. Quer dizer, o sistema, a classe dominante, a elite e seus braços no sistema político, eles se protegem, e o sistema é esse mesmo, de corrupção, de propina, quer dizer que o PT, de algum modo, participou disso. Só que o PT não percebeu que ele não podia fazer isso. Os outros, a casa-grande podia. Então, a diferença de postura. Eles pegaram isso e transformaram em um espetáculo midiático, toda aquela coisa do mensalão, toda aquela performance do Joaquim Barbosa, contaminou a classe média, em grande parte reacionária, que já é por natureza reacionária, criou um clima fascista, um clima de ódio na sociedade. Então, é só comparar como se trata o PT e como são tratados os partidos burgueses. Não precisa nem chegar na coisa do metrô. Mensalão tucano, mensalão tucano desmilinguiu, sumiu no Supremo. Continuando a comparação com o Zé Dirceu, o Joaquim Barbosa aplicou a teoria do domínio do fato, ele era chefe da Casa Civil; Joaquim Barbosa faz um salto lógico, “não, se ele era o chefe da Casa Civil, ele tinha a ver com isso”. E o Fernando Henrique não.
Aray Nabuco — Nem o Temer agora…
Nem o Temer agora.EoLula é a mesma coisa. O que o Moro está fazendo, o que a Lava Jato está fazendo é a tal teoria do domínio do fato, que é uma deturpação, não é nada disso a teoria de domínio do fato, quer dizer, mas o Lula era presidente da república, aí o cara lá que era diretor de uma estatal recebeu uma propina, então o Lula é responsável criminalmente. Também é um salto lógico empírico, não tem nenhum nexo de causalidade, ninguém consegue estabelecer isso num processo, o Moro não consegue estabelecer isso num processo, nenhum nexo de causalidade entre o que acontece num contratozinho da Petrobras, duas refinarias no Nordeste, eo presidente da república. Vale para o Zé Dirceu, não vale para o Temer, não valeu para o Fernando Henrique. Vale para o Zé Dirceu e vale para o Lula.
Nina Fideles — Você leu a peça toda de condenação do Lula?
Praticamente. Vai sair um livro (Comentá-rios a uma sentença anunciada: o caso Lula, organizado por professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro) que foi concebido assim: imediatamente após a divulgação da sentença, começou a se organizar o livro, foram convidados sessenta juristas para escrever sobre tópicos da sentença. Eu escrevi. Uma semana depois, já estava com 120 juristas e 113 artigos. Cada um vai pegar, escolher um tópico. A sentença é tão absurda que você tem uma multiplicidade de tópicos absurdos e inconsistentes. Cada um vai pegar o seu preferido. Vai ser lançado em agosto (estava marcado para o dia 11).
Lilian primi — Você acha que o final disso vai ser em pizza? porque ele não vai sustentar isso. Ou vai? a Justiça, do jeito que está, suporta isso? porque, se tem tanto erro assim, como é que se mantém?
Isso é lawfare. Ele não faz raciocínio jurídico, é tudo político. Vamos lá, vamos pegar o lawfare do Moro, vamos pegar alguns episódios, a violação do sigilo telefônico. Isso é um processo kafkiano no seguinte sentido: o sujeito está sendo processado, mas quem comete crime é o Estado, não é o sujeito. Então,os crimes do Estado em um processo contra o Lula. Quebra do sigilo telefônico. É crime. 
O Moro suspendeu a escuta às 11h15 da manhã, o diálogo entre o Lula e a Dilma foi captado às 13h, quando já não tinha mais mandado judicial, e às 16h15, o Moro levanta o sigilo e joga na Rede Globoa gravação. Como ela não tinha mais a cobertura do mandado judicial, é crime. Aí vai para o Supremo. O Teori (Teori Zavascki, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, STF, morto em um acidente aéreo em janeiro) dá um puxãozinho de orelha no Moro, “não, foi ilegal e tal…”. Aí o Moro fala: “putz, desculpe aí, meu, foi mal, hein, deu ruim”. É crime, é crime. Está na Constituição, está na lei ordinária. O Teori diz que é ilegal, mas não chega à conclusão. Essa ilegalidade, ele evita falar isso, é crime. O assunto vai para o plenário e todos os ministros fazem cara de paisagem sobre o crime de violação de sigilo telefônico e devolvem o processo para o Moro. Então, juridicamente, o raciocínio é jurídico? Não, eles estão todos no golpe, eles estavam todos no golpe, por ação ou por omissão. Aí, a defesa de Lula faz uma representação disciplinar no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) sobre isso. O relator arquiva a representação e o fundamento do relator é o seguinte: “Nós estamos em uma situação excepcional e, em situações excepcionais, as garantias democráticas, as garantias constitucionais podem ser suspensas, as garantias do Lula, e aí ele cita uma doutrina que é, que deriva do Carl Schmitt, um jurista nazista, não sei se vocês conhecem. Ele tem aí um certo prestígio entre alguns teóricos e tal, mas ele era o príncipe dos juristas nazistas, porque a concepção dele é a seguinte: existe um poder, o poder político real e este poder, em situações excepcionais, pode suspender a Constituição. Isso caía como uma luva numa prática fascista, num regime fascista, como o Hitler fazia, o Mussolini fazia, que a ditadura fazia aqui. Em situações excepcionais, o poder político tem a possibilidade de fazer o que quiser, de suspender garantias, suspender direitos do cidadão. Então, o cara invoca um jurista nazista para dizer que o Moro podia fazer aquilo, deu licitude. Eles vão dando carta-branca para o Moro. Não é o Moro. O Moro não é o cavaleiro solitário, o juiz ousado, entendeu? Vai para o Supremo, carta-branca. Vai para o TRF, carta-branca. E vai, vai, vai, vai e vai o quanto ele quiser, não tem freio, não tem limite. É o golpe, com a participação do Judiciário.
Aray Nabuco — Lá no Supremo, como é que você vê a figura do Gilmar Mendes?
O Gilmar Mendes devia sofrer o impeachment. A atuação dele é francamente partidária. Ele comete crime de responsabilidade o tempo todo. Como liderança jurídica, com conhecimento jurídico, os dois ministros mais importantes lá são o Celso de Mello e o Marco Aurélio (Marco Aurélio Mello). São até, em condições normais, fora do ambiente de golpe, são bons ministros, são ministros garantistas. Agora, o Celso de Mello, particularmente, entrou com tudo na coisa do golpe, pela postura, pelo conjunto da obra, todos os processos do impeachment passaram lá e ninguém, nenhum dos onze ministros, “puxa, será que tem crime de responsabilidade?”. Eles estão cansados de saber que não tem crime de responsabilidade da Dilma, todos falaram, todo o processo do golpe. O rei está nu. Todo mundo sabia que não havia crime. É o modelo do golpe soft, né?, da nova ditadura, ditadura de novo tipo.
Aray Nabuco — Todas essas ações que o Moro está tomando e sendo corroboradas pelas instâncias superiores, impactam o Judiciário? a gente vai conseguir retomar uma normalidade?
Impacta, impacta. O Supremo impacta essas coisas, a atuação do Moro impacta, essas práticas se difundem. A ação do Moro teve as portas abertas pela atuação de Joaquim Barbosa no mensalão.
Nina Fideles — É tudo uma questão de precedentes…
Ele se sente legitimado. Se o Supremo fez aquilo no mensalão, por que é que ele não vai fazer aqui? E aí a cultura jurídica vai ficando cada vez mais punitivista. Vai impregnando… no juiz daqui da Vara Criminal há um impacto. Ele já é um sujeito reacionário, de classe média, às vezes filofascista e toda a cultura jurídica do País vai sendo impregnada...
Nina Fideles — Sente que está liberado, né?
Está liberado. Agora teve uma decisão sobre tráfico de drogas, não precisa de mandado de busca e apreensão, você pode fazer o que você quiser. Presunção de inocência também já foi para o espaço, pelo Supremo. O Supremo tinha uma jurisprudência tranquila sobre a presunção de inocência, não prender após a segunda instância se não tivesse transitado em julgado, pela presunção da inocência. Mudou também. Então, toda a cultura jurídica do País está se tornando punitivista. Moro, Joaquim Barbosa e o Supremo têm um grande papel nisso.
Lilian primi — como para isso? 
Quando a gente vencer o fascismo. É um processo político que a gente está vivendo.Eoque o Judiciário está fazendo? Ele entrou num processo político, no processo político do golpe. Quando é que isso vai terminar? Quando terminar o golpe. E quando termina o golpe? É uma questão de poder.
Aray Nabuco — a gente sempre fala em judicialização da política, mas o que está acontecendo seria a politização do Judiciário, então?
A politização do Judiciário. Mas nesse quadro de fascistização. Acho que deu para entender claramente isso, que é dentro de um quadro quase de fascismo. Não é uma situação que o Judiciário se politiza de algum modo, mas meio neutramente, aqui, ali, ou por uma certa deformação, acidente de percurso, uma contingência, intervém na política ou extrapola um pouco a função juridicional por intervir em assuntos políticos. Não é uma coisa neutra, dessa forma. Eles estão em uma política de classes, uma agenda de classe. Ajuda a derrubar a presidente da República legitimamente eleita e dá sustentação a isso que está aí, o País em ruínas.
Aray Nabuco — a gente estava falando do lawfare, acompanhando a defesa de Lula, vemos que quase todos os recursos deles são negados. Isso indica que o Lula vai ser preso, que não tem outro caminho que não seja o de prenderem o Lula?
Acho que é para apostar nisso. Por isso é que é o golpe, só chega ao objetivo dele atingindo o Lula. Querem destruir ele. Se eles não destroem o Lula até 2018, o golpe fica no meio do caminho. Eles vão até o final para pegar o Lula, pegar o Lula em 2018. Então, eu acho que a expectativa de uma absolvição do Lula é muito remota. Tomara que eu esteja errado, mas é muito remota.
Nina Fideles — Voltando ao Lula, outro dia ouvi alguém especular sobre se o Lula quisesse provar que o triplex é dele, teria uma forma, como seria? (risos) como o senhor acompanha esse caso?
O crime de corrupção passiva exige a prática de um ato de ofício, você é um agente público, solicita ou recebe uma vantagem indevida pela prática de ato específico e determinado. O que você vai fazer para mim? Ou, o que eu vou fazer para você? Olha, uma medida aqui, ali, um decreto, um regulamento, eu vou conseguir que você tenha tal benefício, vou mudar o entendimento da administração. A mudança pode até ser legítima, não precisa ser necessariamente ilegal. Ela pode até ser devida, mas você, em função dela, recebe uma vantagem ou você solicita uma vantagem. Mas tem que ter um ato determinado e específico, não pode ser essa generalidade. Olha, eu vou te dar um presentinho aí e um dia, quando eu precisar de você, você faz alguma coisa para mim. Isso não existe. Pode se enquadrar em um dispositivo disciplinar, estatuto do funcionário público, qualquer outra coisa, mas o crime de corrupção passiva, do artigo 317 do Código Penal, não. E o Collor (Fernando Collor, impedido da Presidência em 1992 e processado por denúncias de corrupção) foi absolvido por isso, porque não tinha ato de ofício. Qual ato de ofício que o Collor praticou para receber a Elba? Não se descobriu, não tinha, foi absolvido pelo Supremo. Então, de fato, é uma forçada de barra do Ministério Público, uma ilação, é uma convicção. “Ah, ele tem um apartamento aqui, queé da OAS, na verdade, é dele. Eu tenho a convicção de que esse dinheiro veio da refinaria, da OAS, não sei o quê, e aí o Lula era presidente da República”, então, ele dá um salto lógico. É convicção, prova não tem.
Aray Nabuco — como você avalia a atuação de José eduardo cardozo como ministro e até o impeachment?
Essa legislação repressiva, delação premiada, essa legislação punitiva foi feita no governo Dilma, ele era ministro da Justiça. Deste ponto de vista, uma atuação péssima. A lei antiterrorismo, um instrumento contra os movimentos sociais, os movimentos populares. Uma lei horrível, malfeita, com expressões vagas, indeterminadas, você pode colocar qualquer coisa ali. Deste ponto de vista, essa mentalidade punitivista foi um tiro no pé. Pegou eles.
Aray Nabuco — É, como a PF, que o Lula deu tanta autonomia e acabou virando contra. Não investiga tucano, investiga petista.
Pois é. A Polícia Federal fazendo e desfazendo, não fez absolutamente nada. A Polícia Federal exorbitava, aquelas operações midiáticas, desnecessárias, humilhava as pessoas, expunha as pessoas, tinha ampla liberdade para fazer o que quisesse e o Zé Eduardo era omisso. Era ele que tinha que impor limites, limites necessários, legítimos. Ele tinha que impor. Ele era completamente omisso.
Aray Nabuco — como você viu a indicação do Alexandre de Moraes pelo Temer para o STF e o que pode sair dali?
Desastre, desastre. A atuação dele como ministro da Justiça foi péssima, folclórica. Aquela história do jardineiro paraguaio, cortar pé de maconha. É um homem de direita. Mas isso, pelo menos, serve de lição para o PT. O PT conseguiu fazer as piores indicações.
Aray Nabuco — O próprio Joaquim Barbosa…
Joaquim Barbosa, Luiz Fux, juristas de direita... Perdeu a oportunidade de fazer um Supremo inteiro. Acho que sairam oito ministros. Só ficaram o Celso de Mello, o Marco Aurélio e o Gilmar Mendes. Perdeu a oportunidade de fazer uma Corte progressista. Não precisava nem ser jurista de esquerda, ninguém está pedindo isso. Eles faziam as indicações do establishment, aquela história de o PT achar que era da casa-grande. Eles faziam as indicações da casa-grande, do establishment. Um dos piores, ou o pior, Supremo da história da República.
Nina Fideles — a condução coercitiva do Lula, um bom exemplo…
Ali tem crime de abuso de autoridade, você limitar a liberdade individual das pessoas sem justa causa. Você pegar um sujeito, às 6 horas da manhã da sua casa coercitivamente, transportar para outro lugar. Isso é uma violação à liberdade individual, que é constitucionalmente protegida. Você não tinha fundamento no Código de Processo Penal para fazer a condução coercitiva. Existem duas possibilidades de fazer uma condução coercitiva: quando o réu intimado não vem para o interrogatório ou quando a testemunha intimada não vem para o interrogatório. O Lula não era nem réu nem testemunha. Nem réu ele era. Não tinha sido ainda oferecida a denúncia.E a ideia era levar ele para Curitiba, só pode ser. Porque aquela história, a justificativa do Moro é de que levaram para o aeroporto para não provocar tumulto. Cinquenta instalações da União no Estado, na cidade de São Paulo que ele podia ser levado, aliás podia ser ouvido na casa dele mesmo, não precisava ser levado para lugar nenhum, sem tumulto nenhum. Podia ser até às 6 horas da manhã. Então, essa coisa, de levar para o aeroporto, o que ele queria? Levar para Curitiba, aí avisou a imprensa para fazer um espetáculo midiático.
Aray Nabuco — Foi um grande espetáculo midiático.
É inconstitucional. Outro crime do Estado. Então, o processo contra o Lula, os crimes contra o Lula não foram provados, os crimes que restaram provados foram os crimes cometidos pelo Estado no processo contra ele.
Nina Fideles — Mas você não acha que foi um tiro no pé do Moro a condução?
Eu acho que foi um pouco um tiro no pé, sim, porque ele não conseguiu o que queria, ficou uma coisa estranha, suspeita, uma grosseira ilegalidade, os juristas importantes do País denunciaram, uma coisa sem pé nem cabeça e fica essa suspeita de querer ter feito um espetáculo midiático, o chamado processo penal do espetáculo, que é o show que está em cartaz, o processo penal do espetáculo.
Aray Nabuco — aliás, a midiatização da política, dos escândalos políticos, é um elemento concreto atualmente...
Faz parte do processo. O Moro foi estudar a história da Operação Mani Pulite, Mãos Limpas, o esquema que a magistratura italina usou, era usar a mídia como ponto de apoio. Ele escreveu depois artigos citando especificamente essa passagem. Outra coisa do lawfare, e da atuação política do Moro, quando ele libera ilegalmente a gravação do Lula com a Dilma, é na véspera da investidura do Lula como ministro. Ele jogou como agente político, como ator político para inviabilizar a investidura do Lula como ministro. Usou a mídia, fez um gesto político. Ali ele se despe, foi se despindo da toga para ser agente político o tempo todo, ali, claramente. E ele diz: “não, nós não temos que guardar segredos dos governantes”. 
Quem é ele para julgar o segredo que deve ser guardado ou não? Quem diz o que deve ser divulgado ou não deve ser divulgado é a Constituição, não é o Moro. Então, ele age como parte política e ele age como parte no processo, quer dizer, no imaginário social hoje, no imaginário político hoje é Moro versus Lula, mas o Moro é juiz, porra. As capas das revistas semanais eram um ringue com Moro e Lula. Mas que loucura! O Moro é juiz, ele não é parte, ele julga o que as partes oferecem para ele, está equidistante das partes. Ele aparece como parte e aparece como peça política do processo de impeachment. Essa gravação foi a pá de cal na Dilma. Ali, a queda dela se tornou irreversível, pela atuação dele. Então, não fosse estado de exceção, não fosse isso uma ditadura, esse homem estava, em primeiro lugar, afastado do processo por suspeição; em segundo lugar, estava sendo processado disciplinarmente; em terceiro lugar, deveria estar sendo investigado pelo crime de quebra de sigilo telefônico.
Nina Fideles — Agora, vejo que cientistas políticos e pessoas do meio jurídico têm receio de dizer ditadura e fascismo. E você afirma com muita tranquilidade, fascismo e ditadura.
Fascismo e ditadura. O que é ditadura? O conceito de ditadura, o que é o conceito de ditadura? É a concentração do poder sem limites jurídicos constitucionais. Franco, Salazar, Hitler, Mussolini. Quais eram os limites do Franco? Quais eram os limites do Salazar? Quais eram os limites do Médici? Não tinha, não tinha limite jurídico constitucional. Isso é ditadura, concentração de poder. O que é que eles estão fazendo? Eles não têm limites jurídico-constitucionais, então eles tiraram a Dilma da presidência da República quando a Constituição não autorizava. Só que é (uma ditadura) de novo tipo. Não é pela violência explícita, não é pelas armas, é soft.
Lilian Primi — Nem pela existência de um nome que personifique essa ditadura.
Exatamente. É o Moro, é o Gilmar, é o não sei quem... É tudo diluído. Na verdade, a gente está vivendo um processo de deterioração da democracia, do que havia de democracia. Eu sou marxista, então eu falo democracia burguesa, é a que mais interessa para os trabalhadores. Tivemos um processo de deterioração da democracia que é produto do neoliberalismo. O mercado aprisionou, capturou o Estado. E não é um processo nosso, estamos reproduzindo coisas que aconteceram por aí. Na crise de 2008, nos Estados Unidos, eles jogaram US$ 800 milhões a fundo perdido, sem contrapartida, que era o que Wali Street estava pedindo. O Obama parou a campanha, telefonou para todos os deputados dizendo que era para soltar os US$ 800 milhões, era o que Wall Street estava mandando fazer, era para fazer. Naquele momento, cadê a democracia americana? Naquele momento, Wall Street capturou o Estado americano e o Obama foi a correia de transmissão entre o mercado e a máquina do Estado. Correia de transmissão, é o que o Michel Temer é hoje, é correia de transmissão entre o Estado eo mercado. Então, é uma ditadura mesmo, é uma ditadura de novo tipo, em que se preservam as instituições, tem o Parlamento, tem o Judiciário, mas completamente esvaziados de conteúdo democrático. 
Aray Nabuco, Lilian Primi e Nina Fideles são jornalistas.

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