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A PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBÓLICA, DE ERWIN PANOFSKY RESENHA A PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBÓLICA, DE ERWIN PANOFSKY RESENHA: A PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBÓLICA, DE ERWIN PANOFSKY O conceito moderno de perspectiva, cunhado pelo artista alemão Albrecht Dürer, tem raiz etimológica na expressão latina “ver através de”. Através desse conceito, Panofsky conduz sua tese e nos apresenta questões fundamentais relativas ao conceito. Construída de forma propositalmente teleológica, a primeira delas: Seria possível encontrar nos antigos uma perspectiva em algo próxima de como fora concebida em período moderno? Panofsky apresenta brevemente as razões porque a projeção estereográfica de Hiparco ou a Scenographia de Vitrúvio não poderiam representar uma aproximação à perspectiva moderna. Não sendo a perspectiva “moderna” possível, questiona-se posteriormente: Porque não se desenvolveu na antiguidade uma perspectiva linear? Para responder a tais questões, Panofsky primeiramente diferencia a perspectiva da realidade. Ele toma por “realidade” a visualidade como apreendida psicologicamente através da retina. As perspectivas – linear e óptica –, por oposição, pertenceriam ao campo da representação. Através da realidade, apreendida funcionalmente pela percepção, a perspectiva desenvolveria a ideia de infinito e conferiria homogeneidade ao espaço através da geometria. Por não representar uma realidade objetiva, a perspectiva por vezes se aproximaria mais a uma questão de estilo representativo. Diferentemente da perspectiva linear, a perspectiva na Antiguidade não era planimétrica, aliás, por configurar um campo de visão esférico, a perspectiva antiga é mais próxima a visão “real”, subjetiva, pois representa a curvatura natural da retina humana. Por isso, a arquitetura clássica e a êntasis de seus elementos pareceria tão natural aos olhos, ao corrigir as distorções da visão humana. Segundo Euclides, essa é a diferença entre a perspectiva naturalis ou communis e a artificialis – uma baseada nas leis da visao natural, portanto, ligada à grandeza aparente do ângulo de visão, e a outra útil à representação de imagens em superfícies bidimensionais. Se comparado à antiguidade, o método perspéctico moderno apresenta uma distorção gradualmente maior quanto maior for a distância do centro do campo de visão. Contudo, essa distorção é constante, mensurável, enquanto a perspectiva ocular não pode ser fácil e sistematicamente planificada – as vezes provocando o efeito que Panofsky se refere como “espinha de peixe”. Partindo de uma teleologia, mas evitando o anacronismo, interessa a Panofsky investigar porque os antigos não desenvolveram outra forma de representação espacial. Em Euclides, cujos textos sobre perspectiva não sobreviveram inalterados pelo Renascimento, estabeleceu-se o axioma dos ângulos que determinava como os ângulos da perspectiva ocular não geravam distorções, ao contrário do plano da perspectiva linear. Talvez esse tenha sido um dos maiores “empecilhos” ao desenvolvimento de outras formas de representações espaciais na antiguidade. Na antiguidade, o espaço não era unificador, como a posteriori: era heterogêneo e inconstante. Não se pensava um espaço sistemático como no Renascimento, a realidade era interpretada como algo descontínuo. A representação era pautada na aglomeração, no ajuntamento de distintos elementos, na qual esses poderiam ser distribuídos de forma ordenada. As concepções de espaço na Antiguidade foram tão múltiplas quanto a própria representação pictórica. Aristóteles concebia um espaço no qual a infinitude seria possível apenas no plano etéreo, não no plano terreno. Platão pensava o espaço em função dos objetos, que preexistiam em outro plano como ideias, desprezando qualquer forma de perspectiva como simulacro, falso e subjetivo. Demócrito descreveria um espaço como recipiente, não como um ente autônomo. Segundo Panofsky, a Arte Bizantina avançou em direção à linearidade e à bidimensionalidade em relação à antiguidade, estabelecendo uma “ponte” – teleológica – entre antiguidade e o Renascimento. A PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBÓLICA, DE ERWIN PANOFSKY RESENHA A PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBÓLICA, DE ERWIN PANOFSKY A perspectiva medieval consolidaria ainda mais essa avanço em direção a linearidade e a bidimensionalidade, e se caracterizaria pela agregação do múltiplo em unidade. Assim, a Idade Média desenvolveria um processo necessário à fundação da perspectiva moderna, ao criar pela primeira vez uma noção de espaço contínuo e homogeneizador – especialmente através da filosofia de Próclus ou dos Neoplatônicos. No século XII, o Românico do noroeste europeu, carolíngio e otoniano, representaria uma ruptura ainda mais radical em relação ao passado. Nele consolida-se a representação estritamente planimétrica, onde uma linha é uma linha, e os elementos formais são, em grande medida, expressão quase estritamente gráfica. Escultura e arquitetura não são dissociáveis, como na antiguidade, consolidando-se a a superfície pura e a massa pura. O Românico, e sua concepção plana e linear do espaço pictórico, seria uma condição prévia, si ne quoi non, ao Renascimento, por ordenar o espaço em oposição ao espaço clássico, múltiplo e subjetivo. Contrariamente ao Românico, o Gótico reaproxima-se à antiguidade, e sua filosofia retomou os escritos antigos de óptica. São Tomás de Aquino desenvolve seus escritos acerca das obras de Aristóteles, essa como se desenvolveu o pensamento neoplatônico no período. Enquanto o Românico assegurou a unidade e a não divisibilidade, a obra-de-arte Gótica se emancipada do contexto, como a arte antiga. A escultura é “libertada” da massa do edifício. Porém, as semelhança param por aí. A catedral gótica é por excelência uma construção espacial, se aproveitando das massas vazias, entrecolúnios, e dos jogos de luz para a construção dos alongados espaços internos. Posteriormente o próprio espaço aristotélico seria negado por intelectuais da Escolástica. Dentre os artistas medievais, Giotto e Duccio são os grandes responsáveis pela introdução do espaço moderno. Em suas obras, incorporou-se algo da ruptura representada pelo Gótico, ou até mesmo pela Arte Bizantina. Segundo Panofsky, pode-se dizer que surgem duas vertentes artísticas: “conservadores” – que caminham em direção a um representação espacial paralela pur – e os “progressistas” – que buscam um ponto de fuga que ordene as linhas do chão, das quadrículas e das paredes, por exemplo, mesmo não sendo este um ponto de fuga único ou central. Aos irmãos Lorenzetti atribui-se o surgimento do ponto de fuga central, “descobrindo-se”, assim, o infinito. O espaço de seus quadros supera o “cubo” medieval, interior, fechado, vazio, definido pelo espaço do quadro (Bildsraum) e que dominava a construção dos artistas que os antecederam. Mesmo representando tamanho avanço, os irmãos Lorenzetti solucionaram parcialmente o problema das linhas ortogonais nas laterais – que crivam certo desconforto ao olhar da época – inserindo figuras laterais que solucionavam a questão de forma não-geométrica. A partir deles, vários artistas se valem das quadrículas no chão para expressar um sistema espacial coordenado. Isso demonstra um desenvolvimento em direção à perspectiva linear, especialmente no norte da Europa, com a utilização sistemática do eixo de fuga no século XIV. Assim, o surgimento da perspectiva – que tanto deve ao processo homogeneização do espaço durante a Idade Média – pôde finalmente superar a representação através do cone visual de Euclides, expandindo o espaço em todas as direções através de um plano de visão. Para Panofsky, Dirk Bouts é o primeiro artista a apresentar uma perspectiva matemática, corretae unificada. No campo teórico da perspectiva, Brunelleschi desenvolveria o primeiro escrito sobre perspectiva – que sobreviveu apenas em uma referência de Piero della Francesca, sendo a obra original perdida. Alberti, no entanto, seria o primeiro a definir um método perspectico, o método “albertiano”, que simplificaria o processo, permitindo a formulação moderna fundamental de que “o quadro é um recorte de plano da pirâmide visual”. A PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBÓLICA, DE ERWIN PANOFSKY RESENHA A PERSPECTIVA COMO FORMA SIMBÓLICA, DE ERWIN PANOFSKY Panofsky desenvolve os conceitos de “espaço agregado” e “espaço sistemático”, referindo-se às duas formas de construção do espaço pictórico, ao referir-se à perspectiva medieval e renascentista, respectivamente. Passamos da concepção de um infinito que se expande do centro da terra, ou exterior ao real – segundo Aristóteles na antiguidade -, passando pelo infinito pautado em Deus com a Escolástica, e chegando, finalmente, ao infinito do mundo mensurável em Giordano Bruno, construído através de um ponto de fuga arbitrário. O desenvolvimento da perspectiva moderna aproximaria a arte da ciência, e seria para Leonardo “o freio e o leme da pintura”. Apesar de ser fortemente embasado na Matemática, o campo da visualidade e da perspectiva remete ao reino psicológico, ao ponto-de-vista subjetivo. Através da objetivação do ponto-de-vista subjetivo, ao conferir base sólida à impressão individual, construiu-se o espaço moderno – presente, até mesmo, na obra de Descartes e de Kant. Panofsky adota o conceito de “forma simbólica” a partir da obra Filosofia das Formas Simbólicas do filósofo Ernst Cassirer, visando conferir à perspectiva o seu caráter subjetivo e representacional. Importante notar que Panofsky refere-se ao desenvolvimento histórico de um “hábito de ver em perspectiva”, ao se referir ao caráter parcial e múltiplo da perspectiva. Assim, ele apresenta o conceito de habitus, posteriormente desenvolvido em sua obra Arquitetura Gótica e Escolástica. Outra referência à Filosofia e Historiografia da Arte transparece em sua afinidade teórica com Alois Riegl, ao se valer de seu conceito de “vontade formativa” (kunstwollen) para fundamentar o surgimento da perspectiva. Usando de um relativismo tipicamente riegliano, Panofsky atenta ao fato de não haver uma unidade na perspectiva linear ou nas perspectivas lineares. “A perspectiva” são várias perspectivas: a Barroca, a Renascentista, a perspectiva mais “intimista” no Norte, a perspectiva oblíqua no Trecento, o espaço elevado na Itália, o plano de visão horizontalizado da pintura de teto “ilusionista”, etc. Disto depreende-se que o espaço é subjetivo em sua dimensão representacional, sendo a perspectivam portanto, uma forma simbólica. Mesmo após seu surgimento, a perspectiva foi recusada ou efetivamente deixada de lado em vários momentos e de várias formas: desde Botticelli, que a criticava por seu “ponto-de-vista” e por ser muito subjetiva, passando pelo Impressionismo e alcançando o Expressionismo, que dela abdica por seu rigor e racionalidade. O advento da perspectiva linear separou a arte religiosa do reino da magia, e do ícone medieval. Ela reduziria o que antes era do campo divino ao campo da percepção, da ação e da consciência humana. Com isso a Perspectiva assinalaria “a queda da teocracia da antiguidade”, fundando, assim, a antropocracia moderna.
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