Buscar

Artigo Figurações Heróicas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 33 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 33 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 33 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Figurações Heróicas
(fragmentos e apontamentos incompletos)
Francisco Murari Pires
Adonis
i. nascimento
No palácio do rei da Síria (ou da Assíria� ou ainda de Chipre), por várias noites seguidas o rei une-se secretamente em seu leito envolto na escuridão da noite com uma jovem em loucura de amor, o rosto velado e identidade apenas aludida de pertença a família rica ao que lhe assegurara a velha ama palaciana. Mais uma noite o rei entrega-se àquela união, mas não contendo mais o desejo de contemplar a beleza juvenil de sua amante, abruptamente ilumina o quarto. Aterrorizado, toma a espada com intentos assassinos. A jovem, apavorada, foge escapando da morte. Quem eram? Qual a razão do pânico? Pai e filha, perpetrando incesto! Ele nomeado Tías ou Cíniras, ela Esmirna ou Mirra�.
A interdição da união incestuosa é também fator de inviabilização de destino heróico a reclamar a eliminação do fruto assim concebido em transgressão. Consumado o ato, a filha incestuosa é objeto da ira paterna por perseguição implacável. Por nove lunações em que se renova a crescente, a incestuosa amante vagou perdida pelos campos da Arábia fértil em palmeiras. Sem forças mais para suportar o transporte do fardo que gestava, parou na terra dos Sabeanos. Angustiada por seu infortúnio, dirigiu suplicante pedido aos deuses: "não quero mais macular os vivos permanecendo neste mundo, nem morta os que não são mais; que eu seja banida de um e outro império; um novo ser a quem sejam interditos a vida e a morte"�. Nem bem falava a prece e já se transmuta todo seu ser: "unhas dos pés fendidas ramificando-se em raízes que fincam na terra, corpo já de tronco de árvore por ossos amadeirados, sangue que vira seiva, mais braços estendendo grandes ramos e os dedos, pequenos ... afinal pele que endurece em casca"! E a árvore pare a criança que Esmirna gestava, rebentando uma fenda que entreabre a saída. Nascera Adônis, fruto gerado em parto da mirra! Diz-se que a resina que a árvore distila nada mais é do que as mornas lágrimas preciosas vertidas pela dolorosa mater.�
ii. areté
Por heroicidade distintiva, marca de areté (excelência), Adonis vale pela beleza superlativa, agente de irresistível poder sedutor. O feito grandioso que então consubstancia seu destino heróico: amante de Afrodite, seu parceiro humano, (i)mortal. Quer se nomeie a Deusa Astarte ou Citeréia ou Vênus ou Afrodite, a natureza de Adonis finaliza o amor consubstanciado em hierogamia�. Os elos de sua genealogia heróica conformam a via desse destino, tendo por origem ancestral a união de Hermes com Herse de que nasce Céfalo, por sua vez acasalado com Aurora a gerar Títono, também ele amante desta mesma Deusa�. 
O destino heróico de Adônis o situa, pois, sob signo e honra do poder de Afrodite. Etiologia e teleologia de seu mito configuram atos que determinam princípio e fim de existência articulados pelos desígnios da Deusa: por seu poder moveu ela a paixão enlouquecida de Esmirna por Ciniras�, de que nasceu Adônis porque a Deusa o tivesse por amante. E o amor de Afrodite selou vida e morte do herói. Pois, único outro acontecimento que se conta de Adonis diz já o desfecho trágico de sua história: ao ensejo de malfadado episódio de caça a um javali�, foi o filho de Esmirna abatido pela fera�. Fim ruinoso do mito de Adonis que sela a plenitude do poder de Afrodite Apostrophia, identidade qualificadora da deusa a ser aplacada por causa de "mortais que não rejeitam", antes cedem a, "paixões ilegítimas em atos pecaminosos". Assim no santuário de Tebas a tríade estatuária da Deusa consagrada por Harmonia incrimina os amores de Ciniras, de Fedra e de Tereu�.
No instante em que Adonis agonizava ferido pelo javali, Afrodite, em seu "elegante carro alado por cisnes", atravessava os ares na direção de Chipre. Alcançaram-lhe "os gemidos lutuosos" do amante. De imediato, virou o jugo da parelha das "aves nevosas para lá"�. Principiava por Afrodite o Lamento de Adonis porque se narrasse a aitia mítica a finalizar a teleologia ritual que teve historicamente por denominação Festival da Adonias instituído pela Deusa por estas palavras: "Memorials of my sorrow, Adonis, shall endure; each passing year your death repeated in the hearts of men shall re-enact my grief and my lament"�. 
 Encenava-se ritualmente o lamento lutuoso mais enterro (da estátua homônima, adonion) de Adonis�.
Eis os versos do canto concebido pelo poeta alexandrino Bíon que atualizava em narrativa a mímesis ritual do gesto modelar da Deusa:
"I cry woe for Adonis and say The beauteous Adonis is dead; and the Loves cry me woe again and say The beauteous Adonis is dead. Sleep no more, Cypris, beneath thy purple coverlet, but awake to thy misery; put on the sable robe and fall to beating thy breast, and tell it to the world, The beauteous Adonis is dead. Woe I cry for Adonis and the Loves cry woe again. The beauteous Adonis lieth low in the hills, his thigh pierced with the tusk, the white with the white, and Cypris is sore vexed at the gentle passing of his breath; for the red blood drips down his snow-white flesh, and the eyes beneath his brow wax dim; the rose departs from his lip, and the kiss that Cypris shall never have so again, that kiss dies upon it and is gone. Cypris is fain enough now of the kiss of the dead; but Adonis, he knows not that she hath kissed him. Woe I cry for Adonis and the Loves cry woe again. 
Cruel, O cruel the wound in the thigh of him, but greater the wound in the heart of her. Loud did wail his familiar hounds, and loud now weep the Nymphs of the hill; and Aphrodite, she unbraids her tresses and goes wandering distraught, unkempt, unslippered in the wild wood, and for all the briers may tear and rend her and cull her hallowed blood, she flies through the long glades shrieking amain, crying upon her Assyrian lord, calling upon the lad of her love. Meantime the red blood floated in a pool about his navel, his breast took on the purple that came of his thighs, and the paps thereof that had been as the snow waxed now incarnadine. The Loves cry woe again saying “Woe for Cytherea.”
Lost is her lovely lord, and with him lost her hallowed beauty. When Adonis yet lived Cypris was beautiful to see to, but when Adonis died her loveliness died also. With all the hills ‘tis Woe for Cypris and with the vales ‘tis Woe for Adonis; the rivers weep the sorrows of Aphrodite, the wells of the mountains shed tears for Adonis; the flowerets flush red for grief, and Cythera’s isle over every foothill and every glen of it sings pitifully Woe for Cytherea, the beauteous Adonis is dead, and Echo ever cries her back again, The beauteous Adonis is dead. Who would not have wept his woe over the dire tale of Cypris’ love? She saw, she marked his irresistible wound, she saw his thigh fading in a welter of blood, she lift her hands and put up the voice of lamentation saying “Stay, Adonis mine, stay, hapless Adonis, till I come at thee for the last time, till I clip thee about and mingle lip with lip. Awake Adonis, awake for a little while, and give me one latest kiss; kiss me all so long as ever the kiss be alive, till thou give up thy breath into my mouth and thy spirit pass into my heart, till I have drawn up all thy love; and that kiss of Adonis I will keep as it were he that gave it, now that thou fliest me, poor miserable, fliest me far and long, Adonis, and goest where is Acheron and the cruel sullen king, while I alas! live and am a God and may not go after thee. O Persephone, take thou my husband, take him if thou wilt; for thou art far stronger than I, and gettest to thy share all that is beautiful; but as for me, ‘tis all ill and for ever, ‘tis pain and grief without cloy, and I weep that my Adonis is dead and I fear me what thou wilt do. O dearest and sweetest and best, thou diest, and my dear love is sped like a dream; widowed no is Cytherea, the Loves are left idle in her bower, and the girdle of the Love-Lady is lost along with her beloved. O rash and overbold why didst go a-hunting?Wast thou so wooed1 to pit thee against a wild beast and thou so fair?” This was the wail of Cypris, and now the Loves cry her woe again, saying Woe for Cytherea, the beauteous Adonis is dead. The Paphian weeps and Adonis bleeds, drop for drop, and the blood and tears become flowers upon the ground. Of he blood comes the rose, and of the tears the windflower.
I cry woe for Adonis, the beauteous Adonis is dead. Mourn thy husband no more in the woods, sweet Cypris; the lonely leaves make no good lying for such as he: rather let Adonis have thy couch as in life so in death; for being dead, Cytherea, he is yet lovely, lovely in death as he were asleep. Lay him down in the soft coverlets wherein he used to slumber, upon that couch of solid gold whereon he used to pass the nights in sacred sleep with thee; for the very couch longs for Adonis, Adonis all dishevelled. Fling garlands also and flowers upon him; now that he is dead let them die too, let every flower die. Pour out upon him unguents of Syria, perfumes of Syria; perish now all perfumes, for he that was thy perfume is perished and gone. There he lies, the delicate Adonis, in purple wrappings, and the weeping Loves lift up their voices in lamentation; they have shorn their locks for Adonis’ sake. This flung upon him arrows, that a bow, this a feather, that a quiver. One hath done off Adonis’ shoe, others fetch water in a golden basin, another washes the thighs of him, and again another stands behind and fans him with his wings.
The Loves cry woe again saying “Woe for Cytherea.” The Wedding-God (Hymenaeus) hath put out every torch before the door, and scattered the bridal garland upon the ground; the burden of his song is no more “Ho for the Wedding;” there’s more of “Woe” and “Adonis” to it than ever there was of the wedding-cry. The Graces weep the son of Cinyras, saying one to another, The beauteous Adonis is dead, and when they cry woe ‘tis a shriller cry than ever the cry of thanksgiving. Nay, even the Fates weep and wail for Adonis, calling upon his name; and moreover they sing a spell upon him to bring him back again, but he payeth no heed to it; yet ‘tis not from lack of the will, but rather that the Maiden will not let him go. Give over thy wailing for to-day, Cytherea, and beat not now thy breast any more; thou needs wilt wail again and weep again, come another year".
Em meio às dores do luto, Afrodite selou desfecho ao destino do herói, consumando sua natureza final: sangue transmutado em flor da cor de romãs, originando beleza floral entretanto efêmera por pétalas logo decadentes aos sopros dos vento. Eis a anêmona!�
Conta também o mito que, seduzidas por sua beleza, duas Deusas, Afrodite e Perséfone, travaram disputa pela posse de Adonis, ciosas de fruir o afeto do herói com exclusividade. O dissídio divino foi submetido ao juizo de Zeus, que nomeou uma Musa, Calíope, a arbitrar a contenda. Por sabedoria (pseudo) salomônica ela resolveu o impasse: o infatigável, inesgotável amante a ser exaurido pelos prazeres das Deusas, permaneceria metade do ano sob domínio de Afrodite e metade sob o de Perséfone�. Porque a justiça de Zeus, análoga à palavra do Papa entre os cristãos, é infalível e, afinal como manda quem pode, obedece quem tem juizo, Afrodite, não obstante contrariada, sujeitou-se à partilha tão desagradavel quão inevitável. Mas desforrou o furor de sua vingança contra quem podia, a pobre da Musa, que acabou pagando o pato na pessoa de seu filho, pois, por instigação da Deusa, "as mulheres trácias, tomadas por furor afrodisíaco, despedaçaram Orfeu membro a mebro"�.
A introduzir a história contada por esse mito em tempos áureos do império de Augusto ufanista de civilização, o poeta latino, Ovídio, antecipa cuidados narrativos porque firmasse a melhor moralidade dos sentimentos cultivados pela pietas da família romana. Eis suas advertências: "história medonha, horrorosa de um infame atentado, crime monstruoso, que fere os ouvidos de jovens meninas e de pais", e que apenas se escuta porque bem se atente à lição de crimes abomináveis que encontram justa punição. História de um "incesto abominável" de uma filha rival da mãe e amante do pai a desconcertar toda a ordem do parentesco porque nela se (des)configure irmã do filho e mãe do irmão. E logo esclarece a tranquilizar a boa harmonia ideológica da civilização romanizada: história monstruosa de povos bárbaros habitantes em longínquas regiões orientais! Mas,, por mitos de figurações monstruosas exteriorizadas para regiões bárbaras, Roma Antiga também localiza fontes de ricas pilhagens que sua história promove a prover-se também de aromatizantes e perfumes árabes: bálsamo, canela, incenso e ... mirra!�
Há heróis que finalizam sua história humana por metamorfose em outra forma terrestre. Os amantes mortais de divindades realizam ambivalentemente por sua união marital o ato glorioso porque distinguem sua excelência contra a transgressão que confunde e desordena os limites definidores das condições de ambas as categorias assim também arruinando seu destino. A morte do amante humano é a (con)sequência imediata de seu ato em contrapartida e realização da fama glorificadora dessa união. Pela ambigüidade da (in)definição de Adônis como deus ou herói esse destino se dá pela paradoxal definição de um “deus efêmero”.
Anfíon e Zeto
Por algum tempo mítico da realeza tebana, eis que uma formosa jovem adormecida figura em cena de lânguida sedução, desatenta e inerte. A cena se passa num bosque, afinal ali se encontram sátiros. Um deles a espreita. Se aproxima, gentilmente, a desnuda. Quem eram? Júpiter em visita amorosa a Antíope. Ele, pelos gregos nomeado Zeus. Ela, princesa tebana, filha de Nicteu; mas também dita ninfa, filha de Asopo�, deus-rio que corre veloz, turbilhonante, vincando a fronteira entre Tebas e Plateia.
Ou seriam Vênus e um sátiro? Ou ainda apenas uma ninfa e um sátiro? 
Por Júpiter e Antíope era conhecido o quadro de Correggio no Louvre, ao que declara Jacques-Louis David, então advertindo as autoridades revolucionárias congregadas na Convenção Nacional (tempos de Terror, primavera de 1794), porque não descuidassem de sua preservação e guarda: "Vous ne reconnaitrez plus l'Antiope. Les glacis, les demi-teintes, en un mot tout ce qui caracterise particulierement le Corrège et le met si fort au-dessus des plus grands peintres, tout a disparu". Também o poeta, Théophile Gautier, cantava, ainda por meados do século XIX, "a beleza do corpo adormecido de Antíope retratada ao claro--escuro de Corregio"�. Anteriormente ao século XVIII, entretanto, a nomenclatura identificadora do quadro de Corregio dizia de outras figurações mitológicas nele representadas: "Venere e Cupido che dorme, con un Satiro".� Por esta (im)precisão conexa a outras intrigas iconológicas, os críticos modernos� de intúitos positivantes corrigem o (alegado) equívoco em que incidiram o pintor revolucionário mais o poeta simbolista, porque se restabeleça a verídica identidade da cena mitológica. 
Mas, quem jamais viu um sátiro? E se viu, quem capaz de discriminá-lo da epifania de Jupiter por ele aparente? Ora, que (ou a quem) importa se Vênus ou Antíope com se Júpiter ou Sátiro? Pois, dualidades de figurações porque se confundem homólogas imagens de languidez de beleza feminina a comover lascívia de desejo masculino como tópos pictórico para cenas míticas de sedução no bosque. Por similar composição imagética à de Corregio conceberam o episódio quadros de outros pintores� por título inquestionável porque retratassem justo aquela hierogamia mítica tebana, mais um dos tantos Amores de Júpiter. Entre esses, o próprio Jacques-Louis David�. E por mais outros quadros de (cor)respondente iconologia�, eis que persiste a interrogação porque se (in)decide a nomenclatura do episódio representado, hesitante entre umas e outras dessas figuras particulares.
Então, segredo de um abraço que consumou hierogamia régia tebana. Eis princesa que engravida, entretanto virgem ... ao que sabem os humanos! Desventurasmíticas de misteriosa senão suspeita gravidez virginal, tanto mais porque a jovem se ufana de ter amante divino, nomeando justo Zeus�. Incredulidade prosaica a suscitar no pai da jovem, Nicteu, rei de Tebas, fúrias de indignação por honra familiar maculada. Suspeitas recaem em indivíduos humanos que respondessem pela intrigante progenitura. Sob ameaças régias porque então Antíope busca refúgio na corte de Epopeu, rei de Sicíon, que a desposou, aventa-se quem fosse o furtivo amante�, que talvez mesmo ludibriara e violentara a jovem�. Ato indigno, assim acusado pela perspectiva ofendida da realeza de Tebas. Não, pelo contrário, ao que o diz o ufanismo da de Sícion: rapto heróico, feito de excelência guerreira�. Quer por fuga quer por rapto a figurar ou simples iniciativa afeminada ou glorioso feito de virtuosidade (areté) viril, ato comprovador de suspeitas régias tebanas tanto mais agravadas ao se defrontar com indesejado, espúrio genro.
A satisfação honorífica da realeza impunha, pois, atacar Sícion�, reino até então pacífico, mas que agora conheceria os distúrbios experienciados com a guerra. Nicteu não sobreviveu a ela. Diz-se que, tomado de desespero insuportavel por aquele duro golpe, ou suicidou-se� ou morreu de desgosto�. Transferência, então, justo antes da morte, do encargo beligerante ao irmão, Lico, porque limpasse a nódoa daquela ofensa�. Mas, outra variante de narrativa mítica conta os acontecimentos em causalidade invertida: porque participasse da campanha bélica foi Nicteu ferido, vindo a falecer em Tebas, então transmitindo a realeza para o irmão�. 
Afinal, Antíope acabou de regresso a Tebas. Divergem os relatos míticos consoante a fama orgulhosa porque se proclamasse a vitória daquela guerra. Do lado de Sicíon, Epopeu, embora ferido no combate, a assinalou por sacrifício ofertado a Atena mais edificação de um templo em sua honra, o que bem regozijou a Deusa, a qual manifestou seu agrado consagrando com óleo de oliva vertido o edifício terminado. Com a morte de Epopeu que descuidara do ferimento recebido, diz-se que seu sucessor, Lamedonte (filho de Corono), devolveu aquele (novo) pomo da discórdia a Lico�. Já pela perspectiva de Tebas, fora este rei quem, em expedição exemplar, matara Epopeu, trazendo Antíope cativa para Tebas.
Em meio do caminho de volta, Antíope deu à luz dois gêmeos, então abandonados no local mesmo do parto, uma gruta em Eleutherai, na área do Cíteron, fronteira entre a Ática e o reino de Tebas�. 
Principiava o destino heróico conjugando Anfíon e Zeto, filhos de Zeus.
Aquiles
Tétis, deusa marinha, bela filha de Nereu: Zeus e Poseidon rivalizam em tê-la por amante. Mas um terrível segredo cerca o destino nupcial da Nereida. Revelaram-no palavras proféticas, ou de Prometeu ou de Têmis. 
O Titan, oprimido em sua prisão montanhosa pela ira de Zeus que lá o punia pelas ofensas do episódio de Mecone, anunciou (in)certas núpcias, de terríveis consequências para o detentor da realeza celeste, pois gerariam incombatível prodígio, dotado de recursos armados mais potentes que os dos deuses olímpios, pois de fogo ainda superior ao raio de Zeus, de troar mais portentoso que o trovão e que estilhaçaria a tridente lança de Poseidon. Nesses termos antevia Prometeu a queda de Zeus por núpcias que da realeza e do trono lançá-lo-iam fora anulado, a então aprender quanto ser rei e ser escravo diferem. Pesava contra Zeus a praga paterna de Cronos, virtualizando cumprir-se sua queda do longevo trono.
Também áugure ecoou a fala de Têmis no Conselho dos Deuses, de memória infalível, a debater o desfecho da disputa de Zeus e Poseidon pelo amor de Tétis. A conselheira proferiu o oráculo que predizia o que era conforme o destino: a deusa marinha poria no mundo um filho que se tornaria mais poderoso que o pai e cujos braços disparariam tiros mais temíveis que o raio ou que o tridente monstruoso, caso ela se unisse a Zeus ou a um de seus irmãos. Destino nupcial de Tétis consoante à lei de sucessão da realeza celeste porque o pai impreca contra o filho que o destrona igual desventura: assim de Urano para Cronos e de Cronos para Zeus.
Tal era o destino do filho que nascesse de Tétis. Então, adviria ao mundo um poder maior que Zeus? Mas o bom conselho de Têmis não se fez tardar na assembléia dos deuses, bloqueando aquele paradoxal desígnio cósmico que anunciava o advento de alguém mais poderoso que Zeus: que Tétis compartilhasse o leito de um mortal, que fosse concedida a Peleu, o Eácida, o mais piedoso dos homens que a planície de Iolcos nutria. Pela honorífica aliança divina do casamento de Peleu e Tétis cumprir-se-ia o destino a gerar varão guerreiro igual a Ares pela força do braço e igual ao relâmpago na rapidez dos pés. 
Não obraram em vão as palavras da Deusa: os deuses todos bem anuiram ao sábio conselho, e Zeus e Poseidon afastaram-se da Nereida, impelindo-a para a cama de um homem mortal. Havia ainda, então, que mover Peleu àquela união. Uma mensagem foi levada, da parte dos deuses, a Quíron, o centauro instrutor de heróis. Por ele a trama divina alcançou o Eácida. Quando Tétis veio, como de costume, repousar adormecida em seu abrigo rócheo de Hemonia, o herói, tomado de audacioso desígnio, tomou-a nos braços, disposto a possuí-la, mesmo que à força. Mas não era fácil o abraço da deusa, conhecedora de metamorfoses várias, a mutar-se ora em fogo, ora em água, ora em árvore, ora em pássaro, ora todas as formas de feras. Ao êxito heróico foi necessária a instrução devida: que o amplexo aprisionasse firme a deusa, sem deixar-se lograr pelas dissimulações de sua figura, por mais horrendas e temíveis que fossem, só aliviando seus laços aprisionadores quando ela retomasse a forma primeva. Foi assim, em noite de lua-cheia, que, submetida ao amor heróico, Tétis viu soltar-se o freio de sua encantadora virgindade. 
E Peleu desposou Tétis em festivas núpcias na morada de Quíron nas colinas do Pélion, deuses celestes e marinhos entre os convivas, deles ganhando presentes magníficos: de Quíron, uma lança fraxínea; de Poseidon, cavalos imortais, Bálio e Xanto. Desse casamento nasceu Aquiles.�
Assim que nasceu o filho dela gerado por Peleu, Tétis, mãe prestimosa, intentou transmutar sua natureza em imortal. Submetia-o a (in)consequente tratamento, à noite queimando sua corporeidade mortal ao fogo e de dia untando-o com ambrosia. Mas o marido a surpreendeu, gritando aterrorizado diante do que via: seu filho contorcendo-se sobre as chamas!� Assim abortou aquele intento divinizante do herói, porque os humanos, ignaros, não atinam os mistérios dos poderes divinos. Esta fora a sentença moralizante que o mito firmara para o similar episódio da experiência de imortalização com que Deméter privilegiava Demofonte, o filho de Celeu e Metanira. Já autores tardios diziam que, no caso de Tétis, já seis filhos de Peleu tinham assim sido mortos pela mãe! Mas dizem também os mitos de Aquiles que, devido ao tratamento que Tétis lhe dispensara, a vulnerabilidade mortal de seu corpo ficara restrita apenas ao osso calcâneo por causa da interveção inopinada de Peleu, que o retirara do esqueleto do gigante Damiso e o implantara no filho, em substituição do que fora chamuscado pelo fogo.� Por tal exposição deslocada definira-se a etiologia do nome do herói, Aquiles, porque não havia ainda posto os lábios no peito materno.�
Porque desviada aquela perigosa união marital para o mortal Peleu, Aquiles é filho “manqué” de Zeus. Assim persiste incólume a ordem de dominação imposta aos humanos pelo poder de Zeus. E se fosse o de Aquiles? Mudança para bem ou para mal? Por um ou outro, faz diferença? Não são sempre modos despóticos? Sim, sim, importa, pois no avanço de pai a filho, progresso tirânico, versões pioradas de despotismo. Já o diziam as histórias dos Antigos: Ciro e Cambises, Dario e Xerxes, Pisístrato e Hípias, Cipselo e Periando ... e estão (ainda, hélas!) por aí os Bush(es)!
Arthur
a espada na rocha
À morte de Uther, "the High King of Britain", o trono ficara vago,sem herdeiros. Os Barões do reino disputam pretensiosos por ganhar a posse daquela sede régia. A evitar que o reino se dilacerasse em guerras intestinas, o sábio conselheiro do rei morto, Merlin, atina a inteligência da solução daquela aporia ou impasse de sucessão da realeza: fosse novo rei quem se distinguisse singularmente em prova de excelência heróica. Concebeu uma espécie informal de torneio em ordalio. Dotado de poderes mágicos, Merlin fincou soldada em uma pedra a espada de Uther, insígnia depositária do poder régio vacante. Quem a desprendesse da rocha tomando-a para si, seria o rei eleito porque provara distintiva superioridade. Muitos nobres guerreiros intentaram o feito, Lot, Uriens, Leodegrance ... e ainda outros. Todos fracassaram,, sequer conseguiam mexê-la. Apenas Arthur, por qual circunstância episódica fosse em que se deparasse diante da espada prisioneira da rocha, a empunhou, libertando-a de sua paralisia pétrea. Consumara-se outra prova em reiterada tópica de desígnio heróico porque a matéria dotada de discernimento mágico discriminava o sucessor régio porque manifestação de eleição divina.
Asclépio
Flégias, rei da Tessália (ou Larissa?), tinha uma filha, Coronis, se bem que outros digam que a história se passou com Arsínoe, filha de Leucipo. 
A virgem teve Apolo por amante. Embaraçada, "desvairou" confundindo-se arrastada em paixões: entregou-se também a um humano, estrangeiro, Ísquis Ilatida, irmão de Ceneu. Diz-se que um corvo, espião e tagarela delator de amores, fez-se mensageiro da notícia ao Deus. Mas o poeta, crítico do mito a preservar-lhe melhor piedade, assegura que o Deus, a cujo olhar os fatos não escapam, dispensa tais concursos informativos: Lóxias soube a traição sem que consultasse "outro confidente" que o melhor de todos, "espírito onisciente que ignora a mentira", "nem deus nem mortal o logra seja em ato seja em pensamento". Apolo enfureceu. Contra o corvo voltou a ira obrando-lhe condizente inversão colorida: o pássaro, de antes plumagem branca como a neve, agora era negro. A amante foi também punida pelo erro de uma traição que menosprezara o nexo divino preterindo-o, insensata, pelo humano, assim "difamando sua castidade"�: foi cravada de flechas por Ártemis. "O ressentimento dos filhos de Zeus jamais é vão"�. 
Já a criança que ela gestava, "fruto da pura semente apolínea", o Deus salvou: em meio às chamas da pira fúnebre em que ardia Coronis, abriu o ventre da mãe e retirou o filho, etiologia divina de operação médica depois dita “cesariana”. Assim nasceu, por consoante arte apolínea, o mortal excelente na ciência da "cura de todas as doenças", Asclépio. Mas também se diz, em variante de tradições míticas, que foi em Epidauro que Coronis deu à luz um filho, por ela então lá abandonado na montanha Mírtio (depois chamada Nipple): uma cabra a amamentou e o cão vígia do rebanho a protegeu. Outros dizem já que o episódio ocorreu na planície Dotiana e outros em Lacerea junto às margens escarpadas do lago Boibeis.
Salva a criança, foi Asclépio entregue por Apolo a Quíron para que o educasse.�
Atalanta
De Iásio (ou de Esqueneu) e Climene, filha de Mínias, nasceu Atalanta, belíssima criança. Mas o pai desejava ter apenas descendentes homens e não meninas que lhe fossem inúteis. Ordenou que a criança fosse exposta. Abandonaram-na no monte Partênio de paragens agrestes, junto a uma fonte, gruta escavada no rochedo em meio a densa floresta. Todavia, uma ursa, tetas infladas e pesadas de leite, movida por alguma inspiração divina, beneficia Atalanta, nutrindo-a lá na floresta. A criança, não obstante fadada à morte certa, salvou-se, a sorte não a traiu. Resgatada, de lá recolhida por caçadores.
Os destinos daquela criança provariam o terrível engano cometido pelo rei, o próprio pai de entretanto concepções míopes, pois a heroína bem avultaria valor e excelência em meio a varões, equiparada e rivalizando com eles, mesmo a muitos superando.�
Batos
Há mistérios envolvendo a fundação da colônia grega de Cirene por Battus de Tera.
Ao ensejo de várias circunstâncias motivadoras, os habitantes de Tera foram em consulta ao oráculo de Delfos inquirir de Apolo instruções para os males que os afligiam, quer calamidades comunais (árvores ressecando por terrível seca ou epidemia que perdurava sete anos) quer dilemas pessoais (Batos angustiado pelos problemas de sua voz e fala). A resposta dada pela Pítia enunciava sempre a mesma desconcertante ordem: que fossem estabelecer colônia na Líbia! 
Ora, mas onde ficava a Líbia? Quem lá já fora? Qual a rota marítima que a alcançasse? Quando primeiro ouviram a mensagem oracular, os habitantes de Tera, totalmente desorientados porque nada sabiam acerca daquela parte do mundo indicada por Delfos, ignoraram a palavra apolínea negligenciando a missão colonizadora. Persistindo os males e reiterada a ordem enviaram mensageiros a Creta a contatar viajante inteirado de tais paragens. Ficaram sabendo de um certo Corobius, pescador de murex da cidade de Itanus, que dizia ter tido certa vez seu barco extraviado por ventos que o levaram para os lados da Líbia junto a uma ilha chamada Platea. Tópos narrativo porque se memoriza viagem de descoberta de terra (des)conhecida ocasionada por navio de curso (des)orientado por ventos errantes que acertaram o destino da viagem.
Castor e Pólux, Helena e Clitemnestra
Uma bela jovem encontra-se em algum lugar em tempos míticos. Um cisne cruza o céu, uma águia no seu encalço. Desce a buscar refúgio junto à jovem. Ela, hospedeira, o acolhe no colo. As asas a envolvem, ela adormece. Carinhos de um abraço por mais outra hierogamia provedora de heróis.
Quem era a jovem? Leda de belos tornozelos�, esposa de Tíndaro, rei de Esparta. Onde se passa a cena? No sopé do Taigeto, às margens do Eurotas�. O cisne? Ludíbrio de Zeus, amante alado a enganar a (des)atenção da virgem�. E a águia? Hermes, assim transmutado a pedido de Zeus�. Então, à noite, a virgem recolhe-se ao leito de Tíndaro�.
Ou seria Némesis, em algum campo de Ramnunte na Ática? A deusa virgem, infensa à paixão de Zeus, evitava-o, fugia de seus abraços, pelo que assumiu formas como peixe em travessia pelos mares e correntes do Oceano, mais outras, todas criaturas terríveis que a terra nutre, errante até o fim do mundo�. Não escapou, entretanto, do ataque do cisne astucioso, quando ela, então uma gansa, desviara a atenção da vígia do cisne para a águia que o perseguia, assim enganada pelas transmutações de Zeus naquele e Vênus nesta. Ávido de cópula, o cisne a abraçou�.
Qual fosse a figura feminina - ou humana ou seu duplo divina, a quem Zeus visitasse em astuciosa perseguição amorosa da beleza apaixonante� - então inoculada pelo sêmen císneo, pôs um ovo no mundo. Ainda por meados do século II d.C. quando Pausânias passou pela Lacônia, via-se, em um santuário dedicado às Leucípides�, um ovo dependurado, preso ao teto por uma cinta. Consagração cultual daquele famoso, produto mítico dos amores de Zeus. Foi o que disseram ao viajante erudito, e ele a nós.�
Que sorte teve o ovo? Jazendo na gruta em que Leda o botara, um pastor o encontrou�. Levou-o para a rainha. Instruções porque o chocasse!� Dele nasceu Helena. Tais as vicissitudes do advento heróico por trânsito terrestre agenciado por humanos, a conjugar exposição com acaso porque se consume plenamente o nascimento. Pelo duplo do trânsito divino porque Némesis figura a maternidade de Helena, seu nascimento se passa entre os deuses, pelo que o mensageiro celeste, Hermes, leva a recém nascida em segurança a ser amamentada e criada por Leda�.
Mas eis que nasceram também da mesma hierogamia Castor e Pólux, irmãos gêmeos, mais Clitemnestra�. Razão porque se botou mais um ovo na história, montando a dois�. Razão também porque aventou-se dicotomia paterna, confundindo divina por Zeus com humana por Tíndaro, por um e outro distribuindo-se as ambíguas progenituras heróicas que correspondessem devidamente às naturezas diferenciadas: divinizante paraHelena e Póllux, humanizada para Clitemnestra e Castor�.
Eis que a cena se passa agora em tempos modernos de lugares históricos, Irlanda no advento da independência, anos 1920. Figuras que ganham atualizadas identidades: a virgem, Irlanda Livre; e o cisne, Tirano Britânico. Assim os representou o poeta-senador, William Butler Yeats em Leda and the Swan.
Afinal, de que cor era o cisne? Branco, mas também preto. Por uma ou por outra, qual coloração para bem ou mal? Por quem nos vem os males de Helena? Que importa essa diferença, a não ser se homens se tornem cisnes! Todavia, branco o figuraram quase todos!
Ciro
Astíages, rei dos medos, tinha uma filha, Mandane. Sonhos estranhos com sua filha o inquietaram. Primeira visão do rei: a urina da princesa inundava a cidade, depois transbordando por toda a Ásia. Apavorado pelas interpretações dadas pelos magos, o rei decidiu casar Mandane não com um nobre medo, mas com um súdito dentre os povos subjugados à sua suzerania. Escolheu criteriosamente alguém que não desonrasse sua dignidade régia mas que também não tivesse que recear por quaisquer pretensões à herança de seu trono. Assim, decidiu-se por um persa, Cambises, homem de boa estirpe e de temperamento tranqüilo. Tencionava, portanto, desviar por aporias astuciosas a (in)viabilização do terrível destino que o sonho prenunciava.
Todavia eis que logo no primeiro ano de sua filha casada, teve novo sonho por reiterada visão aterrorizadora: das partes pudendas de Mandane crescia uma vinha, a qual cobria toda a Ásia. Novamente as interpretações dos magos o afligiram: o filho de sua filha reinaria em seu lugar. Intentou, portanto, dar agora uma solução definitiva para o caso, eliminando seus temores. 
Quando Mandane deu à luz um menino, Astíages convocou seu mais fiel servidor, homem de total confiança a quem encarregava todos os cuidados de seus interesses, nobre medo de sua família, Hárpago, e entregou-lhe a criança. Suas ordens, por enfáticas advertências admoestadoras a exigir seu cumprimento à risca, eram claras: que ele levasse o recém-nascido para sua casa e o matasse, enterrando-o depois como quisesse. A resposta de Hárpago protestou sua mais estrita obediência e fidelidade: “Nunca me viste fazer coisa alguma capaz de desagradar-te, rei, e terei sempre o cuidado de nada fazer que te ofenda. Se essa é a tua vontade, meu dever é prestar-te serviço diligentemente”.
Astíages, ao ver frustrado seu primeiro desígnio a evitar as ameaças do advento de seu neto, intentou dar agora uma solução definitiva para o caso, eliminando de vez todos os seus temores. Quando Mandane deu à luz um menino, Astíages convocou seu mais fiel servidor, homem de total confiança a quem encarregava todos os cuidados de seus interesses, nobre medo de sua família, Hárpago, e entregou-lhe a criança. Suas ordens, por enfáticas advertências admoestadoras a exigir seu cumprimento à risca, eram claras: que ele levasse o recém-nascido para sua casa e o matasse, enterrando-o depois como quisesse. A resposta de Hárpago protestou sua mais estrita obediência e fidelidade: “Nunca me viste fazer coisa alguma capaz de desagradar-te, rei, e terei sempre o cuidado de nada fazer que te ofenda. Se essa é a tua vontade, meu dever é prestar-te serviço diligentemente”. 
Mas depois, pelo caminho e já em casa, Harpago, intrigado por atinar os desígnios régios que aquela extranha ordem implicava, temeu consequências funestas para seu ato infanticida. Ponderou então que o melhor seria desviar dele tais encargos sinistros, transferindo sua execução a outro, um pastor de bois da casa real, Mitradates. Entregou-lhe a criança e, adaptando seus termos, transmitiu a ele a ordem do rei: que ele a levasse para as áreas de seu habitual pastoreio, lá a abandonando na parte mais desolada para que perecesse o mais depressa possível, bem atentando para que nada descuidasse, pois se a criança se salvasse, pagaria ele, Mitradates, com sua própria morte. A cumprir as ordens de Astíages, o vaqueiro Mitradates levou a criança para as paragens nos elevados montanhosos de pastos mortíferos, terras cobertas de florestas infestadas de feras selvagens. Área marginal de confins bárbaros, ao norte de Ecbátana, na direção do Ponto Euxino (Mar Negro), do lado dos sáspiros. Assim destinada à morte, preparou-se a criança por consoantes trajes fúnebres de sua condição régia: estofo multicolorido e jóias de ouro.� 
Ali nas florestas de Ecbátana, eis que uma cadela, por piedosa disposição, defende a criança contra as rapinagens assassinas de feras e aves, e dá-lhe de mamar nas próprias tetas. Pela narrativa herodoteana, Cino, cadela na língua grega, ou Espaco na língua dos medos, era o nome da mulher do pastor que acolhera a criança rejeitada pelo rei Astíages: sua ama-de-leite substituta, pois a trocara contra o próprio filho que ela gerara natimorto.� O prodígio mais misterioso do ocorrido é assim de certa forma deslocado e banalizado. E, todavia, ao registrar os nomes, agora dos pastores que salvam as crianças expostas, a lembrança da interferência dos desígnios divinos novamente se apresenta, embora assim apenas tenuemente aludida: Mitradates, pelo deus Mitra, para a história de Ciro. 
Por modo mais misterioso ou mais banalizado, Ciro sobrevive à exposição, sendo criado na casa do vaqueiro.�
a brincadeira do rei justo
Aconteceu em alguma aldeia da Média sob o reinado de Astíages. Crianças brincavam jogos miméticos em que simulavam os modos do poder régio. Ao filho do pastor de bois do rei, menino na casa dos dez anos, fora atribuído pelos amiguinhos o papel do suzerano. De imediato se pôs a dar ordens, definindo quais papéis e precípuas funções caberiam aos demais: "construtor de casas, guardas, o olho do rei, arauto". Um deles, de nobre ascendência pois filho de Artembares integrante da corte palaciana, de pirraça desobedeceu as ordens dadas. O reizinho não titubeou: de pronto mandou os guardas prendê-lo. A ensinar-lhe dura lição acerca do poder régio que agora representava, chicoteou-o! Assim que se viu livre da terrível punição por sua desobediência, o garoto surrado correu a queixar-se junto ao pai, lastimoso pela vergonhosa tunda sofrida. E o pai, colérico, foi por sua vez buscar a satisfação da vingança junto a Astíages: "Vê, rei, o ultraje feito a nós pelo filho de teu escravo, o filho de um pastor (e mostrou os ombros do menino)". 
Porque não se malquistasse com o importante nobre Medo ofendido em sua honra e abalado seu prestígio, o rei fez vir diante de si o pastor e seu filho. Interrogou direto o menino: "És tu então, o filho de tal pai, que ousaste tratar dessa maneira aviltante o filho do primeiro de meus cortesãos?". A resposta do garoto não tardou a dar a justificativa de seu ato, argumentando sabiamente os preceitos da justiça régia por ele desempenhada: "O que lhe fiz foi justo, soberano. Os meninos do povoado, dos quais ele é um, escolheram-me em sua brincadeira para ser o seu rei, pois me julgaram mais digno de sê-lo; os outros meninos cumpriram as minhas ordens, mas esse não me deu ouvidos e não levou em conta as minhas palavras até o momento em que fiz o que era justo. Se mereço alguma punição por isso, aqui estou para recebê-la".
Atônito com a resposta do menino em que reconhecia competência régia, identidade ainda reforçada ao dar-se conta da semelhança de traços fisonômicos consigo, Astíages começou a suspeitar a coincidência de idades entre o filho e a que seu neto, gerado por Mandane, teria se não tivesse sido exposto à morte dez anos antes. Livrando-se da presença incômoda de Artembares mas sem ferir o devido respeito que sua posição merecia, despediu-o com estas palavras: "Agirei de maneira a que tu e teu filho não tenham qualquer motivo de queixa, Artembares". Então, ficando a sós com o pastor, inqueriu- o a que lhe dissesse a verdade: "onde obtivera aquele menino, das mãos de quem?" "É meu filho", respondeu o pastor, "vive comigo e a mãe em nossa casa". A severidade do interrogatório Astíages agora complementou pelabrutalidade da ameaça de tortura então ordenando aos guardas que já o segurassem, modalidade de violência com que reis compelem inferiores a falarem a verdade�. 
Ao que o pastor, incontinente, tudo francamente revelou daquela história: a entrega a ele por Harpago do neto do rei com ordem de que o eliminasse, exposição da criança na mata abandonada às feras selvagens, miraculoso salvamento por ama-de-leite animal que o alimenta ... e tudo o mais a que tais mitos canônicos de histórias heróicas têm direito! O menino que brincara de ser rei corretamente punindo a insubordinação de um vassalo, por direito o era: Ciro, descendente de Astíages! Competência de justiça régia despótica corria-lhe no sangue!
Colaxais
 o tesouro em fogo
Heródoto� conhecia, ao que diziam as tradições dos próprios citas, a seguinte história acerca da fundação da realeza entre eles. 
Quem primeiro se estabelecera nas terras dos Citas, à ocasião uma área deserta, fora Targitaus, gerado em tempos heróicos da hierogamia de Zeus com a filha do rio Borístenes. Teve três filhos: Lipoxais, o mais velho, depois Arpoxais e por último Colaxais, o mais novo. Certo dia caiu dos céus maravilhosa chuva de quatro objetos, todos de ouro resplandecente: um arado, uma canga, uma espada e um frasco. Os três irmãos açodaram--se por tomar posse deles. Primeiro o intentou o mais velho. Não pode, entretanto, nem tocá-los, pois à sua aproximação, aquele inusitado tesouro pôs-se a arder em fogo, afastando Lipoxais. O mesmo ocorreu logo a seguir com Arpoxais. Quando, porém, o mais novo se achegou, os objetos, pelo contrário, como que misteriosamente domado seu furor ígneo, não lhe interpuseram qualquer ameaça nem obstáculo, cessando de imediato o fogo. E assim Colaxais tomou o tesouro dourado e levou-o para casa. Os irmãos mais velhos logo compreenderam o sentido manifesto por aquele prodígio: cederam a realeza dos Citas a Colaxais. Pelo imaginário ideado por essa história, a própria natureza conformada pelos desígnios de Zeus chuva de ouro decidia a identidade da pessoa régia a quem caberiam tais talismãs e insígnias do poder monárquico: o ouro, como que provido de discernimento de magia simpática, reconhecera sua afinidade humana porque discriminasse o rei eleito por Zeus.
Dioniso
O olhar de Zeus incansável a discernir belas mulheres, tantas bonecas de seus divertimentos terrestres, depara agora Semele em Tebas, filha de Cadmo e Harmonia.�
Todavia, sempre o mesmo dilema de amores incomodados por esposa ranheta mais furibunda de ciumes! Desta vez optou por visitas furtivas à bela virgem, às escondidas, ocultando sua presença tebana a todos (Hera inclusive?). Mas eis que a amante terrena se sente menosprezada por aquela união de amante diminuído, despojado de toda sua majestade, entretanto recurso astucioso porque passassem despercebidas suas escapadas maritais. Não, ela o queria em todo esplendor e glória porque conhecesse o que é amar um deus em toda pleitude! Que Zeus viesse justo como ele honrava a própria esposa no leito conjugal! Mas, e o poder de Hera, ficaria assim fora da história? Afinal, como ela o disse: "Não sou Juno suprema nos céus? Rainha do cetro flamejante? Não sou irmã e esposa de Jove onipotente?"� As versões do mito consoantemente contemplaram também a melhor (ou seria pior?) honorabilidade despótica da esposa de Zeus. Fora ela quem tramara o engôdo ao assumir a aparência de Beroe, ama de Semele, essas figuras servis sempre a par dos mais recônditos e inconfessáveis segredos dos amos, então induzindo-lhe aquele insensato pedido, ocasião de seu desvario.
E lá veio Zeus, todo paramentado de poderes, raios, trovões e relâmpagos! Disparou um deles a melhor impressionar a amante! "Névoa de fogo envolve Tebas irrompendo pela morada de Cadmo". Infeliz Semele vitimada por insensato pedido da parte de simples humano, a essa condição limitada, incapaz de suportar a fulminância do poder divino, ainda o maior de todos, Zeus! Apenas fugaz instante de pavor por reação, tudo de imediato consumindo o fogo celeste: Semele ardeu em chamas. 
Rápido Zeus salvou a criança abortada, retirada em meio ao fogo. Porque prematura, terminou a gestação em ventre masculino improvisado, costurando-a em sua própria coxa. Dali nasceu Dioniso, estranhíssimo parto! Assim o comentou Poseidon que, algo por despeito pela suzerania maior do irmão, associou o parto de Dioniso ao de Atena porque ironizasse o poder de Zeus a conjugar bizarra paternidade com maternidade: "ele engravida da cabeça aos pés"�. Foi então a criança entregue a Hermes, transportador divino que a confiou às ninfas (Híades) para os primeiros cuidados. Depois, novo translado expositivo�, transferida para Nisa. Onde? Uma caverna em montanha afastada, "na longínqua Fenícia, próximo às correntes do Egito". Ou seria na Índia, bem mais longe a oeste? Mas, sabe-se lá onde (im)precisamente ficasse?� Por qual Nisa for, o destino nomeado Dio-Niso comporta fundamento de natureza oriental, que o espírito ocidental, mormente clássico, rejeita, a ela avesso porque tida por transgressora em excessos, irracional, bárbara!
E Semele, que destino teve assim fulminada pelo raio de Zeus? Das chamas em que ardeu, nem cinzas restaram! Diz-se que "ascendeu aos céus, ficou imortal"! O que isso quer dizer? Nada! Apenas que desapareceu (do mundo)!
 Épafo (por Ápis)
Ínaco�, rei e rio de Argos, também deus, passa os dias em tristeza profunda, desconsolado, a jorrar torrentes de lágrimas. Chora por sua filha, Io, desaparecida, não sabe se ainda viva ou morta, procurou-a por todos os lugares, não a encontrou em nenhum! Inútil, ociosos leito mais tochas nupciais para uma princesa que o pai, esparançoso de descendente régio, carinhosamente apetrechara no palácio.
Um dia, às margens do rio, uma bela novilha, de refulgente brancura, se aproxima. Caminha em direção de Ínaco e Náiades que o acompanham. Encantados eles a tocam ternamente. O rei oferece-lhe ervas que acabara de colher. O animal lhe retribui carinhos: lambe-lhe as mãos, depõe beijos e lágrimas. De repente, põe-se a riscar com a pata a poeira do chão. Maravilha, o animal sabia escrever, uma mensagem ali é composta: "Socorro, pai! Sou Io, tua infortunada filha"!
Esvai-se o sonho do rei que conscientiza o fato desesperado: que genro agora senão por touro num rebanho que gerasse mais outro? Infortúnio sem fim de um pai porque deus, condenado a luto eterno, sem porta que abrisse trespasse para seu destino. Nisso, em meio aos lamentos de Ínaco, surge um desconhecido, "boiadeiro cheio de olhos, mil deles", que tudo vê. Empurra o rei, pega a novilha, e arrasta-a para longe desaparecendo no horizonte. Era Argos, filho de Arestor, encarregado por Hera da vigilância e guarda daquele animal, justo assim bem equipado pela miríade de olhos incansáveis de vigilância desperta, porque rodiziava pares em grupos sempre abertos quando os demais repousavam. Todo olhos, onividente nada lhe escapava, Io sempre vigiada onde se encontrasse: o olhar de Argos a controlava. À noite, amarrava-a prendendo-a pelo pescoco, encerrada numa cabana.
Foi Hermes quem a libertou. Atendia ordens de Zeus porque matasse o detestavel sentinela multiolhos. Anestesiou-lhe a guarda graças à arte de sua flauta de árias melodiosas que enebriam até brutos e bestas. Disparo de portentosa pedrada e eis Argos que tomba morto. Assim foi Io libertada da prisão ... mas não dos infortúnios. Terrível moscardo de dolorosa picada agora a persegue implacavel compelindo a fuga da novilha desvairada em errante peregrinação mundo afora. Intrigante itinerário a (des)alinhar (des)orientações de nomenclaturas tópicas que desconcertam qual geografia de moderna positividade pretenda mapeá-lo. Geografia que conjuga narrativa de mosaico de lugares entre familiares e fantásticos, infestados de monstros e criaturas congêneres, a imaginar espaço insólito de viagem terrivelmente sofrida. 
Então ela foi dar no Egito, destino teleológico da viagem inusitada de uma novilha que por fimreganha forma humana. Ali pariu o ser que gestava ... um touro, era de se esperar! Mais outro rebento viera ao mundo gerado por nova aventura amorosa de Zeus, especialmente atribulada pelas perseguições rancorosas dos ciumes de Hera, tanto mais que o inveterado adúltero olímpio ousara desta feita amar a própria sacerdotisa da deusa em Argos, "guardiã de seu palácio", Io filha de Ínaco. O deus viera "como touro, achegara-se à cornígera florinutrida novilha, cobriu-a, nela injetando seu sopro"�.
Os gregos o nomearam Épafo a assinalar o poder (mágico) do "toque de mãos de Zeus Tangedor"�. Já os egípcio o chamavam Ápis (Hapi).� 
Ora, Ápis figura, pelo que dá a entender sua representação em termos da ideologia estatal imaginada pelos antigos egípcios, a incarnação de espírito divino conjugado com faraônico vigente entre eles já por "muitos, muitos milênios"� antes que os helênicos (re)contassem a memória desse mito nomeando-o Épafo�. A epifania bovina manifestava-se de tempos em tempos, parido Ápis por concepção hierogâmica em que uma vaca ficava prenhe penetrada por raio celeste�. 
E a união amorosa de divindade celeste com novilha terrena era também milenar entre os mitos das civilizações do Próximo Oriente. Os acadianos a conheciam como o acasalamento de Sin (Deus-Lua) tomado de amores por Gémé-Sin (Serva-de-Sin) de "sedutora beleza, ornada de todos atrativos": por forma de jovem touro ardente, montou a Vaca e tomou sua virgindade"�. Entre os hurritas-hititas, é o Deus-Sol que ama a vaca nela gestando singular touro bípede, nascituro favorecido pelo deus que dispõe guarda de altivas aves mais serpentes que o defendem até que um pescador o recolhe, leva consigo e o adota�. Em Ugarit, Baal (Deus-Tempestade) copula o rebanho de vacas no pasto "sete sobre setenta vezes", montando-as "oito sobre oitenta vezes", obra procriadora em que o Deus, "pênis ereto", se regozijava.� 
Por umas e outras narrativas míticas celebram-se pela potência masculina procriadora a virtualização de honras e privilégios de soberania, justo condizentes com similares helênicas de etiologia genealógica� de linhagens humanas (líbios, semitas, argivos, egípcios, fenícios, tebanos) de correspondentes estirpes régias: de Épafo e seus descendentes originam-se Líbia, Baal, Dânao, Egito, Fênix, Cadmo.
Especialmente a narrativa acadiana dizia encantamentos rituais de tratamento mágico de assistência parturiante porque houvesse feliz nascimento. Mobilizam-se duas filhas de Anu� que descem dos céus para manipularem toques na gestante: uma esfrega óleo em sua fronte, a outra borrifa "água de parto" por todo o corpo. À terceira conjugação dos toques, o vitelo desce ao chão, logo nomeado Amar-ga (Vitelo-de-leite). Figuração encenadora de parto divino conformando aitia narrativa de encantamento de qual outro humano advenha: "De même que Gémé-Sin a nornalement (ainsi) enfanté, qu'enfante de même cette jeune femme dans les douleurs, que la sage femme n'ait pas d'obstacle, que la prégnante aisément se délivre"�.
Dentre as palavras de encantamento promissoras de um feliz parto, o canto acadiano dita o tempo da gestação: "quando ao termo dos dias e completados os meses"�. Também o comanda o canto hurrita-hitita ritmando a cadência mensal da evolução: "... o segundo, o terceiro, [quarto, quinto, sexto,, sétimo, oitavo], nono, e décimo mês chegou, [e a vaca pariu]"�. Por condizente correspondência o canto trágico esquileano das Suplicantes similarmente assinala o tempo do percurso em peregrinação errante pelo mundo por Io equivalente ao de sua gestação, justo demarcado pelos toques de Zeus, copulador a iniciá-lo e parturiente a terminá-lo: "Agora é invocar o vitelo de Zeus, filho da florinutrida novilha avoenga, ao sopro de Zeus: o tempo fatal cumpriu toque epônimo em bom parto, e pariu Épafo"�. 
Pelo imaginário que (des)ordena miticamente a (mais ou menos) fantasiosa (geografia do itinerário da) viagem de "longínquas errâncias" e reiterados "volteios" em que Io é "perseguida" pelo mundo afora, figuram-se mosaicos de "miseráveis fadigas, esgotamentos, penares e sofrimentos"�, tantas multiplicadas dores e aflições porque a heroicidade da natureza feminina é submetida às provas da maternidade�.
Héracles
Anfitrion retornava a Tebas vitorioso na guerra movida contra os teleboanos. Cumprira o comprometimento acertado com Alcmena, a esposa prometida: vingara a "morte de seus irmãos", fizera "arder em fogo as aldeias" de seus assassinos. Vinha, pois, ávido de amor, ardoroso por fruir o prêmio que ela prometera: consumar o casamento em noite de união amorosa. Promessa de segura certeza porque avalizada por figura feminina de irrepreensível castidade: "pudica esposa, que no ânimo honrava o esposo como nenhuma outra das mulheres femininas".
Ao chegar, entretanto, fria e decepcionante acolhida! Nenhuma demonstração de surpresa nem de contentamento exultante por sua volta, nenhuma aflição a inquirir se cumprira o voto guerreiro, nenhum açodamento por inteirar-se dos acontecimentos! O herói queixou-se. Ora, reagiu ela, estarrecida: já estava ao par de tudo, passara a noite toda com ele, longuíssima, entre amores e relatos. Totalmente inaceitável justificativa, absurda! Ele acabara de chegar, viajara a noite toda! Herói inconformado! Indignou-se porque duplamente traído ao ensejo de sua ausência guerreira: de um lado, furtivo amante, de outro, esposa tratante. 
A resolver o impasse, consulta ao adivinho tebano, especialmente célebre, Tirésias, que conhecia os segredos de mistérios desconhecidos pelos demais homens: fora Zeus o visitante noturno de uma virgindade feminina roubada! Mais outro de seus ardis, engôdo porque ludibriara a fidelidade de Alcmena: tomara a aparência de Anfitríon! O fizera porque Tyrannós: maníaco por posses de belas virgens alheias. Triplicou a duração da noite, tanto mais retardando a volta do marido. Desfeitos os mistérios, o herói subiu também ao leito com a esposa. 
Conta Diodoro Sículo� que Alcmena, temerosa pelos ciúmes de Hera, fêz expor a criança recém-nascida no campo. Aconteceu de Atena e Hera por lá passarem. Aquela primeira deusa, desde o princípio protetora do herói mas carente das disposições naturais próprias da condição feminina materna, persuadiu a mãe a que desse o seio a uma criança assim tão vigorosa e robusta. Ela prontamente o fêz, mas logo se arrependeu, gritando de dor à primeira sugada violenta daquele portento de força: arremessou-o longe, e do leite assim aspergido pelo céu originou-se a Via Láctea. Já Atena recolheu a criança, entregando-a a Alcmena, para que a criasse, assim já primeiro divinamente amamentada. Pelas tramas intrigantes do relato mítico, justa peripécia que voltava seus efeitos contra Hera: ela, que primeiro ludibriara Zeus nos episódios dos partos do filhos por ele gerados – o de Alcmena retardado no caso de Héracles, e o de Nicippe adiantado, no de Euristeu -, via-se agora vítima de engodo�, a prover de leite divino aquela criança, entretanto, objeto do furor rancoroso de seus ciúmes contra o marido mulherengo. Nesse sentido o assinalou a moral da história de Diodoro Sículo: a inesperada reviravolta do caso bem suscita admiração, pois a mãe cujo dever era amar seu rebento tentara destruí-lo, ao passo que aquela que lhe dedicava ódio de madrasta, insciente salvou a vida de quem era seu inimigo. Mas Hera ainda assim não desistiu de seus intentos assassinos e prolongou a exposição da criança, transladando para o local do berço onde estava abrigada no palácio o contexto natural em que ela ficava entregue às sanhas de feras selvagens: fêz duas serpentes invadirem o recinto. Exposição, todavia, novamente frustrada, pois já de princípio firmara-se a natureza de força superlativa que distinguia o destino daquele filho de Zeus: agarrou a ambas pelo colo e as estrangulou.� Por tais mitos etiológicos, diz Diodoro Sículo, definira-se o nome do menino, primeiro chamado Alceu, mas antes famoso como Glória (pela ajuda) de Hera.
A Anfitríon coube, pois, por compensaçãode todo aquele imbroglio amoroso a (in)glória de ter Zeus por rival de paternidade heróica. Da união dupla de Alcmena nasceram dois filhos. Por Zeus, Héracles, famosíssimo herói! Por Anfitríon, Íficles. Quem? ... Pífio, espúreo consolo de herói traído!�
Hipótoon
Junto ao Tholos que abrigava a sede do Conselho dos Quinhentos via-se na ágora de Atenas as estátuas dos dez heróis epônimos da organização tribal da cidade. Um deles tinha por nome Hippothoon, ancestral da linhagem Hipotontida.� 
Que história dele se contava?
Certo dia (mítico) dois pastores vieram ter à corte de Cércion, rei de Elêusis, submetendo a seu julgamento a contenda porque eles disputavam certa posse de belíssimos, luxuosos panos. Um deles os achara agasalhando uma criança abandonda em área de suas pastagens. O outro solicitara-lhe que bem gostaria de criar aquele menino, tomando-o por filho. Porque pastores ladinos um e outro, ciosos antes pelos ricos panos que pela infortunada criança, aquele deu a este apenas o menino, retendo os panos! Pelo que o outro, ressentindo-se do ludíbrio que o prejudicara, levou o caso à justiça régia a reclamar plena posse de bens contra perdas. Deram-se mal um e outro, pois logo se viu quem era o correto proprietário: o rei bem os reconheceu, aqueles panos pertenciam ao enxoval de sua filha, Álope, justo luxuosos porque régios! 
Rei furioso, tanto mais intrigado por saber quem fosse aquela criança e porque trajava tais panos? A velha ama de Álope, apavorada por ameaças régias, confessou como ajudara a princesa a livrar-se da criança a que dera à luz. Gravidêz misteriosa de princesa virgem, ainda perturbadora porque pai desconhecido. Recurso canônico em tais casos: livrar-se do fruto proibido em rito de exposição. Largada a criança à morte, uma mula (égua ou jumenta) a amamentara e os pastores a recolheram, dando-lhe condizente nome: Hippothoon!
Outro herói viera ao mundo, diz-se que agora por artes amorosas de Poseidon, atraida sua atenção erótica pela beleza de Álope. Simples abraço do deus marinho e eis outra virgem desflorada!�
 Íon
Apolo, na gruta junto ao rochedo da Acrópole de Atenas, gerou um filho de Creúsa, filha de Erectheus. O menino veio à luz lá também na gruta, sendo abandonado em exposição; a mãe deixou a criança em um cesto trançado, esperançosa de que Apolo não deixaria seu filho perecer. Por solicitação de Apolo, Hermeu levou a criança naquela mesma noite para Delfos, onde a sacerdotisa o encontrou de manhâ junto à entrada do templo. Ela criou o menino e, quando ja era jovem, fez dele um servidor do templo. Erectheus, posteriormente, deu sua filha Creúsa em casamento a Xuthos. Como o casamento permanecesse por longo tempo infértil, eles se dirigiram ao oráculo de Delfos, rogando a ventura de terem filhos. O deu revelou a Xuthos que o primeiro que ele encontrasse ao sair do templo era seu filho. Ele correu para fora, deparando com o jovem, a quem alegremente saudou como seu filho, dando-lhe o nome de Íon, que significa "passante". Creúsa recusou-se a aceitar o jovem como seu filho; sua tentativa de envenená-lo falhou, e as pessoas furiosas voltaram-se contra ela. Íon estava a ponto de golpeá-la, quando Apolo, a fim de que o filho não matasse sua própria mãe, iluminou o espírito da sacerdotisa de modo que ela compreendesse a conexão. Graças ao cesto em que a criança recém-nascida fora colocada, Creúsa o reconheceu como seu filho, revelando-lhe o segredo de seu nascimento.
Creúsa, a princesa ateniense filha de Erecteu, livra-se do fardo suspeito da criança que parira em segredo, ocultando-a abandonada na mesma gruta em que fora secretamente concebida, lá possuída em jugo conjugal por Apolo: localidade das Altas Rochas, sob o monte de Palas, face norte. Justamente ambíguos, todavia, os cuidados maternos assim dispensados à criança. Pois, bem lá a deixa abandonada a virtualizar sua morte. E, todavia, também cerca a criança por zelos de desígnios protetores, valendo-se dos costumes de magia apotropaica com que os atenienses mimetizavam para seus filhos recém-nascidos a salvação mítica de Erictônio, guardado no cesto por duas serpentes. Assim o fez Creúsa, por modos ritualmente piedosos: no cesto, apetrechado de fitas, junto com o menino deixou o amuleto de suas jóias virginais, serpentes áureas de cintilantes bocas, dádiva de Atena, e ainda o envolveu em manto com a Górgona figurada no centro mais franjas de serpentes, motivo da égide. Tudo consagrou, por fim, com coroa de oliveira.�
No mito de Íon, a criança, abandonada pela mãe Creúsa na gruta mesma em que fora concebida pelos amores de Apolo, é um deus, Hermes, a mando do progenitor, seu irmão, quem recolhe o menino, o transporta e depõe na entrada do templo délfico. Trama mítica porque o pai divino abriga em sua morada terrena o filho de destino heróico.
Abraão (pelos Anjos) e Sara: Isaac
Abraão e Sara, união estéril, ele já centenário, ela noventa anos. Certo dia, vozes lhes disseram: "de Sara nascerá um filho em um ano, neste mesmo tempo". Ambos riram! Por qual (in)sensatez reagir àquuela fala não outra que de brincadeira? Todavia, assim ocorreu: parido o filho por Sara no prazo anunciado!
Quê mistério se passara? Como fora (idealizada) a concepção do filho a contrariar os modos e condições humanas de procriação? Por qual enigmático agenciamento de contato físico? O eflúvio sonoro de uma voz chegou até Sara penetrando-lhe o corpo porque gestasse o filho. A voz mesma da anunciação! A conversa se dera "junto ao carvalho de Mambré" entre Abraão e três desconhecidos de passagem por sua tenda, então acolhidos por todos os dons e benesses de exemplar hospitalidade. Sara escutava por trás da porta, e lá a pressão do som a alcançou.
Mas eis que já algo crescido o menino, Isaac filho de Abraão e Sara, a voz divina retorna a agora por decisivamente à prova a fé inabalável de Abraão em Deus por pronta confiança e obediência no cumprimento de suas ordens. Então lhe ditou: "Toma teu único fiho Isaac a quem tanto amas, dirigi-te à terra de Moriá e oferece-o ali em holocausto sobre um monte que te indicar". Ele assim o fez sem questionar nada! E subiram sacrificar a Deus no alto do monte, Abraão e Isaac. Mas a curiosidade do menino extranhou: levavam lenha e fogo, mas não o cordeiro? O pai respondeu: "Deus providenciará o cordeiro para o holocausto, meu filho". Pobre criança inocente!
Já a mão tensiionada elevara a faca sacrificial voltada contra o filho amarrado ao altar, mas de novo e mais outra vez intervem a voz encerrando a prova: "Não estendas a mão contra o menino e não lhe faças mal algum. Agora sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu único filho".
E assim nasceu e salvou-se mais outro herói. Pelo riso incrédulo dos pais foi nomeado Isaac, "o que ri". Por qual finalidade viera ao mundo a procriar a descendência de Abraão? Também o disse a mesma voz: "Teus descendentes conquistarão as cidades dos inimigos. Por tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra, porque tu me obedeceste". A salvação do herói se dá por exposição de sacrifício manqué, a menos do holocausto do cordeiro. 
Então, quem os homens elegem a valer por (figuração de) cordeiro nos holocaustos porque conquistam cidades em nome de qual Deus? Tem vários nomes: Jahvé, Cristo, Alah, Odin ... sempre se inventa um e se iludem mais histórias! 
"Nações abençoadas"? Ora!
Jesus
Um menino recém-nascido é apresentado no templo de Jerusalém por seus pais a instituir o reconhecimento sacralizado de filiação pelo casal: o marido, bem idoso, a esposa, bem jovem. As testemunhas que presenciam a cerimônia compõem olhares distintos: as mulheres, mais pio e compassivo; os homens, entre sisudo e algo desconfiado. Quem são, porque se encenem tais (des)confianças de paternidade? Ele José, filho de Jacó, descendente na linhagem da casa régia de Davi. Ela, a Virgem Maria. 
E a história que se conta desse nascimento condiz com as (des)crenças suscitadas por seus dilemas. Assim o dizem os Evangelistas, Lucase Mateus�. 
Certo dia, ao sexto mês da gravidez de Isabel, sua prima Maria, residente em Nazaré na Galiléia, então "virgem prometida em casamento a José", foi visitada pelo anjo Gabriel enviado por Deus porque lhe anunciasse: "Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo! Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás em teu seio e darás à luz um filho e lhe darás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai. Ele reinará na casa de Jacó pelos séculos e seu reino não terá fim".
Diante do protesto de sua reação perplexa com aquele fato de uma gestação inusitada por jovem virgem que não conhecia homens em relações maritais, o Anjo desvendou o mistério do parto virginal por obra de paternidade divina: "O Espírito Santo virá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá de sua sombra e é por isso que o Santo gerado será chamado Filho de Deus. Para Deus nada é impossivel". E dela se afastou o Anjo. O pintor renascentista� visualizou a belíssima, cândida cena da Anunciação, figurando a visita, junto com o Anjo, do pombo planando em sol refulgente de que se projeta "por sombra" jorro dourado de luz dirigido a (quase) tocar o peito da virgem, a iluminando. 
E assim a Virgem Maria, apenas prometida em casamento a José e ainda não habitando com ele, ficou grávida do Espírito Santo. Porque apaziguasse o espírito do marido também surpreso a hesitar se a abandonava, o Anjo apareceu-lhe em sonho e disse: "José, filho de Davi, não tenhas receio de receber Maria, tua esposa. Pois, o que nela foi gerado é do Espírito Santo. Dará à luz um filho, a quem darás o nome de Jesus. É ele que salvará o povo de seus pecados. Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta nas palavras: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, cujo nome será Emanuel, que significa: Deus conosco". O homem, justo e piedoso, então acolheu a virgem grávida "e não a conheceu até que desse à luz o filho, pondo-lhe por nome Jesus".
Quando do nascimento de Jesus, era o tempo do reinado de Herodes, e certo dia, pela data do "primeiro recenseamento no governo de Quirino na Síria", três Magos vieram a seu palácio em Jerusalém inquirindo-lhe: "onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Vimos sua estrela no oriente e viemos adorá-lo". Quem assim imaginava sê-lo, inquietou-se por notícia de mau augúrio que lhe ameaçava o trono. Consultou os sumos sacerdotes e os escribas do reino, que tiraram dos livros sagrados a revelação de que o "Cristo nasceria em Belém da Judéia", pois assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de forma alguma és o menor dos distritos de Judá, porque de ti sairá um chefe que apascentará meu povo Israel". Astucioso porque meditava perversidades, Herodes infrmou os Magos a direção de Belém, em contrapartida pedindo-lhes: "Ide e investigai sobre o menino e quando o tiverdes encontrado, comunicai-me para eu também ir prestar-lhe homenagem".
Lá se foram os Magos pelo caminho de Belém, sempre guiados pela estrela que "ia à frente deles até parar sobre o lugar onde estava o menino", encontrando-o "envolto em panos deitado numa manjedoura". "Regozijantes cairam por terra e o adoraram. Abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes, ouro, incenso e mirra". E partiram de volta para sua terra desviando de Jerusalém, pois instruções de um sonho os advertiram a que não retornassem junto de Herodes. Em mais outro sonho de mântica divina, foi José instruído porque finalizasse a salvação do menino: "Levanta, toma o menino e a mãe e foge para o Egito e fica lá até que te avise. Pois Herodes vai procurar o menino para matar". 
Frustrada a astúcia do rei que ficou em Jerusalém a aguardar impaciente o retorno de Magos que jamais lá voltavam, o furor o tomou, agora decidido a resguardar seu trono contra a ameaça de um desconhecido concorrente pelos modos complementares do déspota: "mandou massacrar em Belém e arredores todos os meninos, de dois anos para baixo, segundo a data que tinha averiguado com os magos". Quanto então foram chacinados em contrapartida à salvação do herói? Os Evangelhos não o contabilizaram, a não ser vagamente por alusiva metáfora porque dissesse apenas o desepero das mães das inocentes vítimas: "Cumpriu-se assim o que foi dito pelo profeta Jeremias com as palavras: Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos, e não quer consolar-se porque os perdeu".�
Enigmática razão contábil porque as Escrituras concebem a (in)justiça dos desígnios divinos! 
entre os Doutores do Templo
O Evangelho de Lucas� guardou-nos história de análogo episódio de tópica heróica referida ao Jesus criança.
Tempo de Festa da Páscoa celebrada em Jerusalém. José e Maria para lá foram, levando Jesus então aos doze anos de idade. Encerradas as festividades, tomaram a caravana de volta. De repente, se deram conta: Jesus não estava com eles, sumira em algum lugar! Retornaram, pois, pela trilha e procuraram um dia todo por entre parentes e conhecidos. Nada de Jesus! Retornaram a Jerusalém. porque o procurassem. "Três dias depois, o encontraram no Templo". O que lá fazia todo esse tempo? "Sentado no meio dos doutores, ouvia e fazia perguntas. Todos que o escutavam, maravilhavam-se da inteligência e de suas respostas".
A Mãe, angustiada por zelosos cuidados, inquiriu o menino: "Filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te procurávamos". Ao que Jesus respondeu: "Por que me procuráveis? Não sabeis que eu devia estar na casa de meu Pai?". Para a inocência pura da virginal mãe e à modéstia respeitosa do piedoso pai, razão ainda mais enigmática que o misterioso desaparecimento de Jesus em Jerusalém: "não entenderam o que ele lhes dizia". Voltaram para Nazaré, e Jesus era "submisso aos pais, crescia em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens".
Desde criança, pois, Jesus conhecia os mistérios e segredos da palavra do Pai e seu reino celeste.
Minos
Cena de ares campestres de poética bucólica, idílica, alexandrina�: princesa, ainda virgem, cercada por queridas companheiras, todas jovens, as flores da elite do reino, entretêm a vida despreocupada em divertimentos de danças, deleites do corpo por banhos em rios límpidos, mais colheita de fragrâncias de lírios, jacintos, narcisos, tomilhos, açafrões, violetas e rosas vicejantes em primaveris campinas perfumadas. Campos que confinam a praia, alegrados pela música das ondas.
Quem a virginal princesa? Graciosa, adorável Europa, filha de Agenor rei de Tiro (ou Sídon?) na Fenícia. Apelos de delícias femininas que jamais escapam aos olhos de Zeus submisso aos prazeres de Afrodite. Porém, transgressor em inveterados adultérios, amásio também astucioso porque ludibriasse a vigilância ciumenta de esposa rancorosa, nomeada Hera. A ainda fruir mais outro ensejo amoroso, (des)aparece aos olhos do mundo sob epifania de touro. Adorna a figura taurina de encantos sedutores: corpo que resplende tons castanhos, fascínio de círculo argênteo entre as sobrancelhas, olhos de brilho terno de que flui a luz do desejo, mais chifres viris em desenho de perfeito crescente, todo ele exalando celestes odores afrodisíacos. Acolheu-se junto aos pés da bela princesa, acariciou-lhe o pescoço em suaves toques de lambidas. Poderosos feitiços amorosos porque a jovem devolve carícias com beijo. Gentis e graciosos gestos de cortejos finais com que o touro se abaixa aos pés da virgem e por terno olhar a convida a nele sentar-se.�
A jovem se rende ao fascínio que liberta todas (des)confianças virginais porque fruisse novo divertiimento de uma cavalgada que se recomendava por tãos gentis, amaveis e cândidos encantos humanizadores. Entregou-se, indefesa, à montaria. 
Eis que o touro, agora só animalidade de macho, salta abrupto em mergulho navegante pelas ondas do mar. Guiado pela cúmplice solidariedade de divindades marinhas (Poseidon mais Nereidas, além de golfinhos, tritõese outras criaturas mais), finaliza-se o destino daquele rapto: o casal avança na direção de Creta. Então touro que (re)ganha modos e formas humanas (ou seriam divinas?) por declarações pomposas porque se identifica: "Sou Zeus a gerar em ti gloriosos filhos, reis-cetrados sobre a terra"! Ela acredita! Pronto! Na caverna do monte Dicte hímen virginal rompido, consuma-se mais outra hierogamia por gestação de três novos heróis que adviriam ao mundo: Minos, Radamanto e Sarpédon.
Tudo aconteceu em dia do calendário romano antecedente aos Idos quando o Touro ascende a fronte estrelada no céu�. História picante de amores que deleitou regozijante o olhar divino em autópsia de testemunho da veracidade do acontecimento, o vento ocidental, nomeado Zéfiro, que a contou a seu irmão, o vento meridional, dito Notos, pelo que este lamentou a contrapartida de sua desafortunada geografia de sopros por cenários de apenas "grifos, elefantes e negros".� E história também comprovada por etiologia de rito, o festival das Hellotia (cretenses), quando "os ossos de Europa" eram levados por esposos em procissão na guirlanda entrelaçada de mirto�.
Quantos histórias de enganos de seduções masculinas que iludem ingenuidades femininas em (in)suspeitos amores porque perdem a virgindade. Eis translado cretense de Europa original de rincões asiáticos vítimada por rapto furtivo por um trapaceiro olímpio, pirata contrabandista que infesta os mares�. Prenúncios míticos anunciadores de prolongadas "histórias de roubos"� em que reiteram-se cruzadas ocidentais investindo contra terras orientais porque Europa conquiste e domine Ásia, sejam lá por quais (des)configurações antitéticas de intrigas discursivas se ideologizem as (in)justiças das pretensões imperiais ancoradas em histórias de profecias oníricas�.
Nestor
a areté da prudência (in)experiente da velhice (juvenil)
Quando aqueus e troianos pactuavam os modos rituais de realizar o “juramento de amizade” oferecendo a Zeus “leais sacrifícios” porque ambos os exércitos, na figura de seus respectivos comandantes, comprometessem inabalável respeito ao resultado do duelo que se travaria entre Páris e Menelau como justo desfecho da guerra a definir quem deles, por “vencer e mostrar ser o melhor”, deteria Helena com seus bens e pertences, o herói grego recusou que os filhos de Príamo o realizassem, acusando-os de “sobraceiros”, a arrogar-se excessiva potência, e “inconfiáveis”, por atuações inconstantes e mutáveis.� Impôs então como condição que fosse Príamo, o velho rei, quem o prestasse, nestes termos justificando sua posição: "sempre inconstantes são os espíritos dos jovens; mas quando participa um ancião, ele olha bem para trás e para a frente, para que tudo corra bem a ambas as partes".�
Os jovens, ao que argumenta o dito de Menelau, atuam por pensamentos e desígnios comandados exclusivamente pelos móbiles e desejos do momento, (in)subordinando o (des)acato de seus (des)compromissos consoante cambiantes apreciações de (in)conveniências e (des)vantagens pessoais. Modos volúveis e injustos porque atendem a seus próprios fugazes interesses. A miopia estigmatiza o olhar dos jovens que enxergam apenas o presente atualizado interiormente como o querer deles mesmos. Já os anciães, pelo contrário, conformam a decisão por (pre)visão sinóptica total, olhando tudo e todos ao mesmo tempo, “para trás e para a frente”, a vislumbrar tanto o passado quanto o futuro. Assim discernem as razões que deliberam a correta decisão, como tal acertada pelos preceitos e prescrições que a experiência do saber memoriza e projeta a conciliar a história humana ordenada consoante a figuração conceitual dita pelo mito Justiça de Zeus. 
Pela (retro)visão (da história) dos fatos passados, o sábio, venerável ancião por condizente acúmulo de experiência das coisas do mundo, discerne a (pre)visão do suceder futuro dos acontecimentos. Tal a precípua virtuosidade de espírito que distingue a figura heróica do conselheiro excelente dotado de palavra deliberativa de justo acerto. Como tal firmam-se no poema as famas que distinguem conceitualmente os nomes de Príamo, ao que reclama a voz (poética) de Menelau, e especialmente o de Nestor, reiteradamente assim proclamado por Homero.�
No épos homérico, Nestor especialmente caracteriza a figura do conselheiro prudente, “que para lá de qualquer outro sabe o que é justo e sensato”� -, excelência bem respaldada pela autoridade que veneranda velhice assinala. 
Assim o diz a Ilíada: "Vira morrer já duas gerações de homens mortais, dos que com ele nasceram e foram alimentados na sacra Pilos; e agora reinava sobre a terceira".� Similarmente o repete a Odisséia: "Três vezes, diz-se, regeu gerações de homens".�
Que a existência heróica de Nestor persistia por eras de gerações passadas, Homero o expressa incisivamente ao contrapô-la à geração mesma de Aquiles e Agamêmnon, os aqueus sitiantes de Tróia. Por ocasião da querela entre ambos, reclamou Nestor que os heróis acatassem seus conselhos, visto serem mais jovens do que ele, e assim bem atentassem para o fato exemplar de que já guerreiros de outrora (muito superiores aos atuais e que jamais de novo se veriam), em cuja companhia Nestor mensurava seu valor, também acolhiam seus pronunciamentos. Tais eram: Pirítoo, Driante, Ceneu, Exádio, Polifemo, Teseu e Egeu.� Essa era a geração heróica com quem Nestor plenamente compartilhava experiência guerreira. Tempo heróico de Teseu, e também de Héracles que em Pilos mesma matara todos os filhos de Neleu, sendo poupado apenas ele, Nestor, então iniciando sua trajetória heróica.� Nestor, elo a vincular a passagem das gerações heróicas.
Quão avançado em anos era, portanto, Nestor, ao participar ainda da campanha contra Tróia? Mais de sessenta, beirando mesmo os setenta, ao que intentam avaliar os críticos modernos, adotando para seus cálculos a usual estimativa de trinta anos para uma geração.� Entretanto, concepção de velhice que o poeta épico diz, não quantitativamente mensurando-a em anos, como nós modernos, mas sim qualitativamente, ao reiterar no poema a memória de sua impotência de ação guerreira. Assim Nestor insistentemente lembra o irreversível declínio do vigor em seus membros, agora já faltos de firmeza e flexibilidade, com pés e braços que não conhecem mais a agilidade dos movimentos por “penosa velhice que lhe pesa”.� Sequer dos jogos pode se dispor a participar, de nenhum deles, quer pugilato, luta, arremesso de dardo ou corrida. Feitos guerreiros ou atléticos são agora, para Nestor, apenas reminiscências de tempos findos, da juventude, quando guerreava os eleus na disputa de rebanhos, ou quando da expedição contra os arcádios, ou quando primara em vários concursos nos funerais em honra de Amarinceu. Reminiscências de um ser guerreiro de outrora, a lamentar-se nostalgicamente pelo irrealizável desejo invariavelmente expresso: “Quem me dera ser novo e ter firmeza na minha força”.� Para Nestor, o ancião, era o tempo da inatividade guerreira, da privação de desempenho de esforço mais propriamente bélico.
E, todavia, lá estava Nestor presente diante de Tróia, a participar do empenho guerreiro dos aqueus! Quando Agamêmnon, em uma de suas inspeções de comandante diligente, percorria suas tropas a certificar-se do bom ânimo guerreiro de todos, encontrou o velho Nestor zeloso em ordenar e estimular seus comandados, logo se regozijou com sua atuação, tecendo-lhe sinceras loas:
"Ancião, prouvera que, à semelhança do coração no teu peito, também os teus membros te obedecessem e fosse firme a tua força! Mas a velhice que chega a todos te oprime. Quem dera que outro tivesse a tua idade, e que tu próprio fosses um dos mancebos".�
A bem apreciar a capacidade intelectiva de comando guerreiro que Nestor põe em ação, Agamêmnon lamenta o fato da velhice humana, que condiciona os limites da atuação guerreira. Que guerreiro não seria Nestor se ao descortino do espírito ainda aliasse o vigor da juventude, a desdobrar-se em iguais valiosos préstimos beligerantes! Perda insuperável

Outros materiais